Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:85/20.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/19/2024
Relator:CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA
Descritores:NULIDADE SENTENÇA
IUC
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I–. Sempre que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre um dos vícios assados ao acto, e desde que o seu conhecimento não tenha ficado prejudicado pelo conhecimento das demais questões suscitadas pelas partes, ocorre a nulidade da decisão.
II– A alegação, feita por uma das partes no processo, de que uma determinada interpretação do preceito é inconstitucional, configura uma questão de tem de ser objecto de apreciação por parte do Tribunal, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
III– Consequentemente, tendo a parte arguido a inconstitucionalidade duma determinada interpretação efectuada pela outra parte, se o Tribunal a quo não a conhece, ocorre nulidade de pronúncia que impõe a declaração de nulidade da decisão, com a consequente baixa dos autos a esse Tribunal.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO
B.........., SA, doravante abreviadamente designado por Impugnante, vem deduzir impugnação, ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, de decisão arbitral proferida no processo nº 821/2019-T que correu termos no CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA (CAAD) e que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos actos de liquidação de IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC), relativos aos anos de 2017 e 2018, bem como dos correspondentes Juros Compensatórios (JC), que perfazem o valor global de € 7028,90.

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A impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:
Sem prejuízo da argumentação supra aduzida, para a qual se remete, da análise à decisão arbitral impugnada resultam as conclusões que sucintamente se expõem:
A. A questão decidenda e seus antecedentes do processo arbitral giram em torno da discussão da (i)legalidade – imediata ou mediata – de 48 (quarenta e oito) atos de liquidação de IUC identificados no ANEXO A, junto na p.i., relativamente a 48 (quarenta e oito) veículos automóveis, respeitantes aos anos de 2017 e 2018.
B. Os veículos automóveis em causa foram, através da celebração de contratos de aluguer de longa duração (ALD), cedidos pela Impugnante aos respetivos clientes, os quais adquiriram, no termo de cada contrato, as viaturas sobre as quais incidiam esses contratos, mediante o pagamento residual dos bens locados, acrescidos de despesas e de IVA.
C. Conforme se arguiu no pedido de pronúncia arbitral, apesar de a Impugnante constar como proprietária registada na CRA, após a transmissão dos veículos para os anteriores locatários ou no caso das matrículas 60…… e 29…… que, ao contrário do percurso normal sofreram um sinistro antes do término do contrato, as mesmas foram transmitidas para a esfera das respectivas Seguradoras, não podendo a Impugnante ser considerada sujeito passivo, enquanto anterior proprietária e entidade locadora dessas viaturas automóveis no momento da exigibilidade de cada imposto.
D. O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC seria, na ótica da Impugnante, uma presunção ilidível, sem se deter, todavia, nas alterações legislativas sentidas nesta matéria.
E. Sucede, porém, que por não ter sido atualizado o registo automóvel junto da CRA em nome dos novos proprietários, considera a AT, ao invés, que «a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, ser imputável na esfera jurídica do sujeito passivo do IUC e não na do Estado Português, enquanto sujeito activo deste Imposto».
F. E, concluiu, por isso, que «[m]esmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contractos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados», dado que interpretou aquele preceito legal, independentemente da redação vigente, como de uma presunção inilidível se tratasse.
G. Tendo o processo arbitral seguido os seus trâmites normais, o Tribunal Arbitral proferiu decisão no dia 14 de Setembro de 2020, nos termos da qual julgou «totalmente improcedente o pedido de anulação das liquidações de IUC impugndas e de revogação da decisão proferida em sede de reclamação graciosa objeto deste processo, pelo que tais actos impugnados se mantêm na ordem jurídica» – i.e., os atos de liquidação de IUC de 2017 e 2018.
H. É este segmento decisório que peca, com o devido respeito, por ter sido concebido e construído com total e manifesto desrespeito formal e material pelos deveres de pronúncia do Tribunal e pelos princípios da tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais, ambos com assento constitucional e intrínsecos à administração da justiça [cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, n.º 1 do artigo 9.º da LGT, artigo 20.º e n.º 4 do artigo 268.º, ambos da CRP].
