Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15/25.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
(DES)NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA
CONTRADITÓRIO
OCUPAÇÃO ILEGAL DE FOGO MUNICIPAL
DESOCUPAÇÃO
FALTA DE FUMUS BONI IURIS
LEI 81/2014
Sumário:I - A decisão que dispensou a prova testemunhal não determina a verificação de qualquer nulidade processual, uma vez que essa dispensa está na esfera decisória do julgador, que pondera e decide em conformidade (artigo 118º, nº 1 do CPTA), pelo que não tem de assegurar, previamente, qualquer direito ao contraditório nos termos do artigo 3º nº3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, para efeitos de ouvir as partes quanto aos factos sobre os quais pretenderiam a produção de prova testemunhal.
II - A requerente não é detentora de qualquer título jurídico que a legitime para a ocupação do fogo municipal, ou seja, encontra-se a residir naquela fracção municipal, sem autorização e à revelia da Entidade Requerida, e, bem assim, de forma ilícita, configurando-se tal como uma ocupação abusiva e ilícita de tal espaço.
III- Pelo que, não lhe assiste o direito a permanecer na mesma, tanto mais que se verifica que a requerente foi reencaminhada para outras soluções legais de apoio e habitação, nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 28.º da Lei, n.º 81/2014, sem que, contudo, tenha diligenciado, de forma activa, pela procura de uma alternativa habitacional, junto das entidades competentes para o efeito, procurando antes continuar a beneficiar da habitação que ilegalmente vem ocupando (como já o fez antes, num outro fogo do Município).
IV- Assim, por não ter sido provado o requisito relativo ao fumus boni iuris, torna-se desnecessária a apreciação dos demais pressupostos previstos no artigo 120.º, nºs 1 e 2 do CPTA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

.... (Requerente) veio, nos termos do disposto nos artigos 112.º e segs. do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, intentar contra o MUNICÍPIO DE SINTRA (Entidade Requerida) o presente processo cautelar peticionando que:
a) suspenda a eficácia dessa decisão [publicada no Edital, de 28 de Novembro de 2024], nos termos dos artigos 112º, nº 2 a) 128º, 129º e 131º do CPTA;
b) decrete provisoriamente este procedimento, nos termos do artigo 131º do CPTA;
c) seja reconhecido à requerente o direito de poder continuar a habitar a casa que está na sua posse há mais de dois anos e que serve de morada de família de todo o seu agregado familiar.

Em 11 de Março de 2025, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu sentença julgando improcedente o processo cautelar, indeferindo as providências cautelares requeridas.
Inconformada, a Requerente, ora Recorrente, interpôs o presente recurso formulando na sua Alegação as (extensas) conclusões que se transcrevem:
“1. O presente recurso de apelação visa colocar em crise a sentença proferida pelo TAF de Sintra no procedimento cautelar de suspensão da eficácia, com decretamento provisório dessa providência, instaurada pela agora apelante contra o Município de Sintra.
2. Este procedimento corre por apenso à ação administrativa especial de reconhecimento de direitos, com o nº 14/25.8BESNT, tendo em vista obstar à tomada de posse, pelo Município de Sintra, da habitação onde reside a requerente e o seu agregado familiar, composto por quatro filhos menores, há quase dois anos, cumulada com a condenação desse Município a não tomar qualquer medida que coloque em causa o direito à habitação da autora, nos termos dos artigos nos termos dos artigos 112º, nº 1 e nº 2, alínea a), 113º, nº 1, 114º, 128º, 129º e 131º, todos do CPTA.
3. A sentença recorria incorre em várias vicissitudes que justificam a interposição deste recurso, nomeadamente:
a) Erro de julgamento e violação dos artigos 118º, nº 5 e 119º, do CPTA;
b) Violação do dever de gestão processual, previsto no artigo 7º-A do CPTA;
c) Violação do artigo 67º da CRP e do artigo 8º da CEDH.
4. A decisão de rejeitar a produção de prova testemunhal e demais prova requerida, nos termos do artigo 118º, nº 5 do CPTA, não se encontra devidamente fundamentada.
5. Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios (artigo 118º, nº 5 do CPTA, negrito e sublinhado nosso)
6. A sentença limita-se a proferir uma decisão conclusiva para rejeitar a produção de prova testemunhal e demais prova requerida, sem indicar que fundamentos estiveram na sua base.
7. Dos factos alegados pela recorrente, a sentença recorrida limita-se a considerar provado que:

a) A 05/01/2025, deu entrada neste tribunal o requerimento inicial;
b)A requerente é mãe de quatro menores, que compõem o agregado familiar que reside na fração a que se reportam os presentes autos;
c) Os filhos da requerente, .... e .... , encontram-se matriculados no presente ano letivo, no agrupamento de escolas Ruy Belo, em Monte Abrão, e .... , encontra-se matriculado na Agrupamento de Escolas Queluz-Belas;
d)A requerente tem vindo a solicitar apoio à UFMMA;];
e) A requerente encontra-se desempregada e à procura de novo emprego, desde 02/12/2022.
8. Dos factos alegados pela recorrente, a sentença recorrida apenas julgou como não provado que a requerente tenha tomado posse da habitação através da cedência do seu anterior arrendatário, Fernando Faustino da Conceição Tole, titular do NIF .... .
9. A sentença recorrida não julgou provado que a requerente entrou na fração através de arrombamento, conforme erroneamente alegado no primeiro parágrafo da página 19, sem que dos factos julgados provados se possa aferir desse arrombamento.
10.Refere a sentença recorrida no segundo parágrafo da página 21 que foi concedido à requerente um prazo de 10 dias, para se pronunciar, o que não fez, conforme resulta da alínea n) e o) do probatório.
11. A alíneas n) do probatório refere que a 06/03/2024, foi entregue à autora o conteúdo da proposta a que se reporta a alínea anterior do probatório, bem como do ofício nº 10322/2024.
12.A alínea o) do probatório refere que A 18/04/2024, pelos serviços municipais, foi elaborada Informação-Proposta, nº 18270/2024.
13.A sentença recorrida nunca, por nunca, poderia ter concluído que à requerente foi concedido o prazo de 10 dias para em março ou abril de 2024 se pronunciar sobre um edital que afinal só seria publicado no dia 2 de setembro de 2024 e sobre o qual a requerente só teve conhecimento em 31 de outubro de 2024.
14.Aliás, a sentença recorrida não julgou como não provado que a requerente só em 31 de outubro de 2024 teve conhecimento desse edital, conforme por si invocado mo ponto 20 do seu requerimento inicial.
15. Logo, nunca poderia ter concluído que à requerente foi concedido o prazo de 10 dias previsto no artigo 121º do CPA para se poder pronunciar sobre esse edital.
16.A sentença recorrida incorre em erro de julgamento (error in judicando) por resultar de uma distorção da realidade factual (error facti) de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica.
17. Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual por falsa representação da mesma. (vg. acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 30 de setembro de 2010, no processo 341/08.9TCGMR.G1.S2, e em 3 de março de 2021, no processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.).

