Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1612/14.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/07/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:LIMITES DO CASO JULGADO;
DANO RELEVANTE;
DELONGA DO PROCESSO JUDICIAL;
ART. 6º DA CEDH.
Sumário:i) O Tribunal ad quem está vinculado aos limites previstos no art. 635º, nº 5, do CPC.
ii) Concomitantemente, sempre se terá de considerar como “baliza” no presente recurso a parte da sentença recorrida, não impugnada, que entendeu estar verificado o pressuposto relativo à ilicitude quanto aos eventuais danos não patrimoniais derivados do atraso na prolação de decisão judicial, ao abrigo da Lei nº 67/2007.
iii) Tendo, assim, sido computado em 2 anos e 7 meses o atraso ao tempo que seria normal no processo em concreto, atentos os vários recursos jurisdicionais, as instâncias percorridas (no último caso até ao Tribunal Constitucional), a repetição de julgamentos etc.
iv) Da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre o requisito relativo à culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
v) Errou a sentença recorrida ao ter limitado a identificação dos danos não patrimoniais relevantes somente àqueles que teriam decorrido da delonga na definição da relação jurídica no âmbito do processo judicial, justificando, desse modo, a falta de pressuposto relativo ao nexo causal, desconsiderando como dano autónomo e relevante a violação do alegado direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
vi) Quando por via da jurisprudência do TEDH, como nacional, na interpretação designadamente do art. 6º da CEDH, tem sido entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

J............ intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) acção administrativa contra o Estado Português, na qual peticionou a condenação deste a pagar-lhe:
“a) a título de “…danos patrimoniais resultantes da morosidade da justiça e da consequente perda de chance em continuar a actividade comercial de compra para revenda de imóveis, conforme exposto supra, pelo valor tido por justo e adequado a liquidar em execução de sentença segundo o padrão de aplicação de margem de comercialização de VINTE POR CENTO (20%) em cada ano, aplicado sobre o valor da acção cível em mora, liquidado nesta data pelo valor de € 96.456,95 (NOVENTA E SEIS MIL, QUATROCENTOS E CINQUENTA E SEIS EUROS E NOVENTA E CINCO CÊNTIMOS);

b) a título “…danos morais resultantes das perturbações na vida regular de um cidadão injustiçado com a mesma "perda de chance" resultante da sobredita morosidade na administração de justiça, por prudente contabilidade de um ordenado mínimo por cada mês desde a expectativa de decisão havida quanto a essa acção até efectivo e integral pagamento, que vai liquidado na actualidade por € 52.380,00 [CINQUENTA E DOIS MIL, TREZENTOS E OITENTA EUROS), no montante global de € 142.836,95,

c) “a que deverá acrescer juro à taxa legal de QUATRO POR CENTO (4%) ao ano desde a citação do R. até total pagamento;

d) “… no pagamento das custas processuais de lei.”.

Alega, em síntese, que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais pela duração excessiva do aludido processo judicial, que, “(…) mais de dois anos para proferir uma sentença, a qual nem manifesta especial complexidade, quando a lei reguladora do processo civil prevê 30 dias, em qualquer das redacções do art. 658.°, ora 607.°, sendo que um tal prazo resulta já de uma ampliação dos 15 dias fixados na redacção anterior à reforma de 1997 (…) três causas essenciais estão na origem de tão anormal delonga: Os sucessivos erros de julgamento; A ilegal retenção do agravo intercalar, que deveria ter ocorrido durante a espera pelo agendamento primário, evitando a ulterior repetição do processado; Os longos períodos de reflexão judiciária para a prolação das sentenças (…) a existência de sucessivas violações do direito à celeridade na administração da justiça a qual se afere pelo tempo razoável previsto na sobredita norma constitucional e que tem que ter por medida os prazos previsto nas leis ordinárias (…) conjunto de circunstâncias processuais, no seu conjunto, concomitância e complementaridade, conduziram a que, quase doze anos depois de interposta uma acção cível, esta se mantém sem julgamento definitivo em 1ª instância (…)”, pelo que “ esta a verdadeira questão geradora dos evidentes danos causados ao A. porquanto todos os erros de julgamento foram sanados, ainda que, contribuindo para as anormais delongas”.
Citado, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação, pugnando pela improcedência da presente acção.
Por sentença de 19 de Setembro de 2019, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.
Inconformado o Recorrente /Autor interpôs o presente recurso, terminando as suas alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
“a) O amplo acervo de factos provados consignados na sentença recorrida bastar-se-ia para a boa aplicação do Direito sem exceder o formulado na petição, pois em momento algum se invocou, sugeriu ou indiciou sequer qualquer outro evento danoso que pudesse dar cobertura à falta de nexo causal para os danos provados.
b) Ora, o Tribunal a quo, bem alinhando o Direito aplicável, desviou a sua atenção para uma errada teoria de falta de nexo causal entre os referenciados danos e a ampla derroga dos prazos processuais por parte da Administração Judiciária, fixando uma falta de nexo de causalidade fatal ao pedido e à causa de pedir com a qual o Apelante não pode concordar.
c) O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, conheceu de matéria não alegada, sequer fixada como objecto de prova, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia quanto a factos não especificados nem alegados, extraordinários à substância da acção delimitada no petitório inicial e determinando o objecto da querela a julgar.
d) Uma tal nulidade, prevista no art.° 615. °, n.° 1, alínea d), in fine, co Código de Processo Civil, inquina totalmente a sentença recorrida.
e) Na realidade, não se antolha qualquer outro evento danoso e lesante que não a invocada morosidade que foi dada como provada e constitui, em articulação, com a comprovada fixação dos danos, em qualidade e quantidade, que emergem, em suma e em especial nos factos provados nas alíneas que se convocaram expressamente nas alegações detalhadas que antecedem e que aqui se têm por integralmente reproduzidas fazendo parte integrante desta conclusão como se nela transcritas estivessem.
f) Salvo o devido e merecido respeito, que muito é, não vislumbra o Apelante a ausência de nexo causal entre esses comprovados atrasos e adiamentos com os danos naturais que deles resplandecem do muito simples e natural facto de que o Apelante só depois do termo da vida útil profissional e comercial pôde ver resolvida a querela que começara aos seus 51 anos, ainda então cheio de vitalidade laboral.
g)Esses eventos danosos devidamente comprovados, por si só implicam a aplicação do Direito consagrada, e bem, no próprio texto decisório que aqui se sindica, vista a vasta jurisprudência nela convocada, como nas alegações supra, de conhecimento oficioso ante a contraditoriedade manifesta da decisão absolutória em violação das regras, entre outras, do n.º 4 do art.º 20.º e do art.º 22.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, com apoio incontroverso na legislação internacional sobre essa matéria de administração da Justiça em tempo útil, também acima convocada, e a já pacífica jurisprudência de que se falou durante o processado.
h)) A errada aplicação aos factos provados das regras dos:
- art.° 2.° do Decreto-Lei, n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967;

- art.° 7.°, n.° 2, 8,°, n.° 2, 9.° e 10.° da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro;

- art.° 497.° do Código Civil; e

- art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
na interpretação dada de ausência de nexo de causalidade que louve o pedido sub judice, sempre viola os preceitos constitucionais acima convocados, quais sejam os dos art.°s 20.º, n.º 4, e 22.°, concatenados com outros de igual aplicação.
i)Inconstitucionalidade interpretativa que aqui se deixa expressamente arguida para todos os efeitos legais, consignando-se como correcta a que resulta das conclusões a) a h) e respectivas alegações que as fundam mas se podem sumariar em que a demora de cerca de dezasseis anos em alcançar decisão judicial em quezília cível contra uma instituição bancária, período de tempo em que ocorreram factos graves como a revogação de duas sentenças e inúmeros adiamentos de julgamentos, conduziu à ineficácia e inutilidade para um litigante que, entretanto, foi reformado por limite de idade, constituindo tudo isto danos patrimoniais e morais naturais, emergentes por si mesmo desses eventos culposos e plenamente provados em julgamento.
j)Pelo que carece a sentença recorrida de preliminar declaração de nulidade por excesso de pronúncia que desfocou o âmbito do litígio com a remessa ao Tribunal a quo, ou, se julgados os autos com todos os elementos processuais e probatórios necessários, julgada a acção procedente, por provada com a condenação do Apelado, Estado Português no pedido formulado ab initio ou outro cuja sapiência deste Tribunal Superior tenha por adequada à atenuação dos provados danos morais e patrimoniais, sempre com as custas e de lei e procuradoria condigna a cargo do vencido.
k) Declara-se ainda manter o interesse no recurso pendente.

