Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 51150/24.6BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/03/2025 |
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Relator: | MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR INSTRUMENTALIDADE PERICULUM IN MORA |
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Sumário: | I - A circunstância de o Requerente da providência cautelar não ter feito uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção da previdência se destina, determina a extinção da instância cautelar nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas já não a sua extinção por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277.º, al. e) do CPC ex vi art. 1.º do CPTA; II - Pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, da letra do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, resulta que deve a ação ser considerada instaurada “na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”; III - A pretensão de suspensão de eficácia da decisão de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência, enquanto ato de conteúdo puramente negativo, nenhum efeito útil representa com vista a acautelar os interesses que se visam tutelar na ação principal e que se reportam à obtenção – em substituição do ato de indeferimento – de autorização de residência; IV - A providência cautelar de “emissão de um título de residência provisório é adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, no qual é pedida a concessão de autorização de residência, na medida em que permite que o requerente permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência” (Ac. do TCA Sul de 31.10.2024, proferido no processo 2997/24.6BELSB): V - Cabe ao requerente da providência cautelar cumprir com o ónus de alegação [artigo 114.º, n.º 3 al. g) do CPTA e 5.º. n.º 1 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA] quanto aos factos constitutivos da causa de pedir, concretamente no que respeita ao preenchimento do requisito do periculum in mora. VI - Revelando-se uma total falta de concretização e consubstanciação da situação fáctica que permita evidenciar, por via de um juízo de prognose, que ao não ser concedida provisoriamente a autorização de residência à Requerente se constituirá uma situação de facto consumado ou se verificarão prejuízos dificilmente reparáveis, não se mostra preenchido o pressuposto do periculum in mora. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. Relatório K… (doravante Recorrente, Requerente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente providência cautelar, contra a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (doravante Recorrida, R., Entidade Requerida /Recorrida ou ER), peticionando a suspensão de eficácia da decisão de indeferimento do seu pedido de concessão de autorização de residência e a concessão, ainda que provisória, de autorização de residência. Por sentença proferida em 7 de março de 2025, o referido Tribunal julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: Fazendo, assim, Vossas Excelências JUSTIÇA” A Entidade Requerida/Recorrida não apresentou contra-alegações. O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso. Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. 2. Delimitação do objeto do recurso Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito no que respeita à decisão de julgar verificada a inutilidade superveniente da lide. 3. Fundamentação de facto Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, “A. Em 12 de agosto de 2024, a ora Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência por si apresentado - cf. fls. 25 do processo administrativo; B. Em 10 de setembro de 2024, a ora Requerente apresentou pedido de nomeação de patrono, tendo em vista reagir contenciosamente contra a decisão aludida na alínea anterior - cf. doc. n° 5, junto com o requerimento inicial; C. Em 22 de outubro de 2024, o Ilustre Mandatário da ora Requerente foi notificado de que tinha sido nomeado patrono desta - cf. fls. 1 do Sistema de Informação; D. A ora Requerente intentou a ação principal [de que o presente processo cautelar é preliminar] no dia 19 de fevereiro de 2025 - cf. documento junto com o requerimento a fls. 104 do Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos.” 4. Fundamentação de direito 4.1. Do erro de julgamento de direito Vem imputado à sentença o erro de julgamento de direito no que respeita à decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente lide, por considerar o Tribunal a quo que, não tendo o Patrono da Requerente proposto “a ação principal no prazo de 30 dias a contar da data de notificação da sua nomeação [cf. alíneas C) e D)], não sendo, assim, de aplicar o disposto no artigo 33°, n° 4, da Lei n° 34/2004 (LAJ); quando a ação principal foi proposta já tinha decorrido o prazo de três meses [contados a partir da notificação da decisão de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência] a que alude o artigo 58°, n° 1, alínea b), do CPTA [é este o prazo aplicável por a Requerente não ter invocado vícios geradores de nulidade (cf. o disposto no artigo 161° do CPA)]”, caducou o direito de ação, estando o Tribunal “impedido de conhecer do mérito da causa, devendo julgar extinto o processo cautelar, por inutilidade superveniente da lide”. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido sustentando que o prazo de 30 dias mencionado no n.° 1 do art.° 33.° da LAJ não releva para efeitos de aferimento da tempestividade da ação, pois que, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, mostra-se irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado. Advoga que o n.° 1, do art.° 33.° da LAJ, quando interpretado no sentido de que se o patrono não intentar a ação no prazo de 30 dias, conduz à caducidade da ação, é inconstitucional por violar o art. 20.°, n.° 1 da CRP, conjugado com o n.° 4 do art.° 33.° e art.° 11.°. n.° al. b) da LAJ. Importa, antes de mais, clarificar que ainda que se concluísse que se mostrava ultrapassado o prazo de reação contenciosa do ato suspendendo, a consequência não é, como considerou o Tribunal a quo, a extinção da instância cautelar por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277.º, al. e) do CPC ex vi art. 1.º do CPTA, mas sim a extinção do processo cautelar, por o Requerente não ter feito uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção da previdência se destina [alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos]. Com efeito, recordando-se que o que está em causa na inutilidade superveniente da lide é a circunstância de pretensão, na pendência da lide, encontrar satisfação fora do esquema da providência pretendida (verificando-se a impossibilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, mostrando-se impossível atingir o resultado visado), mostra-se evidente que tal não sucede estamos perante o alegado esgotamento do prazo legalmente previsto para deduzir a pretensão junto dos Tribunais. Feito este esclarecimento, cumpre apreciar se, como entendeu o Tribunal a quo, à data em que a Requerente interpôs a ação principal (19.2.2025 conforme o facto provado D.) – de condenação à prática do ato administrativo de concessão de autorização de residência (cf. fls. 1 e ss. do processo 11235/25.3BELSB, por consulta ao sistema informático) – se encontrava esgotado o prazo que dispunha para o fazer. Como resulta do artigo 58.º, n.º 1 do CPTA, para que remete o artigo 69.º. n.º 2 do mesmo diploma, a ação de condenação à prática de ato devido a que subjaz um ato de indeferimento nulo não está sujeita a prazo e, estando em causa ato anulável, deve ser proposta no prazo de 3 meses [al. b)], contado nos termos do artigo 279.º do CC – ou seja, os prazos são contínuos e não se suspende em férias judiciais -, a partir da data da notificação (art. 59.º, n.º 1 e 2 do CPTA). Ora, da interpretação conjugada do artigo 161.º, n.º 1 e 2 e 163.º, n.º 1 do CPTA resulta que em regra, os vícios dos atos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem, designadamente, as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.° 2 do artigo 161.° do CPA. Por sua vez, o desvalor da inexistência afeta o ato a que faltam elementos estruturais que não permitem identificar sequer o tipo legal que foi praticado (Ac. do TCA Norte de 26.11.2009, proferido no processo 01548/06.9BEBRG, in https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/83A92815F6C73A0180257681003CD1FC). Importa dar nota que, no âmbito da ação principal, a autora invoca como fundamentos da sua pretensão que (i) à data da notificação o SEF estava extinto, pelo que competiria à Requerida decidir sobre o pedido da Requerente, o que em seu entender determina a inexistência do ato, (ii) a violação do direito de audiência prévia, (iii) a formação de ato de deferimento tácito e (iv) o erro nos pressupostos por preencher os requisitos para a concessão de autorização de residência, dispondo de capacidade de subsistência e sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 87.º-A da Lei 23/2007. Donde, como entendeu o Tribunal a quo, nenhum dos fundamentos de invalidade imputados pela autora aos atos impugnados determina a sua nulidade, pois que não se reconduzem às hipóteses tipificadas na lei (o que se torna ainda mais óbvio pelo facto de nem a autora enquadrar a sua pretensão em qualquer dos normativos que preveem as causas de nulidade dos atos administrativos), ou a sua inexistência jurídica. Refira-se que, não obstante a autora sustentar que o ato se encontra ferido de inexistência pela circunstância de, à data da notificação, o seu autor (SEF) estar extinto, cabendo pois à Requerente decidir a sua pretensão, estamos perante questão que respeita à competência para a decisão e que, como tal, a verificar-se, será determinante da sua anulabilidade. Sem prejuízo, impõe-se considerar se, como entendeu o Tribunal a quo, tendo a Recorrente apresentado pedido de proteção jurídica em modalidade que abrange a nomeação de patrono, não tendo o patrono nomeado instaurado a ação no prazo de 30 dias a contar da sua nomeação (cf. artigo 33.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), não sendo de aplicar o disposto no artigo 33.º, n.º 4 daquele diploma, a ação principal foi intempestividade instaurada. Dispõe o artigo 33.º da Lei n.° 34/2004, de 29 de julho, epigrafado “Prazo de propositura da ação”, nos seus números 1 e 4, que, 1 - O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo. 4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. Ora, a respeito deste n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, escreve Salvador da Costa (O Apoio Judiciário, 11.