18.Por outro lado, tendo em conta a total omissão dos factos invocados pela requerente nos pontos 2 a 16 e 19 a 20 do requerimento inicial, a sentença recorrida tem de, forçosamente, ser anulada, conforme sanção prevista na primeira parte da alínea d) do nº 1 do CPC, ex-vi artigo 1º do CPTA.
19.A resolução do Município de Sintra que a sentença recorrida considera fundamentada, mais não é do que uma defesa em causa própria para a qual a recorrente nunca foi chamada a intervir, tal como também não foi chamada para, em audiência prévia, se pronunciar sobre a decisão que lhe foi notificada apenas por edital, que lhe concedera 90 dias para desocupar a sua habitação, sita na Rua .... , em Monte Abraão, tal como invocado pela apelante nos pontos 19 a 25 do requerimento inicial.
20. Também quanto a esta matéria a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia ao não ter, sobre esses factos, emitido qualquer juízo de valor, nomeadamente, dando-os como provados, ou não provados.
21.Aliás, em resposta a essa resolução a recorrente, no documento com o nº 007000314 dos autos, contestou a resolução apresentada porque apenas tinha por objetivo entorpecer a ação da justiça num processo eivado de nulidades, tal como invocado tanto nesta providência cautelar, como na ação da qual esta depende (ponto 5 desse requerimento).
22. Tendo ainda o cuidado de afirmar que o requerido continua a não encaminhar a requerente para soluções legais de acesso à habitação e para a prestação de apoios habitacionais (ponto 6 desse requerimento).
23.Carece de qualquer fundamentação, ou melhor, constitui um erro de julgamento, afirmar, como afirma a sentença recorrida no último parágrafo da página 5 que o contraditório efetuado pela requerente se encontra totalmente desacompanhado de alegação fáctica e jurídica para o efeito, apresentando-se como um comentário lateral, sem qualquer sentido jurídico.
24. A sentença recorrida decidiu antecipar o juízo da causa principal ao abrigo do disposto no artigo 119º do CPTA, invocando para tal a desnecessidade de qualquer outra produção de prova.
25.Decorre do disposto nos artigos 205º, nº1, da CRP e 154º e 607, nºs 3 e 4 do CPC, a imposição de um dever ao Magistrado Judicial de especificar os fundamentos de facto e de direito das decisões que profere, de forma a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo (artigo 20º da CRP).
26. Em cumprimento deste dever de assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo e justo, exige-se não só a indicação dos factos provados, como dos não provados e ainda, a indicação do processo lógico - racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes (conforme artigo 607º, nº 4, do CPC, ex-vi artigo 1º do CPTA).
27.Dizer, sem mais que a prova documental é suficiente e adequada para a prolação de decisão sobre o mérito da causa, sem mais, não é de todo enunciar os fundamentos que levaram a sentença recorrida a afirmar que dispunha de todos os elementos para decidir o processo cautelar, nos termos do artigo 119º do CPTA.
28. Em concreto, ocorre a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo apelante (vg. acórdão proferido pelo STJ em 9 de fevereiro de 2017, no processo 2913/14.3TTLSB.L1.S1; acórdão deste Tribunal da Relação proferida em 10 de setembro de 2020, no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

