Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:55/24.2BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário:I - O erro na forma de processo constitui exceção dilatória que determinará a anulação de todo o processo e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada.
II - No entanto, se verificada na fase liminar do processo, e não havendo possibilidade de convolação, a exceção é por isso insanável, dando lugar ao indeferimento liminar da petição.
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a F…, Unipessoal, Lda., (Zona Franca da Madeira), apresentar recurso jurisdicional contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que rejeitou a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT, contra ato do órgão de execução fiscal por “ter sido apresentada fora do tempo apropriado, sendo por isso extemporânea face à ausência de decisão da administração tributária”.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo TAF do Funchal, que determinou a rejeição da reclamação judicial deduzida, nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão da execução fiscal, referente ao processo de execução fiscal n.º 2810202301257390, para cobrança coerciva de IRC, do ano de 2018, no montante total de € 275.059,16, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira;

B. O presente recurso deve ter subida imediata nos próprios autos para o Tribunal
Central Administrativo Sul (artigos 280.º, n.º1, 286.º, n.º 1 do CPPT e artigo 26.º, al. b), a contrario, e artigo 38.º, n.º 1, al.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)), por ter por objeto uma decisão que não conheceu do mérito da causa, e efeito suspensivo (artigos 278.º, n.º 3 e 6 e 286.º, n.º2 do CPPT), sob pena de ficar comprometido o efeito útil do mesmo;

C. O Tribunal a quo concluiu pela extemporaneidade da reclamação, por ter sido
apresentada fora do tempo apropriado, face à ausência de decisão da AT sobre o
requerimento da Reclamante a arguir a nulidade da citação.

D. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento;

E. O Tribunal a quo entendeu erradamente que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente era o ato de citação efetuado no âmbito do processo de execução fiscal;

F. Na sequência do ato de citação, a Recorrente reagiu através de 3 meios de reação diferentes de acordo com os fundamentos aplicáveis:
a. arguiu, perante a AT, a nulidade da citação;
b. deduziu oposição à execução fiscal; e
c. apresentou a presente reclamação judicial da decisão que conheceu através do conteúdo da citação no âmbito do processo de execução fiscal.

G. No entanto, a arguição da nulidade da citação, suscitada através do requerimento deduzido pela ora Recorrente, não se confunde com a reclamação apresentada na sequência da decisão de proceder à citação, nos termos em que foi efetuada e de definir regras distintas para o curso do processo executivo;

H. O ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa;

I. O objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal;

J. Na reclamação judicial apresentada, a Recorrente não imputa os vícios próprios do ato de citação, mas vícios do processo de execução:
a. o vício material da ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, de desaplicação de parte das garantias dos contribuintes no âmbito dos procedimentos de cobrança coerciva; e
b. não o vício formal de nulidade da citação, decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos, que foi contestado no requerimento de arguição de nulidade da citação já apresentado;

K. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais), mas antes do ato administrativo prévio e implícito à tomada de decisão de elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram;

L. Estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que a Recorrente tomou conhecimento através da citação e que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do
CPPT no prazo de 10 dias, não havendo qualquer extemporaneidade inerente à reclamação deduzida;

M. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância;

N. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de não aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

O. Para esse efeito, a reclamação deduzida é o meio próprio e foi apresentado no tempo apropriado.

P. Em face de tudo quanto vem de se expor, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos;

Q. Requer-se ainda a dispensa do pagamento remanescente por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no artigo 6º, nº 7, do RCP, a qual deverá aplicar-se quer em sede de primeira instância, quer do presente recurso.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne:
i) admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado;
ii) revogar a Sentença recorrida, substituí-la por outra que determine o prosseguimento dos autos; e
iii) decidir pela dispensa do pagamento do remanescente no presente processo.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, sem conclusões, tendo formulado os seguintes pedidos:
“Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V/ Exa. mui doutamente suprirá, deve:
i) ser julgada procedente a nulidade de erro na forma do processo e, em consequência, ser ordenada a convolação dos autos na forma adequada; ou, caso assim não entenda V. Exa.,
ii) a atribuição de subida diferida à presente Reclamação, nos termos do n.º 1 do art.º 278.º do CPPT;
iii) ser recusada a atribuição do efeito suspensivo da execução previsto art.º n.º 8 do art.º 278.º do CPPT, em conformidade com o disposto no artigo 16.º, n.º 3 do Regulamento (UE) 2015/1589, de 13/07/2015 e do art.º 4.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia;
iv) ser julgada a presente reclamação de atos de órgão de execução fiscal totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, ser a Fazenda Pública absolvida do pedido, tudo com todas as legais consequências.”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo a procedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações, importa decidir se, tal como afirma a Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal enferma de erro de julgamento ao ter considerado a reclamação intempestiva.
Importa ainda decidir do efeito fixado ao presente recurso, porquanto no despacho de admissão do recurso pelo Tribunal a quo foi fixado o efeito meramente devolutivo peticionando a Recorrente a fixação do efeito suspensivo.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em fixar o probatório nos seguintes termos:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal 1 foi instaurado contra F…, UNIPESSOAL LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), o processo de execução fiscal n.º 281…., com vista à cobrança coerciva de dívida de IRC de 2018/Recuperação de auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira no montante de € 275.059,16 (cfr. doc. 005211032 31-01-2024 20:02:07 numeração SITAF);

