Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2188/07.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TRIU
TAXA
IRRETROATIVIDADE
RESERVA DE LEI FORMAL
AUDIÇÃO PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Os vícios do ato impugnado constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade.
II - Traduzindo-se o ato de liquidação da TRIU numa operação aritmética que tem por base os elementos constantes do processo de licenciamento, e centrando-se a contestação em questões do alcance do regime legal e regulamentar aplicável, sem invocação de qualquer erro de quantum, há que apelar ao princípio do aproveitamento do ato administrativo, degradando-se a preterição de formalidade essencial em não essencial.
III - A legalidade do ato de liquidação da taxa deve aferir-se pela conformidade com os Regulamentos Municipais aplicáveis na data do facto tributário, consubstanciando-se este no deferimento do pedido de licenciamento.
IV - A TRIU é uma taxa e não um imposto. O facto de o pagamento da TRIU anteceder a efetiva prestação do serviço público não subtrai, de todo, o carácter bilateral, que constitui característica basilar das taxas, porquanto o nexo de conexão justificativo da taxa para além de não tem de funcionar sincronicamente, a sua legitimidade basta-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente.
V – A fundamentação tem que ser expressa, clara, suficiente e congruente, dela devendo constar o cálculo efetuado e a norma ao abrigo da qual a mesma é devida, não cabendo no âmbito da referida fundamentação as razões da dispensa da audiência prévia e da revogação do ato de deferimento tácito anterior.
VI - Não decorrendo, per se, do regime da TRIU em questão que a mesma seja desproporcional, cabe ao sujeito passivo alegar e provar factualidade que permita concluir nesse sentido.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, junto do Município de Lisboa, (doravante 1.ª Recorrente ou DRFP), e APL – Administração do Porto de Lisboa, S.A.” e “A… – S… Turísticos e Hoteleiros, S.A.”, (doravante 2.ª Recorrentes ou Impugnantes), vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelas Impugnantes, que teve por objeto a liquidação de Taxa Municipal devida pela realização de Infraestruturas Urbanísticas, no montante de €276.982,08, efetuada na sequência do licenciamento de construção de unidade hoteleira na freguesia de Santa Maria de Belém, do concelho de Lisboa, no âmbito do processo camarário 1052/EDI/2004.


***

A 1.ª Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“1.ª A douta Sentença recorrida incorreu em erro, na determinação da matéria de facto, ao elencar os factos que considerou provados nos presentes autos e com interesse para a decisão dos mesmos, concretamente em III, 1., desconsiderando um facto que resultou claramente provado da audiência de inquirição de testemunhas, razão pela qual se requereu que o presente Recurso fosse considerado interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do n.° 1, do art. 280.°, do CPPT;

2.ª Da prova produzida nos autos, concretamente em sede de inquirição de testemunhas, resultaram provados factos que se mostram, no entender da aqui Recorrente, relevantes para a correcta apreciação da questão sub judice;

3.ª Das declarações das testemunhas arroladas pela ora Recorrente, conhecedoras da liquidação da TRIU em abstracto e, concretamente, da liquidação impugnada, resultou provado que a mesma foi efectuada com suporte, por um lado, nos elementos retirados do processo de licenciamento e, por outro, nos Regulamentos nos quais a liquidação colheu os seus alicerces;

4.ª Mais concretizaram tais testemunhas, que os elementos relevantes para o cálculo, v.g., área de construção, localização, lote padrão e coeficientes de localização e sobrecarga, não são alteráveis pela intervenção do interessado, nomeadamente em sede de audiência prévia, encontrando-se fixados, quer legalmente (nos regulamentos que melhor se explicitarão), quer no âmbito do licenciamento;

5.ª O facto de os elementos em que assenta a liquidação serem alteráveis, ou não, pela intervenção dos interessados, assume particular relevo na questão que se discute nos autos, consubstanciado a desconsideração da prova do mesmo notório erro, na determinação da matéria de facto provada, porquanto aquele, por um lado, resulta provado nos autos e, por outro, tem interesse para a decisão;

6.ª A douta sentença recorrida deverá ser reformulada, quanto à matéria de facto, de forma a dar como provado, em consonância com os factos alegados e provados nos autos que a liquidação impugnada colheu os seus elementos nos regulamentos que disciplinam a TRIU e no processo de licenciamento identificado nos autos, não sendo alterável, de qualquer modo, pela participação dos interessados;

7.ª Mais defende a Recorrente, que a douta sentença recorrida incorre em erro de direito, desconsiderando um princípio basilar do ordenamento jus tributário português, ao limitar-se, salvo o devido respeito, a uma interpretação meramente literal e redutora do mesmo, deixando de parte princípios que norteiam a actividade da administração tributária e que impõem decisão em sentido distinto, designadamente quanto às consequências da falta de audiência prévia, na situação concretamente em causa;

8.ª A falta de audiência de interessados em momento prévio à liquidação, em situações como a questionada nos autos, não implica, sem mais, a anulabilidade do acto de liquidação, por efeito do princípio do aproveitamento do acto administrativo;

9.ª O cálculo da taxa cuja liquidação foi impugnada nos autos é efectuado, como foi deixado claro, tanto na Contestação, quanto nas Alegações, e como decorre da respectiva regulamentação, junta aos autos, nos termos da fórmula de cálculo prevista no art. 4.° do RTRIU e considerando o valor unitário anualmente definido e publicado na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (in casu, a de 2007);

10.ª Vertendo a fórmula prevista no Regulamento da TRIU e considerando o valor unitário aplicável para o licenciamento melhor identificado nos autos, obtém-se o cálculo efectuado pelos serviços, consubstanciado na informação junta aos autos (cfr. doc 4 da Contestação);

11.ª Atendendo ao cálculo efectuado e como resulta provado nos autos, só pode concluir-se que o mesmo se resume à aplicação dos coeficiente de cálculo constantes do Regulamento e aplicáveis ao caso concreto (nomeadamente, quanto ao uso ou à localização em causa no caso concreto e constantes do licenciamento), às áreas de construção apuradas no processo de licenciamento - as quais, no momento da liquidação da TRIU e no que à mesma respeita, se encontram firmadas, reitera-se;

12.ª A actuação dos serviços do município, no que à liquidação impugnada concerne, é estritamente vinculada, porque se encontra delimitada, pelos factores de cálculo e pelos elementos constantes do projecto licenciado, correspondendo a um mero cálculo aritmético, cujos elementos se encontram previamente fixados;

13.ª Os elementos susceptíveis de influir na liquidação são, no momento em que o cálculo é efectuado, imutáveis, e logo, insusceptíveis de alteração, por parte das ora Recorridas, designadamente em sede de audiência de interessados. E, tanto assim é que, analisando os fundamentos em que as Impugnantes alicerçaram a sua posição nos presentes autos, se constata que os mesmos são, essencialmente, jurídicos e tendentes a demonstrar a ilegalidade da TRIU, nada sendo apontado ao acto de liquidação stricto senso, para além de vícios meramente formais (cfr., para além do presente, o vício de falta de fundamentação, o qual, aliás, foi julgado improcedente, e bem);

14.ª A alínea a), do n.° 1, do artigo 60.°, da LGT prevê que, ao contribuinte, deve ser concedido o direito de audição, em momento prévio ao da liquidação;

15.ª Todavia, tal princípio é exigível, apenas, quando a autoridade administrativa tenha o poder/dever de decidir num ou noutro sentido, o que não é o caso, uma vez que a liquidação da TRIU ora em causa, como se viu, resulta de meras operações de cálculo aritmético, insusceptíveis de alteração em sede de audição prévia, não assumindo a sua falta a consequência que a douta sentença retirou da mesma, nomeadamente, não acarretando, invariavelmente, a invalidade da liquidação;

16.ª Tem sido defendido, unanimemente, o entendimento, tanto doutrinal quanto jurisprudencialmente, tendente a considerar que, sempre que se conclua, num juízo de prognose póstuma, pela impossibilidade de a audiência de interessados alterar a liquidação, quer porque a mesma decorre de actuação estritamente vinculada, quer porque os seus elementos base se encontram previamente circunscritos, aquela se degrada em formalidade não essencial, nessa medida não acarretando a invalidade do acto de liquidação, avultando o princípio do aproveitamento do acto administrativo;

17.ª Tal interpretação, como se viu, constitui o fundamento do presente Recurso e é adoptada, entre outros, por António Lima Guerreiro;

18.ª Bem como pelo STA e pelo TCAS - cfr. entre tantos outros, os doutos Acórdãos, proferidos pelo STA em 14/05/2003, no Recurso n° 317/03, em 15/02/2007, no Recurso n° 01071/06, em 23/01/2008, no Recurso n.° 837/07, em 25/06/2008, no Recurso n.° 392/08, de 30/03/2011, no Recurso n.° 877/09, bem como os proferidos, pelo TCAS, em 25/10/2005, no Recurso n.° 1305/03, em 10/11/2005, no Recurso n.° 1259/03, em 23/02/2010, no Recurso n.° 2269/08;

19.ª A interpretação que a Recorrente advoga dispõe, pois, de acolhimento doutrinal e jurisprudencial;

20.ª Estando em causa nos autos, apenas, a legalidade da taxa, nada sendo apontado ao acto de liquidação propriamente dito, só pode concluir-se pela degradação da audiência prévia em formalidade não essencial, na medida em que, nada que as Impugnantes pudessem ter dito em sede de audição prévia poderia ter alterado, de qualquer modo, a liquidação;

21.ª A liquidação correspondeu, tão só, a um cálculo aritmético, de aplicação de coeficientes e factores de cálculo fixados nos Regulamentos que disciplinam a liquidação, às áreas de construção apuradas no processo de licenciamento e inalteráveis, per se, no âmbito do procedimento de liquidação da TRIU, posterior ao deferimento daquele e do mesmo independente;

22.ª A douta Sentença recorrida deverá, na parte respeitante à apreciação do vicio de falta de audiência prévia, ser revogada e substituída por outra, que considere a falta de audiência prévia antes da liquidação formalidade não essencial, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo, porquanto insusceptível de alterar a liquidação impugnada e, nessa medida, julgue a Impugnação totalmente improcedente e mantenha integralmente o acto de liquidação objecto da mesma.

Nestes termos e nos demais de Direito, invocando o Douto Suprimento de V.Exas, se requer seja parcialmente revogada a douta Sentença recorrida, na parte em que é analisado e decidido o vicio de preterição da audiência prévia e, nessa medida, se mantenha o acto de liquidação da TRIU impugnado, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA.”


***

Notificadas das alegações da DRFP, as Impugnantes não apresentaram contra-alegações.

***

Por seu turno, as 2ªs Recorrentes apresentaram alegações de recurso nas quais formularam as conclusões que infra se reproduzem:

“A - DA FALTA ABSOLUTA DE BASE LEGAL

1°. O tributo exigido pelo Município de Lisboa é absolutamente destituído de qualquer base legal, causa, contrapartida ou fundamento, sendo manifesta a nulidade da liquidação em causa, pois:

a) O empreendimento turístico Hotel A… foi promovido pelas ora recorrentes numa parcela de terreno que estava e se mantém actualmente na área de jurisdição da APL, integrada no domínio público marítimo e portuário e servida por infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias propriedade da própria APL;

b) No presente processo não se provou a realização pelo Município de Lisboa de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, primárias ou secundários, cuja construção ou ampliação tenha sido necessária em consequência da construção do concreto empreendimento turístico em causo - Hotel A… (v. als. N) a R) dos FP);

c) Nos termos do n.° 5 da RCM n.° 87/2009, de 18 de Setembro, é o próprio Município de Lisboa que está obrigado a pagar à APL pela utilização das infra-estruturas existentes na área de jurisdição dominial desta entidade, pelo que o tributo sub judice inverteu totalmente o regime legal vigente - cfr. texto n°s. 1 a 6;

B - DA INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DOS RTRIUS

2°. As normas tributárias editadas pela deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa n.° 20/AM/2003 e publicadas em 20 de Janeiro de 2003, aplicados in casu (v. Doc. 8, junto com a contestação), nunca poderiam ser retroactivamente aplicadas in casu, sob pena de frontal violação do disposto nos arts. 2°, 9°, 18°, 119° e 266°daCRP (v. art. 204° da CRP) cfr. texto n°s. 7 a 12;

3°. O RTRIU não contém a indicação de qualquer norma de habilitação, pelo que é inconstitucional (v. arts. 103°/2, 112°/7 e 165°/1/i) da CRP; cfr. Ac. TC n°. 220/2001, de 2002.05.22, in www.tribunalconstitucional.pt cfr. ainda Ac. TC n.° 148/2000 de 2000.03.21, DR II Série, de2000.11.09) - cfr. texto n0 s. 7 a 12

4°. As normas do RTRIU são inconstitucionais e inaplicáveis pois, face à concreta dimensão normativa que lhes foi atribuído in casu e à dinâmica abrangente dos concretos efeitos e circunstâncias da situação sub judice, criaram um imposto ou contribuição especial não previstos na lei (v. arts. 103°/2 e 165°1/i) da CRP) - cfr. texto n°s. 7 a 12;

