Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1549/18.4BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2019 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | PER INDISPONIBILIDADE CRÉDITO TRIBUTÁRIO 8.º, 30.º DA LGT CANCELAMENTO PENHORAS MANUTENÇÃO GARANTIAS/199.º CPPT |
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Sumário: | I- A indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial, incluindo o regime de insolvência, sendo que a aprovação de um PER não tem, nem pode ter como consequência direta e imediata o cancelamento de penhoras validamente ordenadas e efetuadas em processo de execução e em momento anterior (artigos 8.º e 30.º ambos da LGT e 103.º da CRP); III-A interpretação que se retira da atual letra do artigo 199.º, números 13 e 14 do CPPT, introduzida pela Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto, já em vigor na data do pedido de cancelamento das penhoras, permite inferir que as garantias já constituídas antes do PER se mantêm; |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO ABÍLIO ................, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 28 fevereiro de 2019, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução deduzida em 13 de agosto de 2018, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, que indeferiu o pedido de cancelamento das penhoras efetuadas no âmbito do processo de execução fiscal nº ................ e outros, inicialmente instaurados contra a sociedade devedora originária “T................, Lda”, e posteriormente revertidos contra si. O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ I. Veio o douto tribunal proferir sentença e julgar improcedente a reclamação e, em consequência, manter as penhoras efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal que se encontram pendentes, a favor da AT alegando que, não estando expressamente previsto no plano o cancelamento ou levantamento das penhoras, não existe razão para que as mesmas não se mantenham. II. Com efeito, perante a inexistência de bens da sociedade devedora originária, veio o Serviço de Finanças de Lisboa … proceder à reversão das dívidas contra o ora recorrente, enquanto responsável subsidiário, com a consequente penhora sobre os bens do ora recorrente. III. O ora recorrente apresentou-se ao Processo Especial de Revitalização (PER) no âmbito do processo que que correu os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio - Juiz 5 sob o n.º 12594/18.0T8LSB. IV. A Autoridade Tributária e Aduaneira reclamou créditos que ascendiam ao montante de €847.377,19 (oitocentos e quarenta e sete mil, trezentos e setenta e sete euros e dezanove cêntimos), valor que contempla os valores em dívida dos PEF’s e que deram origem às penhoras efectuadas. V. O ora recorrente apresentou um requerimento a solicitar o cancelamento e consequente levantamento das penhoras existentes sobre os seus bens que veio a ser indeferido. VI. O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor, que se encontre em situação económica difícil, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo com vista ao pagamento das dívidas e com isso permitir a sua revitalização. (artigo 17º-A, número 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). VII. O plano de recuperação que tenha sido aprovado e homologado em PER impõe-se a todos os credores e determina, não apenas a suspensão das acções executivas já instauradas, mas a sua extinção, excepto que no plano esteja expressamente previsto o seu prosseguimento (artigo 17.º-E do CIRE). VIII. Ou seja, “extinta a acção executiva deixam de subsistir as penhoras, uma vez que estas se destinavam necessariamente à realização dos fins da execução.” (Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 9264/12.6TBCSC.L1-2, de 16.10.2014. IX. Contrariamente ao entendimento do douto tribunal, no plano não tem que estar expressamente previsto o cancelamento das penhoras efectuadas mas antes o contrário, teria de constar expressamente no plano que as mesmas se mantinham. X. Caso assim não fosse, estaríamos a subverter o sistema e a privilegiar um dos credores do PER. XI. Encontra-se previsto expressamente no plano o cancelamento de todas as penhoras existentes. XII. Motivo pelo qual, salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão à decisão proferida pelo douto tribunal de primeira instância. XIII. A douta sentença que ora recorre violou as disposições legais ínsitas nos 17.º-E e seguintes do CIRE. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, cumprindo-se a tão douta e costumada JUSTIÇA!” *** Não foram produzidas contra-alegações. *** A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso. *** Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “A) Contra a sociedade T................, Lda, o PEF nº ................ e apensos, para cobrança de dívidas de IVA, IRC e IUC, dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 20087, no montante de €406.356,31 e o PEF nº ................, para a cobrança de IVA dos períodos de 2004, 2005 e 2006, no montante de €97.556,60 (fls 1 e seguintes); B) Os PEF não se encontram apensos (facto aceite por confissão); C) O SF de Lisboa … procedeu à reversão das dívidas em cobrança nos PEF contra Abílio ................ (reclamante), na qualidade de responsável subsidiário; D) O ora reclamante foi citado em 25-08-2015 e 16-07-2014 (fls 270 a 271, 447 a 452, do PEF); E) As penhoras efectuadas nos bens do ora reclamante foram efectuadas no ano de 2016, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido; F) Ao abrigo do artº 17º-C, do CIRE o ora reclamante intentou Processo Especial de Revitalização (PER), que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comarca, sob nº 12594/18.0T8LSB, onde por despacho de 27-06-2018 foi aceite o pedido de abertura do PEF/PEAP; G) A AT reclamou crédito no montante de €847.377,19 (doc n 1, da resposta); H) O reclamante requereu junto do órgão de execução fiscal o cancelamento das penhoras concretizadas nos autos de execução fiscal; I) Por despacho de 23-07-2018 do Chefe do SF de Lisboa … o pedido de cancelamento das penhoras foi indeferido com fundamento de que as penhoras dos imóveis foram efectuadas em 2016, sendo anteriores ao PER, pelo que ao abrigo do artº 188º nº 13 do CPPT, estas garantias não revestem a natureza de adicionais, porque constituídas antes da proposição do PER, mantém-se em vigor nos termos do artº 199º nº 14, do CPPT; J) Pelo registo postal RH................PT, de 27-07-2018 o reclamante foi notificado do despacho identificado no ponto anterior; K) Em 10-08-2018 o reclamante deu entrada com a reclamação.” *** Quanto à motivação da matéria de facto consta da aludida sentença que “a convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.” *** Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1) Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância: F) Abílio ................, na qualidade de empresário em nome individual, intentou junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, ao abrigo do artº 17º-C, do CIRE, Processo Especial de Revitalização (PER), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comarca, sob nº 12594/18.0T8LSB, tendo sido proferido despacho datado de 27-06-2018 da qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) Assim, por se verificarem os pressupostos e se encontrar junta a declaração prevista no citado preceito, nos termos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeio administradora judicial provisória a Srª Paula ................ constante da lista oficial de Administradores de Insolvência, com domicílio na Rua ................ 10, R/C Dto, em Lisboa. Notifique de imediato o requerente (artigo 17.º, número 4 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas), nos termos do disposto no artigo 37.º do mesmo diploma, com a advertência expressa de que: a) deverá, de imediato, iniciar o procedimento a que alude o artigo 17.º D, número 1 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas; b) impende sobre si o dever de, durante as negociações, de prestar informação pertinente aos seus credores e ao Administrador Judicial Provisório, (artigo 17.º D, número 2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas). * Notifique a Srª Administradora Judicial nomeada, sendo ainda para vir aos autos, no prazo de 8 dias, indicar o seu número de contribuinte fiscal e o regime de tributação a que está sujeito, bem como, para os efeitos previstos nos artigos 32.º, número 3 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresa, 23.º, número 1 do Decreto-Lei número 22/2013, de 26 de Fevereiro. Cite os credores e outros interessados por editais e anúncio, nos termos previstos no artigo 37.º número 7 e 8 ex vi artigo 17.º C, número 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para os efeitos previstos no artigo 17.º D, número 2 do mesmo Código. A presente decisão obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor durante o decurso das negociações e implica a suspensão das acções em curso para cobrança de dívidas-artigo 17.