2. Em 30/12/2023 foi emitida a citação do processo nº 281… dirigida à ora Recorrente, com o seguinte teor:
“Fica citado(a)1 da instauração do processo de execução fiscal identificado para cobrança da seguinte dívida:
1) A dívida em causa decorre do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira2, podendo ser consultada na sua área reservada do Portal das Finanças3.
2) A contar da presente citação deverá pagar a totalidade da dívida no montante total de € 275.059,16, no prazo de 30 dias, utilizando a referência de pagamento infra, no Multibanco, nos CTT, nas Instituições Bancárias, através de homebanking ou junto dos Serviços de Finanças. Após os 30 dias, deve emitir um novo documento de pagamento, na sua área reservada do Portal das Finanças ou solicitar a sua emissão junto de um Serviço de Finanças.
3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:
a) Requerer Dação em Pagamento4, através de bens móveis e imóveis;
b) Apresentar Oposição Judicial5, com os fundamentos previstos na lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.
4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.










(cfr. pág 4 do doc. 005211033 31-01-2024 20:02:07 numeração SITAF)

3. Em 15/01/2024 foi apresentada por via eletrónica e posteriormente enviada através do registo postal RL 131… de 16/01/2024 a reclamação nos termos do art. 276º do CPPT contra “a decisão da Exmª Srª Directora de Finanças do Funchal da decisão de recusa da (i) possibilidade de pagamento da dívida em prestações e de (ii) reconhecimento de efeito suspensivo à oposição à execução, em razão da natureza da dívida exigida no processo de execução fiscal nº 281…” peticionando a final “(…) requer a este Tribunal se digne admitir a presente reclamação, com efeito suspensivo e subida imediata nos autos, e julgá-la procedente por provada, anulando o ato aqui reclamado, com as demais consequências legais” (cfr. doc. 005211032 31-01-2024 20:02:07 numeração SITAF).

4. Com data de 26/01/2024 foi dirigido ao Serviço de Finanças do Funchal 1 em nome da ora Recorrente e com referência ao processo de execução fiscal 281…, requerimento de arguição de nulidade da citação como consta do documento 005211040 14-02-2024 19:51:35 numeração SITAF.

5. Em 20/02/2024 o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal proferiu decisão com o seguinte teor:
Cumpre apreciar liminarmente.
O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional, cf. art. 102.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
A Reclamação prevista nos artigos 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário é o meio processual tipificado e adequado a conferir tutela jurídica quanto às decisões do órgão da execução fiscal que no processo de execução fiscal afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro.
A tutela jurídica prevista no Código de Procedimento e de Processo Tributário através da Reclamação para o Tribunal Tributário de 1.ª instância, quanto às decisões do órgão da execução fiscal, pressupõe a utilização do meio gracioso perante a Administração Fiscal e deve ser concretizada pela Reclamante previamente ao recurso aos tribunais.
Sobre a decisão tomada pela Administração Tributária haverá, então, lugar à obtenção de tutela judicial através da Reclamação.
Constitui, assim, um pressuposto processual inominado de cuja verificação depende o recurso ao processo de reclamação previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em conformidade com o exposto a Reclamante apresentou junto do órgão da execução fiscal um requerimento onde arguiu a nulidade da citação por preterição das formalidades legais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Cf. doc. 1 junto aos autos.
Concluindo no requerido pela verificação da nulidade insanável decorrente da falta de elementos legais essenciais da citação tais como previstos nos arts 189.º, n.º 1, e art. 190.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, a Reclamante suscitou através de um meio de tutela administrativa junto do órgão da execução fiscal a nulidade da citação, com fundamento em aspectos formais desse mesmo acto de citação, e pelo facto de na mesma constar, em alegada violação da lei, que a oposição não terá efeito suspensivo e que não pode ser requerido o pagamento em prestações, em face das características da dívida.
Qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão de formalidades legais, seja por violação de formalidades legais, não é susceptível de reacção directa do executado para o Tribunal Tributário.
E a nulidade da citação deve ser arguida, como foi, em primeira linha junto do órgão da execução fiscal, e, apenas dessa decisão, cabe reclamação para o Tribunal Tributário. Cf. Acórdão do STA de 24/02/2010, processo n.º 923/08, e Acórdão do STA de 05/07/2012, processo n.º 873, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Pese embora tenha dado o respectivo impulso procedimental, a Reclamante não obteve, nem tal alega, a decisão da Administração Tributária sobre a sua pretensão.
Não obstante, com a presente Reclamação pretende obter tutela quanto ao conteúdo do acto de citação e/ou quanto a aspectos formais do mesmo, antecipando uma eventual decisão por parte da Administração Tributária.
Importa ainda ter presente que o conhecimento de vícios ocorridos no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto na norma de competência prevista no art. 10.º, n.º 1, alínea f), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em face do exposto, a presente Reclamação é apresentada fora do tempo apropriado, sendo por isso extemporânea face à ausência de decisão da Administração Tributária sobre o requerimento da Reclamante.
Em fase de controlo liminar, constitui fundamento para a rejeição da Reclamação”. (cfr. doc. 005211045 20-02-2024 16:06:22 numeração SITAF)
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais importa decidir do efeito a fixar ao presente recurso porquanto no despacho de admissão do recurso jurisdicional proferido pelo Tribunal a quo, foi fixado o efeito meramente devolutivo, com o qual a Recorrente discorda, defendendo que o recurso deve ter efeito suspensivo sob pena de perda do efeito útil.