ª Edição, 2024, Almedina, págs. 197 e 198), que «Por força do normativo em apreciação, no caso de o titular do direito substantivo pedir a nomeação de patrono no quadro do apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o referido pedido. Isso significa que, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, queda irrelevante a prazo que decorra entre aquele momenta e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado. Assim, a circunstância de a ação só ter sido proposta dois anos depois da apresentação nos serviços da segurança social do requerimento para a concessão do apoio judiciário na modalidade de patrocínio, é a data daquela apresentação que funciona para impedir o funcionamento da exceção de caducidade do direito de ação.» Também no Ac. da Relação de Lisboa de 27.5.2020, proferido no processo 1/19.5T8LRS.L1-4 (in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/01efba3d5dfe832d80258a360037675e?OpenDocument) se concluiu que, “Chegados aqui e depois de suscitarmos e ponderarmos não só as diversas perplexidades e dúvidas que um regime como o do número 4 do art.º 33.º da Lei do Apoio Judiciário suscita nesta matéria da interrupção dos prazos da caducidade e da prescrição, como ainda as diversas interpretações jurídicas do mesmo que a doutrina e jurisprudência que sobre ele se tem debruçado e refletido nos tem apresentado, convirá tomar posição clara e expressa na controvérsia essencialmente jurisprudencial que deixámos explanada. Ora, afigura-se-nos, salvo o devido respeito pelos posições divergente antes analisadas e tendo sempre presente as regras de interpretação constantes das normas do artigo 9.º do Código Civil, que a leitura mais adequada à letra e espírito do número 4 do art.º 33.º da Lei do Apoio Judiciário é aquela que entende que com o pedido de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono formulado junto da Segurança Social se considera adjetiva e juridicamente ficcionada a propositura da ação a que tal pedido respeita, fazendo-a coincidir temporalmente e por determinação legal com a apresentação desse pedido (ou seja, no sentido da sua real propositura se retroagir ao momento da formulação dessa pretensão de apoio judiciário, pretendendo o legislador que, para todos os efeitos normativos, se considere que a instância respetiva teve «verdadeiro» início nessa primeira data em que ocorreu o simples pedido de nomeação de patrono).” E no Ac. do TCA Norte de 5.3.2020, proferido no processo 00476/19.2BEAVR, sumariou-se “II) À luz do disposto no n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, caso seja pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deve a ação ser considerada instaurada na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. III) Se o que releva para efeitos da tempestividade da propositura da ação é a data em que foi requerido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono oficioso, impõe-se ao juiz que aprecie a tempestividade da propositura da ação por referência a tal evento, levando também em conta o deferimento do pedido de prorrogação do prazo de propositura da ação.” Este entendimento é, de resto, o vertido nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4.12.2003, proferido no processo 1654/03, de 4.3.2004, referente ao processo 0134/04 e de 20.05.2004, prolatado no processo 0431/04. Note-se que, embora ainda por referência à então vigente Lei n.º 30-E/2000, no referenciado Acórdão do STA de 4.12.2003, proferido no processo 01654/03, deu-se conta a respeito do normativo correspondente ao agora n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 3472004 que “[a] notificação a que alude o n.º 1, do artigo 34, da Lei n.º 30-E/2000, releva apenas para o início da contagem do prazo em que o patrono nomeado deve intentar a acção ou interpor o recurso para os quais o seu patrocínio foi requerido, sendo tal prazo de 30 dias meramente disciplinador, gerando o seu incumprimento injustificado apenas responsabilidade disciplinar do faltoso, nunca funcionando em prejuízo do assistido que, oportuna e tempestivamente requereu, o apoio judiciário.”. Seguindo-se tal entendimento mostra-se patente que o Tribunal a quo incorreu em erro ao considerar que, não tendo o patrono da Recorrente instaurado a ação principal no prazo de 30 dias, a que se reporta o n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, contado da sua nomeação, aquela se mostrava intempestiva, para o efeito de julgar extinta a ação cautelar. Na realidade, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, da letra do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004 transcrito supra, resulta que a ação deve ser considerada instaurada "na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono". Como emerge do probatório, tendo a Recorrente sido notificada do ato de indeferimento do seu pedido de concessão de autorização de residência em 12.8.2024 (facto A.), apresentou o pedido de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono em 10.9.2024 (facto B.), ou seja, ainda dentro do prazo de 3 meses previsto no artigo 58.º, n.º 1 al. b) ex vi n.º 2 do artigo 69.º do CPTA. O que significa que, por aplicação do n.