I. Isto porque relativamente à questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa que a Impugnante submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral – a de que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC quando aplicado de acordo com o entendimento de que o proprietário registado na CRA é, sem exceções, o sujeito passivo do imposto, independentemente de ser o seu proprietário jurídico e económico, v.g., causador do prejuízo ambiental e viário que este tributo visa justamente (onerar ou) compensar, viola brutalmente o princípio da equivalência ínsito no artigo 13.º da CRP –
J. QUESTÃO ESTA QUE O TRIBUNAL A QUO SIMPLESMENTE NÃO SE PRONUNCIOU.
K. Com efeito, perscrutado o segmento decisório que aqui se impugna, constatamos que o mesmo é completamente omisso quanto à eventual inconstitucionalidade da exegese advogada pela AT – e suscitada pela Impugnante, o qual, o Tribunal tinha o poder-dever de conhecer –, pelo que se instaura o presente pedido de impugnação da decisão arbitral, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT. VEJAMOS, ENTÃO, ESTE FUNDAMENTO DE IMPUGNAÇÃO:
L. De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC inteiramente aplicável ao processo arbitral, «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
M. Decorre do exposto que, por um lado, o Tribunal Arbitral só poderá conhecer das questões suscitadas pelas partes, salvo as de conhecimento oficioso, e, por outro, tem de conhecer de todas as questões suscitadas, salvo aquelas que se encontrem em relação de prejudicialidade com outras já decididas – vide Acórdão do TCAS de 18-09-2014, proferido no processo n.º 07647/14.
N. Assim sendo, bem se vê que a omissão de pronúncia – que vem sindicada nos presentes autos – ocorrerá sempre que o Tribunal Arbitral não aprecie de questões que devesse conhecer, porque suscitadas pelas partes – vide, por todos, o Acórdão do TCAS de 0503-2015, proferido no processo n.º 08065/14.
O. Jorge Lopes de Sousa, vai mais longe, porquanto «mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela».
P. Em jeito de conclusão, e por sintetizar tudo o que vem dito, vide o Acórdão do TCAS de 19-07-2017, proferido no processo n.º 9499/16 e para o qual se remete.
Q. No caso sub judice, salvo o devido respeito, é por demais evidente que nos encontramos perante uma flagrante omissão de pronúncia - é assim porque a Impugnante peticionou a declaração de ilegalidade dos atos tributários – in casu, das liquidações de 2017 e 2018 – por entender que o n.º 1 do artigo 3.º do Código da IUC consagra (e sempre consagrou) uma presunção ilidível; e caso se entendesse que o sujeito passivo do imposto deveria ser necessariamente a pessoa em nome da qual se encontre registada a propriedade do veículo automóvel junto da CRA, incluídas as entidades locadoras, mesmo quando ocorrida a transmissão daquele para outrem, sem admitir prova em contrário, então esta interpretação normativa, nesses exatos termos, contrariaria frontalmente o princípio da equivalência, violando, portanto, o postulado no artigo 13.º da CRP. ´
R. Em rigor, o Tribunal Arbitral somente se pronunciou quanto à primeira questão, na medida em que, percorrido o iter argumentativo do segmento decisório impugnado, concluiu somente que o artigo 3.º do Código do IUC, após a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, «não contempla qualquer presunção», cuja ilisão a afaste da incidência do imposto.
S. Já quanto à segunda questão, não tendo o segmento decisório impugnado dedicado uma singela palavra à potencial inconstitucionalidade da aplicação e da interpretação daquele preceito legal – convencido de que a alteração legislativa motivada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, teve o intuito de afastar a presunção ilidível que existia até então –, incorreu, com o devido respeito, em manifesta omissão de pronúncia, pois esquivou-se de apreciar uma das questões levantadas pela Impugnante, quando sobre ele impendia um acrescido dever de pronúncia. E NEM SE DIGA QUE NÃO TINHA ESTE DEVER PELA SEGUINTE ORDEM DE RAZÕES:
T. Em primeiro lugar, porque, assinaladas as diferenças entre factos e questões, e bem sabendo que só a falta de apreciação das segundas é que constitui a nulidade da decisão arbitral de omissão de pronúncia, segundo cremos, não restam dúvidas de que a desconformidade constitucional trazida à colação pela Impugnante se trata, efetivamente, de uma questão – e não apenas um novo argumento no sentido da inconstitucionalidade.
