Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8330/24.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
ARI
PRESSUPOSTOS
NÃO EQUIPARAÇÃO DE DIREITOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II - O investimento efectuado pelos Recorrentes em Portugal confere-lhes o direito a requerer a ARI e o subsequente reagrupamento familiar, sem que tenham de residir no território nacional para o efeito e, caso não sejam observados [como não foram] os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro na mesma situação;
III - A circunstância de não residirem em Portugal obsta, desde logo, a que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP pois, não podem invocar a violação de direitos que resultam ou estão associados à efectiva permanência e residência no território nacional;
IV - Como cidadãos residentes na Turquia é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar, profissional/estudantil, social organizada, nada do que alegaram, de forma genérica e conclusiva, de que não podem vir para Portugal e, por isso, não podem aqui viver, circular no território nacional e no da UE, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos direitos que referem nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil;
V - No artigo 110º do CPTA prevê-se que, no despacho liminar, a proferir no prazo de 48 horas da abertura de conclusão, o juiz rejeita ou admite a petição, devendo, neste segundo caso, observar também o disposto no artigo 110º-A, todos do CPTA;
VI - Significando que se o juiz, no despacho liminar, verificar que o alegado e pedido na petição não estão em conformidade com o exigido no artigo 109º, que falta um ou os dois pressupostos deste meio processual, o que consubstancia excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa [nos termos do nº 1 do artigo 590º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA], deve rejeitar a petição e não determinar o seu aperfeiçoamento.
Recorrido 1:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
H…, J…, S.. e Nima K…, nacionais da Turquia, onde residem, devidamente identificados como requerentes nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P [AIMA, I.P.], inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 2.7.2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que rejeitou liminarmente o requerimento inicial.
Nas respectivas alegações, os Recorrentes formularam as conclusões que seguidamente se reproduzem ipsis verbis:
«1. Vem o presente recurso de apelação interposto do Douto Despacho que rejeitou liminarmente a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias.
2. Andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao proceder ao indeferimento liminar da presente intimação, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma (falta de alegação e prova demonstração dos requisitos da urgência e indispensabilidade do meio processual de que os recorrentes lançaram mão), com o que incorreu em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 109º do CPTA.
3. Assim, e nos termos que infra se exporá, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, considerando verificados os requisitos para a instauração da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente, para citação da recorrida para contestarem, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.
II – DO OBJETO DO RECURSO
Da urgência e indispensabilidade do meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – e da verificação “in casu” dos pressupostos previstos no artigo 109º do CPTA
4. O que está em causa nos autos é, sumariamente e em sede de mérito, a urgente e imperiosa necessidade de obstar ao impedimento ao direito de livre circulação, mediante intimação dos requeridos a procederem a uma decisão sobre o processo de candidatura a ARI, de forma a que se possa dar devido seguimento ao pedido de autorização de residência promovido pela aqui 1ª recorrente, iniciado em 12.09.2023, após realização de um investimento de substancial valor, e o pedido de reagrupamento familiar deduzido pelos 2º, 3º e 4º recorrentes.
5. O que consubstancia, sem margem para dúvidas, uma intolerável restrição a direitos, liberdades e garantias, que afeta os recorrentes, mas também – e dada a atual conjuntura dos procedimentos de obtenção de autorização de residência - todo um sem número de indivíduos que, como aqueles, preenchem todos os requisitos legalmente impostos para que lhes sejam concedida ARI e, fruto da inércia da Recorrida, aguardam anos pela resolução da sua situação pessoal e profissional, vivendo num ambiente de incerteza, angústia e mesmo, não raras vezes, de graves dificuldades financeiras, face à falta de título de residência válido.
6. Mais alegaram os recorrentes, assim evidenciando a urgência na obtenção de uma decisão por parte da Requerida no processo de candidatura a ARI, que o 1º recorrente adquiriu e realizou obras de reabilitação num imóvel sito em território português com o propósito de dar seguimento ao seu negócio no segmento imobiliário, na expectativa de que este negócio seria, num período próximo, um dos seus principais meios de subsistência, o que lhe permitiria mudar-se para Portugal, juntamente com o seu agregado familiar.