º 4 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, a ação principal considera-se instaurada nessa data de 10.9.2024. Daí que, tendo sido a Recorrente notificada do ato de indeferimento do seu pedido de concessão de autorização de residência em 12.8.2024, a ação (principal) administrativa de condenação à prática de ato devido que corre termos sob o número 11235/25.3BELSB considerando-se instaurada em 10.9.2024, foi-o tempestivamente. Razão pela qual não se verifica a causa de extinção da presente ação cautelar prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPA. Nem tão pouco a lide cautelar se mostra inútil como entendeu o Tribunal a quo. Incorrendo, pois, a sentença em erro de julgamento. * Cumpre, pois, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPTA, conhecer em substituição do mérito da ação cautelar. 4.2. Do conhecimento em substituição Com vista ao conhecimento, em substituição, da pretensão cautelar formular, cumpre fixar a factualidade relevante à apreciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar. Assim, consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos: 1. A A. é cidadã brasileira, portadora do passaporte n.º F…. – fls. 6 e ss. do p.a. 2. Tendo entrado em território nacional em 2 de dezembro de 2019. – fls. 4 do p.a. 3. Em 13.3.2021 a A. apresentou, através do sítio eletrónico do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada. – doc. 1 junto à p.i.; 4. Em 15.2.2023 a A. apresentou, junto dos serviços do SEF, pedido de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional independente. – fls. 1 do p.a.; 5. Juntamente com o referido pedido apresentou os seguintes documentos, · Cópia do passaporte n.º F… válido entre 17.04.2019 a 15.04.2019; · Declaração de início de atividade independente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a 15.02.2022; · Certidão de situação regularizada na autoridade tributária e aduaneira emitida a 15.02.2023: · Declaração de situação regularizada na Segurança Social datada de 14.02.2023; · Certidão de antecedentes criminais emitida pela Polícia Federal do Brasil a 11.02.2023; · Atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de Marvila a 17.11.2020. - cf. fls. 2 e ss. do p.a.; 6. Em 15.2.2023 os serviços do SEF proferiram projeto de decisão, emitindo notificação nos seguintes termos, «Imagem em texto no original» - doc. 2 do r.i.; 7. A A. foi notificada da proposta de decisão em 15.2.2023. – facto confessado no ponto 2 do r.i.; 8. Em 8.3.2023 R…, através do endereço de correio eletrónico s…, remeteu para o endereço de correio eletrónico del.setubal@sef.pt, correio eletrónico com o seguinte teor, “Junto envio os documentos solicitados pela K…, DN 25/03/1971 com o nif 3….” - doc. 3 do r.i.; 9. Juntando ao referido correio eletrónico as seguintes faturas-recibo «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» - cf. doc. 3 junto ao r.i.; 10. Em 6.9.2023 a Subdiretora Regional do SEF proferiu despacho de concordância, sob a Informação datada de 4.9.2023, de que se extrai, “[…] 1 — DA FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO Aos 15.02.2023 compareceu a cidadã supramencionada, com o intuito de requerer Autorização de Residência ao abrigo do disposto no Art.º 89.º , nº 2, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com as posteriores alterações (REPSAE).2. Juntamente com o requerimento, solicitando a concessão do título de residência, apresentou os seguintes documentos: • Cópia do passaporte nº F… válido entre 17.04.2019 a 15.04.2029; • Inicio de actividade independente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a 15.02.2022; • Certidão de situação regularizada na autoridade tributária e aduaneira emitida a 15.02.2023: • Declaração de situação regularizada na Segurança Social datada de 14.02.2023; • Certidão de antecedentes criminais emitido a pela Policia Federal do Brasil a 11.02.2023, negativo; • Atestado de residência de 17.11.2020. II — DO ENQUADRAMENTO LEGAL DO PEDIDO 3. As regras atinentes ao procedimento de reconhecimento ao direito de concessão de autorização de residência encontram-se preconizadas nos Artºs 77º e 89º , da Lei n º 23/2007 de 4 de Julho(com posteriores alterações), conjugado com os Artºs 53º e 55º do Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 5 de Novembro e Portaria n 2 1563/2007, de 11 de Dezembro.MINISTÉRIO D ADMINISTRAÇÃO INTERNA 4. Nos termos do Artº 89º da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho (com as posteriores alterações) «Sua além dos requisitos gerais estabelecido no artigo 77º, só é concedida autorização de residência para o exercício de actividade profissional independente a nacionais de Estados terceiros que preencham as seguintes requisitos : a) Tenham constituído sociedade nos termos da lei, declarado início de actividade junta da administração fiscal e da segurança social como pessoa singular ou celebrado um contrato de prestação de serviços para o exercício de uma profissão liberal; b) Estejam habilitadas a exercer uma actividade profissional independente, quando aplicável; c) Disponham de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 52º; d) Quando exigível, apresentem declaração da ordem profissional respectiva de que preenchem os respectivos requisitos de inscrição.» 