Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:315/23.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:CITAÇÃO
RECLAMAÇÃO
Sumário:Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal relativamente aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e segs. do CPPT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

S..., LDA.., melhor identificado nos autos, apresentou reclamação judicial da decisão do órgão de execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810.2023/01186574, instaurado para a cobrança coerciva de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do período de tributação de 2013 no montante de € 297.201,11, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 1.061,37, totalizando a quantia de € 298.262,48.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 20 de dezembro de 2023, julgou improcedente a excepção de erro na forma do processo e desatendeu a reclamação apresentada, julgando-a improcedente, por não provada.

O presente recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), que se julgou incompetente em razão da hierarquia, por Decisão Sumária proferida em 04 de março de 2024, tendo sido determinada a remessa dos autos para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Não concordando com a sentença, a Recorrente veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela improcedência da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.° e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.° 2810202301186574, para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2013, no montante de € 297.201,11, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 1.061,37, totalizando a quantia de € 298.262,48, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. e deve ter subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.°, n.° 1 e 286.°, n.° 1 do CPPT) e com efeito suspensivo (artigos 278.°, n.° 3 e 6 e 286.°, n.° 2 do CPPT).

C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à identificação do objeto e das questões ou causas de pedir.

D. De facto, entendeu a Sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o teor do ato de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis.

E. Em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela improcedência da presente reclamação (ainda que não com fundamento na procedência da exceção do erro na forma do processo).

F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.

G. O objeto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal - de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda - decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal

H. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de Estado (de resto, sem habilitação legal) de modo fragmentado, desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa -, alegando, sem concretizar, a natureza e as características da dívida.

I. A indicação de que a supressão de determinadas garantias decorre "da natureza e características da dívida" corresponde a uma fundamentação manifestamente insuficiente de um ato administrativo, como é defendido pelo Exmo. Representante do Ministério Público.

J. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação enquanto ato eminentemente informativo, mas antes do ato administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

K. No caso concreto, os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorreção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efetividade da decisão de recuperação do auxilio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

N. Na verdade, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua atuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer, de forma efetiva, os seus direitos.

P. O que a AT não pode fazer é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão administrativa, pois - tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida-, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.°, 169.°, 189.°, 190.°, 196.°, 200.° do CPPT e artigo 52.° da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efetuada, o mero ato informativo que atesta a existência de uma decisão administrativa previamente tomada e não notificada ou fundamentada.

S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.° e seguintes do CPPT.

T. Nos termos do artigo 276.° do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

U. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de Estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

V. No caso sub judice, o entendimento do Tribunal a quo de que as questões invocadas pela Recorrente na reclamação judicial aqui em causa não são questões próprias desse meio processual mas sim de um requerimento de arguição de nulidade e que só depois de ser proferida decisão quanto a este requerimento pode ser apresentada reclamação judicial, viola não só o disposto no artigo 276.° do CPPT, como o princípio da economia e da celeridade processual, decorrente do artigo 130.° do CPC e, como também o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.°, n.° 4 da CRP.

W. Em face de tudo quanto se vem expondo, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da reclamação.

X. A dispensa do pagamento remanescente deve igualmente ser aplicada à fase de recurso, por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no artigo 6.°, n.° 7, do RCP.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida, e substituí-la por outra que determine a procedência da reclamação e manter-se a dispensa do pagamento do remanescente em sede de recurso.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os seguintes factos e circunstâncias processuais:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra S..., LDA.., o processo de execução fiscal n.º 2810202301186574, por dívida de IRC do exercício de 2013 – recuperação de auxílios, no valor global de € 298 262,48 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. Aquele Serviço de Finanças enviou então a citação do processo de execução fiscal à aqui Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e documento n.º 1 junto à p.i.);

3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedido o de anulação do ato reclamado, e como causas de pedir que a citação é ilegal por impossibilidade de a Reclamante beneficiar da possibilidade de suspender a dívida em cobrança coerciva através da prestação de garantia idónea, da concessão da dispensa da sua prestação ou da possibilidade de realizar o pagamento em prestações da dívida, padecendo ainda de falta de fundamentação (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual);

4. A aqui Reclamante apresentou também um requerimento de arguição de nulidade da citação, requerimento esse que ainda não se mostra decidido pelo Órgão de Execução Fiscal (cfr. teor da p.i. de reclamação e ofício enviado pelo Serviço de Finanças com a referência Ofício (97128) Ofício (004186654) de 21/11/2023 16:43:10).»