5°. As normas do RTRIU são ainda inconstitucionais, pois:

a) Os elementos essenciais dos tributos em causa - taxa, incidência objectivo e subjectivo - nunca poderiam ser objecto de simples regulamento municipal (v. arts. 103°/2 e 3, 112°/5 e 165°/1/i) da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada 3° ed., p.p. 458-459; cfr. Soares Martinez Manual de Direito Fiscal, 1983, págs. 104 e 105; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal pág. 109 e segs.; António Brás Teixeira, Princípios de Direito Fiscal pág. 75 e segs.; Jorge Mirando, Manual de Direito Constitucional 11/302);

b) Criaram impostos ou contribuições especiais, que são da exclusiva competência da Assembleia da República (v. arts. 112° e 165°/1/i) da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3° edição, p.p. 670-671; e Marcelo Rebelo de Sousa, O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional 1988, p.p. 233) - cfr. texto n°s. 7 a 12;

6.º As normas do RTRIU aprovadas pela deliberação da AML n.° 20/AM/2003 (v. Doc. 8, junto com a contestação, a fls. 104 e segs. dos autos) e aplicadas in casu (v. fls. 94-95 dos autos) estabeleciam - como reconhece o próprio Município de Lisboa - a fixação dos elementos essenciais daquele tributo, nomeadamente do lote padrão "sem correspondência com a normativa urbanística aplicável", a que "não atendia", o que levou ao "abandono da lógica fundiária e do modelo do lote padrão" (v. Preâmbulo do actual Regulamento de Taxas do Município de Lisboa, publicado no DR, 2° Série n.° 129, de 2009.07.07), pelo que é manifesta a sua ilegalidade e consequente inaplicabilidade in casu (v. arts. 103º e 266º da CRP, arts. 3º e segs. do CPA e arts. 5° e segs. Do LGT) - cfr. texto n°s. 7 a 12;

C - DA INAPLICABILIDADE DO RTRIU

7.ª Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, as normas tributárias editadas pela deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) n.° 20/AM/2003 e publicadas em 20 de Janeiro de 2005 nunca podiam ser retroactivamente aplicadas ao empreendimento Hotel A... (v. art. 103° da CRP; cfr. arts. 12° e 13° do C. Civil), pelo que é manifesta a ilegalidade do acto sub judice - cfr. texto n°s. 13 a 16;

8°. O RTRIU na redacção em vigor à data do pedido inicial da operação urbanística em análise (v. Acs. TC de 2006.01.24, DR, 1 Série A, de 2006.03.03, p.p. 1673 e segs.; Ac. TC n°. 81/2005, de 2005.03.15, in www.tribunalconstitucional.pt), é inaplicável in casu (v. arts. 103° e 119° da CRP; cfr. art. 2° do DL 177/2001, de 2001.06.04) - cfr. texto 13 a 16;

D - DA INVALIDADE DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS IMPUGNADOS

9.º Os actos impugnados basearam-se em normativos manifestamente inconstitucionais inaplicáveis e ilegais - RTRIU - conforme se demonstrou, carecendo em absoluto de causa e base legal, pelo que integram o exercício de poderes tributários e a liquidação de tributos não previstos na lei (v. art. 2°/4 da Lei 42/98 e art. 88°/1/a) e c) do DL 100/84, de 29 de Março; cfr. Ac. STA, de 1999.03.02, AD 454/1243) - cfr. texto nºS. 17 a 19

10°. Os actos sub judice são inválidos por falta de elementos essenciais (v. art. 1 33°/l do CPA), pois traduzem-se na exigência às ora recorrentes de obrigações tributárias sem causa legal e em clara violação do princípio reforçado da legalidade tributária do princípio da proibição da retroactividade dos impostos (v. art. 103° da CRP e art. 133°/2/d) do CPA) e do direito fundamental de propriedade privada (v. art. 62° da CRP) - cfr. texto n°. 20;

11°. Os actos sub judice são ainda inválidos por falta de atribuições (v. art. 133°/2/b) do CPA; cfr. arts. 103° e 168°/1/i) da CRP; cfr. cii. 95°/2/a) da Lei n° 169/99, de 18 de Setembro), por ofenderem o conteúdo essencial dos direitos fundamentais consagrados nos arts. 62°, 103° e 105° da CRP (v. art. 103°/2 da CRP e art. 133°/2/d) do CPA) e por serem consequentes de actos nulos e ineficazes (v. arts. 133°/2 e 134°do CPA)- cfr. texto n°. 21 a 24;

E - DA VIOLACÃO DOS DIREITOS DE AUDIÊNCIA E DEFESA DAS RECORRENTES

12.º No procedimento que culminou que a emissão dos actos de liquidação e cobrança imputáveis a órgãos e serviços do Município de Lisboa, da taxa de infra-estruturas urbanísticas no montante global de € 276.962,08, não foram minimamente assegurados os direitos de audiência e defesa das ora recorrentes em frontal violação do disposto nos arts. 267°/5 e 268° da CRP, 60° da LGT e 45°/1 do CPPT- cfr. texto n°. 25 a 28;

13°. Na douta sentença recorrida decidiu-se que a "impugnante não foi notificada para exercer o direito de audiência antes da liquidação da TRIU" e que "não resulta provado: 1) Que a liquidação de TRIU mencionada na alínea I do probatório, tenha sido precedida de audição da Impugnante" - cfr. texto n°. 25 a 28;

14°. Os actos impugnados violaram assim frontalmente os direitos de audiência e defesa das ora recorrentes consagrados nos arts. 267° e 268° da CRP, no art. 60º da LGT, no art. 45º do CPPT e nos arts. 8°, 100°, 101º e segs. do CPA, pelo que são claramente inconstitucionais e nulos (v. arts. 17°, 18° e 32°/10 da CRP; cfr. art. 133°/2/d) do CPA) - cfr. texto nº. 25 a 28;

F - DA FALTA DE FUNDAMENTACÃO

15°. Os actos impugnados não indicam as razões de facto e de direito que fundamentem ou legitimem a aplicação do tributo em análise, a definição dos respectivos critérios de cálculo, a quantificação do montante apurado e a revogação de anteriores actos constitutivos de direitos, não tendo também sido indicadas quaisquer razões justificativas da preterição dos direitos de audiência e defesa das ora recorrentes - cfr. texto n°. 29 a 35;

16°. Os actos impugnados enfermam assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268°/3 da CRP, os arts. 124° e 125° do CPA e o art.77° da LGT- cfr. texto n°. 29 a 35;

NESTES TERMOS,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos expostos, e com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.”


***

A DRFP contra-alegou, concluído como segue:

“1.ª A verificarem-se, os vícios que as Recorrentes pretendem acarretar a nulidade do acto de liquidação, a consequência dos mesmos seria a mera anulabilidade, e não a nulidade;

2.ª O vício imputável a um acto de liquidação que eventualmente não disponha de base legal, ou aplique norma inconstitucional, ou tenha sido praticado sem prévia audição do interessado, é a anulabilidade, e não a nulidade;

3.ª O regime regra de invalidade dos actos é a anulabilidade, encontrando-se enumeradas na lei as situações que conduzem à nulidade dos actos administrativos;

4.ª Considerando as normas em vigor ao tempo da verificação do facto tributário em causa nestes autos, inexistia previsão de tal cominação para actos de liquidação que aplicassem norma inexistente, nula, inconstitucional ou ilegal, bem como para aqueles que padecessem, quer de falta de fundamentação, quer de falta de audição do contribuinte, vícios de forma geradores de anulabilidade, de acordo com a doutrina dominante e com a jurisprudência uniforme dos nossos Tribunais;

5.ª O acto de liquidação questionado nos autos foi praticado no uso de atribuições, e competências legalmente cometidas, e com base nas normas em vigor ao tempo da liquidação, que delimitavam o campo de incidência dos tributos em causa;

6.ª O pagamento, que a Recorrente afirma ser devido pelo Município, como contrapartida da utilização das infra-estruturas existentes na área de jurisdição da APL, após a desafectação do domínio público marítimo, efectuada pelo DL n.° 75/2009, de 31 de Março e nos termos da RCM 87/2009, publicada na V Série do DR n.° 182, de 18 de Setembro, não assume as consequências que as Recorrentes pretendem;

7.ª O facto de ter ocorrido a desafectação, ou de a mesma não abranger o imóvel em causa, ou de a CML ter de pagar, pela utilização das infra-estruturas integradas na área de jurisdição da APL, não afasta a conclusão de que, tanto a área de jurisdição da APL, quanto o edifício cujo licenciamento motivou a liquidação da TRIU aqui em causa, se encontram inseridos em meio urbano, usufruindo das infra-estruturas do mesmo e, logo afectando-as/sobrecarregando-as;

8.ª É fixado o pagamento das infra-estruturas que transitam para a CML, porque a construção das mesmas foi financiada pela APL, destinando-se o mesmo a compensar os investimentos por esta realizados e ainda não amortizados;

9.ª A área de intervenção municipal veio a ser, após o deferimento do licenciamento, aumentada e, consequentemente, ampliada a esfera de actuação municipal, bem como os custos subjacentes, tanto à gestão da mesma e correlativas infra-estruturas, quanto ao próprio pagamento devido à APL;

10.ª As Recorrentes pretendem reconduzir as infra-estruturas subjacentes à TRIU a eventuais infraestruturas que, correlativas à operação urbanística licenciada, lhes competem, mas que pela sua natureza se distinguem das que caracterizam aquela taxa municipal;

11.ª A tese das Recorrentes pretende isolar o imóvel em causa do resto da cidade, ignorando a realidade em que o mesmo se encontra inserido, nessa medida encontrando-se servido por um conjunto de infra-estruturas, que implicam a necessária intervenção municipal, para efeitos de realização, remodelação ou reforço das infra-estruturas existentes - a equacionar/adequar, consoante os projectos urbanísticos que as motivam ou vêm a motivar, no futuro;

12.ª As infra-estruturas subjacentes à TRIU não se confundem com as próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação, ou com os trabalhos próprios do promotor do licenciamento (v.g., aqueles a que se referem os projectos de especialidades, que integram o licenciamento);

13.ª A construção de um prédio da envergadura e uso a que se encontra afecto o Hotel A…, implica necessariamente um acréscimo de utilizadores do meio em que se encontra inserido e motiva, consequentemente, a readaptação das infra-estruturas integrantes do mesmo, que não se reduzem, como é óbvio, à zona de intervenção da APL;

14.ª O licenciamento em causa integra-se no âmbito do processo de requalificação da zona de Belém - Doca do Bom Sucesso, visando assegurar uma qualificada valorização funcional daquela zona;

15.ª A TRIU constitui a contrapartida devida ao Município de Lisboa pelas utilidades prestadas aos particulares em matéria de infra-estruturas urbanísticas primárias e/ou secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja considerado de operações de loteamento, de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou de alterações na sua forma de utilização (arts 1.° e 2.° do RTRIU);

16.ª À regulamentação de tal taxa subjaz o princípio de acordo com o qual existe uma relação, directa e quantificável entre o referido facto - in casu, a construção do Hotel - e o aumento - efectivo ou tão só possível - do número de utentes, a qual torna indispensável o redimensionamento das infraestruturas existentes, as quais são projectadas para cada zona da cidade, em função do número de utilizadores previsível;

17.ª Ainda que, até ao momento, não tenham sido realizadas infra-estruturas, motivadas pela construção do imóvel em causa, tal constatação não significa que não venham ser realizadas, no futuro, nem que as mesmas não tenham carecido, entretanto, de remodelação ou reforço, não merecendo acolhimento a interpretação das Recorrentes, pois são prestadas, pelo município de Lisboa, utilidades, ao nível da realização, remodelação e reforço das infra-estruturas primárias e secundárias, ainda que futuras - encontrando-se verificado o elemento caracterizador da categoria jurídico-tributária das taxas;

18.ª Considerando as leis e regulamentos vigentes à data do deferimento do licenciamento, a alínea a), do art. 6.°, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prevê a cobrança, pelos municípios, de taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas, encontrando-se a emissão do alvará de licença construção sujeita ao pagamento de tal taxa, nos termos do n.° 3 do art. 116° da Lei n.° 555/98, de 16 de Dezembro (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - RJUE);

19.ª Actuando no âmbito do poder regulamentar e das competências municipais [cfr. n.° 4, do art. 238° e art. 241°, ambos da Constituição da República Portuguesa e alíneas a) e e), do n.° 2, art. 53°, e a), do n.° 6, do art. 64°, da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro], o Município de Lisboa aprovou o Regulamento da Taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (RTRIU), publicado através dos Editais n.° 122/95, de 5 de Dezembro e 23/92, de 28 de Fevereiro, com a redacção resultante da Deliberação da Assembleia Municipal n.° 20/AM/2003 (Deliberação n.° 128/CM/2003) e publicada no DR, II Série, n.° 186, de 13 de Agosto de 2003 (15-A deliberação n.° 20/AM/2003 foi publicada com rectificações no 1.° Suplemento ao Boletim Municipal n.° 570, de 20 de Janeiro de 2005), aplicável à liquidação sindicada nos presentes autos;

20.ª A tese da Recorrente, a vingar, implicaria a violação das mencionadas normas da CRP, revestindo inconstitucionalidade o afastamento dos poderes regulamentar e tributário dos municípios, o que desde já se argui;

21.ª A TRIU reveste a natureza de taxa, constituindo o facto gerador da relação jurídico-tributária em causa, in casu, a construção de edifícios, enquanto condição determinante, directa ou indirecta, actual ou futura, da prestação de alguma das utilidades mencionadas nos arts. 1.º e 2.° do RTRIU;

