Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:25160/24.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/29/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:ERPI
AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO
MANIFESTA FALTA DO “FUMUS BONI IURIS
Sumário:I - Nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, e 15.º-A do DL n.º 64/2007, de 14/03, o início e prossecução da actividade assistencial em estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) depende de prévia autorização de funcionamento, obtida através, nomeadamente, de comunicação prévia.
II - Inexistindo tal autorização de funcionamento, o que ressalta à vista, em processo cautelar para adopção da providência de suspensão da eficácia de acto administrativo determinativo do encerramento de uma ERPI, é a aparência do mau direito ou a falta de fundamento da pretensão a formular no respectivo processo principal, e, como tal, a probabilidade de tal processo vir a ser julgado improcedente, no que em tudo redunda na falta de verificação do pressuposto cumulativo do “fumus boni iuris” exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
P..., doravante Recorrente, que deduziu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) processo cautelar contra o Instituto da Segurança Social, I.P., doravante Recorrido, identificando como objecto processual a adopção da providência de suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Diretivo do [ora Recorrido], com o n.º 230/2024 de 04.07.2024”, que ordenou o encerramento definitivo da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (doravante, apenas ERPI) explorada pelo ora Recorrente, inconformado que se mostra com a sentença do TAC de Lisboa, de 10/12/2024, que decidiu julgar improcedente o processo cautelar por não verificação do pressuposto do “fumus boni iuris”, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente o pedido cautelar requerido nos autos;
2. Salvo o devido respeito, considera o Recorrente que a sentença não cumpre com os requisitos legalmente previstos. Com efeito, e conforme se prenderá melhor demonstrar, a decisão recorrida padece de falta de fundamentação, sendo omissa na enunciação dos factos não provados e considerando provados factos que carecem da devida sustentabilidade, como ainda, omite a pronúncia de questões sobre as quais deveria ter recaído a devida apreciação, incorrendo assim, em erro de julgamento de facto e de direito, oque justifica a interposição do presente recurso;
3. Considerando que tais vícios, afetam a validade formal e material da douta sentença, deve ser a mesma revogada;
4. Conforme previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA e dos n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC) a sentença deve identificaras partes e o objeto do litígio, enunciando as questões de mérito que ao tribunal cumpra solucionar, ao que se segue a exposição dos fundamentos de facto e de direito, a decisão e a condenação dos responsáveis pelas custas processuais, com indicação da proporção da respetiva responsabilidade;
5. Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes;
6. Sucede que, a sentença recorrida e salvo o devido respeito, não reúne os requisitos legalmente previstos, em concreto no que diz respeito à sua fundamentação;
7. Em cumprimento do quadro legal vigente e do entendimento sufragado jurisprudencialmente, considera o Recorrente que a sentença padece de nulidade, nos termos e para os efeitos conjugados do artigo 94.º do CPTA e dos artigos 607.º e 615.º do CPC (aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA);
8. Ainda que, assim não se considere, conforme se demonstrará, entende o Recorrente que, face a uma correta interpretação e aplicação da lei, é inequívoco o erro de julgamento de facto e de direito;
9. Relativamente à prova testemunhal, como ponto prévio da sentença, o Tribunal a quo começa por indeferir a sua produção, considerando para o efeito, que a mesma se revela desnecessária para a decisão final dos autos;
10. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com tal entendimento, porquanto, considera que tal diligência é de caráter essencial e cumpre o desiderato das garantias de defesa e produção de prova legalmente previstas, em obediência à salvaguarda do conhecimento e boa decisão da causa;
11. Tal omissão, configurando uma violação do princípio do contraditório consagrado no n.°3 do artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, origina a nulidade decorrente da omissão de ato imposto por lei, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do CPC, a qual se invoca para os devidos efeitos e consequências legais;
12. Sempre se dirá, que a violação do princípio do contraditório enquanto corolário do princípio da fundamentação e da verdade material, origina a nulidade da sentença nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º e da alínea b) do artigo 615º, ambos do CPA, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;
13. Face aos factos dados como provados e no que diz respeito à apreciação do critério do fumus bonis iuris considerou a douta sentença que «não se verifica estar preenchido o requisito cumulativo do “fumus boni iuris” (…) ;
14. Para o efeito, ainda que tenha sido alegado que o ato impugnado padece de vício de forma por falta de fundamentação, após uma análise sumária da deliberação «conclui-se que mesma se encontra fundamentada de forma suficiente, clara e congruente, dado que a mesma deliberação remeteu para a informação que lhe serve de base – Relatório final -, que por sua vez remete para o capítulo F) do Projecto de Relatório, que contém a descrição da situação apurada pela Entidade Requerida»;
15. Acrescenta ainda, que a maioria dos factos apurados pela entidade Requerida não são contestados, nomeadamente quanto às condições de segurança e condições de instalação do equipamento;
16. Ora, uma vez mais, não poderá o Recorrente concordar com tais considerandos;
17. Atento o teor da documentação anexa à notificação, em concreto o relatório final, é descrito que o presente estabelecimento apresenta graves deficiências ao nível das instalações, funcionamento, segurança, higiene e conforto, não estando adequado ao previsto na Portaria n.º 67/2012, de21de março e a Orientação Técnica n.º 12/2011, de 1 de junho do Conselho Diretivo do ISS, IP;
18. Desde logo, cumpre salientar que no âmbito da decisão final proferida, não se encontra devidamente fundamentado e concretizado, de que modo tais deficiências configuram um perigo potencial e justificam o encerramento imediato do estabelecimento;
19. De igual modo, as conclusões descritas no relatório final são de índole genérica, não elencando de forma cabal o enquadramento fatual e respetivo quadro legal aplicável;
20. Neste sentido, as disposições dos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) estabelecem que os atos administrativos devem ser fundamentados expressamente, equivalendo à falta de fundamentação, a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato;
21. Consubstanciando, a violação do dever de fundamentação, a ofensa ao conteúdo de um direito fundamental e constitucionalmente garantido, a deliberação em apreço, configura um ato ferido de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA;
22. Relativamente à contestação da matéria de facto descrita no relatório, contrariamente ao descrito na sentença, o Recorrente impugnou detalhadamente as conclusões e factos, cujo enquadramento não se coaduna com o quadro legal vigente, e que originam o erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão final proferida pelo requerido;
23. Nestes termos, não se afigura possível considerar como factos provados, os factos descritos no relatório emitido pelos serviços de fiscalização do requerido, no que concerne à área da direção, serviços técnicos e administrativos, receção, instalações para o pessoal e gabinete de enfermagem, atendendo às disposições legais aplicáveis, nomeadamente previstas na Portaria n.º 349/2023, de 13 de novembro, que procede à primeira alteração à Portaria n.º 67/2012, de 21 de março, a qual define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas;
24. De igual modo, no que concerne aos recursos humanos e face ao enquadramento legal supra descrito, não é possível identificar e assacar ao estabelecimento, as desconformidades descritas no projeto de relatório;
25. Verifica-se assim, um incorreto enquadramento jurídico relativamente às condições de funcionamento da ERPI, em apreço;
26. Relativamente às normas disciplinadoras aplicáveis ao Centro de Dia, o relatório final faz alusão à orientação técnica n.º 12/2011, de 1 de junho do conselho diretivo, desconhecendo-se a sua publicação e, por conseguinte, a respetiva fonte, teor e aplicabilidade ao centro de dia;
27. Ora, desconhecendo-se a referida fonte normativa, não é possível estabelecer o nexo jurídico e factual quanto às alegadas deficiências de funcionamento. De resto, sempre se dirá que se trata de um guião técnico, carecendo dos requisitos previstos nos termos conjugados dos artigos 138.ºe 139.º do CPA que preveem que «A produção de efeitos do regulamento depende da respetiva publicação, a fazer no Diário da República (…)»;
28. Cumpre salientar, que o Recorrente intentou todas as diligências visando o licenciamento do estabelecimento, tendo providenciado na entrega da devida comunicação prévia para a resposta ERPI e Centro de Dia, conforme estabelecido no artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março;
29. Conforme foi devidamente informado o requerido, não obstante, todos os esforços envolvidos em reunir a devida documentação, o Recorrente encontra-se em período de convalescença devido a motivos de saúde, sendo certo que tal questão será dirimida e fundamentará a aparência de bom direito na apreciação do fundo e de mérito da causa;
30. Relativamente aos requisitos de funcionamento, é de sublinhar, que nos termos do artigo 8.º A do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na sua atual redação, poderão ser dispensados requisitos legalmente exigidos para a instalação e funcionamento das respostas sociais;
31. Neste mesmo sentido, o n.º 4 e 6 do artigo 18.º da Portaria 67/2012, de 21de março, na sua atual redação, dispõe que «Em casos devidamente justificados e autorizados podem as áreas funcionais constantes do anexo i ter alterações face às áreas úteis mínimas nele previstas. 6 – Podem ser dispensadas áreas funcionais nas ERPI com capacidade até 20 residentes, inclusive, desde que não coloquem em causa a prestação de cuidados adequados aos residentes e sejam garantidas as condições adequadas aos profissionais da instituição»;
