Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2954/23.0BELSB-A-A |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 10/31/2024 |
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Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
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Descritores: | VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO DESOCUPAÇÃO DE CASA CAMARÁRIA ENCAMINHAMENTO PRÉVIO |
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Sumário: | I. Conforme foi já por várias vezes objeto de ponderação pelo Tribunal Constitucional, o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da ‘reserva do possível’, em termos políticos, económicos e sociais. II. O encaminhamento prévio do agregado alvo de despejo com efetiva carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, imposto pelo artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, não se pode reduzir a uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar, constante da notificação de desocupação. III. Referindo-se o normativo em questão a agregados com efetiva carência habitacional, tal pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, e após o respetivo enquadramento, incumbirá à entidade requerida apresentar soluções alternativas (à da casa ilegalmente ocupada) de acordo com a lei, não se podendo limitar a informar os elementos do agregado da identificação dos seus programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, e de que podem ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. |
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Votação: | COM VOTO DE VENCIDO |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M... S... instaurou a presente providência cautelar contra a Câmara Municipal de Lisboa [que se considerou regularmente proposta contra o Município de Lisboa] e G... - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A., pedindo a suspensão da eficácia do despacho/carta junto como Doc. 3, impedir o normal uso do locado pela requerente, companheiro e filhos menores, sito na Rua V... B, 1750-403 Lisboa, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), até que seja celebrado um contrato de arrendamento desta ou de outra qualquer habitação com as requeridas. Por decisão de 27/05/2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - Juízo Administrativo Comum julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva do requerido Município de Lisboa, absolvendo-se o mesmo da instância, e julgou o pedido de adoção de providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo procedente e, em consequência, decretou a suspensão da eficácia do despacho que determinou a desocupação do imóvel sito na Rua V... B, 1750-403 Lisboa. Inconformada, a requerida G... interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. Entendeu a douta Sentença haver violação do disposto no artigo 28° n°: 6 da Lei n°: 81/2014 e assim, num juízo perfunctório, entendeu que este vício poderá proceder em sede de acção principal, pelo que, julgou procedente o pedido cautelar. 2. Com o devido respeito, há um erro de julgamento decorrente de uma má interpretação deste normativo, bem como, da aplicação ao caso concreto da Lei de Bases da Habitação e do DL n°: 89/2021 que regulamenta a Lei de Bases. 3. Resultou provado nos autos que, a Recorrida não possui título que legitime a ocupação, pelo que, estamos perante uma situação subsumida ao artigo 35° da Lei n°: 81/2014, estando a Recorrente vinculada a proceder à desocupação do fogo, acto que concretizou. 4. Tal decorre não só do princípio da legalidade, mas também da tutela da legítima expectativa na atribuição de um fogo social. 5. Os candidatos que formalizaram a sua candidatura a uma habitação social, depositaram confiança na actividade administrativa orientada precisamente pela tutela da legítima expectativa na atribuição do fogo. 6. Esta legítima expectativa de atribuição, não poderá ser frustrada por situações de ocupação ilegal, nem por normativos ou sua interpretação jurídica que inviabilizem ou atrasem esse acesso ao fogo. 7. Está em causa a interpretação do artigo 28° n°: 6 da Lei n°: 81/2014 que refere: “ Os agregados alvo de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais “. 8. Não cuidando de densificar a palavra encaminhamento, resulta da letra do referido artigo que, este encaminhamento prévio à desocupação ou é para “ soluções legais de acesso à habitação ” ou para “ prestação de apoios habitacionais”. 9. Da letra deste normativo não resulta que o encaminhamento seja para soluções habitacionais de facto, ainda que temporárias, como refere a douta Sentença. 10. Por outro lado, ao contrário do referido na douta Sentença, nem a Lei de Bases da Habitação, nem o DL n°: 89/2021 preveem estas soluções habitacionais de realojamento nas situações de ocupação ilegal. 11. O número 5 do artigo 13° da Lei de Bases ao referir que, o despejo de ocupações ilegais obedece a regras e a procedimentos estabelecidos na lei, impede a aplicação das regras de protecção e acompanhamento previstas neste artigo. 12. Por sua vez, o DL n°: 89/2021 que veio regulamentar a Lei de Bases da Habitação, define no artigo 3o as situações de efectiva carência habitacional para os efeitos do artigo 28° n°: 6 da Lei n°: 81/2014, aí estando previstas as pessoas que não possuam ou estejam em risco efectivo de perder uma habitação, não referindo as situações de ocupação ilegal previstas no artigo 35° deste diploma legal. 13. Assim, o encaminhamento constante do artigo 28° n°: 6 da Lei n°: 81/2014 quando aplicado pela remissão do artigo 35° n°: 4, não se pode confundir com o acompanhamento e protecção que é dado às situações de legalidade de ocupação. 14. Nas ocupações ilegais objecto de despejo, o encaminhamento sempre se traduziu na informação das soluções legais de acesso à habitação tendo em vista a candidatura dos interessados à atribuição de habitação. 