22.ª O facto de o pagamento da TRIU anteceder a efectiva prestação do serviço público - situação em que a fruição ou a mera possibilidade de utilidade não é imediata -, não lhe subtrai o carácter bilateral, que constitui característica essencial das taxas;

23.ª Economicamente, só por acaso ocorrerá uma equivalência entre a prestação e contraprestação que lhe é inerente, entre o quantitativo da taxa e o custo da actividade pública recebido pelo particular, contudo, ao conceito de sinalagma não importa a estrita equivalência económica, mas, apenas, a equivalência jurídica;

24.ª Existe uma relação directa entre a área de construção (permitida no âmbito do licenciamento) e o respectivo uso, com o número de utentes, a qual reflecte uma preocupação de proximidade entre o custo, a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa, ou seja, o volume de construção licenciado tem relação directa com o impacto que o edifício virá a determinar sobre as infra-estruturas existentes e, logo, com o redimensionamento das mesmas, cuja responsabilidade incumbe ao município;

25.ª Não é o facto de tal esforço de infra-estruturação poder gerar utilidades para o público em geral que retira a sinalagmaticidade da prestação correlativa ao mesmo, uma vez que o responsável pelo pagamento também irá, ou poderá auferir de utilidades próprias, desfrutando, nessa medida, da divisibilidade e especificidade característicos do tributo cujo pagamento efectuou: uma taxa;

26.ª A questão da constitucionalidade orgânica, formal e material, inexiste, uma vez que os Municípios dispõem de habilitação, constitucional e legal para a respectiva liquidação, nos termos conjugados dos arts. 238.° e 241.º da Constituição da República Portuguesa e da aI. a), do n.° 1, do art. 6. °, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, que consagra expressamente, no elenco de taxas que habilita os municípios a cobrar, a TRIU, pelo que o seu afastamento constituiria clara violação das mencionadas normas da Lei Fundamental, padecendo de inconstitucionalidade;

27.ª Não padecem de vício de inconstitucionalidade, as normas regulamentares que fixaram a TRIU, não sendo aplicável a tal tributo, ao contrário do que defende a Impugnante, o princípio constitucional da reserva de lei formal, consagrado no art. 103.° da Constituição da República Portuguesa;

28.ª A liquidação da TRIU implicou a ponderação e o relacionamento dos custos médios das infraestruturas, por referência às diferentes zonas da cidade, à área construída e projectada e aos diversos tipos de utilização, factores subjacentes à fórmula de cálculo da TRIU;

29.ª Embora não possa afirmar-se que uma determinada obra de infra-estruturação foi directamente determinada pelo licenciamento a que se referiu a liquidação em crise - razão pela qual foi considerado provado não ter o município realizado infra-estruturas, em consequência da construção das Recorrentes -, já pode dizer-se que a execução de tais intervenções foi, pelo menos parcialmente, motivada pelas diferentes operações urbanísticas da sua zona envolvente,. que determinaram, entre outros factores, um acréscimo de utentes àquela, nessa medida motivando o necessário redimensionamento das infra-estruturas que a servem;

30.ª Considerando o facto tributário em causa na TRIU, é o respectivo Regulamento aplicável à liquidação sindicada, inexistindo qualquer retroactividade em tal interpretação, simplesmente porque a mesma compreende, tão só, a aplicação das normas em vigor ao tempo da verificação do facto tributário subjacente àquela taxa, em estrito respeito das normas que, no ordenamento jus tributário em vigor, disciplinam a matéria da aplicação da lei no tempo (v.g., actualmente, o art. 12.° da LGT, ou o art. 103.°, da CRP);

31.ª O momento determinante para o apuramento das normas tributárias aplicáveis, no que concerne ao facto tributário (in casu, da TRIU), é aquele em que o mesmo opera, no caso concreto, o momento em que, com a habilitação do promotor do licenciamento a proceder à construção - emissão do alvará de licença - se torna previsível a existência de sobrecarga, sobre as infraestruturas urbanísticas, e o consequente reequacionamento e redimensionamento, por parte do município, bem como o dever de compensar o município, pelo mesmo;

32.ª O momento em que é impulsionado o licenciamento determina as normas urbanísticas a que o mesmo se encontra sujeito e, consequentemente, delimita as condições definidas para o mesmo, no âmbito do procedimento correspondente, mas é independente do momento em que é accionado o facto tributário;

33.ª O acto de liquidação mostra-se fundamentado, não se verificando qualquer insuficiência, obscuridade ou incongruência, sendo indicados os elementos que determinam a mesma, v.g., os dispositivos legais ao abrigo dos quais é efectuada a liquidação, bem como os elementos de facto recolhidos no licenciamento;

34.ª Atenta a natureza do acto de liquidação em causa, e uma vez que a exigência de fundamentação pretende que o destinatário conheça, daquele, a norma que serviu de base à liquidação, quais os valores aplicáveis a cada um dos parâmetros da fórmula de cálculo, e por fim, o montante devido, basta a observação da informação que apura o montante da taxa (45054/INF/DARPAL-TRIU/GESTURBE/2007 - Doc. n° 4, da contestação), uma vez que contém todos os elementos referidos;

35.ª Concretamente, é identificada a fórmula de cálculo, os valores apurados no processo, que preenchem cada uma das variáveis dependentes dos mesmos e os coeficientes de cálculo subjacentes à operação urbanística em concreto, decorrentes da mesma, respectiva localização e uso (por referência ao Regulamento);

36.ª A liquidação da TRIU obedece a uma fórmula, cujos factores de cálculo são preenchidos, por um lado, com os elementos constantes do processo de licenciamento e, por outro, com os coeficientes constantes do respectivo regulamento, configurando uma fórmula matemática, insusceptível de ser alterada pela participação dos interessados;

37.ª A falta de audiência do interessado em momento anterior à liquidação, degrada-se em formalidade não essencial, não implicando a invalidade da liquidação, sempre que, num juízo de prognose póstuma, se conclua que nada que o interessado pudesse acrescentar em sede de participação seria susceptível de alterar a liquidação, como acontece quando a liquidação se resume a um mero cálculo aritmético e, logo, na TRIU;

38.ª O acto de liquidação não se confunde, nem com o deferimento do licenciamento, nem com o acto administrativo de emissão do alvará de licença de construção, constituindo actos individualizados, sendo que, os actos administrativos praticados no seio do licenciamento que antecedeu a liquidação da TRIU não são passíveis de apreciação nos presentes autos, ou sequer, na forma processual escolhida pelas ora Recorrentes para fazer valer a sua pretensão;

39.ª Não ocorreu qualquer violação dos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, configurando a liquidação da TRIU impugnada, como se viu, a mera sujeição das Recorrentes, tal como os restantes promotores de licenciamentos urbanísticos, às normas Regulamentares em vigor no momento do deferimento do licenciamento, entre as quais as disciplinadoras daquela taxa;

40.ª Ocorreria violação de tais princípios constitucionais, mas caso a construção promovida pelas Recorrentes não fosse sujeita ao pagamento da TRIU, em termos idênticos ao que o são os restantes licenciamentos, beneficiando aquelas face aos restantes promotores, na medida em que aquelas sempre beneficiariam da realização, remodelação ou reforço das infra-estruturas urbanísticas, promovida(s) pelo município e que acabariam por ser custeadas ou, pelo menos, comparticipadas por outrem;

41.ª Os princípios da igualdade e da justiça determinam a necessidade de responsabilizar cada promotor pela carência, presente ou futura de construção, remodelação, reparação ou reforço das infraestruturas urbanísticas, causada pelo impacto exercido por cada operação urbanística licenciada;

42.ª A liquidação da TRIU não viola, de igual modo, o princípio da proporcionalidade, uma vez que são devidamente ponderados e relacionados os custos médios das infra-estruturas, por referência às diferentes zonas da cidade, à área construída e projectada e aos diversos tipos de utilização, como pode concluir-se do RTRIU, em que a liquidação colheu os seus fundamentos, bem como da respectiva nota justificativa e explicativa;

43.ª O acto de liquidação da TRIU questionado nos autos foi praticado de acordo com lei habilitante expressa, no pleno uso das competências atribuídas por lei aos municípios e de acordo com a forma prevista na lei para o efeito, não padecendo de vício ou irregularidade, sendo plenamente válido, improcedendo na sua totalidade os argumentos invocados pelas Recorrentes.

Nestes termos e nos demais de Direito se conclui, invocando o douto suprimento de V.Ex°s, pela manutenção da douta sentença recorrida, na parte em que considera improcedentes os vícios imputados pelas ora Recorrentes ao acto de liquidação da TRIIU, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA.”


***

A 28 de outubro de 2021, foi proferido despacho pelo anterior titular do processo com o seguinte teor:

“A fls. 576, foi proferido despacho, nos termos do qual, se projectava determinar a extinção da instância recursória, quanto aos recorrentes A... e APL, dado que lhes falece a qualidade de parte legítimas, por não serem vencidas na acção.

Por meio de requerimento de fls. 580/583, a APL e a A... sustentam a sua legitimidade para interpor recurso contra a sentença, dado que não obtiveram vencimento quanto a todos os argumentos que sustentam o pedido de anulação do acto tributário em apreço.

A sentença julgou procedente a impugnação com base na ocorrência do vício de preterição da audição prévia.

As impugnantes invocaram vícios de violação de lei, de violação de normas e princípios constitucionais, para além da falta de fundamentação do acto tributário.

Determina o artigo 141.º/2, do CPTA, que:

«Nos processos impugnatórios, considera-se designadamente vencido, para o efeito do disposto no número anterior, o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra o mesmo ato administrativo, tenha decaído relativamente à verificação de alguma delas, na medida em que o reconhecimento, pelo tribunal de recurso, da existência dessa causa de invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do ato anulado».

Em face do exposto, assiste razão às recorrentes, quando afirmam que são partes vencidas em relação à sentença proferida nos autos, pelo que o recurso jurisdicional em apreço, na medida em que se cinge aos fundamentos invocados contra o acto tributário que foram julgados improcedentes pela sentença, deve ser admitido, como foi. Decisão que deve ser mantida.

Motivo porque se julga improcedente a questão prévia, relativa à ilegitimidade das partes, ora suscitada.

Notifique.”


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de:

“a) o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado procedente e, consequentemente, deverá a douta sentença ser revogada, nessa parte;

b) o recurso interposto pelas Impugnantes deve ser julgado improcedente e, consequentemente, deverá a douta sentença ser mantida, nessa parte.”


***

As partes foram notificadas ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nºs 2 e 3, do CPC, tendo ambas apresentado alegações complementares.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

“A) Em 2000-2001, as Impugnantes ("APL" e "A…") pretenderam construir um empreendimento hoteleiro na parcela de terreno do domínio público, com cerca de 5.882 m2 de área total, sita a montante da Doca do Bom Sucesso, na freguesia de Santa Maria de Belém, município de Lisboa, confrontando a Norte com a Avenida de Brasília, a Sul com arruamento portuário, a Nascente com terrenos do domínio público e, a Poente, com a Doca do Bom Sucesso (depoimento de testemunhas apresentadas pelas Impugnantes).

B) Em 2001.01.15, APL requereu na CML a aprovação de informação prévia relativa à edificação da unidade hoteleira em causa, de acordo com os documentos e projectos que lhe foram entregues para esse efeito por A… (doc. de fls. 73 do Processo Administrativo (2o Volume) e depoimento de testemunhas apresentadas pelas Impugnantes).

C) Por despacho da Senhora Vereadora do Pelouro, da CML, de 2001.05.25, foi homologado o parecer favorável relativo à edificação da unidade hoteleira e serviços de apoio (Doc. de fls. 73 do Processo Administrativo (2º Volume)).

D) Em 2002.01.29, APL apresentou na CML um pedido de aprovação dos projectos relativos à construção da unidade hoteleira que A… pretende levar a efeito no prédio em causa, juntando as peças escritas e desenhadas entregues por esta (Doc. de fls. 74 do Processo Administrativo (2o Volume)).

E) Em 2002.02.27, o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) emitiu parecer favorável ao licenciamento da construção do hotel, considerando "a excepcional qualidade do projecto e a sua adequada inserção na envolvente da Torre de S. Vicente de Belém", bem como que “o hotel irá reforçar a vivência da área monumental, contrapondo aos monumentos existentes uma proposta arquitectónica contemporânea de elevado valor (Doc. de fls. 186 do Processo Administrativo (4o Volume)).

F) Em 2002.05.27, a ARSL comunicou à CML que nada tinha a opor, "desde que o requerente cumpra como proposto e bem assim com toda a legislação especifica em vigor” (fls. 93 do Proc Cam 740/CB/2002).

G) Em 2002.06.26, a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo (DRAOT-LVT) emitiu parecer favorável à pretensão formulada, considerando que à actividade hoteleira poderá ser integrada nas actividades complementares ou acessórias da exploração portuária e como tal conformar-se com o PDM, pelo que se emite parecer favorável à localização do hotel (Doc. de fls. 272 dos autos).