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Factos não provados

«Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as alegações de recurso, bem como as respectivas conclusões, verifica-se que, in casu, importa apreciar e decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar improcedente a presente reclamação.

Por outro lado, cumpre decidir quanto ao efeito fixado ao presente recurso jurisdicional já que, no despacho de admissão do recurso proferido Tribunal a quo, foi fixado o efeito meramente devolutivo e a Recorrente pretende que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso.


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- De Direito

Do efeito do recurso jurisdicional

Dissente a Recorrente do efeito meramente devolutivo fixado no despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal a quo. Entende que o recurso deve ter efeito suspensivo face aos elevados prejuízos que resultam da atribuição do efeito meramente devolutivo.

Vejamos.

Como se afirma no Acórdão do STA de 02/204/2020 – proc. 0600/19.5BELLE, “Os recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afetada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510.Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».

Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?

Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3 e8025823d00565c63;

- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;

- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d 758025842c0051c950;).

Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.

Assim, é de deferir a pretensão da Recorrente, de alteração do efeito do recurso”.

No caso dos autos, a reclamação subiu imediatamente, tendo sido invocado o prejuízo irreparável (278º do CPPT).

Ora, seguindo o entendimento jurisprudencial supra transcrito, devemos concluir que o efeito suspensivo decorrente da subida imediata da reclamação do acto do órgão de execução deve manter-se no recurso jurisdicional, o que significa que deve ser alterado o efeito do recurso.

Assim, revoga-se o despacho que conferiu efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional e fixa-se ao mesmo efeito suspensivo.

Em 24 de Abril de 20224 foi proferido Acórdão em recurso jurisdicional em tudo idêntico àquele que nos ocupa, tendo sido decidido, por este TCA, no âmbito do processo nº 27/24.7 BEFUN. Assim sendo, passaremos a seguir o discurso adoptado no mencionado acórdão. Aí se escreveu:

“(…) Como vimos já, ao deixarmos transcrita na íntegra a decisão recorrida, o TAF do Funchal, considerando que “o acto praticado pelo órgão da execução fiscal foi o acto de citação”, concluiu que o mesmo não é diretamente atacável junto do Tribunal Tributário, devendo antes qualquer questão atinente à citação “ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal”. Assim, considerou a sentença estarmos perante um “erro na forma de processo, o qual constitui uma nulidade processual decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão peticionada”.

Colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, para que aí seja apreciada a pretensão da Reclamante, o Mmo. Juiz considerou que tal convolação revelar-se-ia um acto inútil e, como tal, vedado por lei, “uma vez que a Reclamante expressamente refere, cf.arts. 53º e 71º do respectivo articulado, que apresentou e/ou vai apresentar um requerimento de arguição da nulidade no processo de execução fiscal” (aqui, 53º da p.i e 12º e 13º do articulado de resposta à matéria de excepção).

Discordando do assim decidido, a Recorrente alega, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente. De facto, entendeu a sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o acto de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis. E em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela verificação do erro na forma do processo, pela nulidade do mesmo e pela absolvição da Fazenda Pública da instância, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.

A alegação feita neste recurso é semelhante à que consta de outros processos, nomeadamente, do Proc. nº 320/23.6 BEFUN cujo acórdão foi proferido em 14/03/2024, sendo a questão essencial a mesma, embora a Reclamante seja diferente.

Iremos seguir de perto o referido acórdão, mas sempre com as devidas adaptações ao caso concreto.

Alega a recorrente que o objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) – desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, em razão da natureza e das características da dívida. Pelo que não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

Vejamos então.

A Recorrente, face ao teor da citação emitida em 08/11/2023 (como consta do ponto 2 por nós aditado ao probatório; leia-se, ponto 2 dos factos provados), reagiu, apresentando reclamação nos termos do art. 276º do CPPT, pedindo a anulação do acto de citação, mencionando expressamente na petição inicial “Entende assim a Reclamante que o presente processo executivo padecerá de dois vícios: um de natureza formal, de nulidade da referida citação decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos (razão pela qual a Reclamante irá, dentro dos prazos legais para o efeito, apresentar requerimento de arguição de nulidade de citação, nos termos do disposto no artigo 191º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi alínea e), do art. 2º do CPPT), e um vício material, da ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, incluída na própria citação, quando a AT vem expressamente vedar (i) a possibilidade de pagamento em prestações e (ii) a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal (que desde já se atencipa, vai ser proposta pela ora Reclamante, ou à reclamação graciosa que a Reclamante irá apresentar.”

