Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 16399/25.3BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 10/09/2025 |
| Relator: | ANA CRISTINA LAMEIRA |
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR REJEIÇÃO LIMINAR FALTA DE PROVISORIEDADE TÍTULO DE CONDUÇÃO ESTRANGEIRO |
| Sumário: | Por falta de provisoriedade (pedido cautelar que esgota a eventual acção principal) e de instrumentalidade (sem depender de uma acção principal) é ostensiva a falta de preenchimento das características próprias da tutela cautelar, nomeadamente, as que se encontram consagradas nos artigos 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, do CPTA, pelo que sempre o requerimento inicial seria rejeitado (artigo 116º, nº 2 do mesmo Código). |
| Votação: | Voto vencido |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO .... , Autora/Requerente, ora Recorrente, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24.03.2025, que decidiu Rejeit[ar] liminarmente o presente requerimento cautelar, cujo pedido reside em que “a entidade requerida IMT dê cumprimento ao que está obrigada legalmente, trocando o título de condução estrangeiro da aqui requerente, respeitando o plasmado na legislação aplicável, que já devia ter cumprido no âmbito do processo administrativo correspondente, assim como na CRP, requerendo-se assim que V.ª Ex.ª se digne ordenar a intimação da entidade requerida ao respetivo comportamento, dando cumprimento à obrigação de decisão imposta”. A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos: “I - O despacho de indeferimento ignora os factos concretos alegados e os documentos juntos. II - A omissão do IMT é relevante, lesiva, perdura no tempo e constitui uma ilegalidade administrativa. III - A petição contém todos os elementos essenciais para a apreciação da providência, mesmo que não rotulados juridicamente. IV - O tribunal devia, no limite, ter convidado ao aperfeiçoamento da petição (art. 590.º CPC) e o contraditório. V - O indeferimento liminar violou o direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º CRP). VI - O formalismo excessivo, exigido pela decisão recorrida, contraria os princípios fundamentais do processo administrativo. * A Entidade Demandada, citada para os efeitos da causa e do recurso (artigo 641º, nº 7 do Código de Processo Civil), veio apenas deduzir Oposição e juntar o processo administrativo.* O DMMP notificado nos termos do art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) emitiu pronúncia, no sentido de não provimento do recurso.Notificadas as partes, nada disseram. * Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.* II – Das questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações – cf. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente] -, residem em aferir se a decisão impugnada padece de erro de julgamento de Direito. * II. FUNDAMENTAÇÃO O Tribunal a quo, atenta a fase inicial do processo, não fixou matéria de facto nem se mostra necessária para a presente decisão. * II. 1. De Direito Antes do mais, impõe-se uma breve contextualização: - a Recorrente/Autora veio “nos termos dos artigos 97º nº 1 al. m) e 147º ambos do CPPT, deduzir: INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO, contra IMT –INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES IP”; - tendo formulado o seguinte pedido: “exige-se que a entidade requerida IMT dê cumprimento ao que está obrigada legalmente, trocando o título de condução estrangeiro da aqui requerente, respeitando o plasmado na legislação aplicável, que já devia ter cumprido no âmbito do processo administrativo correspondente, assim como na CRP, requerendo-se assim que Vª Exª se digne ordenar a intimação da entidade requerida ao respectivo comportamento, dando cumprimento á obrigação de decisão imposta”. A sentença recorrida começa por afirmar que a Recorrente “veio, nos termos dos artigos 112.º e ss. do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), intentar contra o IMT –INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P., a presente PROVIDÊNCIA CAUTELAR”. Na decisão recorrida fundamentou e decidiu o seguinte: “Da apreciação liminar Nos termos do disposto no artigo 116.º n.º 1 do CPTA, cumpre proferir despacho liminar. Compulsado o requerimento inicial, constata-se que a requerente não alega nenhum dos requisitos de concessão da providência previstos no n.º 3 do artigo 114.º do CPTA. Com efeito, constata-se que a requerente não invoca um único facto/ato imputável à entidade pública requerida, com exceção do pedido de certificação consular, que permita concluir que a entidade pública requerida irá recusar/indeferir o pedido em causa. A requerente basta-se com o n.º 4 do artigo 125.º do Código da Estrada, o que é manifestamente insuficiente para fazer prosseguir o presente processo, por não estar em causa qualquer comportamento/ato da entidade pública requerida. Mais, não se olvide que se impõe à requerente o ónus de alegar os factos constitutivos do direito a que se arroga e apresentar prova dos fundamentos do seu pedido, quando a requerente se limitou a alegar que foi habilitada a conduzir na Guiné-Bissau, que reside (agora) em Portugal, com o que (alega) que lhe assiste o direito de proceder à troca do título de condução em causa. E o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 4 do artigo 114.