7. A questão que particularmente se coloca em sede de recurso contende, não com a questão de mérito dos autos – que consubstancia, como vimos, a inércia da Requerida na tramitação e conclusão do procedimento destinado a obtenção de ARI e reagrupamento familiar dos recorrentes – mas sim a questão atinente ao modo de densificação e preenchimento dos pressupostos plasmados no artigo 109º n.º 1 do CPTA, para que se possa lançar mão da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias,
8. E da bondade, ou não, da decisão proferida no sentido do indeferimento liminar da petição inicial, por alegada falta de suficiente alegação e demonstração (na perspetiva do tribunal) da necessidade de tutela urgente e da indispensabilidade do meio processual em causa.
9. Diversamente do decidido, mostram-se preenchidos os pressupostos (processuais) inerentes à Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, sendo esta tutela a única que pode evitar o arrastar da lesão grave e irreversível da esfera jurídica fundamental dos Recorrentes que estão, presentemente, privados da possibilidade de fixarem residência em Portugal, por força da falta de decisão dos requeridos e, consequentemente, de título válido para o efeito.
10. Do artigo 109.º do CPTA resulta que a utilização deste mecanismo processual depende dos seguintes pressupostos: i. Da necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito; ii. Que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; iii. Da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar.
11. Relativamente ao primeiro pressuposto, recorde-se que o que está em causa nos autos é a continuada e injustificada inércia por parte da Administração, na tramitação do procedimento destinado a obtenção de autorização de residência.
12. Os Recorrentes são titulares de um direito subjetivo – consubstanciado no direito a uma decisão de aprovação no âmbito da candidatura a ARI e no pedido de reagrupamento familiar – porém, encontram-se privados do seu exercício, pois a Requerida simplesmente não procede à normal tramitação do procedimento, mantendo-o, assim e de forma indevida, suspenso.
13. Esta omissão da Requerida, para além de não ter qualquer justificação possível, ultrapassando todos os limites do razoável, viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé, a que a Administração está sujeita em subordinação à Constituição da República Portuguesa, por força do preceituado no artigo 266.º da Lei Fundamental, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base num quadro legal vigente, definido pelo Governo Português, tomou a decisão de investir no nosso país, despendendo uma avultada quantia e que, não obstante cumprir todos os requisitos definidos para a obtenção de ARI, são confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia da Requerida em proceder a tramitação do procedimento, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar e obter o título de residência.
14. A não prolação de uma decisão a propósito do processo de candidatura a ARI e reagrupamento familiar, ao obstar, em última ratio, à emissão do título de residência, impede os Recorrentes de exercer o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída e permanência do território português.
15. Trata-se de direito qualificável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa, beneficiando mesmo regime.
16. Atendendo ao primado do Direito da União Europeia, plasmado no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição e reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que determina que as normas de direito da União Europeia prevalecem sobre o direito nacional, por maioria de razão, um Direito Fundamental da União Europeia não pode ter dignidade inferior aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, um direito de natureza análoga.
17. E sendo um direito de natureza análoga, o Direito Fundamental da União Europeia goza do mesmo regime que os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, merecendo a mesma dignidade e beneficiando do mesmo regime que os direitos liberdades e garantias, os direitos análogos, mormente o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podem ser tutelados pela Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada pelo artigo 109.º e seguintes do CPTA.
18. No que concerne ao teor da decisão proferida, não se pode, desde logo, concordar com o argumento, vertido na mesma, no sentido de que não está alegada e evidenciada uma situação de urgência.
19. Diversamente do descrito na decisão recorrida, mostra-se concretamente alegada na petição inicial factualidade da qual emerge, claramente, que se verifica uma necessidade premente na obtenção do título de residência, para que a recorrente possa implementar cabalmente e controlar o desenvolvimento inicial do negócio imobiliário criado em Portugal, com o objetivo de vir a ser um dos seus principais meios de subsistência, estando, assim, evidenciada a urgência na necessidade da obtenção de uma decisão no processo de candidatura a ARI do recorrente e reagrupamento familiar ao mesmo associado.
20. Acresce que o facto de residir ou não em Portugal (suscitado, de forma desajustada, na decisão) não pode ser tido como um fator/argumento válido para sustentar a situação de urgência (ou falta dela) na obtenção de uma decisão no processo de ARI, sob pena de, assim não sendo, se fazer um verdadeiro convite à entrada e permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros em situação irregular, só para que se gerasse uma situação de premência na decisão do processo de ARI idónea a servir de fundamento à instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias!