H) Por despacho da Senhora Vereadora E…, da CML, de 2005.03.16, na sequência de elementos apresentados através do processo camarário 1052/EDI/2004, foi aprovado o projecto de arquitectura da construção do hotel em causa (Doc. a fls. 93 dos autos)

I) A CML procedeu à liquidação de taxas pela emissão da licença e da taxa relativa à realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), no montante total de 276.982,08€, no âmbito do processo camarário 1052/EDI/2004, com a seguinte fundamentação que se transcreve na parte com interesse para a decisão: "O projecto constante do presente processo trata do licenciamento de construção nova de um hotel, localizado na morada acima referendada, em zona qualificada pelo RCML, como Área de Usos Especiais. A intervenção proposta encontra- se sujeita ao seguinte pagamento por aplicação do RTRIU alterado coma redacção dada pelo Aviso n° 6266/03 publicado no Apêndice n.° 122 - II Série do CR de 13/08/2003", e discrimina-se a fórmula utilizada e os cálculos efectuados para o apuramento da taxa. (Doc. a fls. 94-95 e 103 dos autos)

J) Em 2007.05.07, A... pagou as taxas pela emissão da licença de obras de construção no valor total de € 24.497,36 e a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), no valor de € 276.982,08 (Documentos a fls. 11-13 e 103 dos autos).

K) A CML emitiu, em 2007.05.07, o alvará de obras de construção n°. 44/CE/2007 (Doc. a fls. 14 dos autos).

L) Aquando do pagamento dos tributos exigidos, APL, representada por A…, apresentou requerimento na CML, peticionando a revogação da "exigência do pagamento dos encargos urbanísticos liquidados relativamente ao licenciamento da construção", maxime no que respeita à TRIU, "cujos pressupostos e elementos essenciais se desconhecem ainda" (Doc. a fls. 16-17 dos autos).

M) Em 2007.05.07, A… requereu na CML o averbamento em seu nome do Proc. Cam. 1052/EDII2004, com base em declaração emitida por APL, o que foi deferido (Doc. de fls. 273 e ss dos autos).

N) O Município de Lisboa nunca procedeu à abertura, alargamento ou regularização dos arruamentos viários e pedonais que servem o prédio em causa, em consequência do licenciamento da construção em análise (depoimento de testemunhas de ambas as partes).

O) As Impugnantes executaram e suportaram todos os encargos relacionados com a execução de obras de realização, remodelação ou reforço das infra-estruturas urbanísticas que servem o prédio em causa, nomeadamente no que se refere à rede de saneamento, abastecimento de água, electricidade, gás e telefones, bem como à realização de arranjos exteriores (depoimento de testemunhas de ambas as partes).

P) O Município de Lisboa nunca realizou, remodelou ou reforçou no local quaisquer infra-estruturas, maxime em consequência do licenciamento da construção em causa (depoimento de testemunhas de ambas as partes).

Q) O Município de Lisboa nunca realizou quaisquer infra- estruturas urbanísticas primárias ou secundárias em consequência do licenciamento da construção do edifício em causa (depoimento de testemunhas de ambas as partes).

R) Nos orçamentos e planos de actividade do Município de Lisboa não está prevista a realização de obras de urbanização ou a instalação, remodelação ou reforço das infra-estruturas existentes no local, em consequência do licenciamento da construção em causa (Doc. a fls. 184 e segs. dos autos).

S) Pela resolução do Conselho de Ministros n.° 87/2009, de 18 de Setembro, foram afectadas ao Município de Lisboa as áreas desafectadas do domínio público sob jurisdição da APL pelo DL 75/2009, de 31 de Março, não incluindo a área do Hotel A… (v. Anexo II à RCM 87/2009 de 18 de Setembro, nem as infra-estruturas nela existentes, que se mantiveram no domínio e propriedade de APL - Diário da República, 1.ª Série, de 2009.09.18).

T) A p.i. foi apresentada em 27/07/2007 (fls. 1 dos autos).”


***

Ficou consignado na decisão recorrida que:

“Não resulta provado: 1) Que a liquidação de TRIU mencionada na alínea I) do probatório, tenha sido precedida de audição da Impugnante.

A convicção do tribunal quanto aos factos não provados fundamenta-se na ausência de prova documental.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

U) Em 07 de janeiro de 2007, os serviços do Município de Lisboa elaboraram a informação seguinte:

«O projecto constante do presente processo trata do licenciamento de construção nova de um hotel, localizado na morada acima referenciada, em zona qualificada pelo RDML, como Área de Usos Especiais.
A intervenção proposta encontra-se sujeita ao seguinte pagamento por aplicação do RTRIU alterado com a redacção dada pelo Aviso n.º 6266/03 publicado no Apêndice n.º 122 - II Série do D.R. de 13/08/2003:
Dados // Coeficiente de utilização: C1 = (Comércio e Serviços) 1.00 * (AP = 97.02m2); (Estabelecimentos Hoteleiros) 0.75 * (AP = 6530.72m2); (Armazenagem não habitacional sem acesso) 0.50 * (AP = 109.50m2) Coeficiente de Localização: C2 = (Zona A) 5.00 Valor Unitário:10.97 €
Cálculos
Área Lote Padrão
Para efeitos do cálculo do lote padrão, iremos considerar o critério preconizado na informação n.º 5530/INT/DMGU/DARPAUGESTURBE/06, ou seja, o previsto na alínea c) do art. 4º do RTRIU que remete para o art. 59.º do RGEU:
Nestas circunstâncias e considerando apenas as duas vias pedonais públicas, verifica-se que construção proposta não excede os limites do lote padrão, pelo que não será agravada pelo factor 6, por aplicação do art. 4º do RTRIU.
LP (A) = (6 pisos x 15,00 m x 113,00 m) = 3747,60 LP(B) = 3 pisos x 15,00 m (113,00 m -15,00 m) = 4410,00 Distribuindo o LP pelo coeficiente de utilização:
LP(A,B)' = 97,02m2 x 1,00 + 8060,58 m2 x 0,75 LP(A,B)' = 6142,46
Área de Projecto
Consultando os elementos gráficos constantes do p.p. e aplicando os respectivos coeficientes de utilização teremos:
AP = (Piso -1) 1258,60 nf x 0,75 + 115,00 m2 x 0,50 + (Piso 0) 97,02 m2 x 1,00 + 1720,58 m2 x 0,75 + (Piso 1) 2042,65 m2 x 0,75 + (Piso 2) 1508,89 m2 x 0,75
AP = 5049,81 Área Existente AE' = 0,00 Assim teremos:
Valor total = ((5049,81 - 0) * 5) * 10.97
Valor total = 276,982.08 € - Duzentos e Setenta e Seis Mil Novecentos e Oitenta e Dois Euros e Oito Cêntimos» (Doc. 4, junto com a contestação)».

V) A 10 de abril de 2007, e no âmbito do processo de licenciamento identificado em H), com o nº 1052/EDI/2004, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, prolatou despacho de deferimento com o seguinte teor:

“Defiro, nos termos e com os fundamentos propostos, cumpridas que sejam todas as normas legais regulamentares” (facto não controvertido; cfr. doc. junto a fls. 96 dos autos);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, ambas as partes interpuseram recurso jurisdicional, sendo que a questão da admissibilidade e legitimidade da interposição de recurso por parte das Impugnantes, foi dirimida por despacho deste TCAS, datado de 28 de outubro de 2021, e mediante subsunção normativa no artigo 141.º, nº2, do CPTA, encontrando-se a mesma firmada na ordem jurídica, não cumprindo, por conseguinte, tecer quaisquer considerandos adicionais.

Feito este introito, importa, igualmente, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso do DRFF, cumpre apreciar:

- Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto não valorou, adequadamente, prova testemunhal constante nos autos e com relevo para a presente lide, importando, por conseguinte, aferir dos pressupostos constantes no artigo 640.º do CPC;

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que julgou verificada preterição de formalidade essencial atinente à audição prévia, sem convocar o princípio do aproveitamento do ato administrativo, o qual logra mérito e determina a manutenção do ato impugnado.

No concernente ao recurso das Impugnantes, cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo valorou, por um lado, adequadamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, se interpretou erradamente os pressupostos de direito, aferindo, por conseguinte, do acerto da decisão recorrida relativamente a:

Ø Falta Absoluta de base legal;

Ø Inexistência de contrapartida, por parte do Município, relativamente à TRIU liquidada;

Ø Inconstitucionalidade da taxa liquidada, uma vez que se configura como uma verdadeira contribuição especial e não uma taxa e, por isso, a sua criação pelo Município é ilegal;

Ø Nulidade de tal taxa por inexistência de factos tributários, por falta de elementos essenciais, por falta de atribuições e por violação do direito fundamental de propriedade privada;

Ø Manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura ou incongruente;

Ø Desvalor atribuído à preterição de formalidade essencial do direito de audição prévia;

Ø Ilegalidades concernentes ao próprio pedido de licenciamento, atento o seu deferimento tácito, e a revogação de atos constitutivos de direitos;

Ø Violação de princípios constitucionais basilares.

Apreciando.

Atentemos, ab initio, no erro de julgamento de facto, por forma a estabilizar-se o probatório dos autos.

Neste particular, advoga a Recorrente DRFP que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto desconsiderou um facto que resultou claramente provado da produção de prova testemunhal, cujo aditamento requer com a seguinte roupagem:

“A liquidação impugnada colheu os seus elementos nos regulamentos que disciplinam a TRIU e no processo de licenciamento identificado nos autos, não sendo alterável, de qualquer modo, pela participação dos interessados.”

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece do aludido erro.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (2-Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.)

De relevar, neste concreto particular, que para efeitos de cumprimento da impugnação da matéria de facto no concreto domínio da prova testemunhal, tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Mais importa ter presente que, nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Tendo, outrossim, de ser relevado e, devidamente, valorado que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..)tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (3-Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (4-Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1.)

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente não impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, só o fazendo no domínio da prova testemunhal, sem que, no entanto, observe os aludidos requisitos legais.

Com efeito, a Recorrente não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem, tão-pouco, indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, limitando-se a convocar, de forma genérica, a prova testemunhal produzida e a requerer o aditamento de um facto que reputa relevante, donde, sem o preenchimento dos aduzidos pressupostos.

Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (5-Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.).

De todo o modo, sempre se dirá que o aditamento visado não consubstancia uma asserção fática, com a devida substanciação espácio-temporal, mas sim um juízo conclusivo, donde, insuscetível de integrar o probatório nos moldes propugnados.

E por assim ser rejeita-se a impugnação da matéria de facto.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Iniciemos, então, pelo recurso interposto pela DRFP, face à inerente prejudicialidade e ao concreto impacto que o mesmo pode acarretar no recurso das Impugnantes, sendo certo que, como o mesmo versa sobre o direito de audição prévia, e uma vez que as Impugnantes, sindicaram, também, erro de julgamento atinente à concreta cominação jurídica do mesmo, por uma questão de convergência e precedência lógica, apreciam-se, simultaneamente, os erros de julgamento assacados em ambos os recursos.

Analisando.

A Recorrente DRFP advoga erro de julgamento, na medida em que foi desconsiderando o princípio basilar do aproveitamento do ato administrativo, o qual impõe, na situação sub judice, uma decisão em sentido distinto, designadamente quanto às consequências da falta de audiência prévia.

Aduz, para o efeito, que é entendimento unânime, tanto doutrinal quanto jurisprudencial que, sempre que se conclua, num juízo de prognose póstuma, pela impossibilidade de a audiência de interessados alterar a liquidação, quer porque a mesma decorre de atuação estritamente vinculada, quer porque os seus elementos base se encontram previamente circunscritos, aquela se degrada em formalidade não essencial, não acarretando, por conseguinte, a invalidade do ato de liquidação.

Densifica, neste particular, que a liquidação da TRIU impugnada resulta de meras operações de cálculo aritmético, insuscetíveis de alteração em sede de audição prévia, não assumindo, portanto, a sua preterição a consequência ajuizada pela sentença, ou seja, de anulabilidade do ato de liquidação.

Concluindo, assim, que, in casu, a atuação do Município é estritamente vinculada, logo qualquer intervenção em sede de audição é insuscetível de alteração, por parte das ora Recorridas, designadamente, em sede de audiência de interessados.

Por seu turno, relativamente ao mesmo vício, advogam as Impugnantes, um erro de julgamento concatenado com a própria cominação jurídica, e a montante, na medida em que propugnam que a preterição desse vício conduz à nulidade da liquidação impugnada.

Com efeito, sustentam que os atos impugnados violaram frontalmente os direitos de audiência e defesa das ora Recorrentes consagrados nos artigos 267.° e 268.° da CRP, no artigo 60.º da LGT, no artigo 45.º do CPPT e nos artigos 8.°, 100.°, 101.º e seguintes do CPA, pelo que são claramente inconstitucionais e nulos.

Vejamos, então.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para a apreciação da questão.


O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que nortearam o apuramento adicional de imposto, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (6-Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir, em regra, à anulação da decisão que vier a ser tomada (7-cfr.artº.135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437), podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Estabelecido o respetivo quadro normativo, e feitos os considerandos que relevam para o caso dos autos, há, desde logo, que evidenciar que não assiste razão às Impugnantes quando propugnam que o desvalor atinente à falta de audição prévia se coaduna com a nulidade.

Com efeito, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui, em regra, um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada.

Como doutrinado no Aresto do STA prolatado no processo nº 0975/16, de 31 de maio de 2017:

“I - Os vícios do acto impugnado constituem, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja essa forma de invalidade, nos termos do disposto nos arts. 133º, nº 1, e 135º do CPA (…)

III - A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão, por não estar em causa a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, mas apenas ao princípio da legalidade tributária.”