29. O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando, para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si. E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.
30. Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronúncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).
31.O nº 3, do artigo 3º do CPC, ex-vi artigo 1º do CPTA, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
32.Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional.
33.A referida conceção ampla do princípio do contraditório traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (conforme defendido no Código de Processo Civil (anotado) de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (1999)., vol. I, Coimbra Editora, página 8 e. “Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil”, de José Lebre de Freitas na Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38.).
34. A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, como aquela a que a requerente acabou por ser confrontada, constitui nulidade processual, prevista no nº 1, do artigo 195º do CPC.
35.Aí se consagra que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
36. Tal como o artigo 6º do CPC, também o artigo 7º-A do CPTA estipula que enquanto dever de gestão processual cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.
37.Em 10 de fevereiro de 2025, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (documento 006986101 dos autos): “Verificando-se a existência de quatro menores, a cargo da aqui requerente, notifique a entidade requerida para, no prazo de 5 dias, vir aos autos esclarecer que diligências concretas foram levadas a cabo pelo serviço de atendimento de emergência do Município, bem como para esclarecer se foram indagadas alternativas de realojamento, ainda que temporário, junto dos serviços da administração central, juntando, se for caso disso, prova de tais diligências. Notifique a requerente para, no prazo de 5 dias, vir aos autos: - fazer prova da tentativa de procura junto dos Serviços de Emergência Social de outro tipo de alternativa habitacional, designadamente, junto da Santa Casa da Misericórdia ou eventuais contactos com a Linha Nacional de Emergência Social, face à existência de quatros menores a seu cargo; - fazer prova da matrícula escolar dos seus filhos.”
38. Em cumprimento integral desse despacho a requerente juntou aos autos dois documentos, comprovando a prova da matrícula escolar dos seus filhos e prova da tentativa de procurar junto dos Serviços de Emergência Social de outro tipo de alternativa habitacional, face à existência de quatros menores a seu cargo (documento 006988905 dos autos).
39. Contrariamente, o Município de Sintra não cumpriu com o determinado nesse despacho, pois não identificou que diligências concretas teriam sido levadas a cabo pelo seu serviço de atendimento de emergência, nem apresentou qualquer prova de terem sido indagadas alternativas de realojamento ainda que temporário, junto dos serviços da administração central.
40. Para a sentença recorrida o cumprimento, ou não do despacho proferido em 10 de fevereiro de 2025 era totalmente irrelevante para o conhecimento do mérito da causa, como acabou por sê-lo.
41.Resulta desse despacho, ou pelo menos o despacho deu a entender, que o Tribunal a quo estaria, verdadeiramente, interessado em saber da possibilidade de encontrar soluções alternativas para albergar a requerente e o seu agregado familiar, composto por quatro filhos menores.
42. Não resulta da sentença recorrida que o Município não tenha habitações disponíveis que possam albergar a recorrente e o seu agregado familiar, como aliás o prova o facto de a requerente habitar uma casa que estava livre de pessoas e de bens e totalmente devoluta quando dela, pacificamente, tomou posse.
43. Nem resulta da sentença recorrida que o Município tenha efetuado diligências concretas pelo seu serviço de atendimento de emergência, ou tenha indagado alternativas de realojamento, ainda que temporário, junto dos serviços da administração central.
44. Em bom rigor, o despacho proferido em 10 de fevereiro de 2025 pelo Tribunal a quo, segundo a sentença recorrida, foi totalmente impertinente e meramente dilatório, ao ter desconsiderado tanto o seu cumprimento integral como o seu total incumprimento.
45.A violação do artigo 7º-A do CPTA, acarreta por si só, a violação do artigo 2º da CRP.
46. O princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da CRP postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da continuidade da ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.
47.Termina a sentença recorrida por, surpreendentemente, decidir que seja extraída certidão da presente decisão e notificada a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental para os efeitos que considere convenientes.
48. Não resulta dos autos que os menores estejam em risco; antes pelo contrário.
49. Resulta dos autos e dos factos considerados provados pela sentença recorrida que os filhos da requerente, .... e .... , encontram-se matriculados no presente ano letivo, no agrupamento de escolas Ruy Belo, em Monte Abrão, e .... , encontra-se matriculado na Agrupamento de Escolas Queluz-Belas [alínea t) dos factos considerados provados].
50. Aliás, a extração de certidão da presente decisão e a notificação à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental para os efeitos que considere convenientes entra em total contradição com a decisão de julgar totalmente improcedente o presente procedimento cautelar e que indeferiu as providências cautelares requeridas.
51. Se a presente providência cautelar visa obstar à tomada de posse, pelo Município de Sintra, da habitação onde reside a requerente e o seu agregado familiar, composto por quatro filhos menores, há quase dois anos, cumulada com a condenação desse Município a não tomar qualquer medida que coloque em causa o direito à habitação da autora do seu agregado familiar, é a própria sentença que entra em contradição, por reconhecer que pode colocar em risco esses menores que poderão necessariamente de ser confrontados com inexistência de um teto que os possa albergar e consequentemente, tenham necessidade de ser protegidos pela CPCJ.
52.Nenhuma prova foi produzida tendente a considerar que essas crianças estejam em perigo, como parece fazer crer a sentença recorrida. 53.É a própria decisão que coloca essas crianças em perigo ao julgar totalmente improcedente o presente procedimento cautelar que também indeferiu as providências cautelares requeridas. 54.Ademais, os pressupostos de legitimidade do tribunal, com vista a promover e proteger os direitos individuais, sociais e económicos e culturais da criança ou jovem, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, estão fixados nos artigos 1º e 3º, nº 1 la LPCJP.
55.Dizem esses dois artigos, que o objetivo dessa lei é:
a) garantir às crianças e aos jovens em perigo o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 1º) e que,
b) tal tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (artigo 3º, nº 1, primeira parte);
c) ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (artigo 3º, nº 1 segunda parte).
56.O tribunal só tem legitimidade para intervir quando estejam reunidos esses pressupostos.
57.Acontece que, não resulta dos factos julgados provados pela sentença recorrida que a requerente, aqui apelante, tenha alguma vez, colocado em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento dos seus filhos menores.
58. Ou que à requerente possa, de algum modo, ser invocado que não se tenha oposto de modo adequado a remover o perigo resultante de da falta de habitação para os seus filhos menores.
59.Não estão reunidos os pressupostos previstos nos artigos 1º e 3º, nº 1 da LPCJP, para que a sentença recorrida tivesse legitimidade para ter decidido o que decidiu, aliás, em contradição com o indeferimento do presente procedimento cautelar que indeferiu as providências requeridas.
60. Em bom rigor, resulta dos factos considerados provados pela própria sentença recorrida que a apelante tem assumido todas as responsabilidades relativas aos cuidados atinentes à segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento dos seus quatro filhos menores, ao lutar para que os mesmos possam habitar numa casa condigna e não sejam colocados na situação de sem abrigo.
61.Venerandos Juízes Desembargadores, uma mãe que, conscienciosamente, considera que tem obrigação de zelar pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos seus filhos menores, como é o caso de terem uma habitação condigna que os possa albergar, não pode ser castigada com uma pena (porque é de uma pena que se trata) que não condene o Município a não tomar qualquer medida que coloque em causa o direito à habitação da autora e do seu agregado familiar, composto por quatro filhos menores, podendo através da sentença recorrida tomar conta da habitação que lhe serve de lar e que alberga, também, os seus quatro filhos menores.
62. Em bom rigor, a sentença recorrida não respeitou a Constituição, nomeadamente o seu artigo 67º que consagra a família como o elemento fundamental da sociedade.
63. .... tem o direito a que a sociedade e o Estado protejam a sua família, que permitam a efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, coisa que a decisão recorrida não teve em consideração ao julgar improcedente o presente procedimento e que indeferiu as providências requeridas.
64. Diz o artigo 67º, nº 1 da Constituição (CRP): A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
64. Para no seu nº 2 descrever os deveres que o Estado deve assumir na concretização desse desiderato, nomeadamente:
a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;
b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade;
c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;
d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.
65.A decisão recorrida não demonstrou qualquer preocupação para assegurar tanto a .... como, muito particularmente aos seus quatro filhos menores, as condições constitucionalmente previstas nas quatro primeiro alíneas desse nº 2 do artigo 67º da CRP.
66. Nem tão pouco a decisão recorrida demonstra qualquer respeito e consideração pelo direito ao respeito pela vida privada e familiar previsto no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) que refere no seu nº 1: “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.”
67.Para no nº 2 desse mesmo artigo 8º referir que: “Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
68. Ora, no presente caso, não existe nos autos qualquer facto (provado ou não provado) que ponha em causa a segurança nacional, a segurança pública, o bem-estar do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.
69. Somos assim a considerar que poderá haver ingerência da autoridade pública no exercício do direito ao respeito da vida privada e familiar da recorrente.
70. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) já proferiu decisões sobre a violação desse direito, nomeadamente em acórdão proferido em 10 de abril de 2012, no caso Pontes contra Portugal, onde este Tribunal entendeu que as autoridades competentes do estado são responsáveis pela interrupção dos contactos pais e filhos e que essas autoridades competentes faltaram à sua obrigação positiva de adotar as medidas necessárias que pudesse permitir à sua progenitora beneficiar de um contacto regular com a sua filha (disponível em https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-119146).
71. Ao ter terminado como terminou, a sentença recorrida teve um “rebate” de consciência quanto à improcedência do presente procedimento e do indeferimento das providências requeridas, quando considera resultar dos autos, uma situação precária que poderá resultar da ação de despejo, face ao teor da resolução fundamentada, já apresentada nos autos, mandando extrair certidão da presente decisão e notificar a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental para os efeitos que considere convenientes.
72.A final, a sentença recorrida ao ordenar que seja extraída certidão da decisão recorrida e notificada à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental para os efeitos que considere convenientes, acabou por violar os artigos 2º e 67º da CRP e, ainda o artigo 8º da CEDH”.