5. Relevam ainda os Artg 53 9 a 55 2 do Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 5 de Novembro (comas posteriores alterações) que, «Para além dos documentos específicos exigíveis em função da finalidade da residência, o pedido de concessão de autorização de residência (...) é acompanhado dos seguintes documentos a) Passaporte ou outro documento de viagem válido; b) Comprovativo dos meios de subsistência, nos termos definidos por portaria dos Membros do Governo (...); c) comprovativo de que dispõe de alojamento (...); d) Documento comprovativo dos vínculos de parentesco, quando aplicável; e) Comprovativo de certificação profissional, nos casos de profissões regulamentadas, quando aplicável (...)» (cfr. Artº 53º nº 1) e, ainda, «(...) certificado do registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano» (cfr. Artº 53º , nº 4), assim como, «(...) requerimento de dispensa de visto de residência e comprovativo de entrada legal em território nacional» (cfr. Artº 55º , nº 2). 6. Nos termos do Artº 212º do REPSAE e Artº 55º do Decreto Regulamentar supracitado, o pedido é, ainda, instruído com informação necessária para verificação da situação do cidadão junto da administração fiscal e segurança social. 7. Determina o Artº 77º, nº 1 da citada lei que «Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos: a) Posse de visto de residência valido, concedido para uma das finalidades previstas na presente lei para a concessão de autorização de residência; b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto; c) Presença em território português; d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º ; (...)», sendo que, refere a Portaria nº 1563/2007, de 11 de Dezembro, nos seus Art ºs 2º e 7 º , conjugado com o Artº 53º nº 1 al. b) do Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 5 de Novembro, que os meios de subsistência constituem condição de entrada e permanência em Território Nacional e que os mesmos deverão ser «estáveis e regulares (...) suficientes para as necessidades essenciais do cidadão estrangeiro e ( ) da sua família (...)», sendo que as regras de aferição dos meios de subsistência suficientes, determinam que deverá ter-se em referência a retribuição mínima mensal, atenta a respectiva natureza de regularidade, líquida de quotizações para a segurança social, assegurados por período não inferior a 12 meses, e de acordo com a seguinte valorização per capita em cada agregado familiar: primeiro adulto 100%, segundo ou mais adultos 50%, crianças e jovens com idade inferior a 18 anos e filhos maiores a cargo 30%. 8. Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os requisitos cumulativos na presente lei para a concessão de autorização de residência (cfr. Artº 77º, nº 1) pelo que, falhando um não há que apreciar na verificação dos demais, salvo se se verificarem condições especiais legalmente previstas. III — DA ANÁLISE DOS FACTOS E DO DIREITO 9. Atento aos documentos probatórios constantes do processo e de acordo com os registos de controle de fronteiras, a cidadã entrou em Território Nacional a 02.12.2019, via Lisboa.10. Ao abrigo do acordo se supressão de vistos entre Portugal e o Brasil, encontrava-se habilitado a permanecer em Território Nacional, enquanto turista, por um portado de 90 dias. 11. Determina a Lei Portuguesa, que é considerada ilegal a permanência de cidadãos estrangeiros quando esta não tenha sido autorizada de harmonia com o disposto no REPSAE ou na lei reguladora de asilo (Artº 181º , nº 2 REPSAE). 12. A cidadã efectuou a Manifestação de Interesse, ao abrigo do Artº 88 2 , n 2 2 do REPSAE, aos 13.03.2021, encontrando-se ja em situação irregular desde março de 2020. 13. Consultada a Segurança Social, constatam-se, unicamente, os registos infra elencados: «Imagem em texto no original» 14. Em sede de formalização do pedido apresentou inicio de actividade como trabalhadora independente, facto pelo qual foi efectuado o respectivo enquadramento ao abrigo do Artº 89º, nº 2 do REPSAE. 15. No entanto, relativamente à actividade iniciada a 13.03.2021, para a qual solicita o título de residência não apresenta quaisquer comprovativos da actividade alegada. 16. No que concerne aos meios de subsistência, determina a lei, que os mesmos deverão ser estáveis e regulares, por período não inferior a doze meses, em função da finalidade da residência como trabalhador independente, e provindos desta, para efeitos de concessão do respectivo titulo, nos termos dos Artºs 89º e 77º , n º 1, al. d) do REPSAE, conjugado com o Artº 53º nº 1 al. b) do Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 5 de Novembro na sua actual versão e a Portaria nº 1563/2007, de 11 de Dezembro, nos seus Artºs 2º , 5º e 7º . Assim, deveria a cidadã apresentar um rendimento anual (sujeito a deduções de quotizações para a segurança Social), para umagregado familiar constituído por uma pessoa • €7.620,00 em 2020 (Decreto-lei nº 167/2019, de 21/11 que estipulou a remuneração mínima mensal garantida para 2020 (RMMG)) • €7.980,00 em 2021 (Decreto-lei nº 109-A/2020, de 31/12 que estipulou a remuneração mínima mensal garantida para 2021 (RMMG)) €8.460,00 para 2022 (Decreto-lei nº 109-B/2021, de 07/12 que estipulou a remuneração mínima mensal garantida para 2022(RNIMG)) €9.120,00 para 2023 (Decreto-lei nº 85-A/2022, de 22/12 que estipulou a remuneração mínima mensal garantida para 2022 (RMMG) 17. Concomitantemente, a cidadã não carreou no processo qualquer documento