Extratando-se, igualmente, da sua fundamentação jurídica mediante convocação do Aresto prolatado pelo STA, no âmbito do processo nº 0210/12, de 21 de novembro de 2012, designadamente, o seguinte:

“A jurisprudência desta Secção vem afirmando de forma reiterada e uniforme que no domínio do contencioso tributário, por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (artigos 133.º e 135.º do CPA) – cf. neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 23.11.2005, recurso 612/05, de 13.02.2008, recurso 886/07, de 21.05.2008, recurso 220/08, de 25.05.2011, recurso 91/11, de 21.09.2011, recurso 63/11 e de 16.05.2012, recurso 275/12, todos in www.dgsi.pt.
Também Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha referem no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pag. 247, «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.° do CPA, segundo o qual são anuláveis os "actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção."
Dispõe, por sua vez art. 133º nºs 1 e 2 al. d) do Código de Processo Administrativo são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Porém, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Mas não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
Com efeito, por via de regra, a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento constitui vício gerador de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135º CPA).
Sendo geradora de nulidade da decisão, com a qual está instrumentalmente conexionada, apenas nos casos em que ponha em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental (art. 133, nº 2, al. d) CPA), ou no âmbito do procedimento administrativo sancionatório.
Este tem sido o entendimento, que acolhemos, da jurisprudência deste Supremo Tribunal - vd. acórdãos de 11.1.94, recurso 32 182, de 8.6.99, recurso 44565, de 12.10.99, recurso 44503, de 16.10.02, recurso 941/02, de 24.10.02, recurso 44052, de 22.01.2004, recurso 429/02, e de 25.06.2009, recurso 151/09, todos in www.dgsi.pt.
Como se disse no supracitado Acórdão 151/09 «a preterição do exercício do direito de audição só em matéria sancionatória assume a natureza de direito fundamental (art. 32.º, n.º 10, da CRP) e, por isso, tal vício, nos procedimentos sancionatórios, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando nulidade do acto de decisão do procedimento, por força do disposto naquela norma constitucional e no art. 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA.
Fora do âmbito dos procedimentos administrativos sancionatórios, a CRP nem prevê especialmente o direito de audição como direito fundamental a assegurar nos procedimentos administrativos, relegando para a lei ordinária o estabelecimento dos termos em deve ser assegurada «a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (art. 267.º, n.º 5, da CRP), participação essa que nem tem de ser assegurada necessariamente através do direito de audição, nos termos em que está previsto no art. 60.º da LGT, 45.º do CPPT e 100.º a 102.º do CPA, pois poderá assumir outras formas, designadamente participação em actos procedimentais».
Também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 594/2008, de 10-12-2008, publicado no Diário da República, II Série, de 26-1-2009, não julgou inconstitucional a interpretação dos arts. 100º e 133º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, no sentido de não ser a audiência prévia elemento essencial do acto administrativo, gerando a sua falta a nulidade deste acto.
Em suma, fora do âmbito do direito sancionatório, não pode entender-se que a preterição do direito de audição ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Daí que se entenda que, no caso, estamos perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade (Também neste sentido, cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pag. 515.), não sendo, consequentemente, aplicável o disposto no artº 102º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Ora, aderindo, na íntegra, a esta doutrina, a qual é inteiramente transponível no tocante ao tipo de invalidade gerada, e que, como visto, é consentânea com as normas legais aplicáveis, ter-se-á que decretar a improcedência do recurso das Impugnantes, neste conspecto.

Aqui chegados, estando firmado que existiu preterição de audição prévia, e que essa preterição de formalidade essencial não é cominada com a nulidade, mas antes com a anulabilidade, importa, então, apreciar da concreta possibilidade de aproveitamento do ato administrativo.

Como visto, e ora se reitera, é entendimento unânime jurisprudencial (8-Vide, por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 22.01.2014.), que a omissão da audição do contribuinte, ou a sua realização de forma deficiente e sem os requisitos legais, constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato administrativo, seja manifesto que a decisão tributária, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

Noutra formulação, dir-se-á que o Tribunal tem o poder de não anular um ato inválido quando a decisão administrativa não poder assumir outro conteúdo, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o ato inválido, embora sem o vício que determinou a anulação (9-Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo n.º 017/12, de 31/01/2012.).


Note-se, neste particular, que o princípio do aproveitamento do ato administrativo, se encontra, atualmente, consagrado no artigo 163.º, nº5 do CPA, segundo o qual:

“5 - Não se produz o efeito anulatório quando:
a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Como doutrinado no Acórdão do STA, proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, no âmbito do processo nº 0441/13de 22 de janeiro de 2014:

“a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto –utile per inutile non viciatur.”

Esclarecendo, igualmente, a doutrina vertida no Acórdão do STA, no âmbito do processo nº 01391/14, de 25 de junho de 2015, que:

“A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que não tem suporte directo em disposição legal alguma, mas que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei –, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento (in casu a liquidação adicional de IS), anulação que é a sua consequência, de acordo com o previsto no n.º 1 do art. 163.º do Código do Procedimento Administrativo («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, págs. 515 e segs.).
«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las.
Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Outubro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32410.pdf), págs. 13 a 20, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/212bcafe7f4d180f80257c6f004ea9c0?OpenDocument.).Como também ficou dito no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1071/06 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008
(https://dre.pt/application/dir/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 386 a 392, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d268a41bfe236798025728f0050532e?OpenDocument.), «[à] luz de tal princípio [do aproveitamento do acto], deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio”. (destaques e sublinhados nossos).

Ora, atentos os considerandos de direito supra expendidos e fazendo a apreciação casuística que se impõe, apelando, por isso, às circunstâncias concretas da realidade em apreço, resulta que é possível concluir-se, inexoravelmente, que a audição do contribuinte- entenda-se devidamente esclarecida e munida de todos os elementos e requisitos legais- no procedimento não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, conduzindo a um resultado diferente, na medida em que, a mesma se conformou, na íntegra, com o procedimento de licenciamento atinente ao efeito, com a fórmula legal aplicável-e sem que as Recorridas tenham sindicado qualquer erro de quantum atinente ao efeito, em sede e momento próprio- encontrando-nos, assim, no domínio da atividade vinculada da Administração.


Com efeito, apelando às circunstâncias concretas do caso há que ter presente, desde logo, que a liquidação da TRIU não tem lugar em procedimento próprio, porquanto é corporizada no âmbito do procedimento de licenciamento e de acordo com os elementos que o integram. O que significa, portanto, que inexiste, para efeitos de liquidação, qualquer atividade instrutória distinta da que tem lugar no procedimento de licenciamento, e sem obrigatoriedade legal de elaboração de relatório instrutor.


Dir-se-á, portanto, que em sentido consonante com o propugnado pela Recorrente DRFP, o ato de liquidação da TRIU traduz-se numa operação aritmética que tem por base os elementos constantes do processo de licenciamento, donde, a audiência prévia só assumiria relevo se tivesse ocorrido erro de cálculo, o que, como visto, não só não foi alegado, como não resulta minimamente patenteado do probatório, bem pelo contrário.


Com efeito, diz-nos o artigo 4.º do RTRIU, -regulamento, in casu, que foi o adotado e sem que mereça qualquer censura, conforme veremos em sede própria- para efeitos de incidência e liquidação quanto ao cálculo da TRIU que “as operações urbanísticas que impliquem alteração da área bruta de construção, o valor da TRIU é determinado, para cada tipo de utilização, de acordo com a seguinte fórmula de cálculo:TRIU = [(LP-AE) x C1 x C2 + (AP-LP) x C1 x C2 x 6]x VU“.


Dimana, assim, inequívoco que in casu, a liquidação da taxa em contenda-conforme resulta da interpretação conjugada do consignado nas alíneas I) e U)- representa um ato estritamente vinculado que se conforma ao anterior ato de deferimento do licenciamento e aos preceitos legais que definem o modo pelo qual deve ser calculada a taxa devida, não comportando, por conseguinte, qualquer definição do direito do particular.


Neste sentido, vide, designadamente, mediante uma interpretação ad maiori ad minus, Acórdão do STA, proferido no processo nº 1242/13, de 29 de outubro de 2014, e TCAS, prolatado no processo nº 387/00, de 04 de junho de 2020.


Face ao exposto, verifica-se, efetivamente, in casu, uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, porquanto, como visto, relativamente ao ato impugnado é possível afirmar-se, inequivocamente, que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, donde essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado. Ademais, como já devidamente densificado anteriormente, estamos num contexto em que a margem de discricionariedade do Município é praticamente inexistente, sendo que, como visto, a discordância da Recorrente centra-se em questões do alcance do regime legal e regulamentar aplicável.


Destarte, não obstante, se ter concluído pela preterição de uma formalidade legal, no caso em concreto, a mesma degradou-se em formalidade não essencial.


E por assim ser, assiste razão à Recorrente DRFP, procedendo, assim, o erro de julgamento atinente ao desvalor atribuído ao vício de audição prévia, que determina, in casu, a revogação da decisão recorrida, e uma vez que inexistem quaisquer questões julgadas prejudicadas, a consequente manutenção do ato de liquidação.


Mas, aqui chegados, e atenta a admissão do recurso das Impugnantes, há, então, que apreciar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto às demais questões julgadas improcedentes pelo Tribunal a quo.


Atentemos, então, se assiste razão às segundas Recorrentes quanto aos erros de julgamento que assacam à decisão recorrida.


De relevar, ab initio, que face à intrínseca ligação relativamente aos erros de julgamento invocados, na medida em que as aduzidas ilegalidades entrecruzam-se, ajuíza-se, desde logo, por uma questão de clareza, plena cognoscibilidade e efeito prático, que a análise dos mesmos seja, sempre que possível, corporizada numa óptica conjugada.


Vejamos, então.


Alegam, desde logo, as Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o tributo exigido pelo Município de Lisboa é absolutamente destituído de qualquer base legal, causa, contrapartida ou fundamento, sendo manifesta a nulidade da liquidação em causa.


Advogam, outrossim, que as normas tributárias editadas pela deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa n.° 20/AM/2003 e publicadas em 20 de janeiro de 2003, inversamente ao propugnado na decisão recorrida, não são aplicáveis ao caso vertente, atenta a data de entrada do pedido de licenciamento.


Adensando, assim, que a materializar-se essa aplicação consubstanciam uma aplicação retroativa, desrespeitando, frontalmente, o disposto nos artigos 2.°, 9.°, 18.°, 119.° e 266.° da CRP.


Sustentam, outrossim, que as normas do RTRIU são inconstitucionais e inaplicáveis pois, face à concreta dimensão normativa que lhes foi atribuída criaram um imposto ou contribuição especial não previstos na lei.


Inconstitucionalidade derivada ainda da violação da reserva de lei formal, porquanto a criação de impostos ou contribuições especiais, são da exclusiva competência da Assembleia da República.


Concluem, assim, que os atos sub judice são inválidos por falta de elementos essenciais, pois traduzem-se na exigência às ora Recorrentes de obrigações tributárias sem causa legal e em clara violação do princípio reforçado da legalidade tributária do princípio da proibição da retroatividade dos impostos e do direito fundamental de propriedade privada.


E bem assim por falta de atribuições, por ofenderem o conteúdo essencial dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 62.°, 103.° e 105.° da CRP e por serem consequentes de atos nulos e ineficazes.


Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da sentenciada improcedência, porquanto a fundamentação jurídica que a esteou encontra-se em conformidade com o quadro normativo, e de harmonia com o acervo fático dos autos.


Neste âmbito, advoga que o ato impugnado foi praticado no uso de atribuições, e competências legalmente cometidas, e com base nas normas em vigor ao tempo da liquidação, que delimitavam o campo de incidência dos tributos em causa.


Mais propugna que, as Recorrentes pretendem reconduzir as infraestruturas subjacentes à TRIU a eventuais infraestruturas que, correlativas à operação urbanística licenciada, lhes competem, mas que pela sua natureza se distinguem das que caracterizam aquela taxa municipal.


Ademais, sublinham que a proceder a tese das Recorrentes tal levaria a isolamento do imóvel em causa do resto da cidade, ignorando a realidade em que o mesmo se encontra inserido, mormente, o facto de se encontrar servido por um conjunto de infraestruturas, que implicam a necessária intervenção municipal, para efeitos de realização, remodelação ou reforço das infraestruturas existentes, a equacionar/adequar, consoante os projetos urbanísticos que as motivam ou vêm a motivar, no futuro.


Desfecham, assim, que existe lei habilitante, e a Recorrida atuou no âmbito do poder regulamentar e das competências municipais, no caso foi aprovado RTRIU, aplicável à liquidação sindicada nos presentes autos.


Conclui, para o efeito, que a TRIU reveste a natureza de taxa, constituindo, in casu, o facto gerador da relação jurídico-tributária, a construção de edifícios, enquanto condição determinante, direta ou indireta, atual ou futura, da prestação de alguma das utilidades mencionadas nos artigos 1.º e 2.º do visado RTRIU.


Razão pela qual, não procede a arguida inconstitucionalidade, das normas regulamentares que fixaram a TRIU, não sendo aplicável a tal tributo, ao contrário do que defende a Impugnante, o princípio constitucional da reserva de lei formal, consagrado no artigo 103.° da CRP.


Vejamos, então, a quem assiste a razão.


Para o efeito, importa ter presente a fundamentação jurídica constante na decisão recorrida nesse âmbito.