32. Face aos fundamentos expostos, é possível concluir que o teor da decisão final proferida, não se encontra devidamente fundamentada, em concreto de que modo as alegadas deficiências configuram um perigo potencial e justificam o encerramento imediato do estabelecimento;
33. O teor da deliberação de encerramento, contêm um carácter vago e indeterminado, remetendo para conclusões de índole genérica, não elencando de forma cabal o enquadramento fatual e respetivo quadro legal aplicável;
34. Quanto à análise factual e enquadramento legal, a deliberação padece de erro dos pressupostos de factos e respetiva subsunção jurídica;
35. Ora, tal contexto, inquina o sentido da decisão e inerente fundamentação;
36. Constata-se, assim, de forma clara e evidente, a discrepância entre os pressupostos factuais que se revelaram determinantes para a deliberação final e aqueles que efetivamente se verificam, como ainda, uma errónea interpretação e aplicação da lei;
37. Pelos motivos expostos, os fundamentos contidos no relatório de fiscalização e respetivas conclusões carecem da devida sustentabilidade legal;
38. Taís vícios fundamentam a aplicação do regime de anulabilidade à deliberação sindicada, previsto no artigo 163.º do CPA, subsumível a todos os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção;
39. No entanto, não só a sentença considera provados factos que não poderia considerar como tal, como ainda, é omissa na apreciação da matéria impugnada pelo Recorrente, ignorando assim o seu mérito e idoneidade na ponderação dos requisitos do requerimento cautelar;
40. Ademais, a sentença apenas se deteve na apreciação do vício respeitante à falta de fundamentação, omitindo a sua pronúncia quanto aos demais vícios da decisão final proferida do requerido, nomeadamente o erro nos pressupostos de facto e de direito;
41. Destarte, há uma séria e forte probabilidade de ação principal determinar a anulação da decisão final, ora sindicada, com todas as devidas consequências legais;
42. Deve assim, proceder o requisito da “aparência do bom direito”, por ser manifesta a ilegalidade da deliberação impugnada, o que conduzirá à procedência da ação principal já intentada pelo Recorrente;
43. Ora, a apreciação do douto tribunal a quo deveria ter tomado em linha de consideração tais argumentos, bem como o facto de o Recorrente ter adotado as diligências visando a legalização do equipamento, no entanto, como já oportunamente referido no âmbito das presentes alegações, a sentença carece da devida fundamentação, sendo omissa na enunciação da matéria de facto dada como não provada e na produção e análise de todos os meios de prova requeridos;
44. Por outro lado, não só se absteve de apreciar toda a matéria de facto e de direito invocada no pedido cautelar, como ainda, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, dando como provados factos que carecem da devida sustentabilidade legal;
45. Pela ordem de motivos aduzidos relativo ao requisito do fumus bonis iuris, cumpriria ao tribunal proceder à análise do requisito Periculum in Mora, sendo certo que deveria atender, salvo o devido respeito, à dimensão humana e inevitável irreparabilidade dos prejuízos envolvidos com decisão sindicada;
46. Com efeito, neste momento, encontram-se no equipamento 20 idosos, a quem o Recorrente presta nomeadamente serviços de alimentação, tratamento de roupa, higiene pessoal e apoio social, enquanto ERPI e Centro de Dia;
47. O Recorrente não dispõe de alternativa de alojamento aos idosos, pelo que tal contexto de instabilidade ameaça direta e imediatamente o bem-estar dos idosos, porquanto, o esforço de adaptação envolvido, acarretará consequências inevitáveis ao nível de equilíbrio físico e emocional;
48. De salientar, que em momento algum são referidas situações de maus tratos ou negligência, sendo certo, que a este respeito, tal como referido no relatório a fls. 4, «o estabelecimento e proprietário eram desconhecidos desta Unidade de Fiscalização até à realização desta ação». De igual modo, e conforme referido a fls. 16 do projeto de relatório, «quanto à higiene não foi detetado qualquer odor desagradável (…) no decurso da ação de fiscalização, não se verificou a existência de perigo imediato ou iminente para a vida ou integridade física de qualquer utente (…)»;
49. De resto, a págs. 24 do projeto de relatório, é referido inequivocamente que «não se verificam indícios de perigo ou de maus-tratos aos idosos residentes»;
50. Na realidade, o equipamento assegura bons cuidados de higiene, alimentação, segurança, salubridade, bem como se verifica a prestação de bons cuidados médicos e de enfermagem;
51. O tratamento que é prestado aos idosos, nomeadamente o envolvimento humano e a prestação de cuidados personalizados, garante o respeito pelo direito à sua dignidade, proteção social e saúde;
52. A decisão de encerramento traduz-se para os utentes, numa situação de maior e inequívoca debilidade, face à incerteza quanto às condições futuras de alojamento e prestação de cuidados;
53. A deliberação sindicada configurará assim, uma ameaça à dignidade, condições de saúde e proteção social de idosos, direitos constitucional e internacionalmente garantidos (artigos 64.º e 72.º da CRP);
54. Por outro lado, o encerramento do estabelecimento, colocará em causa a manutenção dos postos de trabalho, com as irremediáveis consequências a que se encontram associados quanto à subsistência de rendimentos;
55. Ainda que, a sentença final da ação principal venha dar razão ao Recorrente, o que vimos como manifestamente provável, não será a mesma adequada a repristinar o status quo ante das partes envolvidas na deliberação proferida, nomeadamente o Recorrente e seus trabalhadores, bem como os utentes e respetivas famílias, encontrando-se deste forma verificado o pressuposto do periculum in mora;
56. Pelos motivos ante expostos, o encerramento definitivo traduz-se numadecisão cujas consequências são de carácter irremediável e irreversível, pelo que se constata preenchido o requisito “periculum in mora”, nos termos do n.º 3 do artigo 120.º do CPTA;
57. Decorre ainda, do n.º 2 do artigo 120.º do CPTA que “…a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuado pela adoção de outras providências…»;
58. Ora, o princípio da proporcionalidade pressupõe a adequação, necessidade e equilíbrio de interesses, por forma a salvaguardar o princípio de que se deve usar o meio menos lesivo para alcançar o fim público;
59. Tais princípios mais não do que vêm ressalvar que a administração deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos, bem como apenas poderá afetar os interesses dos particulares na medida do necessários e em termos proporcionais aos objetivos a realizar;
60. Ponderados os interesses em presença, o não deferimento da suspensão acarreta para danos muito superiores àqueles que podem resultar da concessão da suspensão;
61. A não suspensão da decisão, anuindo a um cenário de enorme instabilidade na esfera dos utentes e famílias, configurará uma grave ameaça, de carácter irreparável aos interesses públicos inerentes à solidariedade e proteção social, saúde e aos direitos de personalidade dos idosos, com todas as consequências a nível da dignidade, autonomia e desenvolvimento pessoal;
62. Ora, quanto às referidas condições em que são prestados os serviços de apoio social, alojamento e alimentação, considera o Recorrente que se impunha produzir a prova testemunhal, porquanto a limitação do exercício do contraditório afeta diretamente a correta ponderação do requisito periculum in mora, e por conseguinte, a boa decisão sobre o pedido cautelar;
63. Face aos motivos expostos, o Tribunal a quo, limitando o exercício do contraditório, não só não enuncia a matéria factual dada como não provada, como ainda desconsiderou a pronúncia de questões sobre as quais deveria ter recaído a devida apreciação;
64. Entende o Recorrente, que o teor da sentença não especifica devidamente os fundamentos de facto e direito, colocando assim em crise a sua validade;
65. De igual modo e salvo o devido respeito, não poderá o douto tribunal ignorar não só o regime de anulabilidade das decisões administrativas, como ainda, juízos de ponderação, oportunidade, proporcionalidade e adequação inerentes à atividade administração;
66. Destarte, constata-se um erro de julgamento na interpretação, qualificação e subsunção dos factos e do direito, o qual afeta e vicia a decisão ora recorrida;
67. Pela ordem de motivos indicada, será de invocar a nulidade da sentença nos termos e para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 607.º e alíneas b) a d) do nº1 do artigo 615º, ambos do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA;
68. Ademais, sempre se dirá, e salvo o devido respeito, que a douta sentença incorre em erro de julgamento de facto e direito, com todas e as devidas consequências legais
O Recorrido apresentou contra-alegações, produzindo as seguintes conclusões:
A) Através do presente recurso vem o Recorrente sindicar a Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, porquanto entende aquele que a sentença é nula por falta de fundamentação, por não ter sido desconsiderado o seu pedido de audição de testemunhas e por no seu entender poder manter o exercício da atividade pese embora o estabelecimento do Recorrente não possua as condições e licenças necessárias para o efeito;
B) Com efeito, entende o Recorrente que a Sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam e, por falta de fundamentação no que se refere à (des)necessidade de produção de prova e, bem assim, incorre em erro de julgamento ao dar por não verificado o requisito do fumus boni iuris. Sem que lhe assista qualquer razão;
C) Dispõe o n.º 1 do artigo 118.º do CPTA, que “Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.” e no n.º5 do mesmo artigo que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.” (sublinhado nosso);
D)Considerando o teor da sobredita norma jurídica, sempre se dirá que compete ao Juiz, e somente a ele, ordenar os meios de prova oferecidos ou requeridos pelas partes, bem assim como recusar tais meios, quando os mesmos lhe pareçam dispensáveis, por inúteis ou desnecessários;
E) É, neste contexto que se vem pronunciando a recente jurisprudência, que interpreta o preceito em causa no sentido de “Se (r) em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o juiz a quo cautelar decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito”;
F) Nesse sentido, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 09262/12, proferido em 25 de outubro de 2012, que interpreta o artigo 118.º do CPTA de igual modo, clarificando que “O esclarecimento exigível corresponderá ao “estritamente necessário”, para decidir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na ação principal de que depende”;