º do CPTA destina-se a suprir a falta de requisitos externos ou formais do requerimento inicial e não a falta de alegação dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento ou indeferimento da providência cautelar (com o intuito de criar condições favoráveis à procedência da providência em causa), como sucede no caso presente. A falta insanável dos requisitos formais do requerimento inicial determina a rejeição liminar do requerimento inicial nos termos do artigo 116.º ns.º 1 e 2 do CPTA, ao que se provirá na parte dispositiva da presente decisão”. Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão dos fundamentos do Tribunal a quo para rejeitar a providência requerida, in casu na alegada falta de indicação na petição inicial de factos relevantes para a apreciação do pedido cautelar e se o tribunal deveria ter convidado a Recorrente a suprir tal omissão. Em face da precedente contextualização sempre se colocaria a dúvida sobre qual o meio processual usado pela Recorrente (intimação para um comportamento, ao abrigo dos artigos 97º, nº 1 , al. m) [O processo tributário compreende: a intimação para um comportamento] e 147º [1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente] do CPPT (???). Sucede que entendeu o Tribunal a quo – e foi aceite pelas partes, com as legais consequências, designadamente nos termos do artigo 620º, nº 1 do CPC- que, com o requerimento inicial, pretendia a Recorrente o decretamento de providência cautelar [como assume na conclusão III], consubstanciada no transcrito pedido. Depreende-se da decisão ora recorrida que esta sustentou a rejeição liminar na falta de alegação dos factos necessários ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento ou indeferimento da providência cautelar (com o intuito de criar condições favoráveis à procedência da providência em causa). Na verdade, o recurso aos meios cautelares e o decretamento de uma providência cautelar depende, em geral, da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, tal como resulta do disposto no artigo 120.º do CPTA. Com efeito, do n.º 1, primeira parte, ressalta que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal, com isto se referindo ao requisito do periculum in mora. Exigindo, ainda, este n.º 1, agora 2.ª parte que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, consagrando nestes termos o requisito do fumus boni iuris. Por fim, acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências, instituindo este número o requisito da ponderação de interesses. Depreende-se da sentença recorrida que o r.i. foi rejeitado liminarmente por a requerente não ter invocado qualquer ilegalidade/facto imputável à Entidade Demandada. Na conclusão II, ainda que de forma imperfeita, a Recorrente invoca erro de julgamento, entre o mais, na circunstância de ter invocado a omissão do IMT, que qualifica como lesiva, reconduzindo-a uma ilegalidade. Relendo o r.i. depreende-se que a Recorrente pretende reagir contra a omissão do dever de decisão por parte da Entidade Recorrida por terem já decorrido os prazos para a tomada de decisão. O que, ao contrário do que assentou o Tribunal a quo, sempre poderia configurar uma causa de pedir para efeitos de aferição do fumus boni iuris. A latere sempre se refira que, os prazos procedimentais (vide artigo 128º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), salvo norma especial, são meramente orientadores e não precludem a prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, mas, quando e se ultrapassados, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir contra a omissão ilegal de actos administrativos, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada nos artigos 20º e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. Todavia, não foi esse o meio processual escolhido pela Recorrente. Sucede que, nas presentes conclusões a Recorrente nada refere relativamente ao outro requisito, de periculum in mora, ou seja, factos consubstanciadores de que o não decretamento da (eventual) providência lhe causaria graves prejuízos na sua esfera jurídica ou uma situação de facto consumado. Como não se depreende qual a pretensão a formular em sede de processo principal. O que sempre justificaria a decisão de rejeição liminar (vide artigo 116º, nº 2., alínea a) do CPTA). Em anotação ao citado normativo [artigo 116º do CPTA], in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2021, 5ª edição, a págs. 996 e 997, defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, o seguinte: “Como é evidente, a existência de despacho liminar, ao permitir a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade, favorece, em teoria, a economia processual. A imposição de uma intervenção liminar necessária do juiz em todos os processos conduz, porém, a incomportáveis congestionamentos do fluxo processual. Faz, por isso, sentido que, em domínios circunscritos, possa haver despacho liminar, mas que a sua existência não seja estendida à generalidade dos processos. E, a haver despacho liminar, justifica-se que seja em processos como os cautelares, que são processos urgentes, na medida em que, uma vez recebido o requerimento, este deve ser apresentado ao juiz sem mais delongas e que, por outro lado, ao juiz, no despacho liminar, não só cumpre evitar o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso, como também promover, desde logo, através da emissão de um despacho de aperfeiçoamento, o suprimento das eventuais deficiências de que a instância possa padecer, quando esse suprimento possa ser feito através da correcção do requerimento inicial. O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos de o requerimento não poder ser objecto de convite ao aperfeiçoamento (…)”. O âmbito de aplicação do despacho liminar de rejeição do requerimento inicial deve circunscrever-se às causas preconizadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, com especial atenção quando esteja em causa a aplicação da alínea d), pois que a sindicância à “manifesta falta de fundamento da pretensão formulada” e a consequente decisão de rejeição, numa fase tão precoce ou embrionária do processo, deve ser feita com especial cuidado, rigor e contenção. Assim, importa aferir se estamos (ou não) perante uma situação susceptível de convite ao aperfeiçoamento, seja de articulado irregular - para que fosse convocável o n.