| Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO acordam as juízas da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO: A……….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – TAF de Leiria, contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL – FGS, ação administrativa pedido a declaração da nulidade ou a anulação do despacho de 2017-05-23 (que determinou o indeferimento do pedido de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho) e, em qualquer caso condenar o FGS, à prática de ato devido (pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho).
* Por decisão de 2021-05-31, o TAF de Leiria julgou a ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, anulou o despacho impugnado e condenou: “… a entidade demandada a retomar o procedimento e apreciar o requerido pelo autor”: cfr. fls. 99 a 112.
* Inconformada, a entidade demandada, ora entidade recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCA Sul, no qual peticionou a revogação da decisão recorrida, para tanto, concluindo que: “… 1. O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial.
2. O Novo regime do FGS entrou em vigor a 4 de maio de 2015 e a regra é, a sua aplicação aos requerimentos apresentados depois desta data (cfr. artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril).
3. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adotados limites à sua intervenção, não só limites temporais, como também, limites às importâncias pagas.
4. Face ao disposto no n.º 8 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial os créditos reclamados mais de um ano depois da cessação do contrato de trabalho.
5. O requerimento de Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho (Fundo de Garantia Salarial), apresentado pelo A., beneficiário da segurança social n.º (…), A………. (…), deu entrada no Instituto da Segurança Social, IP, em 30/03/2017.
6. O Contrato de trabalho do beneficiário com a entidade patronal D……… (…) cessou em 12/02/2016.
7. Não obstante a existência de Acórdãos do Tribunal Constitucional, julgarem inconstitucional a norma contida no n.º 8 do artigo 2.º do Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, certo é que, a declaração de inconstitucionalidade, apenas tem eficácia inter partes, e assim, a decisão de inconstitucionalidade não tem força obrigatória geral e como tal, não tem qualquer influência sobre a vigência abstrata da norma, mantendo-se esta em vigor.
8. Embora, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril tenha sido alterado pelo artigo 322.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2019 (LOE), aditando o n.º 9 ao artigo 2.º do Regime do FGS, o n.º8 do artigo 2.º não foi alterado, apenas foi aditado o seu n.º 9.
9. Mas, de acordo com o previsto no artigo 351.º da LOE 2019, este n.º 9 do artigo 2.º do Regime do FGS, só entrou em vigor em 01 de janeiro de 2019, e não existindo disposições transitórias específicas acerca da presente questão, a lei nova não valora atos ou factos passados, conferindo-lhes efeitos que eles não tinham no momento em que ocorreram.
10. Pois, a injustiça das soluções legais não pode servir de pretexto para as desaplicar, conforme nos dita o n.º 2 do artigo 8º do Código Civil.
11. E, nem tem aplicação o disposto no artigo 12.º e nem o disposto no artigo 297.º do Código Civil, pois só cabe chamar à colação o disposto neste artigo quando estamos perante situações em que os prazos se iniciem ou já se encontrem em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
12. Pois, como claramente se constata, o Novo regime do FGS entrou em vigor a 4 de maio de 2015 e a regra é, a sua aplicação aos requerimentos apresentados depois desta data;
13. O Contrato de trabalhou cessou em 12/02/2016;
14. O requerimento de Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho (Fundo de Garantia Salarial), foi apresentado pelo A em 30/03/2017;
15. E, o n.º 9 aditado ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, só entrou em vigor em 01 de janeiro de 2019, de acordo com o previsto no artigo 351.º da LOE 2019.
Pelo que,
16. Sendo aplicável o regime, de acordo com o art.º 3.º do DL 59/2015, de 21/04, que entrou em vigor no dia 04.05.2015, e consequentemente, aplicável o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação do requerimento ao FGS, quando apresentado em 30/03/2017.
17. E, tratando-se aqui de um ato estritamente vinculado, o Réu não podia ter tomado outra decisão que não a que tomou, a de indeferimento, sob pena de violação dos princípios da igualdade, certeza e segurança jurídica.