Vejamos.

Como se afirma no Acórdão do STA de 02/204/2020 – proc. 0600/19.5BELLE
“Os recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afectada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510. Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».
Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?
Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3e8025823d00565c63;
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;
- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d758025842c0051c950;).
Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.
Assim, é de deferir a pretensão da Recorrente, de alteração do efeito do recurso.”.

No caso em apreço o órgão de execução fiscal remeteu de imediato a reclamação ao Tribunal a quo.

Ora seguindo o entendimento jurisprudencial acima exposto somos de concluir que o efeito suspensivo decorrente da subida imediata da reclamação do ato do órgão de execução deve manter-se no recurso jurisdicional, pelo que, concluindo, revoga-se o despacho que conferiu o efeito meramente devolutivo ao presente recurso, fixando-se ao invés efeito suspensivo.

Prosseguindo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal rejeitou a reclamação apresentada pela ora Recorrente por considerar ser extemporânea porquanto “foi apresentada fora do tempo apropriado face à ausência de decisão da administração tributária sobre o requerimento da Reclamante”.

O Tribunal a quo, fundamentou a sua decisão de rejeição nos termos vertidos no ponto 5. do probatório supra.

Dissente do decidido veio a Recorrente interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese, que na sequência do ato de citação, reagiu através de 3 meios de reação diferentes de acordo com os fundamentos aplicáveis:
- arguiu, perante a AT, a nulidade da citação;
- deduziu oposição à execução fiscal; e
- apresentou a presente reclamação judicial da decisão que conheceu através do conteúdo da citação no âmbito do processo de execução fiscal.

Alega que a arguição da nulidade da citação, suscitada através do requerimento deduzido, não se confunde com a reclamação apresentada na sequência da decisão de proceder à citação, nos termos em que foi efetuada, afirmando que o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.

Concretiza que o objeto da reclamação judicial é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

Acrescenta que na reclamação judicial apresentada, não imputa os vícios próprios do ato de citação, mas vícios do processo de execução:
a. o vício material da ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, de desaplicação de parte das garantias dos contribuintes no âmbito dos procedimentos de cobrança coerciva; e
b. não o vício formal de nulidade da citação, decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos, que foi contestado no requerimento de arguição de nulidade da citação já apresentado.

Defende que estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal que tomou conhecimento através da citação e que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do
CPPT no prazo de 10 dias, não havendo qualquer extemporaneidade inerente à reclamação deduzida.

Desde já se afirma que não lhe assiste razão.

Sobre as questões ora colocadas, e em situação análoga à dos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no Acórdão datado de 06/03/2024 – proc. 0309/23.5BEFUN no qual se sumariou que:
“(…)
III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.
IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.”.