*
A Entidade Requerida, ora Recorrida, nas suas Contra-alegações concluiu assim:
A. A sentença recorrida é irrepreensível em todos os aspetos, sendo certo que o procedimento cautelar, pelo modo como foi formulado, nunca poderia proceder.
B. No Requerimento inicial, a Recorrente peticionou (i) a suspensão da eficácia do ato administrativo mediante o qual foi ordenado o seu despejo e determinada a entrega da casa que ilicitamente ocupa; e (ii) o reconhecimento do direito de poder continuar a habitar na mesma, já que é a morada de família de todo o seu agregado familiar. C. Ora, o segundo pedido é legalmente impossível, especialmente em sede cautelar.
D. Veio a ser proferida a Sentença impugnada, que julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar. Na fundamentação, o Tribunal a quo considerou, em síntese: que a Recorrente confessa não ter título legitimador da sua ocupação; que resultou provado ter-lhe sido foi concedido prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia; e que resultou provado que a Recorrente foi encaminhada para outras soluções legais de apoio e habitação, nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 28.º, da Lei, n.º 81/2014; que a Recorrente não ofereceu meio de prova de tenha adotado qualquer conduta no sentido de resolver a sua situação de carência habitacional sem sucesso, pelo que inexiste periculum in mora, além de inexistir fumus boni iuris.
E. A Recorrente, no seu Recurso, “dispara em todas as direções” e alega que a decisão recorrida, em síntese, padece dos seguintes vícios: (i) erro de julgamento, por ter dispensado a produção de prova em audiência, sem a fundamentar; (ii) omissão de pronúncia, ao não ter julgado, como provados e não provados, os factos que julgou serem irrelevantes para a boa decisão da causa; aliás, chega ao absurdo de lamentar não ter havido juízo de provado e não provado sobre matéria de direito; (iii) violação do dever de gestão processual, por não ter insistido com o Recorrido para cumprimento do Despacho de 10.02.2025; e (iv) violação do direito fundamental à habitação.
F. Não assiste razão à Recorrente em nenhum aspeto.
G. Nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 5, CPTA, Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios. Ora, o Despacho proferido pelo Tribunal a quo antes da Sentença é fundamentado e revela um juízo de irrelevância sobre os factos acerca dos quais a prova requerida se poderia produzir, nos termos da citada disposição legal. É, por isso, falso que a decisão de prescindir da produção de prova testemunhal não tenha sido fundamentada. Foi.

H. Dá-se por reproduzidos os Pontos 12. e 13. das Alegações, em que, ponto por ponto, se demonstra que a acusação da Recorrente é falsa: os factos supostamente omitidos são irrelevantes, nuns caos; ou são relevantes e não foram omitidos; ou são alegação de direito travestida de alegação de facto.
I. Por outro lado, por Despacho de 10.02.2025, o Tribunal a quo determinou que o Recorrido densificasse as diligências adotadas, em cumprimento do dever legal de encaminhamento do despejando para alternativas legais de habitação, além das referidas na Oposição. O Recorrido optou por não fazer, mesmo perante a insistência do Tribunal, por considerar que as diligências alegadas na Oposição, e provadas no PA, eram suficientes. O Tribunal veio a concluir no mesmo sentido.
Não se vê que é que a repetição da insistência poderia ser favorável ao Recorrente. Não podia. Nem em que é que o cumprimento do despacho poderia ser desfavorável ao Recorrido. Não podia.
Logo, o mesmo não dispõe de legitimidade recursória para recorrer com este fundamento.
J. Quanto à não notificação da Recorrente para se pronunciar em sede de audiência prévia, sempre se dirá o seguinte: O projeto de decisão foi objeto de primeira tentativa de notificação à Recorrente, que se frustrou, mediante o ofício n.º S-10321/2024, datado de 09.02.2024. Por conseguinte, determinou-se a notificação pessoal da mesma, que se logrou no dia 06.03.2024 (fls. 115 a 118, PA).
K. O Tribunal a quo julgou corretamente, portanto, os Factos Provados m) e n).
L. Nos termos do disposto no artigo 28.º da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.” Os factos Provados m) e n), e os documentos para que remetem, atestam o cumprimento deste dever.
M. Sucede que a mesma nunca esteve interessada nesse apoio, não comparecendo no SAAS e só muito mais tarde se inscrevendo em concurso para atribuição de habitação em regime de arrendamento social/renda apoiada.
N. O Recorrido cumpriu toda a tramitação legalmente imposta. Face à ausência de qualquer contacto/resposta da Recorrente, veio o Recorrido, respaldado no quadro legal aplicável, designadamente nos termos do n.º 3, do artigo 35.º, conjugado com os números 1 e 2 do artigo 28.º, ambos da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, ordenar e executar o despejo da ocupante ilegal.
O. O direito à habitação, enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado, bem como qualquer outro direito de natureza análoga, reveste-se de uma natureza negativa e positiva. Negativa, como garantia da abstenção do Estado em qualquer situação que prive de forma arbitrária ou desmesurada o acesso a habitação. Por outro lado, positiva, no sentido em que o Estado, aqui encarado no sentido lato do termo, deve propiciar e promover o exercício do direito à habitação.
P. Todavia, essa prestação positiva exigida ao Estado não poderá ocorrer ignorando questões de justiça social, desencadeando possíveis situações de privilégio injustificáveis.
Q. Nas palavras de GOMES CANTOTILHO e VITAL MOREIRA, “Como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efetiva dos poderes públicos mediante a disponibilização de uma habitação”,
R. O artigo 65.º, n.º 1 da CRP, portanto, não confere um direito imediato a uma prestação efetiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação. Pelo contrário, impõe o estabelecimento de critérios objetivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo setor público.
S. A atribuição de uma habitação social não resulta de forma imediata do artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, mas antes de uma concretização legislativa, atualmente regulada na Lei 81/2014, de 19 de dezembro, a qual consagra um regime de habitação social mediante um procedimento concursal e o cumprimento dos requisitos exigidos.
T. Considerando as normas que fundamentam o ato administrativo impugnado, improcede qualquer alegação de violação do direito fundamental à habitação da Recorrente.