º-E, número 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.” (cfr. fls. 300 verso a 305 verso dos autos); I) Na sequência da apresentação do pedido de cancelamento de penhoras referido em H), foi proferida informação instrutora pelo Técnico da Administração Tributária do Serviço de Finanças de Lisboa …, da qual se extrata na parte que para os autos releva o seguinte: "texto integral no original; imagem" "texto integral no original; imagem" (cfr. fls. 306 e 307 verso dos autos); *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: L) A 23 de julho de 2018, em resultado do pedido referido em H) e informação instrutora constante na alínea I), foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, com o seguinte teor: (cfr. fls.307 do verso dos autos); M) Foi apresenta proposta de Plano de Recuperação, da qual se extrai na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: "texto integral no original; imagem" (cfr. fls. proposta do Plano a fls. não numeradas do processo físico a fls. 864 e seguintes da numeração da plataforma SITAF, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido); *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de cancelamento de penhoras sobre bens da sua propriedade realizadas no âmbito dos processos de execução fiscal nº ................ e outros, melhor identificados em A). Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, competindo, para o efeito, aquilatar se interpretou erroneamente o âmbito do PER à luz dos créditos tributários, desrespeitando, nesse âmbito, o teor dos artigos 17.º E e seguintes do CIRE. Apreciando. O Recorrente alega que se apresentou ao Processo Especial de Revitalização (PER) que correu os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio sob o n.º 12594/18.0T8LSB, no âmbito do qual a Autoridade Tributária reclamou créditos que ascendiam ao valor global de €847.377,19, os quais abrangiam as dívidas objeto de cobrança coerciva. Defende, neste particular ainda que genericamente, que o plano de recuperação que tenha sido aprovado e homologado em PER impõe-se a todos os credores e determina, não apenas a suspensão das ações executivas já instauradas, mas a sua extinção, exceto se no plano estiver expressamente previsto o seu prosseguimento (artigo 17.º-E do CIRE). Mais evidencia que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, no PER não tem que estar expressamente previsto o cancelamento das penhoras efetuadas, mas antes o contrário, ou seja, teria de constar expressamente no plano que as mesmas se mantinham, sob pena de violação dos normativos 17.º-E e seguintes do CIRE. O Tribunal a quo, estribando-se em Jurisprudência que entende aplicável ao caso vertente, ajuizou que o despacho reclamado não padecia de qualquer ilegalidade, tendo interpretado adequamente a disciplina jurídica alocando-a à natureza indisponível dos créditos tributários. Aderiu, na íntegra à fundamentação jurídica constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-09-2017, no âmbito do processo nº 94/17.0BELRA, extratando-se no que, ora releva, designadamente, o seguinte: “Somente assim não seria, se acaso se pudesse retirar do conteúdo do PER aprovado a existência de uma novação (enquanto causa extintiva da obrigação, por acordo das partes, a qual é substituída por nova obrigação - artº.857 e seg. do C.Civil) do crédito objecto do processo de execução fiscal nº.... e apensos (cfr.nº.1 do probatório), conclusão que, de todo em todo (e sem prejuízo do exame da legalidade da mesma), se não pode retirar da análise do conteúdo do PER junto aos autos. Com estes pressupostos legais e concretos (quanto ao PER aprovado), é forçosa a conclusão de que a aprovação do plano especial de revitalização não pode ter, como consequência directa e imediata, o cancelamento das penhoras validamente ordenadas e efectuadas em processo de execução fiscal e em momento anterior à mencionada aprovação.” Para depois concluir que “[n]ão prevendo o plano, expressamente, o cancelamento das penhoras legais anteriormente efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal, que se encontram pendentes, ainda que suspensos durante o plano de recuperação, elas deverão manter-se.” Vejamos, então, se a sentença incorreu no arguido erro de julgamento de direito, sempre tendo presente que a matéria de facto se encontra estabilizada visto que o Recorrente não procedeu à sua impugnação, nem tão-pouco convocou qualquer errada valoração da mesma. Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos. O Plano Especial de Revitalização foi instituído com a Lei nº 16/2012, de 20 de abril, tendo sido objeto da reforma erigida com o Decreto-Lei nº 79/2017, de 30 de junho(2), retificado pelo Decreto Lei nº 21/2017, de 25 de agosto e com as ulteriores alterações das recentes Leis 114/2017, de 29 de dezembro e 8/2018, de 02 de março. Conforme preceitua o artigo 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas “O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.” Note-se que tal era o que já resultava da exposição de motivos da proposta de lei, da qual constava que "O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação. (...) [É] criado o processo especial de revitalização (artigos 17°-A a 17º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n°2 do artigo 1°, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa as respectivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social. O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. (...) Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários". Com efeito, o procedimento especial de revitalização permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência. Mas a verdade é que, tal objetivo de recuperação e de manutenção no giro comercial da empresa em situação económica difícil não contende, nem o legislador pretendeu que contendesse, até por imposição constitucional, com a manutenção e satisfação das obrigações tributárias existentes ou futuramente constituídas pelos beneficiários do PER. O mesmo é dizer que ainda que se tenha pretendido com o direito falimentar e todas a alterações do regime jurídico, privilegiar a reestruturação das empresas tal não pode afetar o crédito tributário, sob pena de clara violação do artigo 30.º da LGT e bem assim do princípio da legalidade tributária, previsto nos artigos 8.º da LGT e 103.º da CRP. Razão pela qual a doutrina e a Jurisprudência têm entendido que as normas dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE não se sobrepõem às normas fiscais. No concernente à jurisprudência do STA, destacam-se, designadamente, os Acórdãos proferidos nos processos nºs 0278/15, de 25.03.2015, 0302/15 e 0331/15, ambos de 15.04.2015, e 0473/15, de 27.05.2015 e no respeitante à Jurisprudência do TCA Sul, convocam-se, designadamente, os Acórdãos proferidos nos processos nºs 09847/16, de 29.06.2016 e 94/17.0, de 19.09.2017. De forma a elucidar todo o raciocínio expendido nos aludidos Arestos, transcreve-se na parte que, ora, releva a fundamentação jurídica que norteia toda a indisponibilidade dos créditos tributários e a prevalência do regime jurídico constante na LGT sobre o regime falimentar, mormente, o regime de recuperação de empresas, constante no Aresto indicado em primeiro lugar. “A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no nº 2 do art. 30º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o recente acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo nº 816/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013. Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial – artigo 30º/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[…] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266º, 13º, 103º e 104º, todos da CRP».). A indisponibilidade dos créditos tributários – que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos (…) Por outro lado, o art. 36º da LGT, no seu nº 2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 8 ao art. 36º, pág. 297, «nenhum elemento da relação tributária pode ser alterado por vontade das partes: nem o objecto da obrigação; nem os juros; nem o prazo de pagamento, etc.» pois «[a] isto se opõe o princípio da legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa».); concretizando, no campo das moratórias, o princípio do citado nº 2, o nº 3 do mesmo artigo afirma: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei». Em sintonia com o nº 3 do art. 36º da LGT, o art. 85º, nº 3, do CPPT («A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei. Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que a indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias não previstas na lei (Uma eventual excepção a esse princípio sempre exigiria uma inequívoca manifestação de vontade nesse sentido, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária.) não foram de modo algum postas em causa pelo CIRE (Para maior desenvolvimento sobre a temática da relação entre os créditos tributários e os processos previstos no CIRE, vide - SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O Crédito Tributário e as Obrigações Fiscais no Processo de Insolvência, Universidade do Minho, Escola de Direito, Abril de 2012, disponível em http://hdl.handle.net/1822/21395 e - SUZANA TAVARES DA SILVA e MARTA COSTA SANTOS, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, disponível em http://hdl.handle.net/10316/24784, em cuja doutrina nos apoiámos na elaboração do presente acórdão), mesmo após as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril (que veio dar prevalência à recuperação do devedor). Os princípios que enformam o nosso sistema tributário não permitem a extinção, a redução ou a moratória (…) Assim, a alteração do conteúdo da obrigação fiscal nunca poderia ocorrer por vontade da maioria dos credores, sob pena de se violar de forma grave o princípio da legalidade e da tipicidade tributária, previsto no art. 8.º da LGT e no art. 103.º da CRP, nos termos do qual todos os elementos da relação jurídico tributária têm de estar tipificados na lei (RUI DUARTE MORAIS, ob. cit., 2.