G) No caso dos autos, verifica-se que do teor do despacho da Mm. º Juiz, proferido antes da Sentença, ainda que na mesma peça escrita, o seguinte: “Indefere-se a requerida produção de prova testemunhal, por se tornar desnecessária para a decisão final dos autos”. Assim, considerando que os factos necessários para a apreciação das questões jurídicas suscitadas se bastam com a profícua prova documental e processo administrativo juntos e dos requisitos de decretamento da providencia previstos no artigo 120.º do CPTA cumulativos, resulta manifesto que improcede o requisito da “aparência do bom direito”, por ser manifesta a legalidade da deliberação impugnada e a improcedência da ação a intentar, por imperativos de economia processual e para evitar a prática de atos instrutórios que se afiguram inúteis, pode o Juiz dentro do seu poder discricionário prescindir da produção de prova, o que in caso ocorreu;
L) Ademais, o processo administrativo junto aos autos pelo Recorrido é ilustrativo do manancial de irregularidades detetadas no estabelecimento explorado pelo Recorrente e no que respeita ao preenchimento dos pressupostos de que depende a concessão da providência cautelar a prova carreada para os autos pelas partes, são suficientes e ostensivas, pelo que não merece qualquer reparo o despacho proferido pela Mm. ª Juiz do tribunal a quo;
N) Ademais, afigura-se ao Recorrido que apenas padeceria de nulidade – como pretende o Recorrente - a decisão judicial que carecesse, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão ), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.09.2007, recurso 059/07);
O) Por seu turno, face aos elementos trazidos a juízo e à natureza do meio processual empregue pelo Requerente, ora Recorrente, a questão que se colocou ao Tribunal a quo foi a de saber se, no caso concreto, se encontravam reunidos os requisitos legais de que depende o decretamento da providência cautelar peticionada, nos termos previstos no artigo 120.º do CPTA, os quais são o periculum in mora, o fumus boni iuris e o juízo de prognose de ponderação de interesses;
P) Em sede cautelar e agora no recurso de apelação, veio o Recorrente alegar invocar entre outros a aparência de bom direito, o que no caso concreto não existe;
Q) De facto, não se alcança o argumento do Recorrente quando alude às conclusões firmadas no Relatório Final quanto à área de “direção, os serviços técnicos e administrativos, instalações de pessoal” etc. quando o que efetivamente está em causa é a sua falta de licença de utilização e licença de funcionamento, entre outras irregularidades. Conhecendo o Recorrente, perfeitamente, o elenco de razões que ditaram a tomada da deliberação de encerramento;
R) Em concreto, do Relatório final (o qual integra naturalmente a fundamentação da proposta de Relatório), decorre com evidência a especificação e divisão fundamentada (nomeadamente, com registos fotográficos) de todas as deficiências e desconformidades encontradas, tanto relativamente às condições de instalação dos idosos, como quanto às condições de segurança, à higiene e segurança alimentar, recursos humanos, situação contributiva, organização técnico-administrativa e inexistência de licença de utilização e licença de funcionamento do equipamento de ERPI e de Centro de Dia;
S) E, todos os elementos que lhe foram transmitidos pelos Relatórios serão mais do que suficientes, à luz do padrão de um destinatário médio, para que o Recorrente tenha ficado na posse dos fundamentos que estiveram na base da prolação da decisão;
T) Chama-se ainda à colação não é controvertida a subsunção dos estabelecimentos do Recorrente ao âmbito objetivo e subjetivo do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31 de dezembro qual define o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas. Concretamente, a propósito do início de atividade, dispõe o artigo 11.º de forma, aliás, muito clara e expressa, que “Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a atividade após realização da comunicação prévia, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º” – dependendo o início de atividade “a) Da conformidade das instalações e do equipamento com a legislação específica aplicável ao desenvolvimento da resposta social pretendida; b) [...]; c) Da existência de quadro de recursos humanos adequado às atividades a desenvolver na resposta social, de acordo com a legislação específica e os instrumentos regulamentares aplicáveis a cada resposta social; d) Da regularidade da situação contributiva das entidades, quer perante a segurança social, quer perante a administração fiscal, a verificar pelo ISS, I. P., diretamente, mediante autorização do respetivo representante legal; e) Da idoneidade do requerente e dos recursos humanos ao serviço da resposta social, considerando o disposto no artigo seguinte; f) Da existência na resposta social, das medidas de segurança contra incêndio adequadas, em conformidade com a legislação em vigor.” (cfr. artigo 12.º do mesmo diploma);
U) Acrescentando o artigo 15.º-A do mesmo diploma que para os casos das respostas de natureza residencial, designadamente estruturas residenciais para pessoas idosas e lares residências para pessoas com deficiência, a autorização de funcionamento pode ser obtida através de comunicação prévia com prazo, a qual, nos termos do artigo 15.º-B é realizada através de formulário disponível no portal da segurança social o qual deve ser instruído com “a) Cópia do cartão de identificação de pessoa coletiva, do cartão de cidadão ou bilhete de identidade do requerente, ou código de acesso à certidão permanente, quando aplicável; b) Documento comprovante do número de identificação fiscal; c) Extrato em forma simples do teor das inscrições em vigor no registo comercial ou código de acesso à respetiva certidão permanente e cópia dos estatutos, quando aplicável; d) Certidão do registo criminal do requerente ou dos representantes legais referidos no n.º 2 do artigo 13.º; e) Declaração da situação contributiva perante a administração fiscal ou autorização para consulta dessa informação por parte dos serviços competentes da segurança social; f) Documento comprovativo do título da posse ou utilização das instalações; g) Licença ou autorização de utilização das instalações, sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo 111.º do RJUE; h) No caso de operações urbanísticas isentas de controlo prévio, termo de responsabilidade do diretor de obra, memória descritiva e plantas das instalações, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º-A; i) Documento comprovativo da dispensa de requisitos de instalação e funcionamento, nos termos do artigo 8.º-A, quando aplicável; j) Documento comprovativo da submissão do pedido ao ANEPC ou, quando respeitante à 1.ª categoria de risco, dos órgãos municipais para aprovação das medidas de autoproteção, quando aplicável; k) Mapa de pessoal, com indicação das respectivas categorias, habilitações literárias e conteúdo funcional; l) Projecto de regulamento interno; m) Minuta de contrato a celebrar com os utentes ou seus representantes, quando exigível nos termos do artigo 25.º” (cfr. artigo 15.º-B do mesmo diploma);
Z) Ora, como confessado para todos os efeitos legais em auto de declarações, pelo menos desde fevereiro de 2020, foi transmitida a propriedade ao Recorrente ficando este como responsável e trabalhador desde essa data e somente em 23.09.2024 é que encetou diligências tendentes a obter a comunicação prévia, sem nunca entregar os documentos que lhe foram solicitados, a 30.09.3034, quiçá por não cumprir os requisitos elencados nas alíneas a), c), d) e f) do artigo 12.º do citado diploma, nem tão pouco os elencados nas alíneas e), f), g), j) e k) do 15.º-A do mesmo diploma;
AA) Ainda mais curioso é que o Recorrente só após a ação conjunta de fiscalização levado a cabo pelas entidades Administrativas Autoridade Tributária, ASAE e Requerido, em 18.10.2023, é que resolve quase um ano depois, em 23.09.2024 realizar a comunicação prévia em clara violação do estatuído no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março que determina que os estabelecimentos abrangidos pelo citado decreto-lei só podem iniciar a atividade após realização da comunicação prévia;
BB) Sabe perfeitamente o Recorrente o elenco de razões que ditaram a tomada de decisão, por parte do Recorrido, de encerramento do estabelecimento “Lar Residência dos Avós”, entre as quais se destaca a inexistência da licença camarária, a falta de licença de funcionamento, a falta de qualquer título válido/comunicação prévia com prazo que permita o seu funcionamento e em geral a falta de condições;
CC) Donde atento o sobredito, num primeiro olhar e numa análise perfuntória, se afigura como manifesta a improcedente da ação principal. De todo o modo, os requisitos de que depende o decretamento das providências cautelares são cumulativos, e ainda que se considere, o que diga-se desde já não se concebe, que se encontra verificado o fumus boni iuris, sempre seria necessário, que se verificassem os requisitos do periculum in mora e do juízo de prognose de ponderação de interesses;
DD) Na presente situação, é manifesta a ausência de razão nas alegações do Recorrente, de factos concretos de onde se possa concluir pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação;
EE) Com efeito, os danos invocados pelo Recorrente não são suscetíveis de serem qualificados como irreparáveis, ou mesmo de difícil reparação, desde logo, porque assumem uma natureza estritamente económica e pecuniária, pelo que serão sempre reparáveis na eventualidade da ação principal ser julgada procedente;
FF) Acrescente-se, ainda, que todos os argumentos apresentados pelo Recorrente, não são suscetíveis de afastar os factos descritos no processo administrativo, relativamente à falta de licenciamento do estabelecimento de apoio social por si explorado e outras irregularidades, resultando manifesta também falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal;
GG) Ao Tribunal a quo competia, apenas ao primeiro olhar e de uma análise perfuntória, aferir da possibilidade da procedência da ação principal e avaliar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação que advêm para o Recorrente pela não concessão da presente providência, o que fez, não merecendo a fundamentação e decisão daquele Tribunal qualquer reparo, devendo ser mantida integralmente.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
***
II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se ocorre erro ou nulidade por preterição de formalidade imposta por lei quanto ao despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal e, por outro lado, se a sentença recorrida se encontra contaminada das arguidas nulidades e do erro de julgamento de facto e de direito assacado pelo Recorrente.