Termos em que se requer seja o recurso apresentado pela Recorrente, julgado improcedente, confirmando-se a Sentença recorrida.”

*
O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso (fls. 626 SITAF).

*

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.
*

I.1. Do objecto do Recurso / Das questões a decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 140º do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Atentas as conclusões recursivas, desconsiderando as transcrições, jurisprudência e citações, residem em aferir:

- do erro de julgamento e nulidade do despacho prévio à sentença;
- das nulidades da sentença e da omissão de factos;
- da violação do dever de gestão processual;
- do erro de facto e de Direito.

*

II. Fundamentação
II. 1. De facto
Na decisão recorrida foi indiciariamente provada seguinte factualidade, que se reproduz, na íntegra:


a) A 15/11/2022, foi elaborada nota interna pelos serviços municipais, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 1 do PA de ocupação ilegal, a que doravante faremos referência):
Relativamente ao fogo sito na R. .... Esq. o arrendatário informou que está a retirar os seus haveres do mesmo e que já foi abordado por desconhecidos com intenção de o ocupar ilegalmente[…];

b) A 22/11/2022, foi elaborado auto de restituição de fogo municipal, subscrito por .... , constando do mesmo que entrega as chaves do locado, sito na Rua .... Esq. Monte Abraão (cfr. 5 e 6 do PA);

c) A 24/11/2022, foi remetido email aos serviços da Câmara Municipal, com a seguinte informação (cfr. fls. 7 do PA);

“(texto integral no original; imagem)”

d) A 24/07/2023, pelos serviços municipais, foi elaborada nota interna, n.º34924/2023, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 16);
“(texto integral no original; imagem)”
e) A 25/07/2023, a aqui requerente, apresentou requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, na qual solicita o seguinte (cfr. fls. 24 do PA):
“(texto integral no original; imagem)”

f) A 22/07/2023, foi apresentada aditamento à queixa crime, no âmbito do processo de inquérito que corre termos no DIAP de Sintra – Proc. 1022/23.9PASNT (cfr. processo administrativo a fls. 336 e segs. dos autos, da numeração SITAF);

g) A 25/07/2023, foi elaborada nota de sinalização do Banco de Recursos, com seguinte teor (cfr. fls. 32 do PA);

“(texto integral no original; imagem)”

h) A 31/07/2023, a foi entregue em mão à requerente, ofício de notificação para desocupar a referida habitação no prazo de 3 dias (cfr. fls. 66 e segs, do PA);

i) A 01/08/2023, pelos serviços municipais, foi elaborada nota interna, com proposta de envio do relatório de avaliação social ao SAAS, referente à aqui requerente, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 58 do PA);

“(texto integral no original; imagem)”


j) Na mesma data, foi elaborada a nota interna, n.º1- 35974/2023, na qual pode ler-se entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 67 e segs. do PA):
“(texto integral no original; imagem)”





k) A 27/09/2023, pela Polícia Municipal de Sintra, foi elaborado auto de ocorrência, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. 105 e 106 do PA);
“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”


l) A 24/01/2024, pelos serviços municipais, foi elaborada informação proposta, n.º1- 1339/2024, na qual é proposto o seguinte (cfr. fls. 109 do PA);



m) A 06/02/2024, foi aprovada em reunião de câmara, a proposta n.º88, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 110 e segs. do PA);
“(texto integral no original; imagem)”











n) A 06/03/2024, a autora foi entregue à autora o conteúdo do proposta a que se reporta a alínea anterior do probatório, bem como do ofício n.º10322/2024, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 115 e segs. do PA):
“(texto integral no original; imagem)”


o) A 18/04/2024, pelos serviços municipais, foi elaborada Informação-Proposta, n.º18270/2024, na qual pode ler-se entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 118 e segs. do PA);
“(texto integral no original; imagem)”






p) A 09/09/2024, em virtude de ofício S.- 30180/24, não ter sido possível de entregar em mão, foi afixado o edital n.º506/2024, de notificação da decisão de desocupação e entrega da habitação municipal, na fracção em causa nos presentes autos, com o seguinte teor (cfr. fls. 136 e segs. do PA):
“(texto integral no original; imagem)”


q) A 19/12/2024, pelos serviços municipais, foi elaborada Informação-Proposta n.º5450/2024, na qual é proposto o seguinte (cfr. fls. 153 e segs. do PA):
“(texto integral no original; imagem)”





r) A 05/01/2025, deu entrada neste tribunal o Requerimento Inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 1, da numeração SITAF);

s) A requerente é mãe de quatro menores, que compõe o agregado familiar que reside na fracção a que se reportam os presentes autos, desde Julho de 2023 (cfr. doc.s junto aos autos com o RI a fls. 14 e segs e 16 e segs. dos autos – numeração SITAF);

t) Os filhos da requerente, .... e .... , encontram-se matriculados no presente ano lectivo, no agrupamento de escolas Ruy Belo, em Monte Abrão, e .... , encontra-se matriculado na Agrupamento de Escolas Queluz-Belas (cfr. docs. a fls. 487 e segs. e 507 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

u) A requerente tem vindo a solicitar apoio à UFMMA, designadamente levantamento de bens para as crianças, e cabaz de emergência (cfr. doc. a fls. 489 e segs.);

v) A requerente encontra-se desempregada e à procura de novo emprego, desde 02/12/2022 (cfr. doc. de fls. 22 dos autos);

w) Não provado que a requerente tenha tomado posse da habitação “através da cedência do seu anterior arrendatário, .... , titular do NIF .... .”

*


II.2 - De Direito

Cumpre apreciar e decidir conforme delimitado em I.1.