18. Veja-se o Acórdão de 14/07/2017 no Proc. Nº 00698/16.8BEPNF (…);
Porquanto, a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria não andou bem ao anular o despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pedido de pagamento de créditos formulado pelo autor e condenar a entidade demandada a retomar o procedimento e apreciar o requerido pelo autor, por errada aplicação da Lei...”
* Por seu turno o A., ora recorrido, apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sublinhando que: “A. Nenhuma censura merece a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Leiria.
B. Não concebe nem concede o Recorrido a motivação que levará à não aplicação do Acórdão n.º 328/2018 do Tribunal Constitucional.
C . O thema decidendum é se o prazo de prescrição para requerer o pagamento dos créditos laborais à Recorrente ocorreu, e, designadamente, se esteve ou não sujeito a suspensões e interrupções de prazo.
D . A Recorrente afirma que, ainda que o Acórdão do Tribunal Constitucional No 328/2018 consagre“ julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão; ”, não é de aplicar por ser apenas de força obrigatória inter partes .
E. Salvo melhor opinião, encontramo-nos a aplicar a norma a um caso concreto e não na aplicação abstrata da norma, pelo que o Acórdão ora citado aplica-se e vigora no caso sub judice.
F. Uma vez que, foi exatamente o que sucedeu nos autos em apreço, o indeferimento do pagamento dos créditos laborais pelo Recorrente adveio da consideração de que o prazo de um ano tinha decorrido, sem qualquer suspensão ou interrupção.
G . O que não corresponde à verdade, no momento em que o Recorrido interpôs a ação contra a entidade patronal para condenação ao pagamento dos créditos laborais e posteriormente com o pedido de Insolvência da mesma por falta desse pagamento, o prazo de caducidade esteve suspenso.
H . Enquanto o legislador não corrigiu a lacuna e mais, como refere e bem a Recorrente, o n.º 9 do art.. 2 não tem aplicação retroativa (pois caso assim fosse, não estaríamos aqui, certamente), cabe ao julgador a integração dessa lacuna, designadamente, permitindo que, sejam atendidas circunstâncias suspensivas ou interruptivas do prazo de caducidade.
I. Ora assim, a Recorrente na sua atuação e decisão não atendeu a nenhum prazo de suspensão ou interrupção que o Recorrido alegou e comprovou.
J. Ao fazê-lo violou a constituição, pois interpretou a norma n.º8 do art.º 2 do Regime do FGS no sentido que foi declarada inconstitucional.
K . Ora assim não pode vir invocar que a declaração de inconstitucionalidade só vale para o caso onde foi declarada.
L. Não existem duvidas que o prazo esteve suspenso enquanto decorreram as ações judiciais que o consolidaram na ordem jurídica.
M. O contrato de trabalho cessou em 2016/02/12.
N . O Recorrido requereu a insolvência da empresa em 16.11.2016, antes de decorrido o prazo de um ano para a caducidade dos créditos laborais
O . Pelo que não pode deixar de se considerar suspenso com a propositura da ação de insolvência que ocorreu, como vimos, em 16.11.2016.
P. Nessa data, ainda não tinha decorrido um ano desde a cessação do contrato de trabalho, que ocorreu em 12.02.2016.
Q . Nesta conformidade, só se pode concluir que esteve suspenso o prazo de caducidade em 16.11.2016, o requerimento apresentado em 28.03.2017 tem de se considerar como tempestivo.
R . Pelo supra exposto, deve manter -se a decisão do Tribunal a quo, que anula o ato da Recorrente e condena a reapreciação do requerido pelo Recorrido...”: cfr. fls. 131 a 150.
* O recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2021-09-07: cfr. fls. 152.
* O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central não exerceu faculdade que lhe é conferida pelo art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA: cfr. fls. 158.
* Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão às juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO: Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1 a nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, do assacado erro de julgamento.