O Recorrido / Réu, Estado Português apresentou contra-alegações onde concluiu:
1. A sentença recorrida não padece de qualquer vício, uma vez que inexiste qualquer nexo de causalidade entre o atraso na justiça que a sentença entendeu como verificado e aos danos patrimoniais invocados pelo Autor/Recorrente.
2. Não se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronuncia, dado que os factos dados como provados na sentença resultam inequivocamente das declarações de parte do Autor, ora Recorrente, das suas testemunhas (cfr páginas 18 a 19 motivação de facto da sentença) e relacionam-se como é óbvio com o alegado por este na sua petição inicial e pelo Recorrido, em sede de contestação.
3.E isto porque, nos termos do artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (art. 515.º do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
4. Por outro lado, dispõe no n.º 2 do art. 5.º do C.P.C que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
5. Sendo que cabe ao juiz conhecer dos factos quando se esteja – como é o caso - perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
6. Os meios de prova, qualquer que seja a sua natureza, destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.”
7. Ao contrário do referido pelo Recorrente, não só foram articulados pelo Recorrido Estado Português no que respeita aos danos factos da inexistência destes, bem como factos da inexistência do nexo causal entre estes e “o atraso no processo” na contestação, concretamente nos seus art.s 140.º, 236.º a 238.º, 240.º, 245.º, 246.º, 249.º e 255.º, como do tema da prova n.º 2 era notório que havia de se provar “a existência e quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do invocado atraso na justiça”.
8. Os factos constantes como assentes na sentença que o Recorrente vem agora em sede recurso por em causa, foram invocados pelas partes nos seus articulados, sendo que da instrução resultaram outros com eles conexos, os quais o Tribunal deve conhecer na sentença por estes factos terem sido aflorados no processo através dos meios de prova produzidos (concretamente das declarações de parte requerido pelo Recorrente, testemunhal e documental) e que objectivamente, possuíam consistência prática, por já não se tratarem de meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
9. Pelo que, a sentença não padece de nulidade por excesso de pronuncia, dado que os factos n.º 126 a 144 dados como provados na sentença resultam inequivocamente das declarações de parte do Autor, ora Recorrente, das suas testemunhas (cfr. páginas 18 a 19 da motivação de facto da sentença) e relacionam-se como é óbvio com o alegado por este nos art.s 59.º a 61.º, 65.º, 66.º, 68.º, 70.º, 82.º e 83.º da sua petição inicial, e pelo Recorrido, em sede de contestação nos art.s 236.º a 240.º 246.º 249.º e 255.º.
10.Consequentemente, não merece qualquer censura a decisão ora em recurso, não se verificando qualquer nulidade por excesso de pronuncia tendo esta se limitado a ter em conta na fixação da matéria factual todos os factos que no caso concreto foram apurados.
11. Atenta a matéria dada como provada, outra não podia ser a decisão, ora recorrida, sendo que ao contrário do invocado pelo Recorrente, não se verifica nenhuma contraditoriedade manifesta da decisão absolutória em violação das regras, entre outras, do n.º 4 do art.º 20.º e do art.º 22.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
12. E isto, porque o acórdão do STA no Proc. n.º 0319/08 - STA - 2.° CA - Relator Rosendo José invocado pelo Recorrente para justificar a sua posição de que os danos morais por atraso na justiça não precisam de ser provados, não tem o alcance pretendido pelo Recorrente na presente acção, atento acervo probatório, está fora do âmbito daquele, por caber na excepção que ali se refere de” sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso” e “ (…) fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu.”.
13. A prova que resultou do julgamento e que foi dada como assente na sentença no n.º 126 a n.º 144, é que no seu caso não ocorreu qualquer dano moral, sendo que os danos (patrimoniais e morais) que invocou nada tiveram a ver com o atraso no processo.
14. O tribunal, na sentença recorrida, depois fazer o enquadramento legal e a jurisprudência nacional e europeia sobre os critérios para aferir da existência da violação do direito à obtenção de uma decisão judicial definitiva em prazo razoável, aplicou os mesmos ao caso em análise nestes autos.
15. Para tal entendeu e bem na sentença que “Os atrasos detectados resumem-se, por isso, na sua duração total a um período de dois anos e sete meses, o que embora excessivo e constituir uma violação do direito à obtenção da decisão em prazo razoável, por terem sido excedidos os prazos processuais previstos em relação à prática de actos e de fases processuais, constitui um período muito menor do que o invocado pelo Autor.”
16. Tal como entendeu “(…) Dito de outro modo, da prova produzida em sede de audiência final e transposta para o probatório, resultou à saciedade que os problemas financeiros do A. e os inerentes prejuízos patrimoniais (e não patrimoniais) em que incorreu se deveram à sua incapacidade em obter financiamento junto das instituições bancárias portuguesas, que conduziu, logo em 2003, ao encerramento da sua actividade, à necessidade de o A. se desfazer rapidamente e a baixo preço de imóveis e bens móveis para honrar os compromissos que assumira, à necessidade de o mesmo se socorrer de crédito estrangeiro, pagando juros muito elevados e não tanto à morosidade dos autos ora em apreço, que não eram alvo de qualquer delonga. E tanto assim é que, já em 2003 a sua esposa que, até então o auxiliava na sua actividade comercial, se viu forçada a trabalhar como porteira e a sua filha teve de abandonar o curso superior que frequentava, trabalhando a tempo inteiro, com vista a ajudar nas despesas domésticas. De igual modo, da prova produzida em audiência final foi largamente referido que, na sequência da impossibilidade de obter crédito para continuar a exercer a sua actividade profissional, ao A. foi diagnosticada em 2003/2004 uma depressão, demostrando o mesmo alterações de humor e comportamentais, quando os autos sub judice não apresentavam sinais de morosidade (sublinhado nosso). Pelo que, quer os invocados prejuízos patrimoniais (o encerramento da sua actividade, a venda a baixo preço de bens móveis e imóveis, a assunção de crédito estrangeiro a troco de juros mais elevados, a vivência do A. a expensas da sua esposa e da sua filha), quer as invocadas alterações comportamentais do A. (danos morais) datam já de 2003 e decorrem da sua incapacidade de se financiar junto da banca portuguesa, não sendo, assim, imputáveis às delongas atribuídas aos autos ora em análise.”
17. E como é obvio, perante a matéria de facto apurada só podia o tribunal julgar a acção improcedente por inexistência de nexo de causalidade com o invocado “atraso na actuação da justiça”, quer em relação aos danos patrimoniais, quer em relação aos danos morais.
18. Pelo que a sentença atenta a matéria dada como provada e ao julgar improcedente os pedidos por danos patrimoniais não violou o disposto nos art.s 20.º n.º 4 e 22.º, da CRP, 2. ° do Decreto-Lei, n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, 7. °, n.º 2, 8.º, n.º 2, 9.º e 10.º da Lei 67/2007, de 31.12, 497. ° do Código Civil e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
19. Não há qualquer excesso de pronuncia, erro na apreciação da prova e na aplicação do direito, tal como não se encontram violadas quaisquer normas jurídicas, mormente, as indicadas pelo Recorrente, mostrando-se a mesma em conformidade com a jurisprudência nacional e internacional.

*
Com dispensa de vistos, mas fornecida cópia do projecto de Acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o mesmo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
Na decisão recorrida foi tida em conta a seguinte factualidade, não impugnada, que se transcreve integralmente:

“1) Em 23.09.2002 o Autor propôs uma acção declarativa ordinária para efectivação de responsabilidade contratual, contra o B............, S. A, a qual foi distribuída à 1.ª Vara Mista do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures sob o n.º 517/2002 (cfr. fls. 2 a 10 dos referidos autos, constantes da Certidão ora junta);
2) Nos supra referidos autos, o A. peticionava a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e danos morais, no montante de € 50.149,33 (cfr. idem);

3) A Ré foi citada em 25/09/2002 (cfr. idem, a fls. 79);

4) Em 01.10.2002 o Autor deu entrada a um requerimento assinado por si, onde solicitava a emissão de certidão do processo para juntar ao processo n.º 702/02 que corria termos pela 3.ª Secção do 2.º Juízo Cível de Lisboa (cfr. idem, a fls. 79);

5) Aberta conclusão a 07.10.2002, foi proferido o despacho na mesma data, com o seguinte teor “ satisfaça de imediato” (cfr. idem, a fls. 80);

6) Por ofício de 09.10.2002 a Secção notificou o Autor de que a certidão estava emitida e que a podia levantar em 5 dias (cfr. idem a fls. 81);

7) Em 14.10.2002 foram os autos conclusos com a informação que o Autor havia comparecido no dia 11.10.2002 na Secção e que havia recusado levar a certidão por não constar da mesma a data da propositura nos termos do art. 34.º, n.º 3 da Lei n.º 30-E/2000 de 20.12, mais se informando que nos autos não constava qualquer ofício ou documento da Segurança Social, comprovativo que havia sido solicitado o Apoio Judiciário para esses autos (cfr. idem a 82);
8) Por despacho da mesma data, foi ordenada a notificação do Autor “ para em 10 dias fazer prova do pedido de apoio judiciário para os presentes autos”, que lhe foi notificado por ofício de 21.10.2002. (cfr. idem);

9) Em 21.10.2002 o Autor em nome próprio, deu entrada a requerimento e uma cópia de um fax da Segurança Social, onde consta que “o documento não diz a que processo se refere” (cfr. idem a fls. 84 a 86);

10) Conclusos os autos a 28.10.2002, foi ordenado que se oficiasse à Segurança Social solicitando cópia do pedido formulado e que constava do fax, por despacho da mesma data, que foi cumprido a 29.10.2002 (cfr. idem a fls. 87 a 88);

11) Em 28.10.2002 deu entrada a contestação do Réu, na qual foi deduzido o pedido de condenação do A. por litigância de má-fé, tendo o Patrono do Autor sido notificado por ofício de 29.10.2002 (cfr. idem a fls. 89 e seguintes);