Ø Do Despacho prévio à sentença:

Imputa a Recorrente vários vícios e nulidade por falta de fundamentação (artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC) ao despacho prévio à sentença no qual o Tribunal a quo considerou, designadamente, “que os elementos de prova documental, sem necessidade de outros, permitem apurar, indiciariamente, todos os factos relevantes para a decisão a proferir na presente instância cautelar, termos em que se indefere a produção de prova testemunhal e demais prova requerida, por desnecessária, face à inexistência de factos alegados, com relevância para a decisão da causa, a provar por tal meio de prova, nos termos do disposto no artigo 118.° n.°5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Donde se extrai que o Tribunal a quo fundamentou o seu julgamento, nesta parte, pela não essencialidade de outros factos alegados que se devessem considerar provados e com relevância para a decisão da causa. Não tendo omitido, por isso, o seu julgamento.
Acresce que, inexiste também qualquer obrigação legal de notificar previamente a parte nos termos pretendidos pela Recorrente, tal como já se decidiu no TCA Norte, “Quanto ao juízo sobre a necessidade, ou não, de levar a cabo diligências de produção de prova, a que alude o artigo 118º, nº1, do CPTA, o juiz cautelar não tem que assegurar, previamente, qualquer direito de contraditório nos termos do artigo 3º nº3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, não se impondo qualquer audição prévia das partes questionando-as quanto aos factos sobre os quais pretenderiam a produção de prova testemunhal” - vide Acórdão de 15.02.2019, processo nº 593/18.6BECBR, acessível in www.dgsi.pt.
Sendo que, a decisão que dispensou a prova testemunhal não determina a verificação de qualquer nulidade processual, uma vez que essa dispensa está na esfera decisória do julgador, que pondera e decide em conformidade, pelo que não pode ser entendido como um acto que tem de ser realizado obrigatoriamente – vide Acórdão deste TCA Sul de 24.03.2022, processo nº 481/15.8BECTB, publicado em www.dgsi.pt.
Neste conspecto, a existirem outros factos que foram considerados não provados, sempre seria erro de julgamento de facto e não nulidade da sentença ou do despacho prévio.

Refere, ainda, a Recorrente que alegou factos (os que identifica na página 4), que não resultavam da prova documental, e que, portanto, não estavam reunidos os pressupostos para a recusa dos meios de prova a que se reporta o artigo 118, nº 5 do CPTA para que o Tribunal a quo pudesse ter dispensado a prova testemunhal.
Todavia, como infra se exporá, nem toda a factualidade alegada pelas partes é relevante para a decisão. Donde, saber se dos autos constavam facto alegados que foram ignorados pelo Tribunal a quo é matéria a apreciar em sede erro de julgamento de facto da sentença. O que significa apreciar se o Tribunal a quo poderia ou não ter proferido sentença, ao abrigo do artigo 119º do mesmo Código, nos termos em que o fez.

Em todo o caso, constitui jurisprudência uniforme, que a nulidade ao abrigo do art. 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes – v.g. o Acórdão do STA, de 23/01/2020, Processo n.º 01193/09.7BELRA.
O que faz claudicar a sua argumentação.

Ø Das nulidades da sentença e da omissão de factos

Invoca a Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 118º, nº 5 e 119º do CPTA, omitindo factos relevantes para a decisão, padecendo a sentença de nulidades nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPC.
Vejamos;

Dispõe a referida alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No que ao alegado interessa, a obscuridade resulta de a sentença conter algum passo cujo sentido seja ininteligível, confuso, equívoco ou indeterminado, por não se perceber o que o juiz quis dizer (v. Acórdão do STA, de 13.3.2024, proc. 234/20.1T9VLG.P1.S1, in www.dgsi.pt ).
A ambiguidade ocorre quando alguma passagem da sentença se preste a interpretações diferentes e mesmo opostas, em que não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz (idem).
De qualquer modo só ocorrerá nulidade da sentença recorrida se resultar prejudicada a compreensão da decisão nela contida.
Sucede que a Recorrente entendeu os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo discordando da solução acolhida na sentença recorrida. Nem se vislumbra em que medida existe tal contradição (conclusão 28ª) face à matéria de facto provada e a sua motivação ou em face da fundamentação de Direito.
Pelo que não ocorre tal nulidade.
Como também não padece a sentença recorrida de nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC. Com efeito, não impende sobre o juiz a quo o dever de especificar todos os eventuais factos não provados que não tenham interesse para a decisão a proferir. Inexistindo, correlativamente, qualquer omissão de pronúncia nos termos e para efeitos da citada alínea d).
A propósito da violação dos artigos 118º, nº 5 e 119º do CPTA, uma vez que o Tribunal a quo teria omitido factos relevantes para a decisão.
Sucede que a produção de prova, em sede cautelar, tal como determina o n.º 1 do artigo 118.º do CPTA, só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se este dispositivo em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
Assim, cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e indiciária, e, por outro, incidindo a prova sobre factos concretos, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Entendeu o Tribunal a quo, no julgamento da matéria de facto que “Não há outros factos alegados, provados ou não provados, que tenham interesse para a decisão da presente acção cautelar”. Tendo proferido, em conformidade, a respectiva sentença nos termos do artigo 119º, nº 1 do CPTA.
Do que discorda a Recorrente invocando erro de julgamento por omissão de factos que, segundo a sua versão, seriam relevantes para a decisão.
Todavia, para que se pudesse aferir de tal erro impunha-se à Recorrente impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pelo Tribunal a quo, em conformidade com as exigências previstas no artigo 640.º do CPC.

Desde logo, identificando quais os documentos ou elementos que justificavam um julgamento diverso, como se impõe nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, ao prever que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar-se obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, bem como a individualização dos factos que deveriam ter sido considerados provados ou não provados pelo Tribunal a quo.

Sendo insuficiente para tal desiderato a remissão em bloco para os artigos do r.i. (2 a 16, 19 e 20) onde se inclui matéria de direito (v.g. arts. 11, 14, 15, 16) e matéria que consta já dos factos provados (v. art. 13 / facto v. art. 5/facto h.).
O que impede a procedência da alegada violação dos artigos 118º, nº 5 e 119º do CPTA, nos termos por si pretendidos.
Também aqui falece de razão a Recorrente.