***
III - Matéria de facto.
A sentença recorrida fixou a seguinte factualidade:
A) Em 16.11.2023, foi elaborado o Projecto de Relatório – Informação n.º 446/NFES/2023, com o seguinte teor:
“(…)
D – Descrição e Apreciação dos factos apurados
A. A resposta social: estrutura residencial para pessoas idosas
1. Situação Jurídica/Resposta Social
Por ocasião desta acção de fiscalização, encontravam-se 21 camas armadas, tendo-se comprovado que estavam a frequentar estas instalações 20 utentes, dezanove (19) residentes e um (1) em regime de centro de dia, cujos nomes, as datas de nascimento e datas de admissão, constam da listagem a fls. 35, elaborada in loco e assinada pelo proprietário P..., para a qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida.
Em face dos factos recolhidos no local, apurou-se que os referidos 20 utentes usufruem dos mesmos serviços, isto é, a todos são prestados serviços de alimentação, higiene e tratamento de roupa, sendo que um utente se encontra num regime sem alojamento (centro de dia) e aos restantes 19 usuários acresce a residência no equipamento.
Assim, face ao número de utentes que frequentam o equipamento (20) e aos serviços a eles prestados, conclui-se que este estabelecimento desenvolve as respostas sociais de ERPI (19 utentes) e Centro de Dia (1 utente).
Assim, face ao número de utentes ali acolhidos e aos serviços a si prestados (alojamento; alimentação, cuidados de higiene pessoal, de saúde, ambiental e ainda tratamento de roupa), constatou-se que o estabelecimento constitui uma ERPI e Centro de Dia, sem que tenha sido efectuada a comunicação prévia, exigida pelo n.º 2 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 136-A/2021, de 31 de Dezembro, sendo certo que é inexistente o título de autorização de funcionamento emitido por este Instituto de Segurança Social, I.P., contrariando o disposto no art.º 18.º do indicado Decreto Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021 de 31 de Dezembro.
2. Quanto às condições de instalação
(…)
O alojamento dos idosos é realizado no edificado com uma garagem transformada em alojamento de idosos e num anexo, onde está uma cozinha e despensa, não existindo ligação interna entre ambos.
(…)
Em resultado da avaliação e descrição dos espaços que compõem o estabelecimento, constata-se que o mesmo funciona em edificado que não se encontra adequado à Portaria n.º 67/2012, de 21 de Março, não comportando ou não estando adequadas às necessárias áreas orgânicas seguintes:
- Área da direcção, serviços técnicos e administrativos, recepção, instalações para o pessoal e gabinete de enfermagem, pelo que não se encontra de acordo com a legislação em vigor, conforme prevê o artigo 18.º, com as particularidades expressas nas Fichas 1, 2, 3, e 8 do Anexo I, da referida Portaria;
- Não existem quartos individuais em violação do ponto 6.3.3. da Ficha 6, do Anexo I da indicada Portaria, havendo ainda um quarto com quatro camas com dimensões demasiado exíguas face ao número de camas e ainda uma garagem transformada em quarto de 8 camas.
Acrescenta-se que os quartos não dispõem de mobiliário básico suficiente;
- Por outro lado, a cozinha não dispõe de zonas de higienização, preparação, confecção, lavagem (copa suja) e de distribuição (copa limpa) devidamente estruturas, em contrariedade com o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7.2.1. da Ficha 7, do Anexo I da referida Portaria, o mesmo acontecendo com a lavandaria, a qual não dispõe de espaços exigidos no n.º 7.3.1. da mesma Ficha 7.
- Foram ainda verificadas situações que contribuem para o pouco propiciado aos utentes e comprometedoras do seu bem-estar: - a utilização do espaço cave/garagem para acomodar utentes (8 utentes);
- As camas encontram-se encostadas às paredes/janelas, roupeiros ou umas às outras;
- Não existiam mesas de cabeceira em número equivalente ao de camas.
3. Condições de Segurança e Higiossanitárias
Estas instalações não possuem a correspondente licença ou autorização emitida pela Câmara Municipal de Loures, contrariando o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/20214 de 31 de Dezembro.
As instalações não possuem o Parecer da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, contrariando o disposto no n.º 2 do artigo 8.º do citado Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, diploma republicado e alterado pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31 de Dezembro, nem de medidas de autoprotecção. Verificou-se que estavam fora de prazo os extintores (2018) e de resto não existia mais meios de detecção de combate a incêndios. Não existia placas de sinalização e iluminação de emergência, nem detetores automáticos de Inocêncio ou central de sinalização ou comando.
3. Condições de higiene e segurança alimentar (…)
4. Condições de higiene e conforto
(…)
Constatou-se a existência de um quarto com quatro camas e uma garagem transformada em quarto com 8 camas, com utentes de ambos os géneros, sem mobilidade para os utentes, nem equipamento suficiente, situação que comprometia o conforto dos utentes e consequentemente a sua qualidade de vida, contrariando os princípios da qualidade, humanização e respeito pela individualidade que devem reger a estrutura residencial, nos termos da alínea b) do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2012, de 21 de Março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 126- A/2021 de 31 de Dezembro.
Não obstante o exposto, no decurso da acção de fiscalização, não se verificou a existência de perigo imediato e iminente para a vida ou integridade física de qualquer utente, mas observaram-se deficiências graves, nas instalações, segurança, funcionamento e conforto do estabelecimento que colocam em causa o bem-estar dos idosos acolhidos, justificativas de um encerramento administrativo do estabelecimento.
(…)
F – Conclusões
Em virtude dos factos apurados no decorrer da acção de fiscalização, formulam-se as seguintes conclusões:
1. Por ocasião da acção de fiscalização, em 18/10/2023, verificou-se que se encontrava em funcionamento nas instalações sitas na uma estrutura residencial para pessoas idosas e um centro de dia, com 19 utentes residentes e 1 em centro de dia, propriedade de P... com o (…).
2. Constatou-se que o estabelecimento constitui uma EPRI e Centro de Dia, sem que tenha sido efectuada a comunicação prévia, exigida pelo n.º 2 do art. 11.º do Decreto Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 136- A/2021, de 31 de Dezembro, sendo certo que é inexistente o Título de autorização de funcionamento emitido por este Instituto da Segurança Social, I.P., contrariando o disposto no art.º 18.º do indicado Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021 de 31 de Dezembro.
3. As instalações não eram detentoras do Parecer da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil; do Parecer da Autoridade de Saúde e da licença ou autorização de utilização emitida pela Câmara Municipal de Loures, contrariando o previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 8.º e art. 10.º do citado Decreto-Lei n.º 64/2007, sendo igualmente inexistente o certificado de implementação das medidas de auto protecção emitido por esta entidade (Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro e na Portaria n.º 1532/2008, de 29 de Dezembro).
4. As condições de instalação são inadequadas face à legislação em vigor, não se encontrando adequadas conforme o disposto no Anexo da Portaria n.º 67/2012, de 21 de Março, não comportando as seguintes áreas orgânicas: recepção e instalações para o pessoal, pelo que não se encontra de a cordo com a legislação em vigor, conforme prevê o artigo 18.º, com as particularidades expressas nas Fichas 1, 3 e 8 do Anexo I, da referida Portaria. Alguns quartos existentes no estabelecimento têm número de camas acima do previsto na legislação (um quarto com quatro camas) e uma garagem transformada em quarto com 8 camas, o que compromete a qualidade de vida dos utentes e conforto, contrariando o previsto no n.º 6.3.3 da Ficha 6 do Anexo I da Portaria n.º 67/2012, de 21 de Março. Acrescenta-se que os quartos não dispõem de área de circulação nem mobiliário básico suficiente, verificando-se falta de privacidade e respeito pelos pertences individuais dos utentes.
5. Acresce deixar expresso que a garagem do edificado serve de quarto para utentes de sexo diferente, sendo que se encontravam misturados sem qualquer grau de parentesco, afinidade ou conjugalidade, situação que diminui ainda mais a privacidade daqueles utentes.
6. No que concerne ao rácio de pessoal de ERPI é insuficiente, em face dos indicadores de pessoal previstos no artigo 12.º da Portaria n.º 67/2012, de 21 de Março, encontravam-se em falta, para assegurar os níveis adequados de qualidade e independentemente de outros que se entendam necessários para assegurar as respectivas folgas e horários completos: um director técnico a tempo parcial, um animador social a tempo parcial, um ajudante de cozinha e um trabalhador auxiliar.
7. Acresce ainda a existência de uma outra resposta social para a qual não existem empregados afectos, verificando-se desta forma ainda a falta de um ajudante de acção directa para Centro de Dia e de um empregado auxiliar.
8. No que concerne à situação contributiva aferiu-se em SISS que os trabalhadores não se encontravam qualificados como trabalhadores por conta de outrem (TCO) do proprietário P... (…) pelo que este infringiu as disposições dos n.ºs 1 a 3 do artigo 29.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, alterada pela Lei n.º 119/2009, de 30 de Dezembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado 2011), previsto e punível pelo n.º 7 do artigo 29.º e artigos 233.º e 238.º do mesmo normativo.