15. A indicação dos contactos das entidades que podem prestar o apoio, bem como, os contactos dos serviços que gerem os apoios em matéria de habitação é suficiente para dar cumprimento ao disposto no número 6 do artigo 28° da Lei n°: 81/2014 conjugado com o artigo 13° n°: 5 da Lei de Bases da Habitação, por remissão do artigo 35° n°: 4. 16. Com o devido respeito, que é muito, pelas decisões dos Tribunais superiores, bem como, pelo decidido na douta Sentença, nas ocupações ilegais a protecção ao despejo satisfaz-se com a mera declaração de conhecimento das soluções legais e não, com a atribuição de uma solução habitacional, ainda que temporária. 17. Não se verifica o vício de violação de lei, pelo que, ao contrário do decidido, não é provável que na acção principal este vício seja julgado procedente. 18. A douta Sentença faz uma errada interpretação do n°: 6 do artigo 28° da Lei n°: 81/2014, bem como, uma errada aplicação tanto da Lei de Bases, como do DL n°: 89/2021, violando ainda, o disposto no artigo 35° da Lei n°: 81/2014.” Não foram apresentadas contra-alegações. * Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença na interpretação dos artigos 28.º, n.º 6, e 35.º da Lei n.º 81/2014, da Lei de Bases, e do DL n.º 89/2021. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados indiciariamente assentes os seguintes factos: 1. O agregado familiar da Requerente é composto por 3 elementos: a própria, 1 filho e o companheiro – cfr. documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o requerimento inicial; 2. A Requerente habita, juntamente com o seu agregado familiar, a habitação sita na Rua V... , 1750-403 Lisboa – Acordo; 3. O imóvel sito na Rua V... , 1750-403 Lisboa, aludido em 2., é propriedade do Requerido Município de Lisboa – Acordo; 4. A Requerente ocupa o imóvel sito na Rua V... , 1750-403 Lisboa sem deter qualquer vínculo de natureza contratual – acordo; 5. Em 17-01-2024, os serviços da Requerida G... lavraram despacho com o seguinte teor: [imagem] - cfr. documento a fls. 464 sitaf; 6. Em 25-01-2024, foi a Requerente notificada do teor do despacho aludido em 5. – cfr. documento a fls. 464 sitaf; 7. Em 26-01-2024, a Requerente intentou a presente providência cautelar – cfr. fls. 1 sitaf. 8. Em 25-01-2024, os serviços da Requerida G... remeteram comunicação para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com o seguinte teor: [imagem] - cfr. doc. 2 junto com a oposição pela Requerida G... ; 9. Em 29-01-2024, a Requerente submeteu candidatura ao programa de arrendamento apoiado – cfr. doc. 1 junto com a oposição pela Requerida G... ; 10. Em 29-01-2024, os serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa endereçaram missiva à Requerida G... , com o seguinte conteúdo: - cfr. doc. 2 junto com a oposição pela Requerida G... ; 11. O companheiro da Requerente é elemento autorizado no fogo habitacional da sua mãe, sito na Rua V... , 4º B – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a oposição pela Requerida G... . * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Conforme supra enunciado, a questão a decidir neste processo cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença na interpretação dos artigos 28.º, n.º 6, e 35.º da Lei n.º 81/2014, da Lei de Bases, e do DL n.º 89/2021. Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “Atento o quadro normativo aplicável, consideram-se em situação de efetiva carência habitacional as pessoas que: i) não possuam ou estejam em risco efetivo de perder uma habitação, e; ii) não tenham alternativa habitacional. Ora, a Requerente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que inexiste notícia nos autos de que a mesma detenha qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de perder a habitação que atualmente ocupa (ainda que de forma não titulada), por força de decisão administrativa que determinou a desocupação do imóvel sito na Rua V... , 1750-403 Lisboa. Assim, a Requerida não poderia ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, a Requerente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação sem que previamente ocorresse esse encaminhamento. Na verdade, a Requerente não tem o direito àquela habitação em concreto (para a qual foi determinada a desocupação), na medida em que a mesma não lhe foi atribuída através de qualquer concurso público para o efeito, inexistindo qualquer vínculo de natureza contratual, entre a Requerente e a Requerida, que titule a ocupação da habitação. Todavia, a Requerente tem o direito a ser encaminhada para (outra) solução habitacional, sendo incumbência da Requerida salvaguardar que a Requerente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reitera-se), e isso não foi feito pela Requerente, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento da Requerente para uma solução habitacional. Nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.º da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento. Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.º 4 do artigo 4.º do DL n.º 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos. Importando frisar que o facto de os serviços da G... terem enviado comunicação à Requerente a informar que poderá recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a prestação de apoio habitacional, assim como da Junta de Freguesia da área da sua residência para encaminhamento para outros apoios social, corporiza uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar, sem que isso configure verdadeiro encaminhamento para soluções habitacionais. Essa referência informa a Requerente mas não a encaminha, na medida que “encaminhar implica um ato de dirigir a algo, ou acompanhar a algo, ao passo que informar se esgota no ato de dar conhecimento de algo”. É que, conforme é referido no acórdão do TCA Sul, de 06-06-2019, proc. 383/19.9BELSB: “Tal informação, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, não se afigura suficiente para dar cumprimento ao citado normativo. É que se a expressão encaminhar não encontra correspondência automática na