“[a]s infra-estruturas a que se reportam a TRIU não se confundem com as infra-estruturas próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação. Enquanto estas constituem um encargo dos respectivos promotores e, se restringem, em regra, às parcelas de terreno da sua propriedade destinadas a integrar o domínio público municipal, aquelas são infra-estruturas gerais e equipamentos urbanos que servem o loteamento ou a edificação situados na respectiva área de influência ou envolvente.
Neste sentido dispõe o n.° 3 do art. 1.° do RTRIU "As infra-estruturas gerais e equipamentos urbanos da competência do Município referidas no número anterior [n.° 2 do art. 1º do RTRIU] não se confundem com as infra- estruturas próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação, ou seja, com as obras de urbanização que constituem encargo dos particulares e cuja realização, regra geral, se confina às parcelas de terreno de sua propriedade destinadas a integrar o domínio público municipal".
E, assim sendo, carece de fundamento o alegado de que as infra- estruturas das obras foram realizadas pela impugnante, e que a Câmara Municipal de Lisboa não executou as infra-estruturas de que servem o prédio designadamente a rede de saneamento, abastecimento de água, electricidade, gás e telefones, nem efectuou a realização de arranjos exteriores, e por conseguinte a TRIU não seria devida.
Nos termos do disposto nos arts. 1º e 2º do RMTRIU o tributo em causa constitui a contrapartida devida ao Município de Lisboa pelas utilidades prestadas aos particulares em matéria de infra-estruturas urbanísticas primárias e/ou secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja considerado de operações de loteamento, de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou de alterações na sua forma de utilização.
Na verdade, subjacente à regulamentação da TRIU existe uma relação directa e quantificável entre o referido facto e o aumento do número de utentes, a qual torna indispensável o redimensionamento das infra-estruturas existentes, uma vez que são projectadas para cada zona da cidade, em função do número de utilizadores previsível. E, essa alteração pode implicar uma sobrecarga que embora comportável pelas infra-estruturas urbanísticas pré-existentes, originem uma ampliação, adaptação ou reconversão das existentes.
Por outro lado, não procede de igual modo o alegado de que o Regulamento da TMRIU, aprovado pela deliberação de 11/07/1991 da Assembleia Municipal de Lisboa, além de inaplicável à situação em causa, é inconstitucional, pois consubstancia a criação de contribuições especiais não previstas na lei - v. n° 2 do art. 103° da CRP e n° 3 do art. 4º e 8º ambos da LGT. E de que o RTMIEU na redacção em vigor à data do pedido de licenciamento em análise caducou e nunca seria aplicável in casu não podendo também as novas normas tributárias posteriormente editadas pela deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) n.° 20/AM/2003 ser retroactivamente aplicadas ao pedido de licenciamento em análise - art.0 103.° da CRP, art.°s 12.° e 13.°do C. Civil.
O tributo em causa ao revestir a natureza de uma taxa e não um imposto, não está sujeita à regra da reserva de lei para a sua criação e determinação dos elementos essenciais, podendo a sua previsão constar de simples regulamento municipal aprovado pela Assembleia Municipal, nos termos das Leis das Finanças Locais e das Autarquias Locais então em vigor. (Acórdão do Tribunal Constitucional n° 258/2008, de 30.4.2008).
A Constituição da República Portuguesa nos termos do disposto no n.° 4 do art. 238.° e 241.°, atribui poderes tributários às autarquias locais, e encontra-se legalmente legitimada a cobrança, pelos municípios, de taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias - art. 10.°, al. c) e art. 15.° da Lei n.° 2/2007 (actual Lei das Finanças Locais) e art. 6.°, n.° 1, al. a) da Lei n.° 53-E/2006 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) e anteriormente al. a) do art. 19.° da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto (anterior Lei das Finanças Locais).
Assim, âmbito do poder regulamentar e das competências municipais (arts. 238.°, n.° 4, 241. ° da Constituição da República Portuguesa - CRP e 53.°, n.° 2, a) e e) e 64.°, n." 6, a) da L n.° 169/99, de 18 de Setembro (Lei das Autarquias Locais [LAL]), o Município de Lisboa aprovou o Regulamento da Taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (RTMRIU), publicado através dos Editais n.° 122/95, de 5 de Dezembro e 23/92, de 28 de Fevereiro, com a redacção resultante da Deliberação da Assembleia Municipal n.° 20/AM/2003 - publicada no Boletim Municipal n.° 489, de 3 de Julho de 2003 (Deliberação n.° 128/CM/2003), e publicada no DR, II Série, n.° 186, de 13 de Agosto de 2003 -, o qual é aplicável ao tributo em apreço, uma vez que o facto tributário que deu origem à liquidação e cobrança em causa se verificou após a entrada em vigor de tais alterações.
Por conseguinte, e em síntese, o tributo em causa não viola qualquer das disposições constitucionais invocadas pelas Impugnantes, nem os princípios constitucionais violação do princípio da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade.
Também não assiste razão às Impugnantes quando alegam que os actos são nulos por falta de elementos essenciais (art.° 123.°, n.° 1 e art.° 134.°, n.° 1 do CPA, violam ainda o disposto no art.° 140.° e art.° 141.° do CPA pois revogaram implícita e ilegalmente anteriores actos constitutivos de direitos, sem se fundar na sua ilegalidade, que nem sequer foi invocada, violam ainda o disposto no art.° 266.° da CRP, e art.° 3.° do CPA e art.° 24.° do DL 555/99, de 16 de Dezembro, que contém uma enumeração taxativa dos fundamentos de indeferimento, pois nenhum prevê a possibilidade de liquidação e cobrança dos tributos em causa (art.° 8.° da LGT).
Na verdade, as Impugnantes pretendem questionar a validade do acto final de licenciamento subjacente à liquidação da TRTU. Sucede que, o acto impugnado é distinto do acto de emissão de alvará de licença de construção. E, nessa medida, em sede de Impugnação judicial apenas são sindicáveis os actos de liquidação e cobrança da TRIU, não sendo atacáveis os actos administrativos de natureza não tributária que condicionaram a emissão da licença de construção.
Refira-se ainda que in casu não se verificam os pressupostos previstos no invocado art.° 100.°, n.° 1 do CPPT, ou seja, não estamos perante uma situação de fundada dúvida sobre a existência dos factos tributários, pelo que também quanto a este fundamento improcede o invocado pelas impugnantes.”

Vista a posição das partes e a fundamentação jurídica que esteou a improcedência dos aludidos vícios, vejamos, então, se a mesma merece a censura que lhe é endereçada.


Comecemos, então, por aferir da falta de base legal, relevando, neste particular, que nenhum reparo merece a mesma.


Senão vejamos.


Como já evidenciado anteriormente e decorre da factualidade assente na génese do ato de liquidação, encontra-se um processo de licenciamento para construção (processo camarário 1052/EDI/2004) de um empreendimento hoteleiro na parcela de terreno do domínio público, com cerca de 5.882 m2 de área total, sita a montante da Doca do Bom Sucesso, na freguesia de Santa Maria de Belém, município de Lisboa, confrontando a Norte com a Avenida de Brasília, a Sul com arruamento portuário, a Nascente com terrenos do domínio público e, a Poente, com a Doca do Bom Sucesso, cujo projeto de arquitetura foi aprovado mediante despacho da Senhora Vereadora da CML, datado de 16 de março de 2005.


Tendo, por seu turno, o competente pedido de licenciamento sido deferido em 10 de abril de 2007, pelo Presidente da Câmara, e nessa conformidade sido emitido os atos de liquidação de taxas pela emissão da licença e da TRIU no montante total de 276.982,08€, as quais foram objeto de pagamento, em 07 de maio de 2007.


Ora, do supra expendido resulta, desde logo, e inversamente ao propugnado pelas Recorrentes, e no sentido ajuizado pelo Tribunal a quo, que existe, efetivamente, base legal para a criação do tributo em contenda, estando o Município habilitado para o efeito.


Com efeito, dimana, desde logo, do disposto no n° 4 do artigo 238.° e 241.º ambos da CRP a atribuição de poderes tributários às autarquias locais. Note-se que, à data da emissão do ato tributário, tal legitimidade dimanava do consignado no artigo 10.°, alínea c) e artigo 15.° da Lei n° 2/2007 e artigo 6.º, n°1, alínea a) da Lei n° 53-E/2006 - Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, sendo que, anteriormente tal atribuição dimanava, outrossim, da alínea a) do artigo 19.°, da Lei n° 42/98, de 6 de agosto.


O que significa, portanto, que a Recorrida se encontra legitimada à cobrança de taxas, e dentro delas da taxa em contenda, ou seja, pela realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas primárias e secundárias.


Com efeito, habilitado por tais normativos, e no âmbito do poder regulamentar e das competências municipais o Município de Lisboa, ora Recorrido, aprovou o Regulamento da Taxa pela Realização de Infraestruturas Urbanísticas (RTRIU), publicado através dos Editais n° 122/95, de 5 de dezembro e 23/92, de 28 de fevereiro, com a redação resultante da Deliberação da Assembleia Municipal n.° 20/AM/2003 - publicada no Boletim Municipal nº 489, de 3 de Julho de 2003 (Deliberação n° 128/CM/2003), e publicada no DR, II Série, n.° 186, de 13 de agosto de 2003, e cuja publicação, com retificações, foi publicada no 1.° Suplemento ao Boletim Municipal n.° 570, de 20 de janeiro de 2005.


Note-se, neste âmbito, que não logra provimento o aduzido quanto à invocada violação do princípio da irretroatividade, na medida em que, inversamente ao ajuizado pelas Impugnantes, a legalidade de aplicação dos Regulamentos afere-se à data da prática do facto tributário, in casu, da data do deferimento do pedido de licenciamento, e não, como advogam as Recorrentes, à data da entrada do pedido de licenciamento.


Com efeito, o tributo em contenda, e conforme preceitua, desde logo, o artigo 6.º do citado Regulamento, é liquidado em razão do impacto da operação urbanística -no caso construção da unidade hoteleira- no esforço das infraestruturas gerais suportadas pelo Município, o qual é apurado em função do projeto de licenciamento e, à data, naturalmente, do seu deferimento.


Como doutrinado no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01168/06, de 06 de maio de 2020, “a legalidade do acto de liquidação da taxa deve aferir-se pela conformidade com os regulamentos municipais aplicáveis na data do facto tributário (deferimento do pedido de licenciamento).”


Donde, o respetivo Regulamento é aplicável à liquidação sindicada, porquanto consubstancia a aplicação das normas em vigor à data da verificação do facto tributário subjacente àquela taxa, em cumprimento do plasmado no artigo 12.° da LGT, do artigo 6.º do RTRIU e do artigo 103.°, da CRP.


Logo, tendo presente as asserções fáticas constantes no probatório, e atinentes ao efeito, dimana perentório que inexiste qualquer violação do princípio da irretroatividade, e no mesmo sentido se terá de concluir quanto à evidenciada falta de publicação, na medida em que o juízo de entendimento das Recorrentes tem na origem um erro base de raciocínio concatenado, como visto, com a génese do facto tributário, não cumprindo, assim, tecer quaisquer considerandos adicionais, neste e para este efeito.


Neste conspecto, cumpre, outrossim, evidenciar que não releva para o efeito o aduzido quanto à área de jurisdição e concreta circunscrição territorial, porquanto a mesma não tem, de todo, o alcance que lhes pretende granjear as Recorrentes, na medida em que o aduzido pagamento que afirmam ser devido pelo Município, como contrapartida da utilização das infraestruturas existentes na área de jurisdição da APL, após a desafetação do domínio público marítimo, efetuada pelo DL n.° 75/2009, de 31 de março e nos termos da RCM 87/2009, publicada na V Série do DR n.° 182, de 18 de setembro, não assume, de todo, as consequências que propugnam.


Inexistindo, outrossim, a aduzida inversão do regime legal, não sendo o mesmo, pelas razões expostas, destituído de qualquer base legal, contrapartida ou fundamento, em nada subvertendo o artigo 3.º, nº1, do DL 336/98, de 3 de novembro, porquanto as atividades aí compreendidas não colidem, infirmam ou substituem as infraestruturas urbanísticas visadas nos autos.


Em nada relevando ser área de uso especiais –de resto, realidade de facto nunca convocada no seu articulado inicial-, em nada podendo, igualmente, redundar na genérica alegação atinente à construção em municípios vizinhos.


Note-se que, em ordem ao âmbito objetivo, e subjetivo do tributo em contenda e às concretas contrapartidas consignadas, o certo é que a circunstância adveniente da desafetação, não permite, de todo, apartar o meio envolvente onde se encontram inseridas.


Com efeito, e no que para os autos releva, preceitua o aludido RTRIU, quanto ao seu objeto, especificamente no artigo 1.º que “a Taxa Municipal pela Realização de Infraestruturas Urbanísticas (TRIU) constitui a contrapartida devida ao Município de Lisboa pelas utilidades prestadas ou a prestar aos particulares em matéria de infraestruturas urbanísticas primárias e secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de operações de loteamento, de obras de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou respetivas frações ou de alterações na utilização destes.”


Sendo certo que, as aludidas infraestruturas podem ser decompostas e agregar infraestruturas urbanísticas primárias e secundárias, integrando, por seu turno, as primeiras os arruamentos e estruturas viárias, sistemas de drenagem pública de águas residuais domésticas, industriais e pluviais (contemplando redes de coletores e instalações de tratamento de efluentes), sistemas de estacionamento público (contemplando estacionamento de superfície e parques subterrâneos) e interfaces de transportes, enquanto que as secundárias, congregam, designadamente, equipamentos de saúde, escolares, culturais, desportivos, lúdicos e de participação cívica, espaços verdes, mercados e cemitérios (cfr. artigo 2.º do aludido RTRIU).