9. Não existe regulamento interno para as respostas sociais de estrutura residencial para pessoas idosas e Centro de Dia, contrariando o estatuído no art. 14.º, da Portaria 67/2012, de 21 de Março, bem como do art. 26.º, do Decreto-Lei 64/2007, de 14 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021 de 31 de Dezembro. Não estão afixados nenhum documentos exigidos por lei, em inobservância do estatuído no art. 13.º da Portaria 67/2012, de 21 de Março e no art. 27.º Decreto-Lei 64/2011, de 14 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021 de 31 de Dezembro, nomeadamente: Cópia da licença de funcionamento ou da comunicação prévia; identificação do director técnico, horário de funcionamento das actividades e serviços, mapa de ementa, preçário, a planta de emergência e o documento comprovativo da aprovação das medidas de autoprotecção e de realização de inspecções regulares, bem como não existiam processos individuais, contrariando o disposto no art.º 9.º da Portaria n.º 67/2012, de 21 de Março.
10. Confirmou-se relativamente a denunciado o desenvolvimento de uma estrutura residencial para pessoas idosas de provida de autorização de funcionamento ou de comunicação prévia, onde residiam à data da acção dezanove idosos em ERPI e uma idosa em Centro de Dia, existindo insuficiência de pessoal e o mesmo em situação ilegal perante a segurança social. Em síntese, como se demonstrou pela factualidade descrita, o estabelecimento em apreço não reúne as condições de adequação necessárias para prossecução das respostas sociais de estrutura residencial para pessoas idosas e centro de dia, apresentando graves deficiências ao nível das instalações, condições de segurança, do seu funcionamento, recursos humanos, conforto e sem garantir os cuidados básicos a que os utentes têm direito e sem demonstrar preocupação pela especial vulnerabilidade de autonomia limitada que caracterizam esta população alvo, pelo que, se propõe o se encerramento administrativo nos termos do artigo 35.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 33/2014 de 04 de Março e na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31 de Dezembro.
G – Propostas
Das conclusões extraídas de toda a acção de fiscalização são julgadas convenientes as seguintes recomendações e propostas, sem prejuízo de outras que se considerem pertinentes em sede de Relatório Final:
Promover o encerramento administrativo do estabelecimento de estrutura residencial para pessoas idosas e centro de dia, por apresentar deficiências graves nas condições de conforto, funcionamento, instalação e segurança, colocando em causa os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida artigo 35.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021 de 31 de Dezembro, notificando a entidade proprietária, nos termos e para os efeitos do Código de Procedimento Administrativo, para todos os endereços conhecidos do mesmo.” (dado como provado com base no processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) Em 13.12.2023 foi exarado despacho sobre a informação n.º 446/NFES/2023, com o seguinte teor: “Face à situação encontrada bem patente na descrição efectuada no presente relatório e nos parecer do Chefe de Sector as respostas sociais de ERPI e CD apresentam deficientes condições de instalações, segurança, higiene e funcionamento, tal como sejam a falta de condições de segurança e a falta de licenciamento e o reduzido número de recursos humanos que apresenta face ao n.º de utentes existentes. Desta forma, concordo com as conclusões e propostas. Proceda-se em conformidade com o proposto.” (dado como provado com base no processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C) Em 21.03.2024, a Entidade Requerida remeteu para o aqui Requerente um ofício com o assunto: “Notificação de intenção de encerramento” (dado como provado com base no processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) Em 20.08.2024, os serviços da Entidade Requerida elaboraram o ofício, dirigido ao aqui Requerente, com o seguinte teor:
“Assunto: Notificação de ordem definitiva de encerramento
(…)
O Instituto de Segurança Social (ISS, IP) ordenou o encerramento administrativo de um estabelecimento de apoio social sem denominação, com as seguintes características:
- Exerce a actividade de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e Centro de Dia;
- com fins lucrativos;
- não estando licenciado;
- funciona sob a propriedade de P...;
- está instalado em Rua M…, n.º 3…, Torres Besoeira, Fanhões Artigos 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 64/2007
Porque ordenamos o encerramento do estabelecimento
Não tendo recebido resposta em sede de audiência prévia, o Instituto da Segurança Social, através da Deliberação n.º 230/2024, de 2024-07-04, ordenou o encerramento administrativo imediato do estabelecimento acima indicado, pelos motivos e com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório anexo.
Prazo para cessar a actividade do estabelecimento
No prazo de 30 dias a contar da data em que recebeu esta notificação, a entidade responsável tem de terminar a actividade de apoio social do estabelecimento e assegurar, em articulação com as famílias dos utentes, alternativas que permitam garantir o seu bem-estar. No final desse prazo, o estabelecimento não poderá ser reaberto nem continuar sem a autorização do Instituto da Segurança Social.
Artigos 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 64/2007
Consequências do incumprimento da deliberação
Caso o estabelecimento seja reaberto ou a actividade de apoio social continue de forma ilegal, a entidade responsável será sujeita a procedimental criminal por crime de desobediência.
Alínea b) do artigo 348.º do Código Penal (…)
E) Em anexo ao ofício consta a Informação n.º 230/2024, de 05.06.2024 – Relatório Final -, com o seguinte teor:
“(…)
A – Introdução
Na sequência das notificações, efectuadas pelos ofícios n.ºs SAI.SCC-2106/2024 e SAI.SCC2107/2024, em 2024.03.21 (fls. 114 e 146) para efeitos do exercício do direito de participação (audiência prévia), não veio, o proprietário P... apresentar resposta que obste ao prosseguimento do projecto de decisão respeitante ao encerramento administrativo do estabelecimento de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas – Lar de Idosos e Centro de Dia sem denominação, sita na (…) Fanhões.
Como consta do resultado do correio registado nacional a fls. 145 e 176, a entidade proprietária foi notificada ao abrigo dos referidos ofícios para efeitos de “Audiência Prévia”
(…)
Conforme melhor se encontra descrito no projecto de relatório e oportunamente notificado ao referido, por questão de economia processual se dá inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais.
B – Apreciação da Resposta e da prova apresentada
Não tendo a citada entidade proprietária utilizado o direito de resposta previsto no art. 121.º do Código do Procedimento Administrativo, terminado o prazo de 10 dias (…) e tendo em consideração quer os factos, quer a matéria de direito que sustentou a decisão que recaiu sobre o projecto de relatório no processo de averiguações efectuado às respostas sociais, Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e Centro de Dia (…) encontram-se reunidas as condições para se prosseguir com o encerramento administrativo deste estabelecimento.
C – Conclusões
Tendo presente tudo quanto se apurou e fundamentou em sede de projecto de relatório são de manter todas as conclusões apresentadas no Capítulo F do projecto de relatório, para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido.
Em síntese, como se demonstrou pela factualidade descrita no já referido projecto de relatório, o proprietário do estabelecimento em apreço tem vindo a prosseguir a resposta social de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e Centro de Dia, nas instalações em causa, sem obter o devido licenciamento, sem nada ter diligenciado no sentido de iniciar o processo de licenciamento e sem obedecer aos requisitos legais.
O presente estabelecimento apresenta graves deficiências ao nível das instalações, funcionamento, segurança, higiene e conforto, as quais, põem em causa os direitos dos idosos e a sua qualidade de vida, não estando adequado ao previsto na Portaria n.º 67/2012, de 21/03, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 349/2023, de 13 de Novembro, nos termos do n.º 1 do art. 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, com as alterações do Decreto-Lei n.º 136/2023, de 29 de Dezembro e em conformidade com a Orientação Técnica n.º 12/2011, de 1 de Junho do Conselho Directivo do ISS, I.P., são factos determinantes do encerramento administrativo e imediato deste estabelecimento.
Com efeito, a falta de espaços necessários e adequados ao desenvolvimento da actividade, inadequação das instalações, falta de conforto e privacidade dos utentes, a falta de pessoal, para além de irregularidades em termos de segurança, funcionamento, ausência de documentação obrigatória, higiene e conforto do estabelecimento, nos termos do n.º 1 do art. 35.º do citado Decreto-Lei.
D – Propostas
Pelo exposto, do resultado da acção de fiscalização, são julgadas convenientes as seguintes propostas:
1. Promover e dirigir as acções necessárias à efectivação do encerramento administrativo imediato do estabelecimento, nomeadamente, dar continuidade à adequada formalização do processo, recorrendo aos modelos constantes da Orientação Técnica do Conselho Diretivo do ISS, I.P. n.º 12/2011, de 1 de Junho, através de, designadamente: Deliberação Final, Notificação de Decisão, Afixação do Aviso e pedido de colaboração à respectiva Junta de Freguesia.
2. Elaboração de Auto de Notícia considerando as infracções verificadas para instauração do respectivo processo contraordenacional relativamente às respostas sociais desenvolvidas designadamente de estrutura residencial para pessoas idosas e centro de dia (…); (…) (dado como provado com base no processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F) Em 04.07.2024, o Conselho Directivo da Entidade demandada emitiu a seguinte deliberação:
“Deliberação
Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março na sua versão actualizada
Código do Procedimento Administrativo
Código Penal
Assunto: Encerramento administrativo imediato de estabelecimento
Data: 2024-07-04
Após a análise dos autos do processo administrativo que correu os seus trâmites na Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, o Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, delibera:
1. Ordenar o encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social sem denominação, com as seguintes características: (…)
2. Fixar o prazo de 30 dias para a cessação da actividade (…)
Porque ordenamos o encerramento do estabelecimento
A presente deliberação tem por fundamento deficiências graves nas condições de instalações, funcionamento, segurança, higiene e conforto do estabelecimento, representando um perigo potencial para os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida, conforme se indica no relatório da Unidade de Fiscalização que se anexa
(…).” (dado como provado com base no processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
***
IV - Fundamentação de Direito.
a) Do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal
Em despacho imediatamente antecedente à sentença recorrida, o Tribunal a quo também decidiu o seguinte: Indefere-se a requerida produção de prova testemunhal, por se tornar desnecessária para a decisão final dos autos.