probatório que ateste o efectivo exercício de actividade independente em Portugal, quer através do e-facturas, quer através de declaração de rendimentos em sede de RS, não bastando, para efeitos legais, os descontos entretanto operados na segurança social. V – DA AUDIÊNCIA PRÉVIA DOS INTERESSADOS 18. Aos 15.02.2023 foi a requerente presencial e regularmente notificada, do Projecto de Decisão de Indeferimento, nos termos dos Art ºs 121º e seguintes d CPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo-lhe sido concedidos 10 dias para se pronunciar sobre o mesmo.19. Dispõem os Artºs 112º, nº 1 e 113º , n º 1, ambos do CPA, que as notificações em procedimento administrativo «C..) podem ser feitas : a) Por carta registada, dirigida para domicilio do notificado (...) b) Por contacto pessoal com o notificando (...) c) Por telefax, telefone, correio electrónico (...)» e «C..) presume-se efectuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 20. Regularmente notificada, não houve, até apresente data, manifestação de interesse de pronúncia, nem carreou ao processo qualquer documentação, mantendo-se, pois, a fundamentação de facto e de direito constantes do Projecto de Decisão de Indeferimento. VI – DA CONCLUSÃO E DA PROPOSTA 21. Face à fundamentação de facto e de direito supramencionada, em função da finalidade da residência como trabalhador independente que a cidadã solicitou, a mesmo não apresentou qualquer documento probatório que atestasse ser detentora dos meios de subsistência legalmente aceites para o efeito, nos termos e para os efeitos dos Artºs 89º e 77º , nº 1, al. d) do REPSAE, conjugado com o Artº 53º n º 1 al. b) dp Decreto Regulamentar nº 84/2007 de 5 de Novembro na sua actual versão e a Portaria nº 1563/2007, de 11 de Dezembro, nos seus Artºs 2º , 5º e 7º.22. Regularmente notificada para apresentar documentos essenciais à instrução do seu pedido e para audiência prévia dos interessados, não carreou no processo quaisquer documentos tendentes à alteração do sentido da decisão. 23. Pelo que, no caso sub judice, e pelos factos carreados no processo e à fundamentação legal mencionada, a cidadão não reúne os requisitos legais para a concessão do título ao abrigo das normas legais invocadas, para efeitos do Artº 89º, n º 2 do REPSAE. 24. Pelo exposto, propõe-se s.m.o., manter o sentido da decisão de INDEFERIMENTO do pedido, em virtude da requerente não reunir os requisitos legais que permitam reconhecer a sua pretensão, de acordo com as normas legais invocadas, procedendo-se às respectivas notificações ao interessado, nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 114º do Código do Procedimento Administrativo, ao ACIDI e COCAI.” - fls. 18 e ss. do p.a.; 11. A A. foi notificada do despacho de indeferimento em 12.8.2024. – fls. 25 do p.a.. * Nos termos do artigo 112.º, n.º 1 do CPTA “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. No artigo 120.º do CPTA estão enunciados os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, nos seguintes termos, 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. De notar que, independentemente dos critérios de decisão espelhados neste normativo, são caraterísticas de toda e qualquer providência cautelar a sua instrumentalidade, no sentido de que a tutela cautelar “existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças em que se discute o fundo das causas”, e a provisoriedade, “que consiste no facto de a regulação que elas estabelecem se destinar a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir nesse processo virá a dizer em que termos fica definida a matéria controvertida”. Desde logo se deteta que a pretensão de suspensão de eficácia – enquanto providência de natureza conservatória - da decisão de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência, enquanto ato de conteúdo negativo – “aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior” (Ac. do STA de 19.2.2003, proferido no processo 0289/03, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cfab21b539b5084a80256cd9005a64db?OpenDocument&ExpandSection=1) - nenhum efeito útil representa com vista a acautelar os interesses que se visam tutelar na ação principal e que se reportam à obtenção – em substituição do ato de indeferimento – de autorização de residência. Isto é, a requerente não dispunha, previamente à prática do ato de indeferimento, da posição jurídica – titular de autorização de residência – cuja tutela reclama, de tal forma que a suspensão de eficácia do ato de indeferimento nada assegura, na pendência da ação principal, a tal respeito. Com efeito, a suspensão de eficácia do ato de indeferimento do pedido de concessão de autorização de residência, deixa a requerente tal como se encontrava antes, sem nada adquirir ou perder, concretamente no que à regularização da sua permanência em território nacional respeita. Estando em causa no processo principal uma ação de condenação à prática de ato devido em que a requerente pretende obter um status quo ou efeito de direito de que não dispõe e que lhe foi recusado, tais “situações de interesse pretensivo, contrapostas a atos de conteúdo negativo (…) só podem ser acauteladas através de providências antecipatórias” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p.970). É, por isso, que se entende que “os actos de conteúdo