Vejamos:
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III. FUNDAMENTAÇÃO: A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.* B – DE DIREITO:
Ressalta do discurso fundamentador da decisão recorrida que: “… discute-se na presente ação o direito do A. em receber do FGS o valor de €10.188,23, correspondente a créditos laborais que considera ter direito, nos termos do DL n.º 59/2015, de 21.04.
Sustenta o A. que o prazo previsto no art. 2.º, n.º 8, é um prazo de prescrição e que deve ser contado a partir da ação declarativa de condenação proferida pelo tribunal do trabalho e que condenou a entidade patronal a pagar créditos laborais em falta.
Mais sustenta que, mesmo que assim não se entendesse, o seu direito sempre resultaria da interpretação das normas do anexo ao DL n.º 59/2015, lidas à luz da Constituição, porque nunca conseguiria apresentar o requerimento em data diferente.
Vejamos.
O FGS assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, por motivo de insolvência ou de situação económica difícil da empregadora, desde que para tal se encontrem preenchidos os pressupostos exigidos pelo anexo ao DL n.º 59/2015, de 21.04, em especial, os art.s 1.º, 2.º e 3.º. Resulta desde logo dos art. s 1.º, n.º1 e 2.º, n.º 1, que os créditos assegurados pelo Fundo são créditos do trabalhador e que sejam créditos emergentes do contrato de trabalho.
Dispõe o art. 2.º, n.º 8, na redação original e aplicável aos autos, atento o princípio tempus regit actum, o seguinte: «O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Ocorre que a norma em causa foi objeto de apreciação da sua conformidade com a Constituição, no acórdão n.º 328/2018, de 27 de junho de 2018, no âmbito do processo n.º 555/2017.
Tal declaração de inconstitucionalidade veio a ser seguida em mais acórdãos do Tribunal Constitucional – n.º 583/18, de 8.11.2018; n.º 251/2019, de 23.4.2019, n.º 270/2019, de 15.5.2019, n.º 575, 576, 578, todos, de 17.10.2019.
E os tribunais superiores têm reconhecido a inconstitucionalidade do art. 2.º, n.º 8 do DL no. 59/2015 (nomeadamente, o acórdão do STA de 10.10.2019, processo 785/17.5BEPRT).
A própria norma contida no art. 2.º, veio a sofrer um aditamento, passando a prever na sua redação uma possibilidade de suspensão do prazo (art. 2.º, n.º 9, passou a prever, com a redação da Lei n.º 71/2018, o seguinte: «O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artº 1.º ou da data da decisão nas restantes situações»).
Citando, o ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.12.2019, proc. 2417/16.0BELSB: «Atenta a referida inconstitucionalidade, o prazo previsto no art. 2º nº 8 do anexo ao DL n.º 59/2015 tem de considerar-se sujeito a um período de suspensão enquanto decorre a ação de insolvência, tal como o legislador veio a consagrar ao aditar ao art. 2º, através da Lei no 71/2018, de 31/12, no nº 9 [O prazo previsto no número anterior [nº 8] suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na al. a) do n.º 1 do art. 1.º ou da data da decisão nas restantes situações]».
Ainda que nos autos esteja em causa um ato administrativo proferido ao abrigo da anterior redação e por referência a circunstâncias de facto ocorridas antes da referida alteração, acompanha-se o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00632/17.8BEPRT, de 30.10.2020, quando defende que o prazo de um ano para requerer o pagamento de créditos laborais certificados com a declaração de insolvência, é suscetível de sofrer interrupções ou suspensões, devendo a norma ser interpretada neste sentido.
(…)
O ato é, efetivamente, violador da Constituição, como defende o A., no sentido em que decidiu indeferir o pedido sem atender a qualquer prazo de suspensão ou interrupção.