ª ed., p. 220, «Um perdão ou moratória relativos a dívidas fiscais decididas em assembleia de credores constituiriam um autêntico benefício fiscal, uma medida excepcional a determinar a não cobrança do imposto ditada por interesses económicos e sociais que se entenderia deverem prevalecer no caso concreto. Por exigência constitucional, nem a administração fiscal, nem, muito menos, uma assembleia de credores podem conceder benefícios fiscais». A concessão de benefícios fiscais tem de estar, nos termos do supra citado n.º 2 do artigo 103.º da CRP, legalmente prevista). É certo que alguma jurisprudência dos tribunais comuns assim o não entendeu, pelo menos até determinado momento (É exemplo paradigmático dessa jurisprudência o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 464/07.1TBSJM-L.S1, disponível em Independentemente de saber se essa jurisprudência fez ou não a melhor interpretação das normas legais em confronto – e afigura-se-nos que não –, a mesma deixou, de todo, de ser sustentável após o art. 123º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), ter aditado ao art. 30º da LGT um nº 3, que, reafirmando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, estipula: «O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial». Ademais, o art. 125.º da mesma Lei estabeleceu que «[o] disposto no n.º 3 do Artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos». Na sequência desse aditamento à lei (…) a jurisprudência dos tribunais comuns acabou por inflectir o rumo (Cfr., por mais antigo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1) (…) Pese embora o disposto no art. 17º-E, nº 3, do CIRE – «A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor […]» –, a AT está obrigada a instaurar e fazer prosseguir contra o devedor execução fiscal para cobrança de dívida fiscal, a menos que tenha sido deferido o pagamento da mesma em prestações ao abrigo da legislação fiscal (e a dívida exequenda e o acrescido estejam garantidos ou tenha sido efectuada penhora que os garanta ou tenha havido dispensa da prestação de garantia, tudo nos termos do disposto nos arts. 196º e 199º, do CPPT, e do art. 52º da LGT), no âmbito do plano de revitalização judicialmente homologado ou fora dele. (…)” (destaques e sublinhados nossos). Ora, face à fundamentação jurídica supra expendida, à qual aderimos, dimana inequívoco que o regime jurídico que disciplina a formação, a aceitação e os efeitos do Plano Especial de Revitalização não contende com a total operatividade dos normativos consagrados na nossa legislação, em especial em matéria de indisponibilidade de créditos e na sua relação com eventual regularização de dívidas, impossibilitando que aquele consume uma redução dos valores em dívida ou na concessão de moratórias não legalmente previstas. Aqui chegados, regressemos ao caso dos autos. O Recorrente entende que foi violado o artigo 17.º E, visto se encontrar consignado no despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (alínea F) que “A presente decisão obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor durante o decurso das negociações e implica a suspensão das acções em curso para cobrança de dívidas-artigo 17.º E, número 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”. Porém, como visto a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial, incluindo o regime de insolvência, sendo que a aprovação de um PER não tem, nem pode ter como consequência direta e imediata o cancelamento de penhoras validamente ordenadas e efetuadas em processo de execução e em momento anterior(3). Mais importa relevar que não pode lograr provimento o alegado pelo Recorrente na sua conclusão IX, no sentido de que “no plano não tem que estar expressamente previsto o cancelamento das penhoras efectuadas mas antes o contrário, teria de constar expressamente no plano que as mesmas se mantinham”. E isto porque tal seria inverter, desde logo, as premissas base do PER, pois o juízo de entendimento que se afigura correto é o de que não prevendo o plano expressamente que as penhoras efetuadas no âmbito dos processos de execução fiscal devam ser levantadas e canceladas, então elas devem manter-se e não o oposto, como defende o Recorrente. Note-se, outrossim, que tal é o que dimana expressamente do artigo 197.