12) Em 07.11.2002 o Autor deu entrada a um requerimento, em nome próprio, solicitando que “ (…) por fax seja oficiado ao 2.º Juízo Cível de Lisboa, 3.ª Secção, proc. n.º 702/02, de que a certidão requerida se encontra a aguardar elementos constantes conforme despacho de V. Exa de fls. ..., com vista a justificar o incumprimento do prazo, pela segunda vez prorrogado, como se demonstra com a notificação anexa em fotocópia simples” (cfr. idem, a fls. 155);

13) Resulta do documento anexo ao requerimento referido na alínea anterior que os autos estavam conclusos e que a emissão de certidão ainda não havia sido efectuada, tendo o Mandatário do A. sido notificado por carta registada de 05/11/2002, do despacho a deferir a prorrogação de prazo por cinco dias (cfr. idem, a fls. 157);

14) Em 07/11/2002, o A. impugnou os documentos apresentados na Contestação deduzida pelo R., mais se defendendo quanto ao pedido de litigância de má fé (cfr. idem, de fls. 159 a 166);

15) Notificado a 08.11.2002 a Mandatária do Réu a 18.11.2002 veio pronunciar-se pelo desentranhamento da réplica, por ser inadmissível (cfr. idem, a fls. 170 a 171);

16) Por despacho de 21.11.2002 foi determinado o desentranhamento da “réplica” e dado não ser perceptível o conteúdo do requerimento subscrito pelo Autor de

07.11.2002 foi ordenada a sua notificação para esclarecer o que pretendia (cfr. idem, a fls. 172);

17) Em 13/11/2002, foi junto aos autos o ofício da Segurança Social sobre o pedido de apoio judiciário do Autor (cfr. idem, a fls. 173);

18) Em 20.11.2002 o Réu juntou a notificação ao Ilustre Mandatário do A. do requerimento enviado em 18/11/2002 (cfr. idem, a fls. 179);

19) Em 25.11.2002 a Secção enviou carta registada para notificação dos Ilustres mandatários do Autor e Réu do despacho de desentranhamento de 21.11.2002 (cfr. idem a fls. 182);

20) Aberta conclusão a 26.11.2002, foi proferido o seguinte despacho “Abro mão dos autos a fim de ser junto expediente”, em virtude de ter entrado a 28.11.2002 um requerimento subscrito pelo Autor no qual declarava desistir da certidão requerida (cfr. idem a fls. 184 e 185);

21) Em 03.12.2002 foi interposto pelo Autor recurso da decisão que não admitiu a réplica (cfr. idem, fls. 186);

22) Conclusos os autos, por despacho não foi admitido o recuso que foi devidamente notificado às partes por ofício de 10.12.2002 (cfr. idem, a fls. 188 a 190);

23) Em 02/12/2002, foi junto aos autos um ofício do Ministério Público, titular do inquérito n.º 3348/02.6TALRS, no qual o A. era o participante e em que solicitava a confiança do processo por 24 horas (cfr. idem, a fls. 191);

24) O autos foram conclusos a 12.12.2002 e proferido na mesma data, o seguinte despacho “satisfaça”, tendo sido os autos remetidos aos serviços do MP a 16.12.2002 (cfr. idem, a fls. 192 e 193);

25) Aberta conclusão a 04.02.2003 foi recebida a reclamação por despacho de 14.02.2003 (cfr. idem, a fls. 403);

26) Em 18/02/2003, foi enviada carta registada aos Ilustres Mandatários das partes, para notificação do despacho referido na alínea anterior (cfr. idem, a fls. 404 e 405);

27) Emitida a certidão a 21.02.2003 a fim de instruir a reclamação, foi o patrono do Autor noticiado a 22.02.2003 para efectuar o levantamento da mesma (cfr. idem a fls. 406 a 408);

28) Tendo sido conclusos os autos a 10.03.2003, foi ordenada a subida do apenso/reclamação aos autos ao Tribunal da Relação, por despacho da mesma data, que foi a 14.03.2003 notificado às partes e remetido (cfr. idem a fls. 409 a 487);

29) Recebidos os autos foi aberta conclusão a 27.03.2003 ao Desembargador Vice-presidente da Relação de Lisboa que, por despacho de 10.04.2003 deferiu a reclamação e consequentemente revogou o despacho de não admissão do recurso (cfr. idem, de fls. 194 a 196);

30) O despacho referido na alínea anterior foi devidamente notificado às partes por carta registada de 15.04.2003 e ao Ministério Público a 22.04.2003 (cfr. idem, a fls. 492);

31) Após trânsito foi remetido a 13.05.2003 o apenso à 1.ª Vara do TFM da Comarca de Loures e recebidos aí os autos a 16.05.2003, foram os autos principais conclusos a 19.05.2003, tendo na mesma data sido ordenado que o apenso fosse incorporado e subsequentemente aberta conclusão (cfr. idem a fls. 492 vº a 494);

32) Aberta conclusão a 17.03.2003 foi proferido despacho saneador, onde se consignou os impedimentos por via de acumulação de serviço por baixa de uma colega, os processos conclusos para saneador e o decurso do julgamento no proc. 1237/99.9 JGLSB (cfr. idem a fls. 196 a 200);

33) Em 29.09.2003 o Autor apresentou o rol de testemunhas, protestando juntar certidão fiscal e judicial, mais requerendo a gravação da prova (cfr. idem a fls. 203 a 204);

34) Em 03.10.2003 o Réu B............ apresentou os seus meios de prova – testemunhal e documental, bem como juntou o documento comprovativo da notificação do Mandatário do Autor (cfr idem a fls. 206 a 229);

35) Em 03.10.2003 o Autor apresentou a requerimento no qual se pronunciou sobre os documentos juntos pelo Réu, mais requerendo, em relação aos documentos juntos por aquele com os n.º 1 a 16, que fosse oficiado ao Banco de Portugal no sentido do mesmo informar se os cheques referidos nos mesmos foram alvo de comunicação (cfr. idem a fls. 230 a 232);

36) Conclusos os autos em 13/10/2003, por despacho com a mesma data foi deferido o requerido pelo Autor (cfr. idem);

37) Em 15/10/2003, o Réu B............ deu entrada a um requerimento, em resposta ao requerimento apresentado pelo Autor em 03/10/2003, disponibilizando-se para apresentar o original relativamente ao documento 17, mais juntando o documento comprovativo da notificação do Mandatário do Autor (cfr. idem a fls. 235 a 237);

38) Aberta conclusão a 20.10.2003 foi proferido a 22.10.2003 despacho em que se admitiu os róis, deferiu-se o pedido de gravação e designou data para audiência de julgamento para o dia 26.03.2004 e se ordenou a notificação do Réu para em audiência exibir o documento n.º 17 (cfr. idem a fls. 239);

39) O despacho referido na alínea anterior foi devidamente notificado às partes por carta datada de 07.11.2003 (cfr. idem, a fls. 242 a 243);

40) Em 04.11.2003 por ofício do Banco de Portugal, em resposta ao solicitado pelo Autor, informar que “os elementos solicitados estão cobertos pelo dever de segredo e só podem ser revelados mediante a autorização do interessado ou por lei penal e processual penal (cfr. idem, a fls. 246);

41) Foi junto aos autos a 18.11.2003 oficio originado no processo crime n.º 1020/99.1 TALRS do 1.º Juízo Criminal de Loures em que o queixoso era, o ora Autor e arguida a Mandatária do Réu, que solicitava informação se o Autor tinha algum processo pendente e no caso afirmativo se lhe tinha sido atribuída alguma indemnização e se já a havia recebido (cfr. idem, a fls. 248);

42) Em 05.01.2004 por ofício foi dada resposta ao solicitado e informando-se que o Autor era parte em quatro processos, sendo num executado e nos outros três Autor (cfr. idem, a fls.

43) Conclusos os autos em 05/01/2004, na mesma data foi proferido despacho, ficando os mesmos a guardar a data designada para julgamento (cfr. idem, a fls. 250);

44) Por ofícios datados de 24.03.2004 foram notificadas, remetidos por fax as testemunhas e os restantes intervenientes da data designada para julgamento, designada para o dia 26/03/2004 (cfr. idem a fls. 251 a 268);

45) Às 9h30m do dia 26.03.2004 foi aberta a audiência de julgamento, encontrando-se apenas presentes a Mandatária do Réu, as testemunhas arroladas pelo Réu e uma testemunha do Autor foi a audiência adiada para o dia 08.11.2004, por as testemunhas deste apenas terem sido notificadas a 24.03.2004 (cfr. idem a fls. 269 a 270);
46) A 30.03.2004 o Autor deu a entrada a requerimento no qual em que vem solicitar que fosse proferido o despacho a admitir o recurso em cumprimento da Reclamação (cfr. idem a fls. 271);

47) Por ofícios datados de 06.04.2004 e remetidos por carta, foram notificadas as testemunhas e os restantes intervenientes da nova data designada para julgamento, sendo que as referentes a três testemunhas do Autor foram devolvidas, devolução essa que foi notificada ao Patrono do Autor a 15.04.2004, em cumprimento do despacho de (cfr. Idem de fls. 272 a 286);

48) Em 14.04.2004 foram os autos conclusos e na mesma data foi proferido o despacho de admissão do recurso, com o seguinte teor “ Recebo o recurso. É de agravo, sobe imediatamente e com efeito meramente devolutivo. (…)” que foi notificado à Mandatária do Réu e ao patrono do Autor (cfr. Idem a fls. 283 a 285);

49) Em 04.05.2004 o Autor apresentou as suas alegações de recurso e a 21.05.2004 o Réu veio juntar as suas alegações (cfr. idem a fls. 287 a 305);