Ø Da violação do dever de gestão processual

Se bem compreendemos a Recorrente, esta questiona a tramitação adoptada pelo Tribunal a quo nomeadamente da “utilidade” do despacho proferido em 10.02.2025 no sentido de “a entidade requerida (…), vir aos autos esclarecer que diligências concretas foram levadas a cabo pelo serviço de atendimento de emergência do Município, bem como para esclarecer se foram indagadas alternativas de realojamento, ainda que temporário, junto dos serviços da administração central, juntando, se for caso disso, prova de tais diligências”, que não teve depois reflexo na sentença.
Ora, o artigo 7º- A do CPTA visa conceder ao juiz o dever de gestão processual, o que foi realizado pelo Tribunal a quo ao convidar tanto a Requerente/Recorrente como a Entidade Requerida/Recorrida a prestarem as informações pertinentes para a justa composição do litígio.
Como dispõe o nº 3 do mesmo artigo 7º-A, das decisões proferidas nesse âmbito (nº 1) não é admissível recurso, sendo que a Recorrente não demonstra de que forma tal convite colidiu com os princípios da igualdade, do contraditório ou com a aquisição processual de factos.
Nem tal despacho de 10.02.2025 foi impugnado no presente recurso.
Como é inócua a alusão à violação do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sem qualquer consubstanciação ou concretização que permita a este Tribunal de Apelação pronunciar-se.
Também aqui carece de razão a Recorrente.


Ø Do erro de Direito

A tutela cautelar visa assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal, obstando a que os direitos e interesses que se pretendem defender em juízo periguem no iter processual da tutela principal, por causa da demora da decisão que aí ocorra. Portanto, esta tutela cautelar, para além da sumariedade, caracteriza-se pela sua dependência e instrumentalidade face ao processo principal – cf. artigos 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1, do CPTA.
Visando assegurar a utilidade da acção principal, o processo cautelar pode ser intentado como preliminar ou como incidente do processo principal – cf. artigo 113.º, n.º 1, do CPTA.
No artigo 120.º do CPTA estão enunciados os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, nos seguintes termos: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”

A concessão da presente providência cautelar está, assim, dependente da verificação, em simultâneo, de três requisitos, a saber: o periculum in mora (n.º 1, primeira parte); o fumus boni iuris (n.º 1, segunda parte); a proporcionalidade da providência (n.º 2).

A ordem pela qual podem ser conhecidos os dois primeiros requisitos é indiferente, sendo que a falta de qualquer um deles conduz ao indeferimento da providência cautelar.
Relativamente ao fumus boni iuris fundamentou o Tribunal a quo, a este respeito:

“Ora, regressando aos autos, resulta claro do RI, que a requerente não é detentora de qualquer título jurídico que a legitime para tal ocupação, ou seja, encontra-se a residir naquela fracção municipal, sem autorização ou à revelia da ER, e bem assim, de forma ilícita, configurando-se tal como uma ocupação abusiva e ilícita de tal espaço.
Entenda a requerente que a atribuição das casas municipais é feita através de procedimento concursal, no qual são apreciadas as candidaturas e classificadas em conformidade com as normas regulamentares aplicáveis, o que no caso sub iudice, não ocorreu como a própria Requerente alegou, não lhe tendo sido atribuído qualquer fogo municipal, não obstante já se encontrar inscrita para o efeito.
Assim, da factualidade alegada pela Requerente resulta que a mesmo não tem título que o legitime a permanecer na referida habitação, pelo que, não lhe assiste o direito a permanecer na mesma, pelo que, é legítima a Entidade Requerida proceder à desocupação do locado se encontra a fazer.
Note-se que, apesar de invocar que não foi proporcionada a requerente, a possibilidade de se pronunciar sobre o despejo em causa, certo é que tal não corresponde à tramitação procedimental que se encontra nos autos, tendo sido concedido um prazo de 10 dias, para a requerente se pronunciar, o que não fez, conforme resulta da alínea n) e o) do probatório.
Por outro lado, também se verifica que a requerente foi reencaminhada para outras soluções legais de apoio e habitação, nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 28.º da Lei, n.º 81/2014, sem contudo, tenha sido possível, encontrar pela sua inexistência uma alternativa habitacional à requerente.
Sucede, porém que, também neste ponto, a requerente, apesar de instada para o efeito, não provou nestes autos que tenha diligenciado, de forma activa, pela procura de uma alternativa habitacional, junto das entidades competentes para o efeito, procurando antes beneficiar de uma ocupação abusiva, que o Direito não pode permitir, e que poderá representar eventualmente um ilícito penal, que aqui não cumpre obviamente apreciar.
Neste sentido, resulta claro a falta de preenchimento do pressupostos da aparência de bom direito o que faz claudicar, per si, a presente providência”

Argui a Recorrente que a decisão recorrida laborou em erro quer na apreciação dos factos como no Direito.
Porém, sem razão.
Reconhece a Recorrente que não detém qualquer título que legitime a ocupação da fracção aliás, já antes a Recorrente ocupou a habitação social sita na Rua .... , Esq., Pendão, Sintra, tendo intentado no TAF de Sintra a providência cautelar (proc. nº 119/24.2BESNT-A e a acção principal (Proc. nº 119/24.2BESNT) ambas improcedentes e em que se discutia a legalidade da decisão do então Vereador da Câmara Municipal de Sintra de 03.04.2023, que determinou a desocupação voluntária da fração que a Autora e a sua família ocupam, no prazo de 10 (dez) dias, informação via consulta SITAF.

De acordo com o disposto no artigo 35°, da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, são consideradas sem título as situações de ocupação de habitações sociais por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente (n.º 1). O ocupante sem título está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la até ao termo do prazo fixado para o efeito (n.° 2). Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, há lugar a despejo, nos termos do artigo 28° (n.º 3).