21. Note-se ainda que não estando os Recorrentes dotados de um título de residência válido, para além da privação da cabal fruição do seu património e dos constrangimentos e limitações inerentes à necessidade de solicitar visto de cada vez que pretende deslocar-se a Portugal,
22. Tal impede-os, igualmente, de ver a sua situação pessoal dirimida com a certeza e segurança jurídicas que se impõem, criando-lhe uma, evidente e notória, situação de grande instabilidade pessoal e familiar, e também uma verdadeira impossibilidade de gerir, de forma cabal, a implementação do seu negócio em Portugal.
23. A violação de direitos, liberdades e garantias integrados na esfera jurídica dos Recorrentes, face à omissão do dever de decisão da Requerida é, pois, grave e carece de urgente resolução.
24. Ademais e sem jamais se prescindir do supra alegado a respeito da urgência na obtenção da autorização de residência (ou na prossecução do procedimento à mesma tendente), face à implementação do negócio/atividade comercial, sempre haverá que considerar que se não existia, no momento da submissão da candidatura, uma verdadeira urgência, a mesma passou a existir com o decurso do tempo decorrente da inação da requerida, uma vez que os Recorrentes têm a sua expectativa de vida, indevidamente em suspenso há mais de um ano.
25. Vejamos, ainda, que o decurso do tempo, para além de violação do elementar princípio administrativo da decisão estatuído no artigo 13.º do CPA, também se demonstrou apto a bulir com o direito fundamental a uma boa administração que, para além de ser um direito fundamental, é também, um princípio jurídico ao qual as Entidades Demandadas se encontram vinculadas, em função do disposto no artigo 5.º do CPA.
26. Está, pois, demonstrado que a necessidade de uma decisão é, pois, urgente e fundamental para que os Recorrentes possam entrar, permanecer e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poderem fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a sua situação pessoal e profissional, em segurança, direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões.
27. Acresce que, como bem decorre do Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 22.11.2022, Processo n.º 661/22.0BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/ e do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.04.2023, Processo n.º 726/22.8BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/, a mera alegação da falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – mostra-se suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA
28. Acresce que, para além dos recorrentes terem alegado factos dos quais decorre a efetiva urgência na obtenção de uma decisão, certo é ainda que a falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
29. Verifica-se a suficiente alegação fáctica destinada a suportar a urgência e indispensabilidade do uso do presente meio processual, mostrando-se integralmente preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, e de que depende não só o legítimo recurso por banda da recorrente a este meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias - , mas igualmente para que se dê provimento à sua pretensão.
30. Não é, assim, exigível aos Recorrentes que lancem mão de outro meio processual, por inexistir qualquer um que não a presente intimação que, em tempo útil acautele o seu direito fundamental lesado.
31. É desprovido de toda a razoabilidade considerar que uma eventual decisão de primeira instância numa ação administrativa não urgente, ocorreria em tempo útil para acautelar os direitos dos recorrentes, tendo em consideração o tempo médio de pendência de um processo não urgente na jurisdição administrativa, podendo suceder que, ao decurso de mais de um ano que tem levado a aguardar uma decisão da Administração
32. Pelo que andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao entender que “o meio processual adequado à presente situação seria a ação administrativa de condenação à prática do ato devido”.
33. Ao consignar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em séria e flagrante violação do disposto nos artigos 109º n.º 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que considerando verificada a adequação, urgência e indispensabilidade do meio processual de que a recorrente lançou mão, ordene o normal prosseguimento da instância, para citação dos requeridos e ulterior prolação de decisão de mérito, no sentido propugnado pelo recorrente na petição inicial e assim se intimando os recorridos a proferir decisão a respeito do processo de ARI.
Subsidiariamente,
Da Necessidade do Convite ao Aperfeiçoamento do Requerimento Inicial
34. Na eventualidade de se considerar que, como se aduz na decisão recorrida, a factualidade alegada pelos recorrentes no requerimento inicial é escassa e que “não existe qualquer concretização/densificação quanto ao requisito da urgência, pelo que não está suficientemente caracterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado” e que “não satisfiz a requerente o ónus alegatório que sobre a mesma impendia”,
35. Então sempre se impõe ajuizar que em sede de despacho liminar, o Mmo. Tribunal a quo deveria ter promovido o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 87º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPTA.