50) Iniciada a audiência de julgamento a 08.11.2004, foi pedida a palavra pela Mandatária do Réu para os efeitos do art. 508.º-B, n.º 2 do CPC e reclamar da selecção da matéria de facto, tendo sido requerido prazo pelo Patrono do autor para responder, tendo a audiência sido suspensa designado o dia 22.11.2004 para a decisão sobre reclamação (cfr. idem, a fls. 309 a 313);

51) A 10.11.2004 o Autor deu a entrada a requerimento no qual se pronuncia sobre a reclamação e aditamento à base instrutória (cfr. idem, a fls. 314);

52) Conclusos os autos a 19.11.2004, foi na mesma data proferido despacho que conheceu da reclamação, deferindo-a parcialmente (cfr. idem, a fls. 331 a 332);

53) Em 22/11/2004 os Mandatários das partes foram notificados do despacho referido na alínea anterior (cfr, idem, a fls. 333);

54) Iniciada a audiência de julgamento, pelos Ilustres Mandatários das partes foi requerido a suspensão da mesma para se pronunciarem sobre o despacho e para eventual necessidade de novas provas e atentas as impossibilidades de agenda de todos, foi designado o dia 07.01.2005 para a sua continuação (cfr. idem a fls. 335 a 336);
55) Em Dezembro de 2004 o Autor deu entrada a um requerimento assinado por si, em que junta diversas certidões e adiciona uma nova testemunha (cfr. idem, a fls 337);

56) Conclusos os autos a 16.12.2004, foi na mesma data proferido o seguinte despacho “ Fiquem nos autos. Aguarde o julgamento” (cfr. idem, a fls. 365);

57) A 07.01.2005 procedeu-se ao julgamento durante todo o dia, com audição de todas as testemunhas arroladas pelas partes, tendo sido juntos documentos pelo Réu, tendo sido designado o dia 17.01.2005 para a leitura da resposta os quesitos (cfr. idem a fls. 368 a 372);

58) Em 11.01.2005 o Autor apresentou um requerimento assinado por si, em que vem dar conhecimento que deu entrada de uma queixa-crime por falsidade de depoimento contra a testemunha do Réu A............ (cfr. idem. a fls 373);

59) Aberta a audiência a 17.01.2005 foi lida a resposta aos quesitos (cfr. idem a fls. 375 a 378);

60) Após decurso do prazo para alegações, o A. apresentou as suas a 27.01.2005 (cfr. idem a fls. 380 a 392);

61) Em 16/02/2005 e em 21/02/2006, foram juntos aos autos os ofícios de 13.02.2005 e 15.02.2005 do Ministério Público titular do inquérito n.º 515/05.8TALRS (sendo o Autor o participante) em que solicitava a confiança do processo por 48 horas (cfr. idem de fls. 393 a 394);

62) Os autos foram conclusos a 08.06.2006 e proferido na mesma data, o seguinte despacho “satisfaça o pretendido”, tendo sido os autos remetidos aos serviços do MP a 12.06.2006 (cfr. idem, a fls. 495 e 496);

63) Por ofícios de 04.09.2006 e 05.09.2006 foi solicitado pelo Ministério Público titular do inquérito n.º 515/05.8TALRS a transcrição do depoimento da testemunha Almerindo Fernandes, dado já existir um requerimento de aceleração processual (cfr. idem, a fls. 497 a 498);

64) Conclusos os autos a 12.09.2006, foi proferido o seguinte despacho, na mesma data, “Envie o solicitado aos serviços do MP para transcrição. Após, conclua para sentença” (cfr. idem, a fls. 499);

65) A pedido do Autor foi emitida uma certidão a 20.09.2006, sobre o estado dos autos, que lhe foi entregue (cfr. idem, a fls. 500);

66) Na mesma data foi remetido por ofício a cassete contendo o depoimento aos Serviços do Ministério Público (cfr. idem, a fls. 502);

67) Por ofício de 27.09.2006 foi solicitado pelo Ministério Público titular do inquérito n.º 515/05.8TALRS, cópia do despacho que deferiu a remessa da cassete, que não havia sido remetido (cfr. idem, a fls. 503);

68) Por ofício de 11.10.2006 entrado a 16.10.2006 foi devolvida a cassete pelo Ministério Público titular do inquérito n.º 515/05.8TALRS (cfr. idem, a fls. 505);

69) Conclusos os autos a 02.11.2006 foi na mesma data proferido o despacho de admissão do recurso, com o seguinte teor “Ao abrigo do ordenado pelo Venerando Tribunal recebo o recurso tempestivamente apresentado por quem para tanto tem legitimidade. É de agravo, sobe imediatamente em separado e com efeito meramente devolutivo. (…) cumprido que seja conclua para sentença” que foi notificado à Mandatária do Réu e ao patrono do Autor a 18.12.2006 (cfr. idem, de fls. 506 a 508);

70) Em 08.01.2007 entrou um requerimento do Patrono do Autor, requerendo que fosse dado sem efeito o despacho de 07/12/2016 (cfr. idem de fls. 524 a 526);

71) Conclusos os autos a 05.01.2007, foi proferida sentença em 16.02.07, que com fundamento que “o R. actuou de acordo com as exigências legais e que quem não cumpriu com a sua parte no contrato foi o A.” julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o R. do pedido (cfr. idem de fls. 510 a 520);

72) Os Ilustres mandatários das partes sido notificados da sentença por cartas registadas, expedidas em 27.02.2007 (cfr. idem a fls. 528 e 529);

73) Em 09/03/2007 foi interposto Recurso jurisdicional pelo A. (cfr. idem, a fls. 534);

74) Em 12/03/2007, o R. apresentou pedido de esclarecimento da sentença quanto à sequência do último parágrafo de fls. 517 e seguinte (cfr. idem, a fls. 536);

75) Conclusos os autos a 14/05/2007, o Recurso Jurisdicional interposto pelo A. foi admitido por despacho de 16/05/2007 e enviada carta registada às as para notificação do mesmo a 23/05/2007 (cfr. idem, a fls. 541 a 543);

76) O A. apresentou as suas alegações a 19.06.2007 (cfr. idem a fls. 544 e seguintes);

77) E decorrido o prazo para as contra-alegações por despacho de 25.09.2007 ordenou-se a remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa, que foi cumprido a 08.10.2007 (cfr. idem a fls. 619 e 610);

78) Conclusos os autos em 22/10/2007, em virtude de ter sido arguida a nulidade da sentença recorrida, por despacho da Sr.ª Desembargadora Relatora da mesma data, foi ordenada a baixa à 1.ª instância para os efeitos do art.º 668.º, n.º 3 e 4 do CPC, que foi notificado aos mandatários das partes a 24.10.2007 (cfr. idem, a fls. 622);

79) Em 24/10/2007 foram os Ilustres Mandatários das partes notificados do despacho referido na alínea anterior (cfr. idem, a fls. 623 a 624);

80) Remetidos autos à 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e de Comarca de Loures em 25.10.2007 e aberta conclusão 29.10.2007 foi proferido na mesma data despacho de sustentação e ordenada a remessa ao Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. idem, a fls. 625 a 626);

81) Em 30/10/2007, foram os Ilustres Mandatários das partes notificados do despacho referido na alínea anterior (cfr. idem a fls. 627 e 628);

82) Em 15/01/2008 foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. idem a fls. 630);

83) Admitido o recurso por despacho de 24.01.2008 e após os vistos em 31/01/2008 e 11/02/2008, a 18.02.2008 foi proferido despacho pelo Desembargador Relator onde se ordenou a notificação das partes para em 10 dias se pronunciarem sobre a questão da legitimidade do Autor/Apelante, face ao pedido de condenação do Réu no pagamento de uma quantia de € 50.149,33 (….) a título de indemnização por danos materiais e morais, uma vez que a acção havia sido proposta na qualidade de co-titular da conta existente no Banco Réu (cfr. idem a fls. 630/631);

84) Decorrido o prazo em que apenas o Apelado se pronunciou a 04/03/2008 e aberta conclusão a 13.03.2008, por despacho com a mesma foram os autos aos vistos (cfr. fls. 636 a 640);

85) Em 15.04.2008 foi apresentado um requerimento do Autor subscrito por Advogada diferente do Patrono neste processo, a solicitar a cópia das cassetes da audiência de julgamento, a fim de requerer a abertura de instrução no processo de inquérito movido pelo Autor contra uma das testemunhas (cfr. idem a fls. 642 a 646);

86) Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.2008, foi revogada a sentença tendo sido ordenado “o aditamento de factos à base instrutória e ser repetido o julgamento tendo em atenção o novo despacho que seleccionar a matéria de facto” que foi devidamente notificado às partes em 28/04/2008 (cfr. idem a fls. 648 a 663);

87) Conclusos os autos em 29/04/2008, na mesma data foi proferido despacho pela Sr.ª Desembargadora Relatora para o A, esclarecer o pedido formulado no requerimento de 15/04/2008, juntando, se necessário, procuração a favor da Advogada subscritora do visado requerimento (cfr. idem, a fls. 664);

88) Em 30/04/2008 foi enviada carta para notificação do despacho referido na alínea anterior ao Patrono do Autor e a este (cfr. idem, a fls. 665 e 666);

89) O A. nada fez (cfr. idem a fls. 667);