Assim a decisão suspendenda surge na sequência do incumprimento de anteriores decisões para que a Recorrente desocupasse voluntariamente a fracção sita na Rua .... , 2745-338 Queluz (vide alíneas h) e k) do probatório).
Segundo a Recorrente o Tribunal a quo laborou em erro ao não ter atendido à violação do direito de audiência prévia por não ter sido previamente informada da obrigação de desocupação.
Todavia, tal como resulta demonstrado - vide alínea n) do probatório – foi a Recorrente notificada nos termos e para efeitos dos artigos 121º e 122º do CPA “quanto ao teor da deliberação tomada por este órgão executivo, em reunião de 06.02.2024, de fixação de um prazo de 90 dias para que proceda à desocupação e entrega da habitação, livre de pessoas e bens”.
Confunde a Recorrente a notificação [Edital], com a decisão de desocupação. Aliás, do mesmo Edital consta designadamente, “Para o efeito, já foram efectuadas tentativas de notificação por via presencial as quais resultaram sem êxito, pelas razões constantes no processo administrativovide alínea p) do probatório.
Donde, é irrelevante, para o alegado exercício do direito de audiência prévia que a Recorrente, como defende, só teria tido conhecimento do Edital em 31.10.2024.
Em todo o caso, tal pronúncia sempre seria inócua de modo a permitir a “ocupação” sem título da sobredita fracção, para efeitos de aferição da probabilidade de procedência da acção principal. Sendo manifesto que também este pressuposto se encontra por preencher nos presentes autos.
Conforme se deixou sumariado no acórdão deste TCAS, proc. 3541/23.8BELSB, de 31.10.2024, acessível in www.dgsi.pt :
“I - No caso em que o requerente da providência cautelar ocupa abusivamente uma habitação municipal, sem título válido para tal (sem contrato ou sem acto administrativo autorizador ou atributivo da habitação social), nomeadamente, porque não se apresentou previamente a concurso em condições de igualdade com outros cidadãos igualmente carecidos de habitação, e ainda que esse requerente viva numa situação concreta de carência económica, nem o artigo 65.º da CRP, nem o artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19/12, justificam que seja pedida a providência cautelar de abstenção ou inibição do Município proprietário do fogo social na prática de actos ou condutas que impeçam o Recorrente de ocupar o fogo social para a sua habitação própria e permanente, sobretudo, quando o procedimento administrativo tendente ao despejo ainda nem sequer se iniciou.
II - Dos comandos legais supra citados não decorre a sustentação legal da pretensão material que o requerente cautelar tenciona formular, depois, no processo principal, mormente, porque dos mesmos não resulta com clareza e precisão o clamado direito a habitar o fogo social do Município ora Recorrido nos termos em que o Recorrente actualmente o ocupa (em ocupação abusiva/sem título válido), nem se vê que a atribuição de uma casa municipal ao Recorrente esteja isenta dum juízo valorativo próprio da função administrativa, não competindo ao Tribunal substituir-se à Administração na formulação desse juízo.
III - O acima exposto significa, pois, que não se pode dar por verificado o requisito do “fumus boni iuris”, exigido pelo n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, requisito esse que, a par do “periculum in mora”, é de verificação cumulativa. Não se demonstrando o primeiro dos requisitos atrás aludido, não pode a providência cautelar requerida ser adoptada, soçobrando, com efeito, o processo, que deve ser julgado improcedente”.

O último ataque à sentença recorrida decorre da parte final em que o Juiz a quo, em face da existência de 4 filhos menores – sendo que a própria Recorrente alude ser vítima de violência doméstica- , determinou que fosse extraída certidão da presente decisão e notificada à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental para os efeitos que considere convenientes, o que, segundo, a Recorrente contende com o artigo 67º, nº 1 da CRP e com o artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) que refere no seu nº 1: Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.” Para no nº 2 desse mesmo artigo 8º referir que: “Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
Tais violações são incompreensíveis tanto mais que o Tribunal a quo somente determinou a notificação da CPCJ de Sintra Oriental, como se extrai, para os efeitos que aquela Entidade considere relevantes, atenta a circunstância de, perante a prova realizada, a Recorrente e os seus 4 filhos menores não poderem continuar a residir na fracção em causa (alínea s) do probatório). Mas sem que tenha sido emitido qualquer juízo sobre a condição daquele agregado familiar.
Sendo que, nos termos do artigo 18º, nº 2, alíneas c) e d), da Lei 47/99, de 01.09, a comissão alargada detém competências para:
b) Promover ações e colaborar com as entidades competentes tendo em vista a deteção dos factos e situações que, na área da sua competência territorial, afetem os direitos e interesses da criança e do jovem, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação ou educação ou se mostrem desfavoráveis ao seu desenvolvimento e inserção social;
c) Informar e colaborar com as entidades competentes no levantamento das carências e na identificação e mobilização dos recursos necessários à promoção dos direitos, do bem-estar e do desenvolvimento integral da criança e do jovem.


Tal determinação, de natureza informativa, não se pode confundir com a aferição dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar peticionada pela Recorrente, os quais, como ressalta do expendido não se verificam, porquanto na senda do Acórdão do STA, de 13/04/2023, proferido no processo sob o n.º 47/22.6BELLE, que secundou inteiramente o decidido pelo acórdão recorrido, de 17.11.2022, prolatado por este mesmo TCAS, onde se concluiu não está demonstrada a consumação de violação das garantias de que o recorrente beneficia caso venha a demonstrar encontrar-se em situação de efectiva carência habitacional. E seja como for, mesmo que lhe venha a ser reconhecido esse estatuto, a verdade é que tal não implica o reconhecimento automático do direito a permanecer na habitação social que ocupa actualmente e a que a mesma lhe seja atribuída, bem podendo ser encaminhado para outra solução temporária e transitória de alojamento. (…) Em concomitância, realce-se que, mesmo que porventura ocorresse uma situação de efetiva carência habitacional, a verdade é que tal não poderia determinar a abstenção da Recorrida a tomar posse da habitação n° 317, ocupada atualmente pelo Recorrente e sua família, pois que a situação de efetiva carência habitacional não cristaliza na esfera jurídica do Recorrente nenhum direito a uma concreta habitação social, mas apenas a um encaminhamento garantidor da existência de uma alternativa habitacional, e que pode passar por um alojamento temporário, por forma a solucionar uma situação emergente de risco.
E, ademais, não pode este Tribunal determinar, em regra, a atribuição de uma concreta habitação social a título definitivo, pois que tal decisão, para além de se encontrar submetida a um procedimento prévio estabelecido na Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, configura um ato que participa da esfera de competências da Administração Pública, não podendo o Tribunal substituir a entidade pública competente, sob pena de afronta ao princípio da separação de poderes”.

Em suma, considerando que para que o fumus boni iuris se encontre preenchido basta a mera probabilidade da existência do direito invocado, o certo é que, como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, perfunctoriamente, e que confirmamos, essa probabilidade não existe, pois que face à factualidade indiciariamente assente e respectiva subsunção ao Direito, o Tribunal recorrido julgou correctamente quando, em juízo sumário, concluiu não se verificar a probabilidade de êxito da acção principal, por não ter sido provado o requisito do fumus boni iuris, pelo que desnecessário se torna a apreciação sobre os demais pressupostos previstos no artigo 120.º do CPTA.
De todo o exposto, soçobrando os argumentos da Recorrente, terá o recurso de improceder e consequentemente confirmada a sentença recorrida, o que se decidirá a final.

*

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Subsecção Comum da Secção Administrativa deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho prévio e a sentença recorridos.
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
R.N.
Lisboa, 09 de Outubro de 2025

Ana Cristina Lameira, Relatora
Marcelo Mendonça



Mara de Magalhães Silveira