36. Nos termos da Jurisprudência e normas jurídicas citadas no corpo da presente alegação, entende-se que no caso presente, se o Mmo. Tribunal a quo considerou que havia carência de alegação fáctica no requerimento inicial, não se tratando de uma insuficiência insuprível, então sempre lhe era imposto que procedesse a um convite ao aperfeiçoamento a petição inicial.
37. Ao não ter lançado mão deste dever, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em violação do disposto nos artigos 110º n.º 1 e 87º do CPTA e 590º do Cód. Proc. Civil.
38. Impõe-se, assim, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, considerando os dispositivos legais supra citados, bem como os princípios do acesso à justiça, do inquisitório, da cooperação, do dever de auxílio e da bora fé processual, dos princípios antiformalista, pro actione, in dúbio pro habilitate instantanieae, determine o convite dos recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, mediante suprimento da respetivas insuficiência quanto à matéria de facto alegada.
39. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.».

Notificada para a causa e para o recurso a Entidade recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com envio prévio aos Exmos. Juízes-Adjuntos do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter decidido rejeitar liminarmente a petição de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias [doravante apenas IDLG], por não estarem reunidos os pressupostos, previstos no nº 1 do artigo 109º do CPTA, para a sua admissão, e, se assim não se entender e a título subsidiário, se o tribunal recorrido errou ao não os ter convidado a aperfeiçoar o requerimento inicial.

A sentença recorrida não fixou factos.

Após sumariar o direito aplicável, o juiz a quo decidiu rejeitar a petição inicial com a seguinte fundamentação:
«Para aferir da propriedade do presente meio processual o tribunal abstrai-se do mérito da pretensão e indaga se, na hipótese de a requerente ter razão, a tutela dos seus direitos pode ser assegurada através de uma ação principal.
Por outras palavras, não basta que o pedido careça de provisoriedade para se admitir o recurso ao meio processual do artigo 109.º, pertence ao requerente o ónus de alegar os factos que, a provaremse, permitem concluir que carece de uma decisão definitiva e célere para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos.
No caso concreto a requerente não cumpre este ónus.
Com efeito, o requerente alega que a “(…) Decorrido quase um ano desde a data de submissão do processo destinado a obtenção de ARI, os Requerentes ainda não foram informados da admissão ou não admissão da candidatura de ARI, tampouco da (pré)aprovação dos pedidos que efetuaram. O que se deve apenas a injustificada inércia da Requerida. (…) A conduta da Requerida está a privar o 1.º Requerente de usufruir cabalmente do imóvel que adquiriu, com o que perpetram cabal violação do direito de propriedade daquele (…) A falta de decisão, ao obstar, a final, à emissão do título de residência, impede os Requerentes de exercer o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída do território português.(…)
Tratam-se de alegações desprovidas de substrato fatual.
Com efeito, não se vislumbra na PI a concretização da alegação de urgência com factos e provas desses factos.
Acresce que, tal como o STA já teve oportunidade de se pronunciar, num caso em tudo semelhante ao caso em apreço, “o direito a obter a nacionalidade portuguesa (e com ela, a cidadania europeia) não está ameaçado e, nesse sentido, não carece de tutela urgente. (…) se há pouco se afirmou que poderá ter-se em consideração, para efeitos da concessão deste tipo específico de tutela urgente, que a protecção de um direito pode ser necessária para a protecção reflexa de outro direito, daqui se presume, pelo menos em via de princípio, que as situações visadas são aquelas em que o, diríamos, direito principal é ele próprio ameaçado, e é por isso que o outro direito não pode ser exercido, estando, por isso, este exercício igualmente ameaçado.
Mas, mais do que isso, que dizer quando o outro direito não é um direito, liberdade e garantia previsto na Constituição portuguesa ou na lei (e nesse caso na medida em que considerado um direito análogo), ou, ainda, quando o autor da acção não é titular desse direito?
E a verdade é que o A., não pode beneficiar do princípio da equiparação do artigo 15.º da CRP, antes de mais, porque não reside em Portugal.