90) Aberta conclusão a 29.05.2008, por despacho na mesma data foi ordenada a notificação da subscritora do requerimento de 15/04/2008, por correio electrónico, para em 10 dias apresentar a respectiva procuração que foi devidamente cumprido a 02.06.2008 (cfr. idem a fls. 667 a 669);

91) Em 03/07/2008, os autos baixaram à 1ª instância (cfr. idem a fls. 670);

92) Aberta conclusão a 15/10/2008, em conformidade com o determinado no Acórdão foi proferido despacho saneador a 21.10.2008 (cfr. idem a fls. 671 a 676);

93) Em 22/10/2008 foi enviada carta registada aos Ilustres Mandatários das partes para notificação do despacho saneador referido na alínea anterior, bem como para, em 15 dias, apresentar rol de testemunhas, requerer outras provas, alterar os requerimentos probatórios que houvesse feito, bem como a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo (cfr. idem a fls. 677 a 678);
94) Na mesma data foi elaborado termo de apensação do requerimento apresentado pelo A, o qual tinha sido apresentado (cfr. idem a fls. 679);

95) O Autor em 04.11.2008 apresentou Reclamação ao despacho saneador (cfr. idem de fls. 680 a 682);

96) Na mesma data o Réu, B............ apresentou requerimento, juntando Procuração (cfr. idem. A fls. 683);

97) Em 05/11/2008 o Réu, B............ – B............ apresentou o seu requerimento probatório (cfr. idem, a fls. 692);

98) Em 07/11/2008 o A. apresentou o seu requerimento probatório (cfr. idem, a fls. 697);

99) Em 17/11/2008, o Réu respondeu à reclamação apresentada pelo A. (cfr. idem, a fls. 706);

100) Conclusos os autos em 27/01/2009, por despacho com a mesma data foi a mesma indeferida, por despacho de 27.10.2008 que admitiu os respectivos róis e documentos e designada a data de 23.06.2009 para audiência de julgamento e oficiado ao Tribunal Judicial de Paredes de Coura em conformidade com o solicitado pelo Autor (cfr. fls. 710 a 711);

101) Os autos seguiram a sua tramitação com diversos requerimentos dos Mandatários das partes e do próprio Autor e despachos prévios à audiência de julgamento, tendo-se dado início à audiência de julgamento na data designada que foi suspensa para continuar “no dia 16.09.2009 e não antes por impossibilidade de conciliação de agendas com os Ilustres Mandatários das partes” (cfr. idem, a fls. 712 a 743);

102) A Audiência de julgamento que foi adiada para os dias 17.09.2009 com continuação para o dia 23.10.2009 por impedimento da juiz titular em tribunal colectivo, dado ter sido colocada a 07.09.2009 no Tribunal Judicial de Santarém, sendo que já havia anteriormente sido agendado para os processos colectivos, que se realizaram (cfr. idem a fls. 756 a 780);

103) Por estar colocada e em exercício efectivo de funções no Tribunal Judicial de Santarém e atenta a agenda da sua comarca foi pela Juiz designada a data de 19.11.2009, para a resposta aos quesitos, que se realizou e da qual não houve reclamação (cfr. idem a fls. 781 a 787)

104) O Autor apresentou as suas alegações escritas (cfr. idem a fls. 789 a 800);

105) Em 06/04/2011 Autor apresentou requerimento solicitando a prolação de sentença (cfr. idem a fls. 803);

106) Conclusos os autos em 17/01/2012, na mesma data foi proferida sentença que absolveu o Réu do pedido e ambas as partes dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé que foi notificada, a 19.01.2012 pela Secção aos mandatários das partes (cfr. idem a fls. 804 a 825)

107) Em 23.01.2012 o Autor interpôs recurso jurisdicional, incluindo da matéria de facto (cfr. idem de fls. 888)

108) Conclusos os autos em 05/03/2012, na mesma data foi admitido o recurso interposto pelo Autor (cfr. idem a fls. 836);

109) Após as respectivas notificações, em 13/04/2012, foi entregues CD com gravação da prova produzida em audiência de julgamento (cfr. idem, de fls. 836 a 843);

110) Decorrido o prazo para alegações, foi ordenada a sua subida a 05.09.2012., que foi cumprida a 07/09/2012 (cfr. fls. 844 a 881);

111) Recebido o processo a 20.09.2012, em 25/09/2012 foi o processo concluso ao Sr. Desembargador Relator que, em 19/12/2012 admitiu o recurso (cfr. idem, a fls. 883 a 885);

112) Em 10/01/2013 e em 04/02/2013 foram os autos aos vistos (cfr. idem, a fls. 885 e 886);

113) Em 03/10/2013 os autos foram inscritos em tabela (cfr. idem a fls. 888);

114) Os autos foram adiados para a sessão de 17/10/2013 e, posteriormente, para a sessão de 07/11/2013, que não se efectuou devido à greve da CP, sendo a mesma dada sem efeito e inscrito para o dia 21/11/2013 (cfr. idem. a fls. 889 a 892);
115) Em 21/11/2013 foram os autos adiados para a sessão de 05/12/2013 (cfr. idem. a fls. 894)

116) Em 05/12/2013 foram os autos adiados para a sessão de 12/12/2013 (cfr. idem a fls. 896);

117) Em 12/12/2013, foram os autos adiados para a sessão de 16/01/2014 (cfr. idem, a fls. 898 e 899);

118) Em 16/01/2014, foram os autos adiados para a sessão de 23/01/2014 (cfr. idem a fls. 900);

119) Em 23.01.14 foi proferido Acórdão que anulou a sentença das 1ª instância e declarou procedente o recurso, nos seguintes termos “ ordenar a ampliação da base instrutória (por aditamento da matéria de facto alegada sob o os artigos 20.º e 21.º da contestação) anulando por consequência a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para julgamento da matéria de facto agora aditada” (cfr. idem. a fls. 903 a 923);

120) Em 24/01/2014 a Secção procedeu à notificação ao DMMP, ao Patrono do Autor e Mandatária do Réu (cfr. idem a fls. 926 a 928);

121) Transitado o Acórdão a 26.02.2014 foram os autos remetidos à 1.ª instância a 14.03.2014 (cfr. idem, a fls. 935);

122) Foi proferida nova sentença, que julgou a acção improcedente, tendo o A. interposto recurso, a que o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento, por acórdão de 20/10/2016, de que o A. interpôs recurso de revista excepcional (cfr. certidão junta em audiência final);

123) Por acórdão de 29/06/2017, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista, confirmando o acórdão recorrido (cfr. certidão junta em audiência final);

124) Notificado do aresto referido na alínea anterior, o Autor invocou a sua nulidade, a qual foi indeferida por acórdão de 12/10/2017 (cfr. certidão junta em audiência final);

125) Após notificação, veio o recorrente interpor recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, o qual foi julgado inadmissível, não se conhecendo do objecto do recurso, por decisão de 13/03/2018, transitada em julgado em 09/04/2018 (cfr. certidão junta em audiência final).
126) O Autor tinha como actividade principal a compra de imóveis para revenda, detendo uma carteira de mercadorias de imóveis (ou direitos sobre os mesmos) (cfr. declarações de parte do A.);

127) O A. detinha exercia ainda marginalmente a actividade de gestor de bens alheios e gestão de créditos (cfr. declarações de parte do A.);

128) Após a interposição da acção indicada em A), as instituições bancárias (B............, F..........., B….. e B…….), deixaram de conceder crédito ao A. (cfr. declaração de parte do A.);

129) Em 2002, o Autor fechou com um volume de negócios de € 50.000,00 (com um lucro de € 25.000,00) no ramo imobiliário e de € 3000,00 na restante actividade, referentes estes últimos a dois assuntos (cfr. declarações de parte do A.);

130) Na sua actividade compra de imóveis para revenda, o A. obtinha uma média de 30% de lucro brutos, a qual, deduzidos os impostos, descia para 25%, o que gerava uma média de € 10.000, € 12.000,00 (cfr. declarações de parte do A.);

131) O A. encerrou a sua actividade em Fevereiro de 2003, fechando o seu escritório, onde pagava cerca de 150,00€ de renda mensalmente (cfr. declarações de parte do A.);

132) O A. procurou obter crédito noutros bancos (B……, F........... e B…..), mas não lhe foi concedido (cfr. declarações de parte do A.);

133) Entre 2003/2004 foi diagnosticada ao A. uma depressão (cfr. declarações de parte do A. e das testemunhas M........... e D...........);

134) Após o encerramento da sua actividade, em Fevereiro de 2003, o A. socorreu-se de créditos bancários no estrangeiro, através de um amigo agente financeiro com escritório em Barcelona, pagando juros muito altos e vendendo mais barato para vender depressa, designadamente os dois escritórios em Torres Vedras e uma casa em Évora, a fim de cumprir os contratos referidos na alínea anterior (cfr. declarações de parte do A. e a testemunha F...........);

135) Nos escritórios de Torres Vedras sobraram-lhe 400€, a título de lucro, deduzidos as despesas e os impostos (cfr. declarações de parte do A.);

136) O A. no ano final de 2003 desfez-se depressa do que tinha, para não perder dinheiro e saldar as suas dívidas, deixando de ter fonte de rendimentos (cfr. declarações de parte do A.);

137) O A. entregava em casa cerca de € 1000 a € 1200 por mês e a esposa ajudava-o no atendimento telefónico (cfr. declarações de parte do A.);

138) O A. passou a viver a expensas da mulher que, a partir de 2003, começou a trabalhar como porteira e da filha que, na mesma altura, abandonou os seus estudos universitários para trabalhar a tempo inteiro na D………, a fim de ajudar nas despesas domésticas, bem como, de algumas economias que ainda tinha (cfr. declarações de parte do A. e depoimento das testemunhas D........... e M........... );

139) O A. exerceu de 1983 a Fevereiro de 2003 as funções de comprador para revenda, tendo efectuado várias entrevistas mas, atenta a sua idade à data – 51 anos – não o chamaram (cfr. declarações de parte do A.);

140) O A. não equacionou chegar a acordo com o Banco S..........., após a extinção do B............ (cfr. declarações de parte do A.);

141) O A. reformou-se em Abril de 2018, com 66 anos e 4 meses, vivendo dos rendimentos do trabalho da esposa e de alguns “biscates” (cfr. declarações de parte do A.);

142) A esposa do A. colaborava com o mesmo no atendimento telefónico dos potenciais clientes, no âmbito do exercício da actividade daquele (cfr. declarações da testemunha M...........)