puramente negativo são, pela sua natureza, insusceptíveis de suspensão de eficácia” (Ac. do STA de 19.2.2003, proferido no processo 0289/03, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cfab21b539b5084a80256cd9005a64db?OpenDocument&ExpandSection=1). Donde, se impõe concluir pela falta de instrumentalidade da requerida suspensão de eficácia do ato de indeferimento da sua pretensão de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional independente. O mesmo, todavia, não sucedendo quanto à concessão, provisória, de autorização de residência à requerente, cuja natureza antecipatória é apta a assegurar a utilidade da decisão a proferir na ação principal, possibilitando a que, na sua pendência, a Requerente permaneça regularmente em território nacional. Ou como se escreveu no Ac. deste TCA Sul de 31.10.2024, proferido no processo 2997/24.6BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f042e4008c04c85e80258bcb00515de9?OpenDocument, “a emissão de um título de residência provisório é adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, no qual é pedida a concessão de autorização de residência, na medida em que permite que o requerente permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência. Trata-se de uma providência cautelar de natureza antecipatória que, respeitando a característica da provisoriedade – dado que antecipa, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo (a concessão de autorização de residência) -, é susceptível de caducar se, no processo principal, o Tribunal decidir que não assiste ao autor o direito à autorização de residência, não criando, assim, uma situação definitiva nem irreversível, mantendo a sua instrumentalidade face ao processo principal”. Cumpre, pois, apreciar se relativamente à mesma se encontram preenchidos os requisitos vertidos no artigo 112.º, n.º 1 e 2 do CPTA, a saber: - o periculum in mora; - o fumus boni iuris; - a ponderação de interesses. Do periculum in mora Mostra-se consagrado no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, enquanto primeiro critério de cuja verificação depende a adoção de medidas cautelares, quando aí se fala da existência de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”, o periculum in mora. Entende-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis. Tem-se considerado que se está perante uma situação de facto consumado sempre que da não adoção da providência cautelar ocorra uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Assim, haverá uma situação de facto consumado quando, na pendência de qualquer ação principal, a situação de facto se altere de modo que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (Ac. do TCA Norte de 5.4.2024, proferido no processo 00419/23.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt). A providência também deve ser concedida quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Refira-se que para aferir da verificação do requisito do periculum in mora, o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação” [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 293]. Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 2ª edição, pág. 87). O periculum in mora “pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”, de tal forma que uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas” (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213). Feito este enquadramento, a Requerente ancora o periculum in mora na alegação de que “enquanto permanecer o status quo da decisão impugnada, é, para todos os efeitos, uma cidadã ilegal em território nacional”, daí resultando, em face do artigo 134.º, n.º 1 al. a) da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (Regime da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento dos Estrangeiros do Território Nacional ou, doravante, REPSAE), que será alvo de afastamento coercivo ou expulsão do território português, o que reputa afetá-la por estar em causa a sua sobrevivência em condições minimamente dignas e ainda a estabilidade familiar e emocional. Ora, o exposto é patentemente insuficientemente para que se possa considerar verificado o requisito do periculum in mora, revelando-se uma total falta de concretização e consubstanciação da situação fáctica (atual) que permita evidenciar, por via de um juízo de prognose, que ao não ser concedida provisoriamente a autorização de residência à Requerente se constituirá uma situação de facto consumado ou se verificarão prejuízos dificilmente reparáveis. Com efeito, o probatório evidencia que a A. entrou em território nacional em 2.12.2019, encontrando-se habilitada a permanecer em Portugal (apenas) por um período de 90 dias – artigo 1.º do “Acordo entre a União Europeia e a República Federativa do Brasil sobre a isenção de visto para as estadas de curta duração para titulares de um passaporte comum” publicado no JOUE (JO L 255) em 21 de setembro de 2012. Verificando-se que, findo esse período, nada fez com vista à regularização da sua permanência em território nacional, apenas tendo apresentado manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada em 13.3.2021 e, posteriormente, em 15.2.2023 apresentou o pedido de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional independente no âmbito do qual foi praticado o ato de indeferimento em causa nos autos. Considera-se, pois, ilegal a sua permanência em território nacional, porque não autorizada de harmonia com o disposto no REPSAE ou na lei reguladora de asilo [artigo 181.