E consideramos que a metodologia defendida pelo Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão de 30.04.2020, no proc. 00738/17.3BEPNF, é aquela que melhor se adequa à solução material do diferendo, quando decidiu o seguinte: «Assim, mostra-se legítimo, perante a referida inconstitucionalidade, declarada em concreto, da interpretação adotada pelo FGS do nº 8 do art. 2º do DL no 59/2015, que tornou o referido normativo inoperante, que se lhe restaure a sua operacionalidade, com recurso à interpretação que o próprio legislador, por via do novel nº 9, veio a introduzir através da Lei no 71/2018, de 31 de dezembro. Efetivamente legislador acolheu as críticas que o Tribunal Constitucional havia apontado ao nº 8 do art. 2º do DL no 59/2015, assegurando a suspensão do referido prazo de um ano para a apresentação da Ação, até 30 dias após o trânsito em julgado, designadamente, da decisão que venha a ser proferida na Ação de Insolvência».
Retomando ao caso concreto, o ato impugnado decidiu indeferir o pedido com base na circunstância de o contrato de trabalho ter cessado em 2016/02/12 e o requerimento ter sido apresentado ao FGS em 2017/03/30 (cfr. al. M e N, do probatório).
Mas resulta ainda alegado e provado que o A., não apenas intentou uma ação declarativa prévia para reconhecimento dos seus créditos, como também requereu a insolvência da empresa em 16.11.2016 (cfr. al. F), reclamou créditos na ação (cfr. al. I) e que esses créditos reclamados foram certificados pelo administrador (cfr. al. J).
Assim, seguindo aquela jurisprudência, o prazo de apresentação do requerimento não pode deixar de se considerar suspenso com a propositura da ação de insolvência e que ocorreu, como vimos, em 16.11.2016. Nessa data, ainda não tinha decorrido um ano desde a cessação do contrato de trabalho, que ocorreu em 12.02.2016 (al. B), e N), do probatório).
Suspenso o prazo de caducidade em 16.11.2016, o requerimento apresentado em 28.03.2017 (cfr. al. K) tem de se considerar como tempestivo.
O ato deve ser anulado, tendo em conta que o A. não alega ou concretiza circunstâncias suficientes que permitam concluir pela violação do conteúdo essencial de um direito fundamental determinante da declaração de nulidade, sendo, portanto, o ato meramente anulável (cfr. art. 161º, n.º 2, al. d) e 163.º, n.º 1, do CPA).
O ato deve ser removido da ordem jurídica e condenada a entidade demandada a praticar o ato que se mostre devido e que nos autos terá de se limitar à prossecução do procedimento para apreciação dos demais requisitos previstos no anexo ao DL n.º 59/2015.
O pedido condenatório não pode assim proceder nos precisos termos em que vem formulado.
De facto, compulsada a decisão impugnada, verifica-se que a mesma não apreciou o pedido do A., nem apreciou os seus termos e demais requisitos legais, tendo-se limitado a considerar que o requerimento ultrapassa o prazo de caducidade.
Considerando que o Tribunal não se pode substituir à administração na análise dos demais requisitos de que depende o deferimento do pedido e na determinação do quantum a que o A. alega ter direito, atenta as competências administrativas que, em primeira linha, cabem ao FGS, o pedido condenatório não poderá proceder nos termos em que vem formulado...”
Correspondentemente, e como resulta já do sobredito, decidiu-se em 1ª Instância julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, anular o despacho impugnado, condenado ainda a entidade demandada a retomar o procedimento e a apreciar o requerido pelo autor.
Aqui chegados, o assim decidido pelo tribunal a quo não merece qualquer censura, uma vez que se mostra em absoluta conformidade com a factualidade nos autos assente e, bem assim, com o quadro legal e com a Jurisprudência que entendemos ao caso aplicáveis, não só a invocada na decisão em crise, como ainda a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo - STA sobre esta matéria firmada v.g. no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, Pleno da 1ª Secção do STA, de 2023-10-26, processo n.º 621/17.2BEPNF-A, publicado em 2023-12-05, no DR n.º 234/2023, Série I de 2023-12-05, páginas 127 – 135.