143) Em 2003, o A. mostrava-se perdido, desorganizado, irritado, intolerante, agressivo, negativo e mal humorado (cfr. depoimento das testemunhas D........... e M...........).

144) O A. possuía dois carros que vendeu (cfr. depoimento da testemunha M........... e F...........).


*
II.2 APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões suscitadas pelo Recorrente delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 639º nº 1 e 635º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, traduzem-se em aferir:

i) da nulidade da sentença por excesso de pronúncia (matéria de facto);
ii) do erro de julgamento da sentença, ao decidir pela não verificação do nexo de causalidade entre factos e dano;
iii) do erro de julgamento da sentença quanto ao dano não patrimonial relevante.

Apreciando;
i) Da nulidade por excesso de pronúncia

Segundo o preceituado no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma).
Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º do CPC, o qual consiste, por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.
No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, bem distinta, os motivos, as razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cf. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37.
Posto isto, como alude o Tribunal a quo no despacho de sustentação da alegada nulidade “Tem sido considerado pela jurisprudência e pela doutrina que a causa de pedir nas ações de responsabilidade civil extracontratual é composta por um facto complexo, em que o autor deverá alegar e demonstrar o facto ilícito, a culpa, o dano e, ainda, o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos. Este último facto – complexo – é um facto complementar, não sendo necessário para que se individualize a causa de pedir, mas devendo estar verificado para que o pedido do autor proceda.
Em relação à causa de pedir, os factos instrumentais, estão excepcionados do âmbito traçado pelo art. 5.º, n.º 1 do CPC para o ónus de alegação das partes. Como ensina Abrantes Geraldes, in “A Sentença Cível, “Independentemente de os factos instrumentais terem ou não terem sido alegados, desde que resultem da instrução da causa (maxime da audiência final), o juiz, em associação com as regras de experiência que se traduzem na aplicação de presunções judiciais, deve tomá-los em consideração quando se tratar de motivar a afirmação ou a negação dos factos verdadeiramente relevantes”.

Das conclusões recursivas alcança-se que o Recorrente não se insurge quanto a quaisquer factos que o Tribunal a quo tenha “aditado” àqueles que foram trazidos aos autos pelas partes – que aliás nem identifica -, ainda que possam ser conhecidos pelo Tribunal sem que tenham sido alegados, a coberto dos poderes inquisitórios que lhe advêm do art. 5.º, n.º 2 al. a) do CPC.
O que ressalta do argumentário do recurso jurisdicional é que o Recorrente labora em erro ao defender que o entendimento pelo Tribunal a quo relativamente à inexistência de causalidade entre os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais e o processo judicial que motivou a presente acção se consubstancia em excesso de pronúncia, na medida em que tal asserção teria por base factualidade não alegada pelas partes.
Contudo, como se aludiu, o Recorrente não identifica quaisquer factos que o Tribunal tivesse dado como provado que não foram alegados ou outros que deveriam ter sido considerados provados.
Segundo a tese do Recorrente, atenta a factualidade dada como provada, o Tribunal a quo jamais poderia concluir pela falta de nexo causal entre os danos e o alegado facto ilícito. Mas tal juízo configuraria eventual erro de julgamento do Tribunal a quo no tocante à falta de um dos pressupostos do regime de responsabilidade civil extracontratual, concretamente a ausência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano, e não qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Acresce que, ao contrário do referido pelo Recorrente, não só foram articulados pelo Recorrido, Estado Português, factos no que respeita à inverificação dos danos, bem como factos da inexistência do nexo causal entre estes e “o atraso no processo” na respectiva contestação, concretamente nos seus artigos 140º, 236º a 238º, 240º, 245º, 246º, 249º e 255º, como do tema da prova n.º 2, onde era notório que havia de se provar “a existência e quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude do invocado atraso na justiça”.
Pelo que nesta parte improcedem as conclusões das alíneas a) a d).


ii) Do erro de julgamento da sentença, ao decidir pela não verificação do nexo de causalidade entre factos e dano / do dano relevante

O presente dissídio emerge de o Tribunal a quo ter concluído pela falta de nexo de causalidade entre a demora do processo judicial e os alegados danos invocados pelo Recorrente / Autor de que resultaria a errada aplicação aos factos provados das regras dos:
- Art.° 2. ° do Decreto-Lei, n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967;

- art.° 7.°, n.° 2, 8°, n.° 2, 9.° e 10.° da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro;

- art.° 497.° do Código Civil; e

- art.° 6. ° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
“O que sempre viola os preceitos constitucionais acima convocados, quais sejam os dos art.°s 20.º, n.º 4, e 22. °, concatenados com outros de igual aplicação”.