O Recorrente não se conforma com tal decisão, dizendo, em resumo, que foi cometida uma nulidade por omissão de acto imposto pela lei, atento o previsto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
Mas o Recorrente não tem razão.
Nesta temática, não nos vamos afastar de parte da fundamentação e da decisão já prolatada no acórdão deste mesmo TCAS, de 31/10/2024, proferido no processo sob o n.º 683/23.3BEALM, disponível para consulta em www.dgsi.pt, de que o ora Relator também ali figurou nessa mesma qualidade, destacando-se o seguinte excerto:
É para manter o assim decidido.
Vejamos as razões.
O Tribunal a quo, no essencial, entendeu que a prova documental patente nos autos era suficiente para tomar a decisão sobre o processo cautelar, sobretudo, no que toca à aferição dos requisitos inscritos no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.
O despacho de recusa da prova testemunhal foi tomado pelo Tribunal a quo ao abrigo do n.º 5 do artigo 118.º do CPTA, que preceitua o seguinte: “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”.
Num breve parêntesis, não é por demais relembrar que o próprio Juiz, se assim o entender, tem a faculdade (e não a obrigação) de ordenar produção de prova, conforme dimana dos n.ºs 1 e 3 do artigo 118.º do CPTA.
Neste conspecto, não é por demais relembrar, por exemplo, o já decidido no acórdão do TCAN, de 30/09/2022, proferido no processo sob o n.º 00169/22.3BECBR, consultável em www.dgsi.pt, enfatizando-se o que consta dos pontos 1 e 2 do seu sumário, como segue:
“1. Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essenciais à decisão cautelar. Sob pena de desvirtuamento da própria providência cautelar, transformando-a em processo principal, fora das situações, muito excepcionais, em que é permitido o julgamento do processo principal na providência cautelar.
2. Nos procedimentos cautelares a produção de prova para além da já produzida nos articulados é excepcional, e depende do livre arbítrio do juiz na consideração da sua necessidade, como decorre claramente da parte final do n.º 1 do citado artigo 118º. E, consequentemente, a decisão final nestes procedimentos tanto pode ter lugar logo após a última oposição, a regra, como após produção de prova, a excepção, face ao disposto no n.º 1 do citado artigo 119º. As partes já contam, ou devem contar, face a estes preceitos, que a seguir aos articulados e, salvo circunstâncias excepcionais, se segue a decisão final. Não constitui, portanto, qualquer surpresa a dispensa de produção de prova e decisão de mérito logo após os articulados em procedimento cautelar, porque essa é a regra numa das alternativas processuais previstas na lei.”
No mesmo sentido, secunda-se o acórdão do mesmo TCAN, de 07/04/2017, prolatado no processo sob o n.º 02460/16.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt, destacando-se o ponto 2 do seu sumário, que pugnou o seguinte: “Não obstante vir requerida a produção de prova testemunhal, em processo cautelar, por natureza urgente, caso a prova atendível se mostre predominantemente documental, nada obstará ao indeferimento daquela, nos termos do art.º 118º, n.ºs 1 e 5 do CPTA, mormente quando perfunctoriamente se percecione que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão a proferir, e que só teria efeitos meramente dilatórios.”.
Retornando ao que estipula o n.º 5 do artigo 118.º do CPTA, ao conceder ao Juiz a possibilidade de recusar a utilização de meios de prova, não se pode perder de vista que tal comando legal está conectado com o carácter urgente dos processos relativos a providências cautelares (cf. artigo 36.º, n.º 1, alínea f), do CPTA), nos quais impera a celeridade processual, a análise meramente indiciária da factualidade relevante e a sindicância perfunctória ao nível do direito.
Da leitura do preceito legal em evidência decorre que a produção de prova em processo cautelar, designadamente, de ordem testemunhal, pode ser recusada pelo Tribunal de 1.ª instância quando os factos sobre os quais vai incidir se mostram ou assentes, ou irrelevantes, ou manifestamente dilatórios.
O que ali se plasmou no citado acórdão tem plena aplicação para o caso vertente. Vejamos as razões.
Do despacho de indeferimento ora posto em crise, embora de teor sintético, há que, sistematicamente, correlacioná-lo com a fixação factual que se seguiu, depois, na sentença, assente que foi exclusivamente em prova documental. É, pois, possível inferir com mediana clareza que, tudo conjugado, foi considerado pela 1.ª instância ser desnecessária a produção da prova testemunhal arrolada por, no fundo, ter julgado suficiente e adequada a prova documental já disponível para o julgamento do pleito entre mãos, sobretudo, porque concentrou a sua sindicância unicamente no não verificado pressuposto do “fumus boni iuris”.
Aliás, como dito, tendo presente que a sentença recorrida quedou a sua análise ao requerimento cautelar pela não verificação do pressuposto do “fumus boni iuris”, é de admitir que, no caso em apreço, como propugnado pela jurisprudência atrás citada, a prova atendível se mostre predominantemente documental, nada obstando ao indeferimento da prova testemunhal, nos termos do art.º 118.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA, mormente, porque perfunctoriamente se percepcionou que a prova testemunhal não poderia ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão a proferir, e que só teria efeitos meramente dilatórios.
Ou seja, seria manifestamente desnecessária a produção de prova testemunhal sobre factos atinentes à dinâmica do pressuposto do “periculum in mora”, como se julga pretender o Recorrente com o alegado na 62.ª conclusão de recurso, pois que, com tal objectivo, da realização de tal meio probatório não resultaria um sentido diverso quanto ao julgamento que especificamente incidiu sobre o pressuposto do “fumus boni iuris (a falta dele, melhor dizendo) e que ditou o indeferimento do requerimento cautelar.
Aliás, em processo cautelar semelhante ao ora em apreço, relacionado também com uma ERPI, já o acórdão deste TCAS, de 24/09/2020, proferido no processo sob o n.º 276/20.7BESNT, consultável em www.dgsi.pt, avançou igual entendimento, destacando-se parte do seu sumário, como segue:
(…) IV- Verificando-se nos autos que um dado estabelecimento de apoio a idosos não se encontra licenciado e não é detentor das autorizações e licenças devidas, assim como, que não é provável ou previsível que o dito estabelecimento possa vir a deter as licenças e autorizações necessárias ao seu funcionamento, haverá necessariamente de ser determinado o seu encerramento;
V- Nessa circunstância, não é errado o julgamento que considera suficiente a prova documental já junta aos autos e julga desnecessária a produção da prova testemunhal, por esta última prova visar a comprovação de factos que apenas relevavam para aferir do requisito periculum in mora (…)” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, o acórdão deste TCAS, de 21/04/2021, prolatado no processo sob o n.º 921/20.4BELRA, igualmente incidente no caso de uma ERPI, consultável em www.dgsi.pt, enfatizando-se parte do seu sumário:
i) O tribunal a quo deu como não verificado o requisito do fumus boni iuris;
ii) Não havendo necessidade de prosseguir com a apreciação do requisito periculum in mora, inútil seria a produção de prova sobre tais aspetos, pois a não verificação do primeiro daqueles requisitos implica, desde logo, o não decretamento da providência cautelar requerida.” (sublinhado nosso).
Portanto, também aqui seria dilatória e inútil a requerida produção de prova testemunhal, mostrando-se isento de erro de julgamento o despacho em causa, proferido que foi de acordo com a adequada interpretação ao artigo 118.º, n.º 5, do CPTA.
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b) Da arguida nulidade da sentença recorrida por omissão de factos não provados
É certo que, da sentença recorrida, depois da fixação dos factos provados e da sua motivação, nada consta sobre factos não provados.
O Recorrente alude a tal omissão, citando para tal exigência o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, embora não indique sequer em conclusões recursivas que factos não provados deveria a sentença fixar e qual a relevância dos mesmos para que se perceba em que medida a alegada irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, atento o prescrito no n.º 1, “in fine”, do artigo 195.º do CPC.
Isto é, como afirmado no acórdão deste TCAS, de 13/02/2025, emitido no processo sob o n.º 649/23.3BEALM (de que o ora Relator no mesmo interveio nessa mesma qualidade), disponível para consulta em www.dgsi.pt, o Recorrente devia ter discriminado em conclusões de recurso quais os factos relevantes ou pertinentes, entre os alegados em articulado, que na eventualidade de poderem ser dados como não provados, implicariam, quando sujeitos à aplicação do Direito, um resultado útil ou vantajoso para a sua posição ou para o direito ou interesse que pretende pugnar com a requerida medida cautelar.
Ou seja, ao fim e ao cabo, cabia-lhe substanciar a nulidade que argui, dizendo de modo concreto que facto ou factos
não provados foram omitidos pelo Tribunal a quo, coisa que não cumpriu de modo algum em conclusões de recurso” (destaques nossos).
Só podemos concluir que o alegado nesta vertente é irrelevante e em nada inquina a sentença recorrida, indeferindo-se, com efeito, a aventada nulidade.
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c) Da arguida nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia
Em síntese, o Recorrente argui que a sentença recorrida, ao indagar o pressuposto do “fumus boni iuris”, ateve-se tão-só ao vício de forma por falta de fundamentação do acto administrativo suspendendo, olvidando a demais viciação assacada, designadamente, a que concerne ao erro nos pressupostos de facto ou/e de direito, sustentando, assim, a causa de nulidade estipulada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Mas, de novo, sem razão.
Veja-se o que, nesta matéria, afirmou a sentença recorrida:
Vejamos.