º, n.º 2 al. a) do REPSAE]. Devendo a Recorrente abandonar voluntariamente o território nacional (art.º 138.º do REPSAE), sob pena de ficar sujeita a afastamento coercivo ou expulsão nos termos da al. a) do artigo 134.º, n.º 1 do REPSAE e, consequentemente, estando-lhe vedada a entrada e a permanência em território nacional por um período até cinco anos (artigo 144.º, n.º 1 do REPSAE). Daí que, é certo, ao não obter provisoriamente a regularização da sua permanência nos termos requeridos nos autos a Recorrente não só a impede de exercer os direitos reconhecidos aos titulares de autorização de residência, designadamente, os direitos elencados no artigo 83.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, como terá que abandonar, voluntária ou coercivamente, o território nacional durante a pendência do processo principal. Contudo, transitada em julgado a decisão a proferir no processo principal, no qual a Recorrente peticiona a condenação à prática do ato de concessão de autorização de residência, na hipótese de nele obter vencimento, resultará, enquanto efeito da reconstituição da situação atual hipotética, a possibilidade quer de exercer aqueles direitos, quer de a Recorrente regressar a território nacional, não lhe podendo ser vedada a entrada, designadamente por efeito do artigo 144.º, n.º 1 do REPSAE. O que significa que a não adoção da providência cautelar, embora tenha como efeito o de, na pendência da ação, não lhe possibilitar a permanência regular em território nacional, com os direitos que daí emergem, daí não resulta uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito ou a inutilidade/ineficácia da decisão a proferir no processo principal. E no que respeita à produção de danos dificilmente reparáveis o que se deteta é que a Recorrente é manifestamente omissa na concretização dos mesmos, limitando-se a, de forma conclusiva, alegar que estará em causa a sua sobrevivência em condições minimamente dignas e ainda a estabilidade familiar e emocional, sem, contudo, aportar aos autos qualquer factualidade concreta que o evidencie. De facto, porque a A./Recorrente nada alegou (e, consequentemente, não provou), o que se deteta é que o Tribunal nada sabe quanto à sua atual situação em Portugal, designadamente à sua residência, condição profissional e económica, pessoal e familiar, que revelasse a sua ligação ao território nacional, em termos tais que ao não se regularizar transitoriamente a sua situação jurídica, possibilitando-lhe o exercício dos direitos reconhecidos aos titulares de autorização de residência e podendo conduzir ao seu afastamento, se produzissem na sua esfera danos de difícil reparação (vg. a perda de uma determinada situação profissional e dos correspondentes rendimentos, a quebra de laços pessoais e familiares estabelecidos em Portugal). Ademais, também se desconhece, porque novamente a Requerente nada alegou a tal respeito, qual a sua situação no Brasil, em moldes que evidenciassem que o seu regresso ao país de origem colocaria, efetivamente, em causa a sua sobrevivência e a sua estabilidade familiar e pessoal. Isto é, o Tribunal não sabe se no seu país de origem não dispõe de relações pessoais e de natureza familiar e de apoios ou meios de subsistência para o efeito de concluir, num juízo de prognose, que a não adoção da tutela cautelar requerida lhe causaria prejuízos de difícil reparação. O que está em causa é que a A., requerente da providência cautelar, não cumpriu com o seu ónus de alegação [artigo 114.º, n.º 3 al. g) do CPTA e 5.º. n.º 1 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA] quanto aos factos constitutivos da causa de pedir, concretamente no que respeita ao preenchimento do requisito do periculum in mora. Não podendo o Tribunal substituir-se à A., colmatando a ausência de factos essenciais à composição do litígio, designadamente deduzindo da circunstância de residir em Portugal desde o final de 2019 uma situação fáctica que esta não alega, nem demonstra. Daí que se imponha concluir não se mostrar preenchido o requisito do periculum in mora. Pelo que, considerando que as condições de procedência das providências cautelares definidas no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, são de verificação cumulativa, basta a não verificação de qualquer deles para que a providência seja julgada improcedente, não havendo, pois, que conhecer os demais requisitos supra enunciados (art.º 608.º, n.º 2 do CPC). 4.3. Da condenação em custas Vencida, é a Entidade Recorrida/Requerida condenada nas custas do recurso (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA). Sem custas pela A./Requerente na ação, face à proteção jurídica que beneficia na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. V. Decisão Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção administrativa comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em, a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida; b. Em substituição, julgar a providência cautelar improcedente; c. Condenar a Entidade Recorrida/Requerida nas custas do recurso. Mara de Magalhães Silveira Joana Costa e Nora Carlos Evêncio Araújo |