Refere o Recorrente que, atentos os factos provados, designadamente os constantes nos artigos 126º a 144º supratranscritos, não poderiam subsistir quaisquer dúvidas quanto à relação causal dos danos e até mesmo quanto à sua dimensão.
Tal alegação do Recorrente foi realizada sem qualquer substância e reporte com a sentença recorrida, a qual, na parte em que importa, teve o seguinte discurso fundamentador do decidido:
“…. No caso vertente, resultou manifesto da prova carreada para os presentes autos, em particular da prova testemunhal e das declarações de parte do próprio Autor, produzidas em audiência final, que este se viu forçado a encerrar a sua actividade em Fevereiro de 2003 na sequência da impossibilidade de obter crédito junto das instituições bancárias portuguesas e da circunstância de deter contratos promessa de compra e venda por cumprir e não assim das delongas inerentes aos autos ora em apreço.
Efectivamente, é o próprio A. quem reconhece ab initio que encerrou a sua actividade em Fevereiro de 2003, ou seja, apenas cerca de 5 meses após a propositura da acção registada indicada na al. A) da factualidade assente, quando a mesma ainda se encontrava numa fase incipiente, de admissão/rejeição de articulados.
Dito de outro modo, da prova produzida em sede de audiência final e transposta para o probatório, resultou à saciedade que os problemas financeiros do A. e os inerentes prejuízos patrimoniais (e não patrimoniais) em que incorreu se deveram à sua incapacidade em obter financiamento junto das instituições bancárias portuguesas, que conduziu, logo em 2003, ao encerramento da sua actividade, à necessidade de o A. se desfazer rapidamente e a baixo preço de imóveis e bens móveis para honrar os compromissos que assumira, à necessidade de o mesmo se socorrer de crédito estrangeiro, pagando juros muito elevados e não tanto à morosidade dos autos ora em apreço, que não eram alvo de qualquer delonga.
E tanto assim é que, já em 2003 a sua esposa que, até então o auxiliava na sua actividade comercial, se viu forçada a trabalhar como porteira e a sua filha teve de abandonar o curso superior que frequentava, trabalhando a tempo inteiro, com vista a ajudar nas despesas domésticas.
De igual modo, da prova produzida em audiência final foi largamente referido que, na sequência da impossibilidade de obter crédito para continuar a exercer a sua actividade profissional, ao A. foi diagnosticada em 2003/2004 uma depressão, demostrando o mesmo alterações de humor e comportamentais, quando os autos sub judice não apresentavam sinais de morosidade (sublinhado nosso).
Pelo que, quer os invocados prejuízos patrimoniais (o encerramento da sua actividade, a venda a baixo preço de bens móveis e imóveis, a assunção de crédito estrangeiro a troco de juros mais elevados, a vivência do A. a expensas da sua esposa e da sua filha), quer as invocadas alterações comportamentais do A. (danos morais) datam já de 2003 e decorrem da sua incapacidade de se financiar junto da banca portuguesa, não sendo, assim, imputáveis às delongas atribuídas aos autos ora em análise
E se o A. imputa as delongas do processo judicial em análise à sua ruptura financeira, invocando, para o efeito, no art.º 67º da sua P.I., que esperava que os autos registados sob o n.º 517/2002 durassem cerca de dois anos e meio, não é menos verdade que, encerrando a sua actividade em Fevereiro de 2003, cinco meses após a instauração da visada acção, o A. assumiu o risco de ficar sem actividade profissional e, consequentemente, sem rendimento, durante a pendência dos visados autos, vivendo dos rendimentos gerados pela venda dos seus bens, das suas economias e a expensas da sua família, nunca tendo equacionado outra solução, designadamente, um acordo extra-judicial, que pusesse cobro a tal situação, evitando, assim, o seu sofrimento e o da sua família, em particular, o da sua filha que abdicara de um futuro mais promissor em prol do bem estar dos pais.
Tanto mais que, não obstante as diversas vicissitudes e que os autos n.º 517/2002 foram alvo, a pretensão do A. sempre foi julgada improcedente.
Pelo que, neste conspecto, o Réu, Estado Português, conseguiu ilidir a presunção que contra si impendia, não sendo de dar por demonstrada a produção de danos patrimoniais e não patrimoniais, em consequência da delonga processual verificada no processo judicial.
Ou seja, os supra citados atrasos processuais não foram a causa adequada dos danos patrimoniais e não patrimoniais incorridos, mas antes radicam numa circunstância externa – a incapacidade de o A. se financiar junto das instituições bancárias portuguesas - o que afasta o automatismo dos invocados danos morais.
Deste modo, constatando-se inexistir o nexo de causalidade entre os invocados danos patrimoniais e não patrimoniais e o facto ilícito, considerando que os requisitos da responsabilidade civil extracontratual são de verificação cumulativa terá que soçobrar o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual do Estado formulado pela A.”.
Atento o decidido há que distinguir quanto aos danos que deverão ou não ser ressarcidos, uma vez que o Tribunal a quo julgou verificado o pressuposto da ilicitude, que não foi afastado pelo Recorrido em sede de Contra-alegações, designadamente com a interposição de recurso subordinado.
Posto isto temos que, quanto aos danos patrimoniais, como decorre da fundamentação da sentença recorrida e não contrariada pelo Recorrente, designadamente de que já em 2003, ainda no início do processo judicial se verificavam as circunstâncias que, segundo o Recorrente, teriam sido causa dos prejuízos contabilizados em cerca de €90.000,00, conforme artigos 66º e 68º da p.i., sendo pois correcto o julgamento do tribunal a quo da falta de nexo de causalidade entre estes e a delonga do processo judicial.
Pelo que, nesta parte, não lhe assiste razão.
Questão diversa é a da ressarciabilidade dos danos não patrimoniais devidos pela delonga do processo judicial que o Recorrente na petição inicial contabilizou no valor de salário mínimo por cada mês de atraso (art. 82º da p.i.).
Apreciando;
Prima facie há que fazer uma delimitação do objecto do recurso, na medida em que na sentença recorrida foi decidido que, relativamente ao período de delonga do processo ao abrigo do Dec. Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, estava afastada a ilicitude por parte do Recorrido/ Réu, em conformidade com o seguinte discurso fundamentador:
“…. Identificado que está o facto, antes de mais, cumpre aferir se, ao abrigo do D.L. 48501 de 21 de Novembro, se verifica a ilicitude.
Ilicitude essa que importa uma infracção objectiva das regras disciplinadoras da vida social, podendo a mesma consubstanciar-se na violação de um direito de outrem ou na violação de interesses alheios legalmente protegidos. Traduz a reprovação da conduta do agente. É a componente objectiva a considerar. No âmbito do DL n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, é de atentar ao disposto no art.º 6.º, no qual se determina que “… consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica ou de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
(…)
Ora, da factualidade dada como assente, dos pontos 1) a 81) resulta à saciedade do probatório que, ao longo do processo sub judice, foram, sucessivamente, realizada(o)s vários actos processuais e diligências, os quais foram efectuados com poucos dias de intervalo e outros tantos realizadas no próprio dia, o que revela a diligência, o zelo e a celeridade com que as autoridades competentes (Magistrados e agentes dos serviços de justiça) actuaram neste domínio).
Ao invés, os autos foram alvo de diversos requerimentos do A., quer por modo próprio, quer por intermédio do seu Ilustre Patrono que obstaram a uma maior celeridade dos autos, alguns dos quais, não obstante praticados ao abrigo do exercício de um direito processual das partes, repercutiram-se na delonga da acção sub judice”.
Após descrever os vários actos processuais e a respectiva tramitação, desde a apresentação da petição inicial até 30.10.2007, prosseguiu a sentença recorrida:
“…. Do supra exposto decorre que os atrasos no processo que resultaram do comportamento processual das partes e dos ofícios de entidades terceiras (como o Ministério Público) não poderão ser relevados para efeitos da apreciação da razoabilidade do prazo da decisão judicial nem, por conseguinte, imputados ao R., Estado Português.
O período a atender, para efeitos da apreciação da responsabilidade do R. pela alegada violação do direito da A. à obtenção de decisão em prazo razoável deverá, assim, deduzida do período que não é imputável ao R., nos termos acabados de expender.
E, nessa medida temos que, ao período de cerca 4 anos e cinco meses para prolação de decisão desde a apresentação dos autos registados sob o n.º 517/2002 na 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Loures, até a prolação da (primeira) decisão judicial (porquanto abrangida pelo DL 48.051 de 21 de Novembro de 1967) terá que ser deduzido:
- o período de dez meses (no total) referente ao adiamento e à suspensão da audiência de julgamento solicitada pelas partes;
- o período de um mês compreendido entre 01/10/2002 e 07/11/2002, como supra expendido;
- o período compreendido entre 17/01/2005 e 05/01/2007, devido a uma sucessão de ofícios do Ministério Público que obrigaram à confiança do processo, à transcrição do depoimento de testemunhas e à remessa e posterior devolução de cassetes, bem como, pedidos de certidão e requerimentos por parte do A..
O que perfaz um total de cerca de dois anos e onze meses a deduzir ao período a deduzir.
Donde, atendendo aos termos específicos do processo sub judice, entende este Tribunal que o prazo de cerca de dois anos para prolação de decisão de sentença, se revela razoável, nos termos e para os efeitos do artigo 20.º, n.º 4, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, não obstante a natural dificuldade inerente à tarefa de indicar, em termos absolutos, qual o prazo razoável a para a prolação de decisão judicial.
Entendimento que mantemos, ainda que se desconsiderasse para efeitos de dedução, o período compreendido entre 17/01/2005 e 05/01/2007.
Dito de outro modo, ainda que, no cômputo global, se considerasse o período de cerca de três anos e seis meses para a prolação de decisão judicial, atentas as vicissitudes supra referidas, tal prazo não se mostra desrazoável face ao disposto nos art.ºs 20.º, n.º 4, da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
Aliás, nesta sede cumpre realçar que, logo após a estabilização da instância, a (primeira) sentença judicial foi proferida no espaço de um mês, o que denota a diligência, o zelo e a celeridade com que as autoridades competentes actuaram, não se vislumbrando quaisquer delongas imputáveis às autoridades judiciárias e aos senhores funcionários no hiato compreendido até ao fim da vigência do visado diploma legal.
(…)
Do supra exposto, no que ao D. L. 48.051 de 21 de Novembro concerne e, tendo em conta as especificidades do processo supra elencadas, não se poderá concluir que o alegado prazo de cerca de dois anos, ou máxime, de três anos e seis meses, para prolação de decisão, seja “não razoável” para o A.
Não se verificando, assim, o pressuposto da ilicitude no que à tramitação dos autos ora em apreço ao abrigo do visado diploma diz respeito.” (d/n).
Juízo que não foi afastado nas conclusões recursivas do Recorrente, uma vez que não vem impugnado o assim decidido, o que vincula este Tribunal atentos os limites previstos no art. 635º, nº 5, do CPC.
Concomitantemente, sempre se terá de considerar como “baliza” no presente recurso a parte da sentença recorrida, não impugnada, que entendeu estar verificado o pressuposto relativo à ilicitude quanto aos eventuais danos não patrimoniais derivados do atraso na prolação de decisão judicial, ao abrigo da Lei nº 67/2007, sendo o seguinte o seu discurso fundamentador:
“…. No caso vertente, resulta da factualidade assente que entre a resposta aos quesitos, em 19/11/2009, a apresentação de alegações e a prolação de sentença em 17/01/2012, mediaram cerca de dois anos, tendo o recurso interposto pelo A. demorado cerca de três meses a ser admitido (cfr. al. 104) a 106) e 111) do probatório).
Por outra banda, resulta ainda da matéria de facto provada que, desde a inscrição em tabela em 03/10/2013 até à prolação de Acórdão, em 23/01/2014 - que mandou ampliar a Base Instrutória, por aditamento da matéria de facto alegada sob o os artigos 20.º e 21.º da contestação) anulando por consequência a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para julgamento da matéria de facto agora aditada - decorreram cerca de 4 meses (cfr. als. 113) a 119) do probatório).
Não se pondo em crise que existiram atrasos, o certo é que, como supra explanado, embora o processo judicial tenha durado muitos anos, em rigor, está em causa não apenas uma, mas várias instâncias judiciais, com a estrutura de uma causa, pelo que, foram proferidas várias decisões, com a estrutura de sentença, segundo o disposto no nº 2 do artº 152º do CPC.
Pelo que, não é de imputar a delonga de todos os processos como se na realidade de apenas um se tratasse.
Pela análise do processo, nos termos que resultam da selecção dos factos assentes, embora se conclua que embora que, no seu cômputo global, tenham perdurado durante cerca de quinze anos, não esteve o Autor a aguardar tantos anos por uma decisão em primeira instância, já que várias decisões, com a estrutura de sentença foram proferidas, acompanhadas de uma tramitação muito pesada, com muitos incidentes e requerimentos, assim como de recursos jurisdicionais e outras iniciativas, algumas das quais anómalas.”
Tendo, assim, sido computado em 2 anos e 7 meses o atraso ao tempo que seria normal no processo em concreto, atentos os vários recursos jurisdicionais, as instâncias percorridas (no último caso até ao Tribunal Constitucional), a repetição de julgamentos etc.
Tendo sido, pois, considerada verificada, nesta parte, a ilicitude por parte do Réu na delonga do processo judicial.
Sabendo-se que o direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está consagrado nos art.ºs. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Com efeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a razoabilidade da duração de um processo é avaliada segundo as circunstâncias da causa e tendo em atenção os critérios consagrados pela jurisprudência, em particular, a complexidade do processo, o comportamento das partes e aquele que é atribuído às autoridades competentes, bem como, a importância do caso para os interessados (ver, entre muitos outros, Frydlender c. França [GC], n.º 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII).
Sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Na sentença recorrida foi decidido que no hiato de tempo em causa – após facto 82 – foi excedido o prazo razoável tendo-se por verificado o pressuposto da ilicitude.
Por conseguinte, por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado.

Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Do que se antevê, que a sentença recorrida laborou em erro ao ter limitado a identificação dos danos não patrimoniais relevantes somente àqueles que teriam decorrido da delonga na definição da relação jurídica no âmbito do processo judicial, justificando, desse modo, a falta de pressuposto relativo ao nexo causal, desconsiderando como dano autónomo e relevante a violação do alegado direito a uma decisão judicial em prazo razoável (como alega no art. 54º da p.i.). Não tendo sido, por isso, apurado o quantum indemnizatório.
O Acórdão do STA no Rec. nº 0259/18, de 05/07/2018, é exemplo, quanto ao dano não patrimonial relevante, no qual se sumariou o seguinte: «Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.».
Efectivamente, esta jurisprudência ancora-se na necessidade de interpretar e aplicar o regime que decorre do artigo 496.º do Código Civil de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH [cf. Acórdãos do STA de 28/11/2007, processo 0308/07; de 9/10/2008, processo 0319/08; de 11/5/2017, processo 01004/16].
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Do que antecede, apurada a responsabilidade do Estado Português quanto à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, haverá que apurar o montante indemnizatório da respetiva condenação.
Ponderando a relevância temporal do atraso, o facto concreto que esteve na sua génese, o grau de culpa que o mesmo evidencia, a importância do objecto do processo em questão para os autores, e os parâmetros indemnizatórios definidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, em particular do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Seguindo de perto a jurisprudência convocada no acórdão do STA de 11/05/2017 (proc. n.º 01004/16, disponível em http://www.dgsi.pt), vejam-se as seguintes condenações decididas no TEDH e no STA:
- € 4.000,00 (acórdão do TEDH de 27/10/2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 4 anos e 9 meses para uma só instância);
- € 3.500,00 (acórdão do TEDH de 13/04/2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 7 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição);
- € 28.000,00 para um autor e € 11.000,00 para outros dois autores (acórdão do TEDH de 12/04/2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 6 meses e 19 dias, numa só instância);
- € 1.200,00 (acórdão do TEDH de 20/09/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 8 anos, 8 meses e 12 dias para três instâncias percorridas);

- € 7.600,00 (acórdão do TEDH de 04/10/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 6 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 5 meses e 1 dia para duas instâncias, e 9 anos e 14 dias para quatro instâncias);
- € 16.400,00 (acórdão do TEDH de 31/05/2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 5 meses e 3 dias, para três instâncias, e 4 anos, 3 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de € 14.400,00 (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de € 2.000,00 (relativa aos danos pelo atraso na outra ação);
- € 5.000,00 para uns requerentes e € 4.800,00 para outros requerentes (acórdão do TEDH de 16/04/2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 1 mês e 1 dia, para três instâncias, 18 anos, 4 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 3 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 5 meses e 12 dias numa só instância);

- € 15.600,00 (acórdão do TEDH de 30/10/2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 9 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - € 5.200,00);
- € 3.750,00 (acórdão do TEDH de 04/06/2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 9 anos e 7 meses, para três instâncias);

- € 11.830,00 (acórdão do TEDH de 29/10/2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 9 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição).
E do STA:

- € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 28/11/2007, proc. n.º 0308/07, relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18/01/1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias);
- € 5.000,00, sendo 2.500,00 € para cada um dos autores (acórdão do STA de 09/10/2008, proc. n.º 0319/08, relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias);
- € 10.000,00 (acórdão do STA de 09/07/2009, proc. n.º 0365/09, relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15/07/1983 e que perdurou até 30/10/2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância);
- € 10.000,00 para um autor e € 5.000,00 para cada um dos dois outros autores (acórdão do STA de 01/03/2011, proc. n.º 0336/10, relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13/12/1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias);
- € 3.550,00 para um autor e € 1.500,00 para o outro (acórdão do STA de 15/05/2013, proc. n.º 01229/12, relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19/02/2003 só foram julgados em 18/10/2006, isto é, cerca de 3 anos e 8 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância);

- € 4.000,00 (acórdão do STA de 14/04/2016, proc. n.º 01635/15, relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07/07/1999 e concluído em 18/01/2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 4 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a autora interveio, após ter atingido a maioridade);
- € 4.800,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 30/03/2017, proc. n.º 0488/16, relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30/04/2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»).

Tendo por referência a doutrina e a jurisprudência, quer nacional, como do TEDH, o valor de indemnização atribuído pelo TEDH a título de danos não patrimoniais cifra-se, em média, num valor variável entre € 1.000 e € 1.500 por cada ano de demora do processo – neste sentido, vide Isabel Celeste M. Fonseca, “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 72, página 41, os acórdãos proferidos pelo TCA Sul em 12/05/2011 e 21/11/2013, no âmbito dos processos 07472/11 e 09424/11, ou ainda a grelha estabelecida pelo TEDH no “caso Musci C. Itália” (P. 64699/01).
Contudo, este montante corresponde a uma média aritmética e não poderá, como tal, ser aplicado tout court.
Diversamente, e ainda que possa servir como um referencial a atender pelo julgador, sempre poderá este aumentá-lo ou diminuí-lo, em função dos danos concretamente sofridos, segundo critérios de equidade.
O julgamento da matéria de facto, para o qual se remete, é verdadeiramente elucidativo quanto a que a situação de depressão do Recorrente decorria já aquando do início do processo, por diversas circunstâncias que não se podem relacionar com a delonga do processo judicial. Sendo que como resulta dos factos 122 a 125, ainda que o Recorrente fizesse uso dos meios processuais ao seu alcance, o certo é que em cerca de 4 anos, após a baixa dos autos à 1ª instância foi proferida sentença pela 1ª instância, Acórdão pelo Tribunal da Relação e ainda decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional, que mantiveram a improcedência da acção intentada pelo Recorrente, o que se situa nos limiares da jurisprudência do TEDH.
Tendo a sentença recorrida reconhecido como atraso excessivo (na vigência da Lei 67/2007), de 2 anos e 7 meses, a reclamar tutela indemnizatória –que não foi contestado pelo Recorrente ou Recorrido.
Pela análise do processo, nos termos que resultam da selecção dos factos assentes, embora se conclua que, no seu cômputo global, tenham perdurado durante cerca de quinze anos, não esteve o Autor a aguardar tantos anos por uma decisão em primeira instância, já que foram proferidas várias decisões, com a estrutura de sentença, acompanhadas de uma tramitação muito pesada, com muitos incidentes e requerimentos, assim como de recursos jurisdicionais e outras iniciativas, algumas das quais anómalas.
No caso vertente, temos de considerar que o dano moral a reparar não excede o comum destas situações, que os interesses em jogo não são de especial relevância atendendo às circunstâncias contemporâneas com a interposição da acção judicial.
Deste modo, a título de danos morais, atenta a matéria provada e os princípios que norteiam o quantum indemnizatório, consideramos como justa a quantia de 3.000,00 euros (três mil euros).
Quanto aos juros de mora, o A. peticionou ainda juros de mora à taxa legal, a acrescer ao valor das quantias peticionadas no petitório, a título de danos não patrimoniais, desde a citação até integral pagamento.
Porém, como se decidiu no Ac. do TCAN de 05/07/2012, fazendo apelo ao Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, “a indemnização por danos morais é, por natureza, calculada em termos atuais, daí que os respetivos juros sejam contados desde a data da prolação do presente acórdão e não desde a citação, face ao disposto nos arts. 566º, nº 2, 805º, nº 3, e 806º, do CC”.
Nesta conformidade, deve ser concedido parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à não atribuição de indemnização por danos não patrimoniais, após 01.01.2008, e, em substituição, ser concedido parcial provimento ao pedido formulado pelo autor, com condenação do réu, Estado Português, a pagar-lhe o montante de €3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais por delonga processual verificada no processo judicial indicado em 1., ao qual acrescem juros de mora, calculados à taxa legal, a contar da prolação do presente acórdão, até integral pagamento, absolvendo de todo o demais peticionado.

*
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em substituição, julgar a acção parcialmente procedente e condenar o Recorrido/ Réu a pagar ao Recorrente/ Autor o montante de €3.000,00 (três mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a prolação do presente acórdão até integral pagamento.

Custas a cargo do Recorrente e Recorrido, em função do decaimento (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA), sem prejuízo de apoio judiciário concedido ao Recorrente/ Autor.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2021

(Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Desembargadores Catarina Vasconcelos e Paulo Gouveia que integram a presente formação de julgamento têm voto de conformidade com o presente acórdão).
Ana Cristina Lameira