U. Em segundo lugar, muito embora a inconstitucionalidade até se reconduza a uma questão de conhecimento oficioso, a verdade é que, em todo o caso, a Impugnante suscitou expressamente esta problemática na sua petição inicial, não valendo, por isso, a construção argumentativa de que, não tendo o Tribunal Arbitral se pronunciado sobre a mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a boa decisão da causa.
V. Em terceiro lugar, importa não olvidar que esta questão foi suscitada «durante o processo», tal como prescrevem a alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro – vide, por exemplo, Acórdão do TCAS de 15-09-2016, proferido no processo n.º 09210/15.
W. Em quarto lugar, porque não se trata de uma questão cuja apreciação devesse (ou pudesse sequer) ser precludida por motivos de alegada prejudicialidade.
X. Tanto que do exame do segmento decisório impugnado é forçoso concluir que, na fundamentação de tal segmento, o Tribunal Arbitral não faz qualquer menção, e muito menos, analisa e aprecia a questão de inconstitucionalidade invocada pela Impugnante na sua petição inicial, sendo que o conhecimento da mesma não se encontra prejudicado pela resolução das demais questões escrutinadas pelo Tribunal – vide, por todos, Acórdão do TCAS de 22-10-2015, proferido no processo n.º 08101/14.
Y. Chegados aqui, e tendo presente que é nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, questão essa que além de ser de conhecimento oficioso foi expressamente suscitada pela Impugnante na sua petição inicial, cabe-nos concluir que a conduta omissiva do Tribunal a quo desrespeitou os seus poderes cognitivos, i.e., de conhecer todas as questões suscitadas pelas partes e que se mostram relevantes e úteis para a boa decisão da causa.
Z. O segmento decisório que se impugna enferma, assim, de nulidade insanável, exatamente com o alcance previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT que deverá ser lida conjugadamente com as demais disposições legais acima citadas, tais como o n.º 1 in fine do artigo 125.º do CPPT e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE, POR PROVADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE SER ORDENADA:
(i) A ANULAÇÃO DO PROCESSO ARBITRAL QUE ANTECEDE O SEGMENTO DECISÓRIO IMPUGNADO, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS PREVISTOS NA ALÍNEA C) DO N.º 1 ARTIGO 28.º DO RJAT, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM COMO A NOMEAÇÃO DE UM TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR EX NOVO PARA JULGAR O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL EM CAUSA;
(ii) CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEM PRESCINDIR DO SUPRA EXPOSTO, A ANULAÇÃO DO SEGMENTO DECISÓRIO IMPUGNADO.”
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A recorrida, devidamente notificadas, optou por não apresentar contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central Administrativo Sul teve vista dos autos, nos termos do artigo 146º do CPTA.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
- Se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A decisão arbitral recorrida considerou provados os seguintes factos:
Atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado [cfr. artigos. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, nº.2, do CPPT)] - consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, provados os seguintes factos: Da prova reunida no processo, com interesse para a causa, consideram-se provados os factos infra indicados:
a) O Requerente é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua actividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração.
b) O Requerente foi notificado das liquidações de IUC com os nºs …….03, 03.........., ……03, ……03, ……03, …..03, ……03, ……03, …..03, ……03, …..03, ….03, …03, …..03, …..03, ….03, …..03, ……03, ……03, …..03, …..03, …..03, ……03, ….03, ….03, …..03, ……03, …..03, ….03, ….03, …..03, ….03, …..03, …..03, ……03, …..03, ……03, ….03, …..03, …..03, ….03, …..03, ….03, …..03, ….03, …..03, ……03 e ……03, num total de quarenta e oito, sendo três relativas ao ano de 2017 e as restantes ao de 2018, conforme Anexo A junto ao pedido inicial que aqui se dá por reproduzido.
c) O Requerente apresentou a reclamação graciosa nº 3247201904005880 contra todos aqueles actos tributários, conforme Anexo B junto ao pedido inicial.
d) No referido procedimento de reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento, com data de 03-09-2019, conforme Anexo B junto ao pedido inicial.
e) O Requerente emitiu facturas de venda relativamente a todas as viaturas automóveis a que respeitam as liquidações objecto do presente processo, antes da data a que as mesmas respeitam.
f) Em todos os contratos foi exercida opção de compra pelos respectivos locatários, que pagaram o valor residual, com excepção dos referentes aos veículos com as matrículas 60….. (liquidação nº …..03) e 29-….. (liquidação nº 03..........), por ter ocorrido perda total, na sequência de sinistro ocorrido antes do término do respectivo contrato, tendo os mesmos sido transmitidos para a Seguradora com quem tinha sido celebrado o contrato de seguro, conforme Anexo A junto ao pedido inicial.
g) O Requerente procedeu ao pagamento do imposto a que respeitam os presentes autos.