Reduzindo a vexatia questio aos seus termos mais simples, importa, tão só e somente, saber se o prazo para requerer o pagamento dos créditos laborais à entidade recorrente está, ou não, sujeito a suspensões e interrupções.
A resposta mostra-se afirmativa.
Na verdade, atenta a data em que o A. apresentou o requerimento para pagamento dos seus créditos laborais (2017-03-28) e à luz do princípio tempus regit actum mostra-se, ao caso aplicável, o disposto no citado DL n.º 59/2015, de 21 de abril, na redação anterior à introduzida pelo art. 322.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para 2019 e aditou o n.º 9 ao art. 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de abril – diploma que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, Anexo - NRFGS).
Sucede que o art. 2.º, n.º 8 do NRFGS foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional -TC, no Acórdão nº 328/18, de 2018-06-27: “… na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão…”.
Aliás, assim também o sublinham os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 583/18, de 2018-11-08; nº 251/2019, de 2019-04-23; nº 270/2019, de 2019-05-15; e nº152/2020, de 2020-03-04, todos disponíveis em www.dgsi.pt, nos quais se decidiu pela inconstitucionalidade do identificado art. 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015, de 21 de abril - embora não tenha ainda sido proferida decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
Releva, precisar que, a jurisprudência mais recente e que se segue, sumaria que: “… I – As “decisões interpretativas de inconstitucionalidade”, repetidamente formulados pelo TC, da norma do nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, de 21/4, «na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão», não impõem a extirpação daquela norma (com a consequente repristinação do regime pretérito – constante do revogado “Regulamento do Código de Trabalho”), mas apenas a admissibilidade de adequadas causas de suspensão/interrupção na aplicação daquele prazo de um ano, estabelecido na referida norma, para reclamação ao “Fundo de Garantia Salarial” de créditos emergentes de contratos de trabalho.
II – Assim, tendo o Autor, no caso dos autos, visto cessar o seu contrato de trabalho em 1/10/2015 (em plena vigência, pois, do DL nº 59/2015), era-lhe aplicável o prazo de um ano, a contar dessa data, para requerer ao “FGS” créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos estabelecidos no nº 8 do art. 2º daquele diploma legal.
III – Tendo o Autor apresentado requerimento ao “FGS” em 18/1/2017, fê-lo tempestivamente, pois que, embora ultrapassando o prazo de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias), deve descontar-se o período de 162 dias (cerca de 5 meses e meio) que mediou entre a instauração do processo de insolvência do empregador (em 31/5/2016) e 30 dias após a respetiva sentença declaratória (10/11/2016).
IV – Efetivamente, o pedido de declaração de insolvência do empregador deve ser considerado causa de suspensão do prazo (de um ano) legalmente estabelecido para reclamação ao “FGS” dos créditos, até à respetiva declaração de insolvência, como consequência direta daqueles juízos de inconstitucionalidade formuladas pelo TC, ainda que o legislador somente através da Lei nº 71/2018, de 31/12, viesse a estabelecer tal causa de suspensão em obediência a essas decisões de inconstitucionalidade…”: cfr. Acórdão do STA de 2022-11-03, processo n.º 01315/17.4BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.
Afirmando-se ainda no citado arresto que: “… o caso das já repetidas decisões de inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 8 do art. 2º do “NRFGS”, aprovado pelo DL nº 59/2015, já que o TC – v. o Ac. nº 328/2018 (com a retificação do Ac. nº 447/2018) – “apenas” decidiu «Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão» (…).
Assim, resulta deste julgamento que não foi declarada a desconformidade com a CRP da integralidade da norma – nomeadamente, e relevantemente, do prazo de 1 ano nela estipulado para a reclamação de créditos junto do “FGS”– mas apenas a circunstância de, nessa norma, segundo a interpretação sob escrutínio, não se prever ou admitir qualquer causa de suspensão do seu curso, designadamente, como refere o Acórdão do TC, “o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente, cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito”; o que gera, por outro lado, “diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência”.