Se pode questionar-se se cabe aos tribunais apreciar a confessada instrumentalização do direito à cidadania per se – problema que não será aqui tratado –, pode certamente decidir-se no sentido de que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inadequado quando o direito principal, condição do exercício de outro direito, não está, ele próprio ameaçado e, mais ainda, quando o direito cuja tutela verdadeiramente se pretende nem sequer é um direito, liberdade e garantia ou quando nem sequer pode ser titulado pelo autor da acção como sucede no presente caso.
Em face do exposto, há que concluir pela inadequação do meio processual utilizado e, com isto, pela improcedência desta pretensão formulada pelo A./recorrente.” – cf. Ac. STA de 10.09.2020, proc. 1798/18.5BELSB (negrito e sublinhado nosso)
Também o TCA Sul em Acórdão de 09.05.2024, no âmbito do processo nº 4798/23.0BELSB, em que estava em causa uma situação exatamente igual à que se encontra em apreciação nos presentes autos, inclusivamente o facto da autora residir na Turquia, entendeu que:
“(…) Pois bem, em primeiro lugar, olhando rigorosamente para o conjunto do alegado pela Recorrente, tudo não passa de alocuções vagas, sem qualquer adesão a factos concretos, devidamente circunstanciados, que demonstrem uma situação de manifesta carência ou de ser necessário uma tutela imediata e urgente do seu caso.
Em segundo lugar, mais especificamente, não é a circunstância da Recorrente ter alegadamente feito um investimento imobiliário na ordem dos €500.000,00 e de ter 5 de 8 vontade de residir em Portugal com a sua família que justifica, sem mais, estarmos perante uma situação premente e carecida de protecção urgente, que só possa ser acautelada pelo processo de intimação, posto que, ainda que se compreenda a frustração da Recorrente pela demora na obtenção da almejada autorização de residência e de não poder usufruir do imóvel adquirido como pretendia, daí não provém, contudo, uma situação diversa de tantos outros estrangeiros que ainda aguardam a emissão do referido título, nem do alegado se percepciona que, por causa de tal delonga, se encontrem em risco os seus direitos como proprietária do bem imóvel.
Em terceiro lugar, do exposto nas conclusões recursivas não dimana que a Recorrente se encontre impedida de reentrar em Portugal e de permanecer em território nacional, tanto mais que, como a própria acaba por admitir nas suas alegações de recurso, sempre poderá obter um visto para si e para a sua família e, desse modo, retornar a Portugal pelo tempo legalmente permitido.
Em quarto lugar, a Recorrente aduz nas conclusões de recurso que se encontra impedida de “usufruir de todos os direitos a que legalmente têm direito enquanto residentes em Portugal, tendo em conta o artigo 15.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Acontece que, neste capítulo, para além de se tratar de uma mera alegação genérica de um direito, sem que da mesma constatemos uma situação concreta que evidencie a necessidade de tutela urgente pelo processo de intimação, também não assiste razão à pretensão alegada pela Recorrente pela simples circunstância de que, não residindo ainda em Portugal com título de autorização de residência validamente emitido, não pode sequer equiparar se aos demais cidadãos que em território nacional já se encontram munidos da referida autorização, razão pela qual a Recorrente não pode ainda usufruir, em situação de equiparação, dos direitos que os demais residentes já beneficiam.
[…]
Finalmente, quanto à possibilidade de convolação da presente intimação em providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do processo n.º 036/22.0BALSB, de 07/04/2023, explica que do artigo 110.°-A do CPTA “...não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência…”, a qual não opera quando os requerentes “…não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação - e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.”.
Ora, como vimos acima, a Requerente não demonstra a urgência para deitar mão da presente intimação, nem tão pouco a indispensabilidade, limitando-se a argumentar que é urgente, mas sem concretizar porquê, pelo não se procede à convolação.
Dessa forma, o meio processual adequado à presente situação seria a ação administrativa de condenação à prática do ato devido.».
E o assim decidido é para manter.
Explicitando,
Dispõe o nº 1 do artigo 109º do CPTA que: “1 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Em face do que, o que é exigido para que seja admissível o uso do meio processual principal, urgente e excepcional que é a IDLG, é que o interessado/requerente alegue factos relativos à sua situação concreta que permitam concluir que necessita efectivamente de uma decisão judicial célere e de mérito que intime a Administração a actuar, positiva ou negativamente, por forma a assegurar o exercício em tempo útil do direito fundamental ou análogo que considera ameaçado.
O que os Recorrentes não fizeram.