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A decisão impugnada consignou como factualidade não provada o seguinte:
1.3 Factos não provados
Não existem factos dados como não provados com relevância para a apreciação do pedido.”
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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“1.2. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
Os factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos juntos ao processo pelo Requerente e pelo depoimento da testemunha E.......... que reputamos de consistente e credível.”
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III . Da Fundamentação De Direito
Na impugnação que aqui nos ocupa, o Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 821/2019-T que julgou improcedente o pedido formulado de anulação dos actos de liquidação de IUC referentes aos anos de 2017 e 2018, bem como os correspondentes juros compensatórios.
O impugnante assaca à decisão impugnada a nulidade da mesma por omissão de pronúncia, advogando que suscitou a questão da inconstitucionalidade defendendo que a interpretação propugnada pela AT ofende o princípio da Equivalência, e que a decisão impugnada nada refere quanto a este vício.
Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:
a. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b. Oposição dos fundamentos com a decisão; c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
c. Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .
Ora, subsumindo-se a arguida nulidade, no citado normativo, mais concretamente, na sua alínea c), vejamos, então, se a mesma pode proceder.


A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Também o artigo 615º do CPC enumera taxativamente as causas de nulidade da sentença, entre as quais se encontra a situação em que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
As nulidades das decisões não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
Estamos perante vícios de formação ou actividade que afectam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma a que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de actividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancialafectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
No caso que aqui nos ocupa, a recorrente invoca que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista na al. d) do art. 615º.
Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Cumpre salientar que as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinava ALBERTO DOS REIS, na obra citada “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante e se a decisão sob escrutínio enferma da nulidade que lhe é assacada.
Sobre uma questão absolutamente idêntica à dos presentes aos já se pronunciou este TCAS no seu Acórdão de 14/03/2024, tirado no processo nº 77/19.5 BCLSB, com o qual concordamos, sem reservas, pelo que o seguiremos de perto.
Apreciemos.
Na sua petição inicial a Impugnante, depois de efectuar uma breve resenha sobre a forma como se desenvolve a sua actividade, imputa aos actos de liquidação o vício de violação de lei, sustentando a sua alegação em três ordens de razões, a saber:
- A presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC consagra uma presunção ilidível (arts. 46º a 84º da p.i.);
- Assumindo-se essa natureza, ter-se-á que admitir como prova inequívoca para o efeito as faturas emitidas pela Impugnante aquando da venda dos referidos veículos proprietários. automóveis aos antigos locatários-subsequentes (arts. 85º a 106º da p.i.)
- Não sendo assumida essa natureza de presunção ilidível tal interpretação traduz uma violação do princípio da equivalência, contrária, portanto, ao disposto no artigo 13.º da CRP (arts. 107º a 149º da p.i.), sendo que o entendimento da AT supera em larga medida o princípio da praticabilidade, não passando sequer no crivo da proporcionalidade, e por conseguinte, perigando o princípio da equivalência que legitima toda a regulamentação jurídica deste imposto.
Conclui a aqui Impugnante que caso o Tribunal venha a concluir pela existência de uma presunção inilidível constante no artigo 3.º do CIUC tal traduz uma violação do princípio da equivalência plasmado no artigo 13.º da CRP, e bem assim da proporcionalidade, em todas as suas dimensões
Decorre do exposto que, atenta a descrita sistematização da petição inicial e concretas causas de pedir, que foi arguida a violação do Princípio da Equivalência numa leitura em que se considere ser inilidível a presunção da propriedade decorrente do registo. Ora, tal circunstância não constitui um argumento, nem uma questão que possa considerar-se precludida, por motivos de prejudicialidade.
Posto isto, cumpre agora analisar a decisão arbitral aqui impugnada por forma a aquilatarmos se ocorre a omissão de pronúncia que lhe é assacada pelo Impugnante.