É que, para a ponderação dos efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade em sede de fiscalização concreta, cabe apreciar o caso julgado em termos de – conforme dita o nº 2 do art. 80º da Lei nº 28/82, de 15/11 (LO do TC) – a decisão recorrida dever ser reformada «em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade».
O que, no caso da norma em causa nos presentes autos, que foi julgada inconstitucional “na interpretação segundo a qual o prazo de um ano (…) é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”, não obriga a extirpar a norma da ordem jurídica (com o consequente efeito de repristinação das normas por ela revogadas), mas apenas à reforma das decisões recorridas, no sentido de não se ter como insuscetível de interrupção ou suspensão o decurso do prazo de 1 ano estipulado na norma.
E é a solução que se compagina com o especificamente determinado no nº 3 do citado art. 80º da LO do TC: «No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa».
Na verdade, uma decisão de inconstitucionalidade faz caso julgado nos justos termos em que é proferida, isto é, “em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade”. Se este julgamento é só proferido relativamente a uma determinada interpretação da norma – como foi aqui o caso -, é somente esta interpretação que é abarcada pelo caso julgado da decisão de inconstitucionalidade.
E que isto é assim, resulta do próprio teor do julgamento de inconstitucionalidade: veja-se que o Ac.TC nº 328/2018 tem o cuidado de referir que o seu julgamento não abarca a norma em si – ou seja, a parte da norma em que estipula um prazo de 1 ano para o requerimento ao “FGS” dos créditos emergentes do contrato de trabalho, mas somente a não previsão ou admissão de causas de interrupção ou suspensão daquele prazo nela previsto.
(…)
Se é sublinhado pelo próprio TC que caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto, designadamente quanto a interrupções e suspensões do prazo, é porque se está perante a declaração de uma determinada interpretação da norma que manifestamente não bule com o prazo nela estipulado, mas somente com a falta de previsão ou inadmissibilidade de interrupção ou de suspensão de tal prazo.
Ora, não se opondo o juízo constitucional ao prazo de 1 ano estipulado no nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, impondo apenas que este prazo preveja necessárias causas de suspensão ou de interrupção (nomeadamente, como expressamente aponta, “o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente”), o que haverá é que criar, relativamente àquele estipulado prazo, a previsão de ajustadas causas de suspensão/interrupção “dentro do espírito do sistema” (cfr. art. 10º nº 3 do C.C.) - isto é, nas próprias palavras do TC, decidir “quando se deve verificar a suspensão ou interrupção” daquele prazo.
Em conclusão, entendemos que não é de adotar, no presente caso, a solução seguida pelo Ac. TCAN recorrido de repristinação do regime pretérito, na sequência de uma total extirpação da ordem jurídica da norma contida no nº 8 do art. 2º do “NRFGS” aprovado pelo DL nº 59/2015.
11. Mas, sendo assim, há que “determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa)”.
(…)
Na verdade, entre 1/10/2015 (data da cessação do contrato) e 18/1/2017 (data da apresentação do requerimento ao “FGS”), mediou um pouco mais de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias).
Mas, retirando o aludido período de suspensão do prazo entre 31/5/2016 e 10/11/2016 (isto é, desde a data da instauração do processo de insolvência e 30 dias após o trânsito da respetiva sentença declaratória), que se cifra nos referidos 162 dias – cerca de 5 meses e meio -, temos que na data de apresentação do requerimento ao “FGS” ainda não tinha expirado o prazo de um ano, já que aos 1 ano, 3 meses e 17 dias haverá que subtrair os cerca de 5 meses e meio (162 dias) de suspensão do prazo (de 31/5/2016 a 10/11/2016) – o que perfaz, como é óbvio, menos de 1 ano…”: cfr. Acórdão do STA de 2022-11-03, processo n.º 01315/17.4BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.