Com efeito, os Recorrentes, residentes na Turquia, limitam-se, na petição, a alegar que adquiriram, para reabilitar, um imóvel em Portugal e dirigiram à Administração, ao abrigo da legislação aplicável, pedidos de ARI e de reagrupamento familiar que, decorridos os prazos para o efeito, não foram ainda decididos, o que obsta a que possam residir legalmente em Portugal, deslocar-se, entrar e sair, livremente no território nacional, e no de outros Estados da UE, sem visto para o efeito, e de exercerem os demais direitos, relacionados com o princípio da dignidade da pessoa humana, em violação do princípio da boa administração e da tutela da confiança, que decorrem da situação jurídica de que são titulares.
A circunstância de terem investido em Portugal, confere-lhes o direito a requerer a ARI e o subsequente reagrupamento familiar, sem que tenham de residir no território nacional para o efeito e, caso não sejam observados [como não foram] os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro na mesma situação.
Contudo e no que concerne aos pressupostos de admissibilidade do presente meio processual, afigura-se insuficiente a efectuada alegação de direitos ameaçados, sem explicar da sua necessidade pessoal e concreta em os exercer, das diligências efectuadas para lhes aceder, se o respectivo exercício lhes foi vedado, etc.
Mais, a circunstância de não residirem em Portugal obsta, desde logo, a que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP, que reconhece aos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal o gozo dos direitos e a sujeição dos deveres do cidadão português, que não sejam excepcionados pelo disposto no nº 2. Ou seja, se não residem em Portugal não podem invocar a violação de direitos que resultam ou estão associados à efectiva permanência e residência no território nacional.
Como cidadãos residentes na Turquia é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar, profissional/estudantil, social organizada. Nada do que foi alegado, de forma genérica e conclusiva, de que não podem vir para Portugal e, por isso, não podem aqui viver, circular no território nacional e no da UE, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos direitos que referem [mas antes que nem sequer os começaram a exercer, ainda que por razões imputáveis ao Recorrido], nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil.
A alegação de que a não residência em Portugal não pode ser tida como argumento válido para sustentar a falta de urgência na obtenção de ARI, sob pena de poder ser entendido como um convite à entrada e permanência ilegal em Portugal para poder usar deste meio processual, não pode proceder, porquanto é o que resulta da aplicação estrita do disposto no nº 1 do artigo 15º da CRP – só beneficiam da equiparação de direitos e deveres dos nacionais portugueses, os cidadãos estrangeiros residentes. O que, para além de ope legis, faz todo o sentido no plano dos factos, pois se o cidadão estrangeiro reside num país terceiro então será nesse país que o exercício dos seus direitos poderá estar ameaçado, devendo reagir graciosa e judicialmente junto da Administração e dos tribunais aí existentes.
Explicitando, se o 1ª Recorrente reside na Turquia com a sua família, o mesmo é dizer que coabita com os demais Recorrentes, então não há como alegar, por exemplo, que o seu direito ao reagrupamento familiar está ameaçado. Estão em família. O exercício do direito ao reagrupamento pressupõe que um dos familiares resida noutro país, esteja separado dos demais membros do agregado familiar e daí a necessidade do reagrupamento.
A invocação da não aplicação, no caso dos Recorrentes, do princípio da equiparação de direitos e deveres dos nacionais portugueses, prende-se com a urgência, considerada não como pressuposto autónomo, mas antes associada à indispensabilidade do meio processual e por referência ao caso concreto alegado na petição, conforme acabámos de referir.
O tribunal recorrido, à semelhança do que sucede nos demais tribunais administrativos de 1ª instância ou de recurso, aplica a lei ao caso concreto que lhe é submetido a julgamento – não argumentando, não decidindo, em momento algum, por forma a motivar actuações ilegais.
Efectuado o esclarecimento que se impunha, bem decidiu o juiz a quo ao considerar, em sede liminar, que os Recorrentes não cumpriram com o ónus de alegação e prova, como lhes compete, dos factos, por referência ao seu caso concreto, susceptíveis de evidenciar a urgência em obter decisão de mérito que intimasse a Recorrida a decidir os seus pedidos de ARI e de reagrupamento familiar, o mesmo é dizer que não lograram demonstrar a indispensabilidade de usar este meio processual.