A decisão arbitral estabeleceu, desde logo, como questões a decidir nos autos as seguintes.
As questões de direito que se colocam no presente processo são as seguintes:
i. saber se o artigo 3.º do CIUC contém uma presunção e se a ilisão da mesma foi feita;
ii. saber se, como alega a AT, a interpretação da Requerente não atende aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei; e
iii. saber se são devidos os peticionados juros indemnizatórios.”
Concretiza ainda mais, afirmando o seguinte:
A resposta às duas primeiras questões de direito assenta na interpretação do artigo 3.º do CIUC, pelo que se torna necessário: a) saber se a norma de incidência subjectiva, constante desse artigo 3.º, estabelece uma presunção; b) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico, como alegado pela AT; e c) saber - a admitir que a presunção existe e que é iuris tantum - se foi feita a sua ilisão.”
Após fazer estas primeiras considerações sobre o objecto dos autos, remete para a posição já firmada pelo CAAD, em diversas decisões sobre a mesma questão, passando a transcrever o conteúdo da decisão proferida no âmbito do processo nº nº 557/2019-T, por se tratar de uma situação em tudo similar à dos autos.
Discorre a decisão impugnada do seguinte modo:
Ora, este tema já foi objecto de várias decisões do CAAD, designadamente, da decisão de 3 de Abril de 2020, proferida no processo nº 557/2019-T, que tem subjacente factualidade idêntica à dos presentes autos, na qual nos revemos e que passamos a transcrever:
«O artigo 3.º, nºs 1 e 2, do CIUC, tinha a seguinte redacção até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto:
“Artigo 3.º – Incidência Subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
20. Contudo, com o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, o n.º 1 do citado artigo 3.º passou a ter uma redacção bem distinta:
“Artigo 3.º – Incidência Subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
21. Ao retirar a parte “os proprietários dos veículos, considerando-se como tais”, a alteração operada visa, claramente, passar a incidência subjectiva do IUC do proprietário do veículo para a pessoa em nome da qual está registada a propriedade do veículo, seja ela ou não o seu proprietário e/ou possuidor.
22. É uma alteração que faz toda a diferença em face das liquidações ora em causa, dado que, sendo as mesmas posteriores a 2016, a elas se aplica esta redacção e as suas consequências: i) a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC (já) não contempla uma presunção; ii) consequentemente, também (já) não se coloca aqui, quanto a estas liquidações, a questão de saber se a ilisão da presunção foi feita (como pretendeu demonstrar a ora Requerente), nem a questão de saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico (como defendeu a Requerida na sua resposta, ainda à luz da anterior redacção deste n.º 1 do art. 3.º).
23. Com efeito, e como bem refere, a este respeito, o Acórdão do TCA Norte de 21/2/2019, no proc. n.º 00611/13.4BEVIS: “«No tocante à incidência subjetiva de imposto, dispunha à data dos factos o art. 3.º daquele Código: ‘1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (...)”. Ulteriormente, mediante a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março de 2016 (Orçamento de Estado para 2016) a Assembleia da República conferiu ao Governo a seguinte autorização legislativa, através do seu art. 169.º: “(...) Autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação. Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (...)”. Essa autorização foi utilizada para emanação do Decreto-Lei n.º 41/2016 de 01 de Agosto, em cujo preâmbulo se afirmou: “(...) o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (...)”. O art. 3.º daquele Decreto-Lei conferiu a seguinte redação ao art. 3.º, n.º 1, do CIUC: “1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. (...)”. Em face da nova redação conferida ao preceito, dúvidas não subsistem que o legislador pretende que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre veículo.(...)» Embora a decisão recorrida seja, afinal, no sentido da verificação de dúvidas sérias quanto à existência física das viaturas em causa, cuja propriedade estriba as liquidações impugnadas, entendemos que a alteração do regime legal operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, não é aplicável aos presentes autos. É verdade que o identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169.º, e aprovada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Na verdade, dispõe o referido normativo o seguinte: «Fica o Governo autorizado [...] no n.º 1 do artigo 3.º (...)». No uso desta autorização legislativa, foi publicado o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser, como se transcreve na sentença recorrida, a seguinte: «São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.», norma esta que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (nos termos do disposto no artigo 15.º do identificado diploma legal). Ora, não se julga que a supra transcrita seja uma norma verdadeiramente interpretativa. Dúvidas não existem de que a lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3.