Daí que, em termos de incidência subjetiva, a mesma incida sobre o aumento de área bruta de construção e/ou do coeficiente de utilização resultantes das operações urbanísticas de loteamento urbano e construção, reconstrução e ampliação de edifícios ou respetivas frações, ou alteração da utilização destes.


Logo, sendo incontestável e incontornável, que tanto a área de jurisdição da APL, como o edifício cujo licenciamento motivou a liquidação da TRIU aqui em causa, se encontram inseridos em meio urbano, tal acarreta, necessária e naturalmente, que usufruam das aludidas infraestruturas urbanísticas, podendo, no entanto, o impacto ser imediato ou mediato, ou seja, o nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente.


Como doutrinado no já citado Acórdão do STA, proferido no processo nº 1242/13, datado de 29 de outubro de 2014, e demais jurisprudência do Tribunal Constitucional que o mesmo convoca e à qual adere:

“a referida taxa corresponde à contrapartida da manutenção das infra-estruturas urbanísticas em termos de permitirem financiar os encargos já suportados e a suportar pelo município nos equipamentos que directa ou indirectamente coloca à disposição da área urbanizada em causa, ainda que estes se localizem em zona contígua ao loteamento e não no seu interior.”

Por outro lado, e no sentido ajuizado, e bem, na decisão recorrida e como decorre claramente do artigo 1.º, nº 3 do citado RTRIU "As infra-estruturas gerais e equipamentos urbanos da competência do Município referidas no número anterior [n.° 2 do art. 1º do RTRIU] não se confundem com as infra- estruturas próprias das operações de loteamento ou das obras de edificação, ou seja, com as obras de urbanização que constituem encargo dos particulares e cuja realização, regra geral, se confina às parcelas de terreno de sua propriedade destinadas a integrar o domínio público municipal".


Neste âmbito, há que ter presente o doutrinado, designadamente, no Aresto proferido neste TCAS, no âmbito do processo nº 0598/03, de 12 de novembro de 2003:

“[a] taxa de urbanização encontra a sua justificação legal na necessidade de compensar o município pelas despesas efectuadas ou a efectuar, decorrentes da realização de infra-estruturas que são essenciais ao uso normal e adequado do imóvel construído.

IV - Contudo, a construção de um prédio provoca, eventual e previsivelmente, a necessidade de realização, reparação e manutenção das infra-estruturas actuais ou futuras.

V - Pelo que o facto de o município não ter suportado, actualmente, as despesas com a sua instalação e reforço, não significa que quer a sua realização, quer a sua manutenção, não tenham, necessariamente, lugar no futuro, nomeadamente, que não tenha que proceder à realização de infra-estruturas e serviços gerais para o conjunto de que a construção faz parte.” (destaque e sublinhado nosso).

Destarte, o Regulamento da TRIU não só não carece de habilitação legal como individualiza, de forma expressa, o competente fundamento jurídico, estando, nessa medida, em plena conformidade e harmonia com o princípio da legalidade tributária.


No respeitante à concreta inexigibilidade do tributo por ausência de contrapartida por parte do Município de Lisboa, e inconstitucionalidade da mesma, e uma vez que a questão tem sido tratada de forma uniforme e reiterada quer por este TCAS, quer pelo STA, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no Aresto do STA, já citado, prolatado no processo nº 1242/13, datado de 29 de outubro de 2014, totalmente transponível para o caso vertente, e que convoca demais jurisprudência proferida no âmbito da visada questão, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“(…) As duas primeiras questões -1 Inexistência de contrapartida, por parte do Município, relativamente à TRIU liquidada e 2 - Inconstitucionalidade da taxa liquidada, uma vez que se configura como uma verdadeira contribuição especial e não uma taxa e, por isso, a sua criação pelo Município é ilegal -, terão um tratamento conjunto, bem como a questão de falta de atribuições da entidade recorrida, uma vez que a jurisprudência dos vários tribunais assim as tem apreciado.

Quanto à questão da conformidade constitucional da taxa em questão, quer por força da entidade criadora, quer por força da inexistência de contrapartida específica, escreveu-se no acórdão do TC, n.º 227/2011, de 03/05/2011:

“4. O outro vício invocado – violação do n.º 2 do artigo 103º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição – corresponde à arguição de um vício orgânico: sustenta-se que as normas impugnadas, criadoras de um verdadeiro imposto, não foram emitidas por lei formal da Assembleia da República, conforme o disposto nos aludidos preceitos constitucionais. Mas resta saber – o argumento invocado pela recorrente arranca de um dado suposto – se as normas prevêem inovadoramente esse tal «imposto».

A natureza da figura da taxa pela realização, reforço e manutenção de infra-estruturas, ou de instrumentos tributários de idêntica natureza já foi apreciada, em diversas ocasiões, pelo Tribunal que tem enfatizado o entendimento de que as taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas constituem a um tributo bilateral. O Tribunal tem, de resto, desenvolvido a esse propósito uma pertinente argumentação no sentido de concretizar o conteúdo das exigências de sinalagmaticidade, correspectividade, equivalência e proporcionalidade entre o tributo e a prestação que aquele visa retribuir, à qual genericamente agora se adere.

Por exemplo, no Acórdão n.º 357/99, onde foi sindicado o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante, então em vigor, sustentou-se o seguinte:

Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente público e do utente (cit. Acórdãos nºs. 205/87 e 76/88), o critério adoptado, fundamentalmente pela ponderação da área de construção – índice quer da utilidade retirada pelo obrigado, quer do grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento, de obras de infra-estruturas urbanísticas – não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.

E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao pagamento (cfr. cit. Acórdão nº. 67/90), muito embora, seja considerável, no caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas urbanísticas (“realização, reparação, manutenção e funcionamento”) em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de loteamento referidas nos artigos 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das “contribuições especiais por maiores despesas” (neste sentido, Aníbal Almeida, ob. cit. pág. 72).

Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado (cfr. cit. Parecer da PGR nº. 59/86) que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível).

Em suma, pois, não se vê que a “taxa municipal de urbanização” em causa revista características diversas das que, na jurisprudência do Tribunal Constitucional (e cita-se aqui, em especial, o Acórdão nº. 354/98, de 12/5 in DR II Série de 15/7/98), têm fundamentado a qualificação de outros tributos como “taxa”.

E, sendo assim, não pode o “Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização”, aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante em 30/6/86 estar ferido de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168º nº. 1 alínea i) da CRP (na versão revista em 82) que às “taxas” se não reporta.

No acórdão n.º 410/2000 (Plenário), o Tribunal sindicou a constitucionalidade dos três primeiros artigos do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim. Sustentou-se:

«(…) Segundo consta da introdução ao Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização do concelho da Póvoa do Varzim, a criação desse tributo tornou possível que a construção individual concorresse, também, para os custos da urbanização. De outro modo a Câmara, sem recursos que lhe permitissem custear as obras de urbanização, não as poderia levar a termo, nomeadamente tendo em conta uma "intensa pressão de construção, sobretudo em zonas situadas fora dos principais aglomerados".

A melhoria da rede viária e dos transportes, do saneamento, dos equipamentos e arranjos dos espaços públicos exige "que cada nova construção ou cada aumento de área construída em prédios existentes comparticipe de forma significativa nos encargos gerais de urbanização do concelho".

Nesta linha, diz-nos o artigo 2º do Regulamento o que se deve entender, para os seus efeitos, por infraestruturas urbanísticas: a) a execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nela se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) a construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) a construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas; e) a execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EDP, bem como respeitantes à iluminação pública; f) a recolha e tratamento de lixo; g) aquisição de terrenos para equipamentos.

Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que assim é, corrobora o artigo 4º do diploma – "regime especial dos loteamentos" – que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº1 do preceito), ao passo que no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não se encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).

Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos necessários à utilização colectiva dos munícipes.

(…)A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando a abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de água e de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano constitui um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e implícitas à iniciativa.

No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.

Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere (e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente, já anteriormente mencionada.

Não se surpreende, assim, vício de inconstitucionalidade orgânica no Regulamento em apreço. (…)”

Por fim, referente a problema análogo, o Acórdão n.º 344/09, que fiscalizou a constitucionalidade das normas dos artigos 28.º a 32.º do Regulamento Municipal para a Liquidação e Cobrança de Taxas do Município de Amarante de 1999, tendo concluído pela sua conformidade constitucional. Aí se explica:

«(...) A questão que se coloca é a de saber se nesse caso ainda se pode dizer que estamos perante uma “taxa” ou se já estaremos perante um “imposto”.

Ora, a “pedra de toque” da jurisprudência do Tribunal Constitucional, com vista à distinção entre “taxa” e “imposto” (entre muitos outros, citem-se os Acórdãos n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt) é a correspectividade sinalagmática do tributo.
No caso em apreço, a verdade é que, estejam ou não projectados no terreno a licenciar, os “equipamentos públicos”, eles, mais cedo ou mais tarde, vão ser necessários ou então já existem. Não poderá ser de outro modo.

Como nem a jurisprudência deste Tribunal nem a doutrina exigem que a correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso em apreço ainda se está perante uma “taxa” (...)
Além disso, para o Tribunal Constitucional, a correspectividade jurídica entre taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 274/04:

“No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.”»

O tribunal recorrido perfilhou um entendimento semelhante, o de que a referida taxa corresponde à contrapartida da manutenção das infra-estruturas urbanísticas em termos de permitirem financiar os encargos já suportados e a suportar pelo município nos equipamentos que directa ou indirectamente coloca à disposição da área urbanizada em causa, ainda que estes se localizem em zona contígua ao loteamento e não no seu interior. As normas em causa não padecem de inconstitucionalidade uma vez que a previsão regulamentar pressupõe a contra-prestação municipal relativa a encargos suportados pelo município no que diz respeito às infra-estruturas destinadas à disposição do loteamento (artigo 27.º, n.º 3 e 28.º do Regulamento).

Quanto ao preenchimento do conceito de contrapartida específica, neste contexto, afigura-se pertinente ter em consideração o Acórdão n.º 357/99, ao ponderar que a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria. Tal critério permite justificar a validade da cobrança da taxa referida a encargos, pressupostos na decisão recorrida, com infra-estruturas contíguas ao loteamento. Desta linha jurisprudencial decorre, em suma, não ser desconforme à Constituição que o pagamento de determinada taxa não dê lugar à efectivação imediata e sincrónica da prestação.

Em conclusão, tratando-se de uma taxa, não se verifica a sujeição a reserva de lei parlamentar exigida pelos artigos 103 n.º 2 e 165º n.º 1 alínea i) da Constituição, pelo que sempre poderia ser aprovada por regulamento municipal. Não ocorre, portanto, o referido vício.”.

Como bem se percebe, este acórdão surge num momento em que a jurisprudência sobre a conformidade constitucional deste tipo de taxas, já se encontrava consolidada, não havendo, nesse momento, entendimentos divergentes.

Sobre a mesma TRIU do Município de Lisboa, já decidiu este Supremo Tribunal pela conformidade constitucional da mesma, ainda que por referência a regulamento anterior, cfr. acórdão datado de 18/06/2008, recurso n.º 0296/08.

Não se vê agora, também, que se possa decidir de modo diferente, quer porque as concretas circunstâncias de facto são idênticas, quer porque a legislação aplicável não sofreu alterações de relevo que exijam da parte do julgador uma reapreciação da questão sob prismas diferentes.

E o mesmo se diga quanto à invocada violação do disposto no artigo 62º da CRP.

Já decidiu este Supremo Tribunal, no âmbito de uma impugnação contenciosa de um acto de licenciamento de obras particulares, que “Quanto à invocada violação do direito fundamental de propriedade, importa que se diga, como vem sendo reiteradamente afirmado pela doutrina e jurisprudência, que, o "jus aedificandi" (mais propriamente ainda o direito de urbanizar lotear e edificar) não se inclui no direito de propriedade privada, a que se refere o artº 62º da CRP, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídica pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado. Por isso, os poderes de uso, fruição e disposição em que o direito de propriedade se manifesta só podem ser exercidos se se contiverem dentro dos limites de tal modelação e respeitarem as restrições por ela impostas.”, cfr. acórdão datado de 26/09/2002, recurso n.º 0485/02. Ou seja, impondo o legislador a modulação do ius edificandi, por via das normas próprias que regulam as intervenções urbanísticas, naturalmente que tais limitações se estendem ao direito de cobrança de taxas, que encontram a sua justificação nas razões elencadas naquele acórdão do TC.