Importa, por fim, ter presente que o Pleno da 1ª Secção do STA, proferiu o já citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 2023-10-26, processo n.º 621/17.2BEPNF-A, publicado em 2023-12-05, no Diário da República n.º 234/2023, Série I de 2023-12-05, páginas 127 – 135, de que ressalta, com inteira aplicação ao caso concreto: «O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na redação anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, é suscetível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.».
Vale isto por dizer que, a mera lógica jurídica deve ser chamada para afirmar uma evidência: sendo pressuposto do pagamento de créditos laborais por parte da entidade recorrida a prévia declaração de insolvência do empregador, defende-se uma interpretação ab-rogante (lógica) da norma do art. 2º n.º 8 do NRFGS (bem como já se defendia na correspondente do art. 319.º n.º 3 da Regulamentação do Código de Trabalho – RCT; vide art. 316.º a art. 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho; art. 298º n.º 2 do Código Civil – CC e v.g. Acórdão do STA, de 2015-12-17, processo nº 0632/12, disponível em www.dgsi.pt), sob pena de o exercício do direito ficar subordinado a uma condição legal impossível ou excessivamente onerosa e desproporcionada para o trabalhador, ora recorrido.
Ou seja, como bem decidido, pelo Tribunal a quo, a contagem do prazo de um ano para apresentação, por banda do trabalhador, do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho à entidade recorrente, deve, pois, tomar em linha de conta a declaração de insolvência que, no caso, ocorreu em 2017-01-24, momento em que se verificou o facto que a Lei toma como condição para o exercício do direito, como mais tarde, e em conformidade com a jurisprudência constitucional, veio a ser expressamente reconhecido pelo legislador (ainda que, repete-se, não seja disposição ao caso concreto aplicável: tempus regit actum): vide art. 2.º n.º 9 do NRFGS.
Por outras palavras, tendo o A., ora recorrido, intentado, como intentou, não só ação declarativa prévia para reconhecimento dos seus créditos, como também requerido a insolvência da empresa, tendo reclamado créditos e tendo tais créditos sido certificados pelo Administrador da insolvência, ocorreram circunstâncias que determinaram as casuísticas suspensões e interrupções do prazo para apresentação do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho à entidade recorrente: cfr. art. 2º n.º 8 do DL n.º 59/2015, de 21 de abril; art. 311º e art. 309º, art. 326º e art. 327.º todos do CC; Acórdão do TC, de 2018-06-27, nº 328/18, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, Pleno da 1ª Secção do STA, de 2023-10-26, processo n.º 621/17.2BEPNF-A, publicado em 2023-12-05, no DR n.º 234/2023, Série I de 2023-12-05, páginas 127 – 135.
Destarte, como decorre dos autos e o probatório elege, e atento tudo quanto ficou exposto, impõe-se concluir pela tempestividade do pedido apresentado pelo recorrido à entidade recorrente.
Mais, acresce que, considerado tudo o expendido, a decisão recorrida não desrespeitou os invocados princípios da igualdade, da certeza e segurança jurídica, porquanto não só não foi alegada, como não provada, matéria que suporte tal alegação, quer porque e ,como sobredito, não foi ainda sido proferida decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, mas mesmo em tal caso, como sabido, os efeitos de uma norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral podem ser preservados por decisão do Tribunal Constitucional, nomeadamente por razões de segurança jurídica: cfr. art. 2º, art. 13º e art. 282º n.º 4 todos da Constituição da República Portuguesa – CRP; art. 6º do Código de Procedimento Administrativo – CPA.
Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado de erro de julgamento.
* Da confluência dos factos apurados com o direito aplicável improcedem todas as conclusões do presente recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
***
IV. DECISÃO: Pelo exposto, acordam as juízas da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se assim a decisão recorrida.
Custas a cargo da entidade recorrente.
06 de junho de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Julieta França – 1ª adjunta)
(Maria Helena Filipe – 2ª adjunta) |