° do CIRE, concretamente da sua alínea a), na qual se preceitua que “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afetados pelo plano”, não se vislumbrando, de todo, em que sentido poderia acarretar-como alega o Recorrente, ainda que sem densificar, como se impunha-qualquer subversão do sistema e a concessão de qualquer privilégio a um dos credores do PER. Ora, in casu, como visto as penhoras cujo levantamento foi requerido são anteriores à interposição do próprio PER, sendo manifestamente insuficiente que com base no consignado no despacho contemplado na alínea F)-como peticiona o Recorrente- que se limita a nomear provisoriamente Administradora Judicial e a aceitar o pedido de abertura do PER, a concluir-se pelo cancelamento das penhoras. Note-se que o ato constante em F) que o Recorrente faz alusão e em que legitima a sua pretensão em nada consubstancia e determina o cancelamento das penhoras. Sendo certo que, no caso vertente não resulta dos autos- nem tão-pouco foi alegado com a devida substanciação e inerente suporte documental pelo Recorrente- que o PER foi aprovado e homologado e que a execução se encontra extinta. Ademais, não obstante o exposto, sempre importa ter presente que do teor da própria proposta de plano de recuperação não se retira, tão-pouco, esse levantamento de penhora (alínea M), dele constando, no que para os créditos tributários releva, apenas um pedido de carência de um ano após a homologação do plano e pagamento de 100% sobre o valor no prazo de 120 meses. De todo o modo, conforme doutrinado no Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 94/17, de 19.09.2017: “7. A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil). 8. A aprovação de um PER (plano especial de revitalização) não pode ter como consequência directa e imediata o cancelamento de penhoras validamente ordenadas e efectuadas em processo de execução fiscal e em momento anterior (cfr.indisponibilidade do crédito tributário; elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes - artº.36, nºs.2 e 3, da L.G.T.). 9. Somente assim não seria, se acaso se pudesse retirar do conteúdo do PER aprovado a existência de uma novação da obrigação tributária (enquanto causa extintiva da obrigação, por acordo das partes, a qual é substituída por nova obrigação - artº.857 e seg. do C.Civil) objecto do processo de execução fiscal em causa (tudo sem prejuízo do exame da legalidade da mesma).” Acresce, outrossim, que essa é também a interpretação que se retira da atual letra do artigo 199.º, nº13 e 14 do CPPT, introduzida pela Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto, já em vigor na data do pedido de cancelamento das penhoras, a qual permite inferir que as garantias já constituídas antes do PER se mantém. Aliás, em sentido consonante com o já evidenciado no despacho reclamado. De relevar, in fine, que toda a Jurisprudência que o Recorrente convoca nas suas alegações coaduna-se tão-só com a Jurisdição Comum, donde, sem ter em conta a indisponibilidade dos créditos tributários e a prevalência do acervo normativo jurídico-tributário sobre qualquer legislação especial, designadamente no âmbito dos processos de insolvência, não levando em linha de conta, necessariamente, o disposto nos artigos 30.º e 125.º da LGT. Sendo certo que a Jurisprudência dos Tribunais Comuns infletiu a sua posição inicial(4) e, ora, reconhece a indisponibilidade e prevalência dos créditos tributários quanto ao regime da insolvência, conforme se pode aferir, designadamente, no doutrinado no Aresto do STJ datado 13.11.2014, no âmbito do processo nº 3970/12: “I - Apesar da alteração do CIRE, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20-04, dando prevalência à recuperação económica do devedor e relegando para um plano secundário a liquidação do respectivo património, através da criação do processo especial de revitalização – cf. arts. 1.º, n.º 1, e 17.º-A do CIRE –, a LGT consagra a indisponibilidade dos créditos tributários e a prevalência do seu regime sobre qualquer legislação especial, designadamente no âmbito dos processos de insolvência – cf. arts. 30.º, n.ºs 2 e 3, e 125.º da LGT. II - Os arts. 30.º e 125.º da LGT são imperativos quanto à impossibilidade da redução ou extinção dos créditos tributários no processo de insolvência.” Ora, tudo visto e ponderado conclui-se que inexistem quaisquer fundamentos legais para o cancelamento das penhoras, não incorrendo a sentença recorrida em qualquer erro de julgamento de direito, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DESTA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em : -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E manter A DECISÃO RECORRIDA. Custas pelo Recorrente. LISBOA, 05 de junho de 2019 (PATRÍCIA MANUEL PIRES) (CRISTINA FLORA) (TÂNIA MEIRELES DA CUNHA) __________________________________ (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286. (2) Ainda que em 2015 tenham existido algumas alterações com o Decreto-Lei nº 26/2015, de 6 de fevereiro. (3) Neste sentido, vide o já citado Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito do processo nº 94/17.0BELRA, de 19.09.2017. (4) Atento, desde logo, o artigo 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), ter aditado ao art. 30º da LGT o seu nº 3.; |