E, é nesta sequência, que este Supremo Tribunal já há muito afirmou que, “As imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, mesmo que se considere o direito de propriedade um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, cfr. os acórdãos do STA de 30/05/2001 rec. 22.251 (Plenário) e de 29/06/2005 rec. 117/05, 22/06/2005 rec. 1259/04 (Pleno), 25/05/2004 rec. 208/04, 25/05/2004 rec. 1708/03, 12/01/2005 rec. 19/04, 28/01/2004 rec. 1709/03, 14/01/2004 rec. 1678/03, 15/12/2004 rec. 1920/03; do TC n.º 67/91 in BMJ 406-190 e o Parecer da Procuradoria-Geral da República de 30/06/2005, in DR, II Série, de 26/09/2005”, cfr. acórdão datado de 22/10/2008, recurso n.º 0153/08.
Improcedem, assim, estas questões.(…)”

No mesmo sentido, reiterou o STA, mais recentemente, esta posição, mormente, no âmbito do processo nº 0108/08, datado de 28.10.2020 convocando e aderindo à posição, entre outros, do Aresto que supracitámos, extratando-se, neste particular, designadamente, o seguinte:

“[A] questão da natureza da chamada “taxa de urbanização”, foi já tratada por este Tribunal, no acórdão de 22/03/2011, proferido no recurso 090/11 (que cita outros anteriores), (…) e, posteriormente, no acórdão de 29/10/2014, no recurso 01242/13, que, por seu turno, sustentou a sua fundamentação no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 227/2011, de 03/05/2011 (embora respeitante a diferentes Municípios, a discussão em cada um dos processos apresenta contornos factuais e jurídicos semelhantes), e mereceu uma resposta uniforme, a da natureza de taxa e não de imposto do tributo”. [No mesmo sentido, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 928/08, de 27.10.2022 e 387/00, de 04.06.2020].

Face ao exposto, e aderindo, na íntegra, à aludida jurisprudência, conclui-se que o tributo sub judice tem a natureza de uma taxa e não de uma contribuição especial, logo o Regulamento visado, não se encontra, por conseguinte, sujeito a reserva de lei parlamentar plasmada nos artigos 103 n.º 2 e 165º n.º 1 alínea i) da CRP, donde, ferido de qualquer inconstitucionalidade.


Adensa-se, e reitera-se que em nada releva, neste e para este efeito, a aludida circunscrição territorial, na medida em que, como visto, o evidenciado nexo de conexão justificativo da taxa para além de não tem de funcionar sincronicamente, a sua legitimidade basta-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente.


Sendo que, face ao expendido anteriormente, resulta inequívoco que o facto de o pagamento da TRIU anteceder a efetiva prestação do serviço público não subtrai, de todo, o carácter bilateral, que constitui característica basilar das taxas.


E pelas razões patenteadas de forma clara no aludido Acórdão, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais se conclui, outrossim, que inexiste qualquer violação do direito da propriedade privada, na medida em que o mesmo não tem a amplitude que reclamam as Recorrentes, nem pode ser interpretado da forma por si propugnada quanto à alegada restrição de direitos.


E naturalmente, face ao supra expendido, dimana inequívoco que os atos em apreço não ofendem o conteúdo essencial dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 62.°, 103.° e 105.° da CRP, não podendo, de todo, secundar-se que os mesmos são consequentes de atos nulos e ineficazes, e nessa medida enfermam de invalidade decorrente de falta de atribuições.


No atinente à alegação de que os atos são nulos por falta de elementos essenciais, porquanto revogaram implícita e ilegalmente anteriores atos constitutivos de direitos, a mesma não procede, de todo, porquanto a mesma radica em errada confusão conceptual, visto que a fundamentação que é advogada, nesse e para esse efeito, funda-se na concreta validade do ato de licenciamento, como visto, realidade a montante, que não é passível de qualquer confusão com o ato de liquidação em análise e não integra, de todo, o objeto da presente lide.


Como evidenciado na decisão recorrida, os atos administrativos praticados no seio do licenciamento que antecedeu a liquidação da TRIU não integram, de todo, a presente lide, ou sequer, a forma processual escolhida pelas ora segundas Recorrentes para fazer valer a sua pretensão.


Há, portanto, que estabelecer a devida destrinça entre o ato final de licenciamento e emissão do competente alvará de licença de construção e o ato de liquidação da TRIU, secundando-se o aduzido de que “em sede de Impugnação judicial apenas são sindicáveis os actos de liquidação e cobrança da TRIU, não sendo atacáveis os actos administrativos de natureza não tributária que condicionaram a emissão da licença de construção.”


Não logrando, outrossim, mérito, face ao expendido anteriormente, mormente, quanto à natureza do tributo em questão, a alegação atinente ao princípio da não consignação de receitas, sendo certo que, a mesma não se encontra, devidamente, substanciada.


Uma nota final, relativamente à ilegalidade dimanante do facto das normas do RTRIU estabelecerem a fixação dos elementos essenciais daquele tributo, por reporte, designadamente, ao lote padrão sem correspondência com a normativa urbanística aplicável, evidenciando, para o efeito, que tal questão redunda em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e não foi objeto de qualquer ponderação na sentença recorrida. Logo, não integrando questão de caráter oficioso, por assentar em mera ilegalidade, reveste a natureza de questão nova, estando, por conseguinte, vedado ao Tribunal qualquer ponderação neste e para este efeito, por consubstanciar um ius novarum.


Atentemos, ora, na questão da falta de fundamentação de facto e de direito das liquidações.


Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.


Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:


“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (10-cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (11-neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (12-Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (13-Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012)(destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

Conforme resulta claro do recorte fáctico dos autos não impugnado, a liquidação de TRIU, no montante total de 276.982,08€, identifica, desde logo, o processo camarário 1052/EDI/2004, contextualizando os respetivos pressupostos base, convocando o respetivo diploma legal, a respetiva redação legal e inerente publicação, discriminando, depois, a fórmula utilizada e os cálculos efetuados para o apuramento da taxa.

Logo, face ao supra aludido dimana inequívoco que dos atos em contenda consta a concreta referência aos pressupostos de facto, aos pressupostos de direito e bem assim uma evidência expressa, ao seu modo de cálculo, sendo certo que, conforme já, devidamente, explanado anteriormente, o quantum e inerente fórmula decorrem, inequivocamente, da lei.

Acresce, outrossim, que relativamente à fundamentação de direito, o STA “tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível (14-Entre tantos outros, os Vide, designadamente, Acórdãos proferidos pelo STA nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, datados de 27.02.1997, 17.05.1998, e 28.02.2002, respetivamente.)

Sendo que, in casu, e sem embargo do exposto, a decisão situa-se num inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível podendo-se afirmar, perentoriamente, perante os dados objetivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo ato e bem assim que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra (15-Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 1835/02, de 27.05.2003.).

No concreto particular da falta de fundamentação da TRIU, a Jurisprudência já se pronunciou-se, por diversas vezes, convocando-se, designadamente, o discurso fundamentador constante no já citado do Acórdão do STA, prolatado no processo nº 1242/13, datado de 29 de outubro de 2014.


“A fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, sendo certo que é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, devendo permitir ao seu destinatário conhecer o iter cognoscitivo do autor do acto e conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.

Ora, o acto de liquidação da TRIU traduz-se numa simples operação aritmética de aplicação da taxa à matéria colectável encontrada, pelo que constando da liquidação impugnada nos autos a descrição do cálculo efectuado para encontrar o valor da taxa a pagar, com a indicação expressa dos factores considerados [v.g. áreas e coeficientes], bem como a norma ao abrigo da qual a mesma era devida (“art° 40 do Edital n°122/95” [alínea i) dos factos provados], concluímos que o acto impugnado não padece do vicio de falta de fundamentação.

Com efeito, na fundamentação do acto de liquidação da TRIU apenas tem de constar o cálculo efectuado e a norma ao abrigo da qual a mesma é devida, não cabendo no âmbito da referida fundamentação as razões da dispensa da audiência prévia e da alegada revogação do acto de deferimento tácito anterior.

Voltando, de novo, ao acórdão anteriormente referido, proferido no recurso n.º 0296/08, surpreende-se que também aí se apreciou a questão da falta de fundamentação de facto e de direito, bem como a existência dos respectivos pressupostos de facto e de direito, tendo-se concluído em sentido negativo.
Escreveu-se que, “…diferentemente do recorrente, diremos que um destinatário normalmente diligente entende facilmente os motivos que no caso concreto levaram à liquidação e cobrança de uma TRIU, e quais as utilidades municipais que estariam em causa.

Aliás basta ver j) e k) do probatório [aqui no nosso caso, alíneas h) a l)] para se perceber a sem-razão da recorrente.

A liquidação da taxa em causa está fundamentada, de facto e de direito, e foi levada ao conhecimento da recorrente, que, como imediatamente acima dissemos é um destinatário diligente, de modo a que esta entendesse os motivos que no caso concreto levaram à liquidação e cobrança de uma TRIU, e quais as utilidades municipais que estavam em causa.

Mas podemos dizer mais.

Como sabemos a fundamentação há-de ser expressa, clara, suficiente e congruente, sendo equivalente à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça concretamente a motivação do acto, sendo que a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação Alfredo Sousa e José Paixão, CPT, Anotado, 2ª Edição, pág. 165.

Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Pelo que um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível Acórdão do STA de 2/2/2006, rec. n. 1114/05, cfr., por todos, o Ac. do STA de 26/05/2004 rec. 742/03.

Dito isto, logo concluímos, como atrás dissemos, que, em função do circunstancialismo concreto, já descrito, a fundamentação do acto é expressa, clara, suficiente e congruente.”.

Perante esta argumentação, e bem assim, o arrazoado de factos levados ao probatório da sentença recorrida, nomeadamente aqueles atrás indicados nos pontos h) a l), são manifestamente suficientes, não só para fundamentar a liquidação impugnada, mas são mesmo as razões de facto para que a liquidação exista. Improcedem, também, por estas razões, as ilegalidades invocadas.” [no mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, também já convocado, proferido no processo nº 387/00.5BTLRS].

Assim, aderindo, na íntegra, à fundamentação jurídica supratranscrita, e tendo presente o quadro normativo aplicável e já devidamente densificado anteriormente, com a devida transposição para o recorte fáctico dos autos, ter-se-á de concluir que do ato de liquidação, estão patenteados os pressupostos de facto e de direito que permitem ter presente todo o itinerário cognoscitivo para a liquidação em contenda, não carecendo, assim, de constar, e inversamente ao propugnado pelas Recorrentes, as razões atinentes a qualquer dispensa da audiência prévia e de, alegada, revogação de atos administrativos anteriores.

E por assim ser, nenhuma censura merece o juízo de entendimento do Tribunal a quo que sentenciou a improcedência do vício formal da falta de fundamentação, e que vai no sentido da Jurisprudência acolhida, de forma reiterada, pelos Tribunais Superiores.

Subsiste, ora, apreciar a alegada violação de princípios constitucionais basilares.

Evidenciando, desde já, que não se vislumbra qualquer violação dos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, desde logo, porque a aludida alegação não se encontra minimamente substanciada, nada sendo densificado que permita inferir pela imposição de valores que sejam desproporcionais face à respetiva contrapartida, não podendo, naturalmente, relevar a alegação conclusiva de que os tributos visados “impuseram valor manifestamente superior à vantagem decorrente do licenciamento sub judice, causando desta forma prejuízos absolutamente desproporcionados e injustificados.”.

Com efeito, era imperioso, neste e para este efeito, que se corporizasse, em termos fáticos, porque motivo existe a aludida desproporcionalidade, o quantum que a permite externar, mediante contraponto específico da vantagem, e não limitar-se a um juízo conclusivo.

Como aduzido no Acórdão deste TCAS, já citado anteriormente, proferido no processo nº 928/08, de 27.10.2022:

“IV-O princípio da proporcionalidade assume especial relevância no âmbito das taxas, tributos sinalagmáticos, subjacente aos quais está a tendencial proporcionalidade custo/prestação (princípio da equivalência).

VI - Não decorrendo, per se, do regime da TRIU em questão que a mesma seja desproporcional, cabe ao sujeito passivo alegar e provar factualidade que permita concluir nesse sentido.”

Ademais, há que ter presente que o princípio da justiça, não é absoluto carecendo de uma densificação casuística e equacionado e ponderado, desde logo, com o princípio da legalidade.

“Com efeito, “[o] princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional das normas jurídicas, pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução normativa absolutamente inaceitável (como sempre aconteceu nos casos apreciados nos arestos citados), que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes do ordenamento jurídico (cf. Maria Fernanda Palma, ob.cit., p. 28) (16-In Acórdão do Tribunal Constitucional nº 363/2001, proferido no processo nº 667/2000, de 12.07.2001.,) .

Ora, in casu, inexiste uma solução normativa absolutamente inaceitável que colida com valores estruturantes do ordenamento jurídico, ajuizando-se, assim, que atento o circunstancialismo em causa, o ato de liquidação não comporta qualquer vício, nem traduz qualquer violação dos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade nada resultando patenteado no probatório que permitisse legitimar a anulação do ato impugnado.

In fine, secunda-se o entendimento do Tribunal a quo de que não se verificam os pressupostos previstos no invocado artigo 100.°, n.° 1 do CPPT, na medida em que não estamos perante uma situação de fundada dúvida sobre a existência dos factos tributários.

Destarte, tudo visto e ponderado, improcede, na íntegra, o recurso das Impugnantes.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO DA DRFP, revogando-se a decisão recorrida quanto ao vício atinente à preterição de audição prévia, julgando-se, assim, a impugnação improcedente, determinando-se a manutenção do ato de liquidação impugnado, com todas as legais consequências.
- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO das Impugnantes, 2ªs Recorrentes.
Custas pelas 2ªs Recorrentes.
Registe. Notifique.


Lisboa, 16 de maio de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Coelho da Silva)

(Maria da Luz Cardoso)