Aqui chegados, importa desde já salientar que o erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193º e 196º do CPC) sendo que a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr. Ac. do STA de 21/11/2019 – proc. 0670/15.5BEAVR).

Da mesma forma, no processo judicial tributário, o erro na forma do processo configura uma nulidade processual de conhecimento oficioso, sendo sanada mediante convolação para a forma do processo correta, importando, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).

In casu, é manifesto que a tutela jurídica pretendida pela Reclamante, aferida pelo pedido, consiste na anulação do acto da citação, tal como decidiu o Tribunal a quo.

O art. 190º do CPPT consagra as formalidades das citações, sendo que de acordo com o nº 2 dessa disposição legal “A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa”.

O pedido da Reclamante de anulação do acto reclamado assenta em alegadas irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da mesma (art. 191.º do CPC ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT).

Salienta-se ainda que o conhecimento de vícios que possam ter ocorrido no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT.

Qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão ou por violação de formalidades legais, não é suscetível de reclamação directa do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica, devendo ao invés, ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.

Concluindo, a sentença ao ter decidido nos termos em que o fez, ou seja, no sentido da verificação do erro na forma de processo procedeu de forma acertada.

Aliás, é a própria Reclamante que nos artigos 53º e 54º (aqui, 53º e 54º da p.i) da reclamação alega ir apresentar, quanto ao alegado vício formal, requerimento de arguição da nulidade da citação, nos termos do art. 191º do CPC; e quanto ao alegado vício material ir propor oposição à execução fiscal, ou reclamação graciosa.(…)

Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo, quando colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal - cfr. art. 98º, nº 4 do CPPT, e art. 97º, nº 3 da LGT - considerou tal convolação um acto inútil e como tal vedado por lei, cfr. art. 130º do CPC, pois a Reclamante já o tinha apresentado ou ia apresentar, como se veio a confirmar por declaração expressa da recorrente.

Importa, pois, confirmar a decisão recorrida.

Em face do que aqui se decide, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados pela Recorrente”. – fim de citação.

Importa dizer que as pretensões da reclamante, ora Recorrente, quanto à possibilidade de pagar a dívida em prestações ou beneficiar da suspensão da execução com prestação/dispensa de garantia (conclusão H) devem ser requeridas ao órgão da execução fiscal, assegurando a lei (artigo 276º e ss do CPPT) o controlo judicial posterior da decisão que sobre tais pretensões venha a recair.

Refira-se, ainda, que relativamente à questão que aqui nos ocupa, colocada em idênticos termos, também o STA já se pronunciou no acórdão de 06/03/24, proferido no âmbito do processo nº 0309/23.5BEFUN, nos seguintes termos:

“ (…) III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.

IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável”.

Em tal aresto, o STA analisou questão, aqui também colocada, de a Recorrente discordar “do entendimento adoptado na sentença, de que não pode considerar-se que o acto reclamado seja outro que não a citação. Como deixámos dito, continua a sustentar que «[o] objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal».

Na verdade, na petição inicial a Executada identificou o acto reclamado como «a decisão proferida pela Ex.ma Sr.ª Directora de Finanças do Funchal de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução»

Mas, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, essa decisão administrativa não existe – ou, pelo menos, não há motivo para a autonomizar do acto de citação –, sendo que a alegação da ora Recorrente «não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», na medida em que não foi proferida pelo órgão da execução fiscal decisão autónoma alguma, designadamente quanto à «aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda».

“(…) Lidas as alegações constantes da petição inicial, concluímos, com a sentença, que o acto que a Executada considera enfermar de algumas ilegalidades – designadamente, as referências, insuficientemente fundamentadas, à impossibilidade de prestação de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por dedução de oposição à execução fiscal e à impossibilidade de pagamento em prestações – não pode ser senão o acto de citação.

Ora, como também bem referiu a sentença, com referência à jurisprudência pertinente ( A sentença refere o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.º 1075/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a.

No mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 923/08, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6603a143389bd257802576dd00504304 e de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 873/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4bb3a5d51765e00680257a3a00584450.), «da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição – 30 dias –, nos termos do n.º 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos arts. 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal» - fim de citação.

Assim, face a tudo quanto foi exposto, resta, pois, concluir pela improcedência das conclusões recursivas, negando-se provimento ao recurso.


*

III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Maio de 2024

(Isabel Fernandes)

(Maria de Lurdes Toscano)

(Luisa Soares)