O Requerente alega que o acto impugnado padece de vício de forma por falta de fundamentação, contudo, após uma análise sumária e perfunctória da deliberação impugnada conclui-se que se encontra fundamentada de forma suficiente, clara e congruente, dado que a mesma deliberação remeteu para a informação que lhe serve de base – Relatório final -, que por sua vez remete para o capítulo F) do Projecto de Relatório, que contém a descrição da situação apurada pela Entidade Requerida (cf. Artigo 153.º, n.º 1 do CPA).
Ademais, o Requerente não contesta na presente acção, a maioria dos factos apurados pela Entidade Requerida, nomeadamente quanto às condições de segurança e condições de instalação [“o alojamento dos idosos é realizado no edificado com uma garagem que foi transformada em alojamento de idosos (…).], bem como a estrutura residencial para pessoas idosas encontra-se “desprovida da autorização de funcionamento ou da comunicação prévia.” (cf. Artigos 15.º-A, 15.º-A e 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31.12 e Portaria n.º 67/2012, de 21.03), donde se pode concluir, após análise sumária e perfunctória, que, mesmo que fosse procedente a argumentação do Requerente, subsistiriam outros pressupostos de facto e de direito da deliberação sub judice que determinariam o encerramento administrativo da estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) (cf. Acórdão do TCAN, de 12.04.2019, Processo n.º 00457/17.0BECBR, disponível em www.dgsi.pt, citado pela Entidade Requerida na Oposição).
Conclui-se, assim, de forma indiciária, que não se verifica estar preenchido o requisito cumulativo do “fumus boni iuris” (requisito que se traduz em ser provável que a acção principal seja julgada procedente), ficando, de todo o modo, prejudicado a apreciação do requisito “periculum in mora” e a realização da ponderação de interesses prevista no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.
Termos em que deverá ser julgado improcedente o pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo que determinou o encerramento administrativo da estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI).
Do excerto acabado de transcrever, contrariamente ao propugnado pelo Recorrente, denota-se dois vectores distintos de análise no que tange ao pressuposto do “fumus boni iuris”:
i) o que se centra no vício de forma por alegada falta de fundamentação, tendo o Tribunal a quo sustentado que, após uma análise sumária e perfunctória da deliberação impugnada conclui-se que se encontra fundamentada de forma suficiente, clara e congruente, dado que a mesma deliberação remeteu para a informação que lhe serve de base – Relatório final -, que por sua vez remete para o capítulo F) do Projecto de Relatório, que contém a descrição da situação apurada pela Entidade Requerida (cf. Artigo 153.º, n.º 1 do CPA)” – (sublinhado nosso);
ii) e o que se alicerça na factualidade que julgou relevante e na sua subsunção ao direito, no que já se traduz, no fim de contas, na sindicância perfunctória ao alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito do acto suspendendo, tendo a sentença recorrida considerado que, ante a factualidade essencial que reputou de relevante e pertinente [ao afirmar: nomeadamente quanto às condições de segurança e condições de instalação [“o alojamento dos idosos é realizado no edificado com uma garagem que foi transformada em alojamento de idosos (…) – sublinhado nosso], havia que aplicar o direito que à mesma melhor se prestava e que, no seu entender, assentava na conclusão lógico-jurídica de que a estrutura residencial para pessoas idosas encontra-se “desprovida da autorização de funcionamento ou da comunicação prévia.” (cf. Artigos 15.º-A, 15.º-A e 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31.12 e Portaria n.º 67/2012, de 21.03)” - (sublinhado nosso).
Escalpelizando o acabado de expor, concluímos que a sentença recorrida, no que ao pressuposto do “fumus boni iuris” diz respeito, para além da sindicância ao vício de forma por falta de fundamentação, também enveredou pela análise da viciação ao nível dos pressupostos de facto ou/e de direito do acto suspendendo, mormente, na questão essencial em que considerou o alojamento dos idosos instalado numa garagem, que foi transformada para tal finalidade, funcionando tal estrutura sem o devido licenciamento, para o que citou, por fim, o conjunto dos comandos legais que considerou aplicáveis ao caso concreto.
Se bem, ou mal, apreciados tais vícios, factual ou juridicamente, não é já causa de nulidade da sentença recorrida, mas sim de eventual erro de julgamento.
E se não tidos em conta pelo Tribunal a quo todos os argumentos ou considerandos jurídicos invocados pelo ora Recorrente no seu requerimento inicial, isso também não constitui a causa de nulidade que ora tratamos, pois o importante é que a sentença recorrida tivesse sindicado as “questões” essenciais que devesse apreciar, ou seja, no que ao “fumus boni iuris” em processo cautelar concerne, a análise perfunctória dos suscitados vícios (o de forma e o de substância), coisa que foi feita pela sentença recorrida.
Indefere-se, pois, a arguida nulidade.
***
d) Da impugnação do Recorrente sobre a decisão relativa à matéria de facto
Compulsadas, nomeadamente, as conclusões de recurso 23.ª, 39.ª e 44.ª, conclui-se que o Recorrente pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto, seja porque mostra discordância quanto a factos provados, seja porque afirma que a sentença é omissa na fixação factual.
Acontece que o Recorrente, por um lado, limita a deduzida impugnação factual a meros argumentos genéricos e vagos de discordância ou divergência sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida e seu suporte documental, repetindo amiudadamente argumentos que já esgrimira no requerimento inicial, e, por outro lado, olvida por completo o ónus de especificação que sobre si impendia quanto à almejada impugnação da decisão sobre a matéria de facto, preconizado no artigo 640.º do CPC.
Ou seja, o artigo 640.º do CPC, enquanto norma instrumental que tem em vista a modificabilidade da decisão de facto permitida pelo artigo 662.º do CPC (Este artigo é instrumental do art. 662, que regula a modificabilidade, pelos tribunais da relação, da decisão de facto constante da decisão recorrida” – cfr. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, em “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3.º, 3.ª edição, Almedina, reimpressão de 2023, pág. 97), estabelece de modo inequívoco a quem, recursivamente, queira impugnar a decisão relativa à matéria de facto, a obrigação de especificar o seguinte:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nenhuma das obrigações legais acabadas de citar foi cumprida pelo ora Recorrente, sobretudo, em conclusões de recurso, só cabendo, portanto, rejeitar globalmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, atenta a cominação prevista no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o que se determina.
***
e) Do alegado erro de julgamento
Desde já adiantamos que a sentença recorrida, na medida em que indeferiu o requerimento cautelar, não merece censura.
Analisemos.
Estamos no âmbito de um processo cautelar e manda o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, que a adopção da providência cautelar depende de, ao nível do pressuposto do “fumus boni iuris”, dar-se por verificada a probabilidade de que a pretensão formulada ou formular no respectivo processo principal venha a ser julgada procedente.
Como afirmado pelo acórdão deste TCAS, de 11/07/2024, prolatado no processo sob o n.º 1568/22.6BELSB, consultável em www.dgsi.pt, que incidiu igualmente num caso relativo a uma ERPI, requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, dada a aparência do bom direito, devendo esta apreciação ser feita através de uma summaria cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo requerente para os autos.
Ora bem, no que ao julgamento formulado na sentença recorrida sobre o vício de forma por alegada falta de fundamentação, nenhuma crítica se lhe reconhece, pois que, sem erro, afirmou ter o acto suspendendo de 04/07/2024 como base fundamentadora da factualidade e do direito, “per relationem”, conforme permitido pelo artigo 153.º, n.º 1, do CPA (comando legal que, aliás, foi correctamente citado pela sentença recorrida), o Relatório Final, o que se infere, como é óbvio, como sendo o Relatório da Unidade de Fiscalização dos serviços do Recorrido anexado ao ofício que notificou o ora Recorrente da decisão de encerramento definitivo do estabelecimento (cf. alíneas D) a F) do probatório da sentença recorrida).
E é com acerto que a sentença recorrida assevera que, numa análise sumária e perfunctória da deliberação impugnada conclui-se que se encontra fundamentada de forma suficiente, clara e congruente, dado que a mesma deliberação remeteu para a informação que lhe serve de base”.
Secunda-se, pois, tal juízo, porquanto, basta atender ao teor das alíneas A) e D) a F) do probatório, e logo perscrutamos as razões que levaram à acção de fiscalização dirigida ao estabelecimento explorado pelo ora Recorrente, bem como, dali se apura uma descrição exaustiva sobre a casa/residência dos idosos e seus compartimentos, sobre as concretas condições de alojamento, nomeadamente, o mobiliário e electrodomésticos encontrados, sobre alguns dos alimentos armazenados e suas condições ao nível de segurança alimentar, e, de modo relevante, quantos e qual a identificação precisa dos utentes/idosos usuários do estabelecimento no momento da inspecção, assim como, a referência às específicas condições de segurança e de higiene que foram apuradas pelos inspectores no local.
Em tal Relatório, compulsado o conteúdo de tais alíneas do probatório, é ainda possível deslindar a referência ao quadro legal que o Recorrido entendeu como aplicável ao caso concreto.
Resta, pois, concluir que não se mostra errado o juízo firmado pela sentença recorrida de que, ao abrigo de um conhecimento ainda perfunctório, como é adequado no âmbito de um processo cautelar, na respectiva acção principal não é provável que venha que ser julgada procedente a pretensão anulatória do acto suspendendo por conta de um (não evidente) vício de forma por falta de fundamentação.