Uma nota sobre o referido acórdão nº 661/22.0BELSB, de 22.11.2022, deste Tribunal, para concluir que não é de ponderar aqui a aplicação da respectiva fundamentação e decisão, por versar sobre situação diversa da dos presentes autos uma vez que respeita à não concessão de autorização de residência para trabalhar a cidadão estrangeiro residente no território nacional [e mereceu voto de vencido da aqui relatora, ali adjunta].
O indeferimento liminar da petição obstou ao conhecimento do mérito da causa, pelo que, não tendo sido analisados os direitos de que os Recorrentes se arrogam ou os prejuízos que invocam, nem os deveres ou a ilegalidade da inércia da Administração, ou sequer as normas eventualmente violadas, constitucionais/nacionais ou comunitárias, como o referido artigo 45º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE [apesar de a mesma se exigir que o estrangeiro resida legalmente em território de um Estado-Membro, que como vimos não é o caso dos Recorrentes], não há que apreciar o que vem alegado a propósito em sede de recurso.

Finalmente e a título subsidiário, vêm os Recorrentes alegar que o juiz a quo, a ter razão [como tem] quanto à falta de alegação de factos necessários ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do presente meio processual, deveria ter-lhes dirigido convite ao aperfeiçoamento da petição, de modo a suprir a alegação em falta.
No que também não lhes assiste razão.
Com efeito, os pressupostos de admissão deste meio processual, de IDLG, estão expressos no nº 1 do artigo 109º, prevendo o artigo 110º que, no despacho liminar, a proferir no prazo de 48 horas da abertura de conclusão, o juiz rejeita ou admite a petição, devendo, neste segundo caso, observar também o disposto no artigo 110º-A, todos do CPTA.
Significando que se o juiz, no despacho liminar, verificar que o alegado e pedido na petição não estão em conformidade com o exigido no artigo 109º, que falta um ou os dois pressupostos, de indispensabilidade e de subsidiariedade, deste meio processual, que consubstanciam excepções dilatórias inominadas que obstam ao conhecimento do mérito da causa [nos termos do nº 1 do artigo 590º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA], deve rejeitar a petição e não mandar aperfeiçoá-la, em especial quando está em causa o incumprimento do ónus de alegar e provar a exigida urgência e indispensabilidade do uso deste meio processual. Até porque, não prevendo aquela norma um prazo para instauração da presente acção urgentíssima, sempre o interessado poderá voltar a apresentar nova petição corrigida dos elementos considerados omitidos na fundamentação da sentença proferida, não sendo afectada a tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Em suma, a sentença recorrida não enferma de qualquer dos erros de julgamento que os Recorrentes lhe imputam, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Com idêntica fundamentação jurídica e dispositivo, decidiu a signatária, enquanto relatora nos acórdãos prolatados em 16.10.2024 nos proc.s nºs 1366/24.2BELSB e 3316/24.7BELSB, sendo que, em apreciação preliminar, o STA não admitiu o recurso de revista, interposto deste último processo, por acórdão de 18.12.2024 com o seguinte sumário: “Não se justifica admitir revista sobre a adequação do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para reagir à inércia da Administração na decisão de uma pretensão de autorização de residência, se tudo indica que o acórdão recorrido terá realizado uma correcta apreciação sobre a falta dos pressupostos da «urgência» e da «indispensabilidade» de que o nº 1 do art. 109º do CPTA faz depender a admissibilidade daquele meio processual.”
No mesmo sentido decidiu o mesmo STA, conhecendo do mérito da revista admitida, designadamente, nos acórdãos de 11.7.2024 proc. nº 03760/23.7BELSB e de 13.3.2025 proc. nº 02077/24.4BELSB, bem como este TCAS, nos acórdãos de 24.4.2024 proc. nº 3595/23.7BELSB, de 16.10.2024 proc. nº 237/24.7BELSB, e de 3.7.2025 proc.s nºs 31554/24.5BELSB e 27506/24.3BELSB – consultáveis em www.dgsi.pt – e de 11.7.2024 proc. nº 4812/23.9BELSB, de 15.5.2025 proc. nº 7724/24.5BELSB, 18.6.2025 proc. nº 9200/24.7BELSB, no SITAF.
Atendendo ao exposto o presente recurso não pode proceder.

Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Outubro de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Ricardo Ferreira Leite)

(Mara de Magalhães Silveira)