E o Supremo Tribunal Administrativo, no mesmo Acórdão, concretiza ainda que “A Recorrente discorda do entendimento adoptado na sentença, de que não pode considerar-se que o acto reclamado seja outro que não a citação. Como deixámos dito, continua a sustentar que «[o] objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal».
Na verdade, na petição inicial a Executada identificou o acto reclamado como «a decisão proferida pela Ex.ma Sr.ª Directora de Finanças do Funchal de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução»
Mas, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, essa decisão administrativa não existe – ou, pelo menos, não há motivo para a autonomizar do acto de citação –, sendo que a alegação da ora Recorrente «não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», na medida em que não foi proferida pelo órgão da execução fiscal decisão autónoma alguma, designadamente quanto à «aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda». Poder-se-á, eventualmente, considerar que essa inexistência deveria ter sido registada na sentença em sede de julgamento da matéria de facto e não na fundamentação de direito; mas essa imprecisão técnica, a existir, não contende com o julgamento que foi efectivamente feito relativamente à existência dessa decisão: o Juiz considerou expressamente que a mesma não existe.
Tanto basta para que se considere que a sentença não enferma de erro de julgamento e que o recurso não pode proceder, uma vez que toda a sua motivação assenta no entendimento de que o acto reclamado é uma putativa decisão administrativa.
Mas a sentença não se ficou por considerar inexistente o acto reclamado tal como o configurou a Reclamante; considerou que esse acto não poderia ser senão a citação e, aferindo da possibilidade de as causas de pedir invocadas poderem conduzir à procedência do pedido de anulação da citação, concluiu pela negativa.
Também esse julgamento não nos merece censura.
Lidas as alegações constantes da petição inicial, concluímos, com a sentença, que o acto que a Executada considera enfermar de algumas ilegalidades – designadamente, as referências, insuficientemente fundamentadas, à impossibilidade de prestação de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por dedução de oposição à execução fiscal e à impossibilidade de pagamento em prestações – não pode ser senão o acto de citação.
Ora, como também bem referiu a sentença, com referência à jurisprudência pertinente (A sentença refere o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.º 1075/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a.
No mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 923/08, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6603a143389bd257802576dd00504304 e de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 873/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4bb3a5d51765e00680257a3a00584450.), «da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição – 30 dias –, nos termos do n.º 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos arts. 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal».
Aliás, é de realçar que a ora Recorrente apresentou junto do órgão da execução fiscal o pertinente requerimento de arguição das referidas invalidades da citação.
Por tudo isto, o recurso não pode proceder, como decidiremos a final.” (fim de citação e sublinhados nossos).

Defende a Recorrente nas suas alegações que nos presentes autos está em causa “a decisão que terá sido emitida pela AT, previamente à decisão de citação em processo de execução fiscal, que determinou que a citação e o regime do processo de execução fiscal iriam ser distintos daqueles que estão previstos nas regras processuais tributárias, alegadamente devido à natureza da dívida em causa, sem que, no entanto, tivesse explicitado a motivação subjacente ou sequer notificado a ora Recorrente dessa decisão de aplicação parcial das regras processuais tributárias” acrescentando que “a citação materializa a decisão prévia da AT de aplicar o processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios de Estado, e fá-lo de forma apenas parcial, interpretando por si própria as partes dos regimes previstos no CPPT e na LGT que lhe convém aplicar, mas não consubstancia, em si, o ato objeto desta reclamação. É essa decisão - que está implícita na citação efetuada - que é objeto da presente reclamação”.

Ora no seguimento do entendimento jurisprudencial acima exposto decorre que o ato reclamado não é a alegada decisão implícita na citação que, segundo a reclamante teria sido tomada sem a observância das formalidades legais, mas sim os termos da própria citação, sendo certo que a forma processual para reagir contra essa citação será a apresentação de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal arguindo as eventuais nulidades da mesma, meio processual que a Recorrente já apresentou.

Conclui-se assim existir erro na forma de processo, o qual consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193º e 196º do CPC) sendo que a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte, sendo que in casu o pedido formulado é o pedido de anulação do ato reclamado (cfr. Ac. do STA de 21/11/2019 – proc. 0670/15.5BEAVR).

Da mesma forma, no processo judicial tributário, o erro na forma do processo configura uma nulidade processual de conhecimento oficioso, sendo sanada mediante convolação para a forma do processo correta, importando, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).

Na verdade a convolação processual apenas deve ser afastada quando se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado (cfr. Ac. STA de 16/05/2012 – proc. 0409/12). Ora tal como já foi referido, a Recorrente já apresentou requerimento de arguição de nulidade da citação, razão pela qual a convolação da presente reclamação no meio processual adequado (requerimento de arguição de nulidade da citação) constitui um ato processual inútil, proibido por lei nos termos do art. 130º do CPC.

E como se afirma no Acórdão do STA de 06/10/2021 – proc. 0429/10.6BEPRT, “I- O erro na forma de processo constitui exceção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, em conformidade com o disposto nos artigos 199.º, n.º 1; 288.º, n.º 1, alínea b); 493º, n.º 2, e 494.º, alínea. b), todos do CPC, ex vi do artigo 2.º do CPPT.
II- No entanto, se verificada na fase liminar do processo, e não havendo possibilidade de convolação, a exceção é por isso insanável, dando então lugar ao indeferimento liminar da petição, de acordo com o disposto no artigo 590.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 2.º do CPPT.” (sublinhado nosso)

Perante o exposto entendemos ser de negar provimento ao recurso, manter a decisão de indeferimento liminar da reclamação judicial, com a presente fundamentação.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a atividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 275.059,16, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.
* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e manter a decisão de indeferimento liminar, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 16 de Maio de 2024
Luisa Soares
Hélia Gameiro Silva
Isabel Maria Fernandes