O mesmo se diz quanto ao demais considerado pela sentença recorrida, sobretudo, no segmento em que julgou o seguinte: “a estrutura residencial para pessoas idosas encontra-se “desprovida da autorização de funcionamento ou da comunicação prévia.” (cf. Artigos 15.º-A, 15.º-A e 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14.03, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 126-A/2021, de 31.12 e Portaria n.º 67/2012, de 21.03)”
Pois bem, no essencial do caso em apreço, é incontroverso que o Recorrente foi encontrado pela acção de fiscalização a explorar uma estrutura residencial para pessoas idosas, sem que, para o exercício de tal actividade assistencial, dispusesse das necessárias e imprescindíveis autorizações.
Portanto, disse a sentença, e bem, que carecia o estabelecimento explorado pelo Recorrente da “autorização de funcionamento ou da comunicação prévia”. E assim se impõe, pois, prescreve o artigo 11.º, n.º 1, do DL n.º 64/2007, de 14/03, que define o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social, em que sejam exercidas actividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, que, para o início da actividade, A abertura e funcionamento de um estabelecimento depende do cumprimento das condições de funcionamento específicas aplicáveis a cada resposta social, estabelecidas na legislação em vigor”, determinando o n.º 2 do mesmo preceito legal que, “Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a atividade após realização da comunicação prévia, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º” (destaques nossos).
Atente-se ainda que o artigo 15.º-A do mesmo diploma legal (acertadamente referido pela sentença recorrida), a propósito das formas do procedimento para a obtenção da autorização de funcionamento, nomeadamente, das ERPI, disciplina nos seguintes termos:
“A autorização de funcionamento pode ser obtida junto do ISS, I. P., através de:
a) Mera comunicação prévia, no caso da generalidade das respostas sociais;
b) Comunicação prévia com prazo, no caso das respostas de natureza residencial, designadamente estruturas residenciais para pessoas idosas e lares residências para pessoas com deficiência.” (destaques nossos).
Acontece que, como já vimos, o Recorrente, até ao momento da prolação do acto suspendendo (“tempus regit actum”), não detinha qualquer autorização para o funcionamento da estrutura residencial para pessoas idosas que explorava, nem, muito menos, formulara junto dos serviços do ora Recorrido a comunicação prévia a que se refere o acima transcrito artigo 15.º-A do DL n.º 64/2007, de 14/03.
Isto significa, por conseguinte, que inexistindo a necessária autorização de funcionamento da ERPI, não é provável que a pretensão material a formular pelo ora Recorrente no processo principal venha a ser julgada procedente. Antes pelo contrário, faltando-lhe um título legalmente autorizador para o início e prossecução da actividade assistencial em estrutura residencial para pessoas idosas, o que ressalta à vista no caso vertente é a aparência do mau direito ou a falta de fundamento legal dessa mesma pretensão, e, como tal, a probabilidade de improcedência do processo principal, no que em tudo redunda na falta de verificação do pressuposto do “fumus boni iuris” exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Acresce dizer que a presente questão (a propósito das ERPI) não é nova na jurisdição administrativa, vindo este TCAS a decidi-las de modo uniforme, convocando-se, entre outros, o entendimento sufragado no já aludido acórdão deste mesmo tribunal de apelação, de 11/07/2024, prolatado no processo sob o n.º 1568/22.6BELSB, destacando-se o seguinte excerto:
Quanto ao mais, haverá que apreciar se merece censura a decisão recorrida quanto à não verificação do requisito fumus boni iuris, radicando o dissídio da recorrente na circunstância de ter sido aplicado ao caso dos autos o Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março.
Para que tal se verifique, requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, dada a aparência do bom direito, devendo esta apreciação ser feita através de uma summaria cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo requerente para os autos.
No caso, afigura-se patente a falta de razão da recorrente.
Veja-se que a decisão de encerramento teve origem numa ação de inspeção à residência da requerente, na qual se verificou que a estrutura residencial para pessoas idosas aí instalada acolhia seis idosas.
Facto admitido pela própria recorrente.
Pelo que tinha de ser sobre esta base factual que cumpria proceder ao respetivo enquadramento jurídico, como acertadamente assinalou a Mma. Juiz a quo, sem que possa assumir qualquer relevância para a determinação da lei aplicável, a alegação de que teve seis idosas num muito curto período de tempo e que o número de idosas na estrutura residencial para pessoas idosas passou a ser de apenas três idosas.
Facto este que até consta como indiciariamente assente.
Afigura-se, pois, como inelutável ser de aplicar ao caso dos autos o Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, que veio definir o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas.
À luz do qual a residência da recorrente preenchia o conceito de estrutura residencial para pessoas idosas e como tal apenas podia iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março.
Pelo que se impunha a determinação do seu encerramento, nos termos do disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, conforme se decidiu nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 08/05/2014, proc. n.º 11054/14, de 12/11/2015, proc. n.º 12598/15, de 24/09/2020, proc. n.º 276/20.7BESNT, de 21/04/2021, proc. n.º 921/20.4BELRA, e de 03/02/2022, proc. n.º 1324/21.9BELSB e do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/04/2019, proc. n.º 00457/17.0BECBR, e de 24/09/2021, proc. n.º 00132/21.1BEPRT, trazidos à colação na decisão recorrida.
Impõe-se, pois, concluir, que inexiste a aparência do bom direito invocado pela recorrente, e assim se afigura improvável a procedência da ação principal.
Com o que queda prejudicada a apreciação dos demais requisitos de procedência da tutela cautelar.
Mas não só. Também do já mencionado acórdão deste TCAS, de 21/04/2021, tirado no processo sob o n.º 921/20.4BELRA, se extrai um entendimento confluente com a posição que aqui adoptamos, enfatizando-se o seguinte trecho:
A licença ou autorização de funcionamento, destinam-se, pois, a verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos serviços de apoio social, nos termos que bem elencou a decisão recorrida, nos seguintes termos: «tem de existir parecer obrigatório do Instituto da Segurança Social, I.P. sobre as condições de localização do estabelecimento, o cumprimento das normas estabelecidas no Decreto- Lei n.° 64/2007 e nos diplomas específicos e instrumentos regulamentares respeitantes às condições de instalação dos estabelecimentos, a adequação, do ponto de vista funcional e formal, das instalações projectadas ao uso pretendido e a capacidade do estabelecimento (artigo 8.°, n.° 1); têm de obter parecer da Autoridade Nacional de Protecção Civil sobre a verificação do cumprimento das regras de segurança contra riscos de incêndio das instalações ou do edifício (artigo 8.°, n.° 2); têm de obter parecer da autoridade de saúde sobre a verificação do cumprimento das normas de higiene e saúde (artigo 8.°, n.° 3); tem de ser realizada a vistoria conjunta prevista no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 64/2007; e têm de obter a licença ou autorização de utilização previsto no artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 64/2007.».
(…)
Razão pela qual, e como se expôs supra, a prova requerida no procedimento e no processo sempre seria inútil, porque só o licenciamento efetivo permite o funcionamento destes estabelecimentos, pois só assim se pode garantir, através do controlo a efetuar pelas entidades competentes, que o estabelecimento assegura todos as regras legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente no que concerne a requisitos higiénico-sanitários, de segurança contra riscos de incêndio, entre outros cuidados, designadamente de saúde para os utentes/residentes, tendo particularmente em conta que se trata de uma população idosa, frágil e carecida de cuidados especiais.
(…)
O que corrobora a conclusão a que chegou o tribunal a quo, e que este tribunal de recurso secunda, não dando por verificados nenhum dos erros de julgamento que lhe foram imputados pela Recorrente, pois que outra conclusão não se pode retirar dos autos que não seja a improbabilidade de procedência da ação principal intentada ou a intentar, de impugnação da deliberação do Recorrido que determinou o encerramento do estabelecimento em causa.
A esclarecedora matéria de facto apurada na instância cautelar, ainda que de forma perfunctória, permite, pois, negar a probabilidade da procedência da pretensão da Recorrente em sede de ação principal, permitindo mesmo afirmar a probabilidade do juízo inverso, ou seja, da improcedência de tal pretensão.
Portanto, não constatado o pressuposto do “fumus boni iuris”, que é de verificação cumulativa com o pressuposto do “periculum in mora”, desnecessário era que a sentença recorrida tivesse que se debruçar sobre este último, o que, ao fim e ao cabo, só pode resultar no indeferimento do requerimento cautelar, atento o disposto no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Assim tendo decidido a sentença recorrida, nenhum erro de julgamento se lhe pode apontar, e, como tal, deve ser confirmada, com o inexorável não provimento do presente recurso jurisdicional.
***
Custas a cargo do Recorrente – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, 7.º, n.º 2, e 12.º, n.º 2, do RCP.
***
Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - Nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, e 15.º-A do DL n.º 64/2007, de 14/03, o início e prossecução da actividade assistencial em estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) depende de prévia autorização de funcionamento, obtida através, nomeadamente, de comunicação prévia.
II - Inexistindo tal autorização de funcionamento, o que ressalta à vista, em processo cautelar para adopção da providência de suspensão da eficácia de acto administrativo determinativo do encerramento de uma ERPI, é a aparência do mau direito ou a falta de fundamento da pretensão a formular no respectivo processo principal, e, como tal, a probabilidade de tal processo vir a ser julgado improcedente, no que em tudo redunda na falta de verificação do pressuposto cumulativo do “fumus boni iuris” exigido pelo artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho e a sentença recorridos.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 29 de Maio de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Marta Cavaleira – (1.ª Adjunta)
Ana Lameira – (2.ª Adjunta)