º do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Já a norma habilitada se limita a estabelecer, no seu preâmbulo, o seguinte: «(...) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (...)» Porém, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar de o diploma assumir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de «ultrapassar dificuldades interpretativas». Da redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados. [...]. [...] [A] norma que vigorou até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016 nunca suscitou dúvidas, ao intérprete ou outros interessados, não sendo fonte de incerteza ou insegurança jurídica a definição do seu âmbito de aplicação. Contrariamente, sempre foi pacífica e uniformemente interpretado o referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, como estabelecendo uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. Sublinhe-se que as normas de interpretação legal sempre impuseram a classificação de que era sujeito passivo deste tributo o proprietário do veículo, servindo a referida presunção para estabelecer que se considera como tal a pessoa singular ou colectiva que como tal figurar no registo automóvel, solução que bem se entende num sistema jurídico em que o registo tem como objectivo dar publicidade ao acto em questão, que não qualquer natureza constitutiva. [cfr. Acórdão do STA, de 08/07/2015, processo n.º 0606/15]. Esta posição vem sendo reiterada pelos tribunais superiores, designadamente, pelo nosso mais alto tribunal – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 18/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0206/17. É, portanto, certo que o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, passando esta norma a prever que «São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos». Trata-se de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e, como tal, a nova redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC só se aplica para futuro.”
Prossegue, ainda, transcrevendo outra decisão do CAAD, tirada no processo 658/2018-T, com idêntico teor, para concluir que: “Acompanhamos assim, na integra, o teor e sentido da decisão acabada de transcrever 1. Não nos merecem, assim, qualquer censura as liquidações de IUC contestadas nos autos com referência aos anos de 2017 e 2018, pelo que improcede totalmente o pedido do Requerente.”
De salientar que na última decisão transcrita na decisão arbitral aqui impugnada, e quanto às questões prejudicadas, é afirmado o seguinte:
26. Assim se concluindo, mostra-se inútil proceder à apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativas à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros; ficando, também, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.”
Ora, face ao supra transcrito, há que concluir, por um lado, que a decisão impugnada admitiu que face à mencionada alteração legislativa, a incidência subjectiva se basta com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo. Mais considerou que, em face da nova redacção do preceito, estaríamos perante uma presunção inilidível.
Por outra banda, também resulta claro que apenas reputou prejudicada a questão referente à demonstração da pessoa em que se encontra registado o veículo automóvel não ser, efectivamente, o proprietário do veículo automóvel, por inútil, bem como a questão dos juros indemnizatórios.
Significa isto que, tendo considerado estarmos perante uma presunção inilidível, estava o Tribunal arbitral obrigado a conhecer da arguida violação dos Princípio da Equivalência e sa sua desconformidade constitucional com o art. 13º da Constituição da República Portuguesa. Ora, decorre da leitura da decisão impugnada que o Tribunal arbitral não se pronunciou sobre a mesma, nem a julgou prejudicada.
Ora, como é afirmado no Aresto deste Tribunal que mencionamos no início desta apreciação: “Acresce sublinhar, neste âmbito, que a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional, não pode ser entendida como um mero argumento, mas sim como uma verdadeira questão 2. E por assim ser, concluindo-se, como supra expendido, que foi arguida pelo Impugnante a questão de inconstitucionalidade de uma norma (artigo 3.º, nº1 do CIUC) e tendo o Tribunal Arbitral fundado a sua decisão na aplicação dessa concreta norma, impunha-se que a tivesse apreciado ou a julgasse-bem ou mal independentemente desse acerto- prejudicada.
Logo, não o tendo feito, há que concluir que o Tribunal Arbitral violou o dever de pronúncia que sobre si recaía e, consequentemente, a Decisão Arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Assim sendo, também aqui, há que julgar totalmente procedente o recurso interposto e declarar nula a decisão recorrida, nessa parte.

***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar nula a decisão arbitral, no segmento impugnado, e ordenar a baixa dos autos ao Centro de Arbitragem Administrativa, com todas as legais consequências.

Sem custas.

Lisboa, 19 de Junho de 2024
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Maria da Luz Cardoso
Jorge Cortês