º 5 do artigo 114.º (designadamente por falta de indicação da providência que pretende ver adotada) -, seja de articulado deficiente. Ora, como decorre das conclusões formuladas, a Recorrente apenas suscita questões relativas ao alegado acto processual que teria sido omitido, ou seja, o convite ao aperfeiçoamento. Todavia, nada refere sobre o modo em que a sua eventual intervenção permitiria afastar o entendimento do Tribunal a quo, tecendo argumentos quanto ao periculum in mora/ situação de facto consumado só no corpo alegatório, mas sem que tenha levado às conclusões, e uma escassa alusão ao fumus boni iuris (conclusão II), os quais, ainda que pudessem ser conhecidos, seriam irrelevantes de modo a afastar a rejeição liminar da providência cautelar tal como peticionada pela Recorrente. Com efeito, o que sempre inviabilizaria a tutela cautelar é o esgotamento dos efeitos visados com a interposição da acção principal, por força do princípio da provisoriedade. Porquanto, o pedido (principal) formulado pela Recorrente que a entidade requerida IMT “dê cumprimento ao que está obrigada legalmente, trocando o título de condução estrangeiro da aqui requerente, respeitando o plasmado na legislação aplicável, que já devia ter cumprido no âmbito do processo administrativo correspondente, assim como na CRP, requerendo-se assim que Vª Exª se digne ordenar a intimação da entidade requerida ao respectivo comportamento, dando cumprimento á obrigação de decisão imposta”, não poderia ser apreciado e decidido em sede de processo cautelar. Como decidido no Acórdão deste TCAS, de 17/12/2020, no processo sob o n.º 1203/20.7BELSB, consultável em www.dgsi.pt, de cujo sumário se destaca: “O pressuposto relativo à provisoriedade da providência cautelar impõe que esta, para além de ter uma duração limitada, não esvazie, ou, pelo menos, não prejudique a eficácia da decisão que vier a ser tomada na acção principal, pois é nesta que se vai conhecer do bem fundado da pretensão do autor, ao passo que no âmbito do processo cautelar apenas se procede a um conhecimento sumário da mesma”. Donde, por falta de provisoriedade (pedido cautelar que esgota a eventual acção principal) e de instrumentalidade (sem depender de uma acção principal) é evidente a ostensiva falta de preenchimento das características próprias da tutela cautelar, nomeadamente, as que se encontram consagradas nos artigos 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, do CPTA, sempre o requerimento inicial seria rejeitado (artigo 116º, nº 2 do mesmo Código). Tudo sopesado, carece a Recorrente de razão. Em face do que se impõe concluir pela manutenção da decisão recorrida, com a presente fundamentação. O que se decidirá a final. * III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação. Custas a cargo da Recorrente. Ana Cristina Lameira (Relatora) Marcelo Mendonça Joana Costa e Nora (com voto de vencido, que se segue) * Não acompanho a fundamentação do Acórdão em dois aspectos. Em primeiro lugar, não tendo a requerente sido notificada para suprir a falta de indicação da acção de que o processo depende ou irá depender e de especificação dos fundamentos do pedido, nos termos das alíneas e) e g) do n.º 3 do artigo 114.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, nem a falta de alegação dos factos constitutivos do requisito do periculum in mora, nem a falta de indicação da pretensão a formular em sede de processo principal, podem determinar a rejeição liminar do r.i., como se concluiu no Acórdão. O r.i. deve ser liminarmente rejeitado, é certo, não com tais fundamentos, antes nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 116.º, por manifesta desnecessidade da tutela cautelar, atenta a falta de provisoriedade da decisão visada com o processo cautelar, considerando que o pedido do requerente é a intimação da entidade requerida a trocar o título de condução estrangeiro, e que a sua procedência confere ao requerente uma tutela definitiva, e não provisória, sendo provisória a natureza do processo cautelar. Em segundo lugar, concluindo-se pelo erro de julgamento da sentença por ter rejeitado liminarmente o r.i. com base na falta de invocação de qualquer facto ou acto imputável à requerida, tendo a requerente invocado a omissão da entidade requerida na efectivação da troca do título de condução, impunha-se a respectiva revogação, não podendo tal sentença manter-se na ordem jurídica, como se decidiu no Acórdão. A rejeição liminar do r.i. com diferente fundamento, determinada por este Tribunal de recurso, ocorre no âmbito do seu conhecimento em substituição, nos termos do n.º 2 do artigo 149.º do CPTA, após a revogação da sentença recorrida, que, assim, não se pode manter. Joana Costa e Nora |