atribuição de uma habitação, no que se concorda com a decisão recorrida, também não se pode reduzir a uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar. Encaminhar implica um ato de dirigir a algo, ou acompanhar a algo, ao passo que informar se esgota no ato de dar conhecimento de algo. Falamos de conceitos distintos, portanto, e se a entidade requerida se limitou a informar, não cumpriu com o disposto na lei. Por outro lado, o normativo refere-se a agregados com efetiva carência habitacional, o que naturalmente pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, o que, ao que se sabe, não se mostra concretizada. Aferindo-se a efetiva carência habitacional, incumbe à entidade requerida apresentar soluções alternativas (à da casa ilegalmente ocupada) de acordo com a lei, não se podendo limitar a informar os elementos do agregado da identificação dos seus programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, e de que podem ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. No sentido propugnado, veja-se recente acórdão do TCAN, datado de 25/01/2019 (tirado no proc. n.º 02681/17.7BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt), no qual se assinala que dizer “aos visados, em simultâneo com a ordem de despejo, que deverão procurar eles próprios, uma solução de habitação” é “substancialmente distinto de serem encaminhados, antes do despejo, para uma solução legal de habitação ou para a prestação de apoios habitacionais. Independentemente da existência ou não de uma situação de carência efetiva de apoio social no que diz respeito à habitação, o que só as entidades competentes para decidir sobre os apoios alternativos podem determinar.” Além disso, o facto de ter encaminhado comunicação email para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a referir que o agregado da Requerente seria alvo de desocupação e que poderia existir a possibilidade de contactarem os serviços da Santa Casa, relativamente ao apoio habitacional, não preenche a incumbência que sobre a entidade requerida recaía, de apresentarem soluções alternativas à da casa ilegalmente ocupada, uma vez que esta comunicação apenas refere que poderia a Requerente ou alguém do seu agregado familiar contactar a Santa Casa, mas isso não corresponde, como é bom de ver, a um verdadeiro encaminhamento, até porque inexiste notícia nos autos que a Requerida tivesse efetuado prévia averiguação da respetiva situação financeira do agregado familiar da Requerente e, nesse seguimento tivessem encaminhado a mesma para soluções habitacionais. Ademais, não se pode considerar que a Requerente tem alternativa habitacional pelo facto de o companheiro desta se encontrar inscrito enquanto elemento autorizado no fogo habitacional da sua mãe, sito na Rua V... , 4º B, uma vez que a Requerente e a filha não são elementos autorizados e, além disso, na comunicação remetida pela Santa Casa à Requerida G... , é informado que a habitação da mãe do companheiro da Requerente não é alternativa habitacional, na medida em que a Requerente não tem boa relação com a mãe do companheiro. Finalmente, quanto á alegada inconstitucionalidade da interpretação de que o encaminhamento para soluções legais previsto no artigo 28.º, n.º 6 quando aplicado por remissão do artigo 35.º, n.º 3 da Lei n.º 81/2014, na versão atualizada, no sentido de, a Entidade Requerida ter de verificar a situação de carência habitacional e económica do ocupante e, encontrar soluções de realojamento, por violação do princípio da igualdade de acesso à habitação social, previsto no artigo 65.º da CRP, cumpre referir que a interpretação em causa não padece da suscitada inconstitucionalidade, na exta medida em que o encaminhamento para soluções legais visa proteger pessoas e agregados familiares em carência económica, evitando que sejam desalojados sem que tenham para onde ir, indo ao encontro da proteção da dignidade da pessoa humana, principio constitucionalmente consagrado e, além disso, o encaminhamento para soluções de habitação não impõe a atribuição de uma habitação social, mas outrossim garantir o alojamento temporário, apenas de molde a garantir que estas pessoas não são desalojadas sem que tenham qualquer alternativa. Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato suspendendo, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28º, n.º 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.º da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3/11).” Ao que contrapõe a recorrente, em síntese: - a recorrida não possui título que legitime a ocupação, e a legítima expectativa de atribuição de habitação social não pode ser frustrada por situações de ocupação ilegal; - o encaminhamento a que se refere o artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, não é para soluções habitacionais de facto, ainda que temporárias, nem a Lei de Bases da Habitação ou o Decreto-Lei n.º 89/2021 preveem soluções habitacionais de realojamento nas situações de ocupação ilegal; - o artigo 13.º, n.º 5, da Lei de Bases impede a aplicação das regras de proteção e acompanhamento no despejo de ocupações ilegais, e o Decreto-Lei n.º 89/2021 define no artigo 3.º as situações de efetiva carência habitacional, sem referir as situações de ocupação ilegal, pelo que o encaminhamento referido não se confunde com o acompanhamento e proteção nos casos de legalidade de ocupação, traduzindo-se na informação das soluções legais de acesso à habitação. Vejamos. Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio, e na formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal. Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. A recorrente entende não existir a aparência de bom direito, requisito fumus boni iuris, nada alegando quanto aos demais. O artigo 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro (a qual estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e entretanto objeto de alteração pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto), prevê o seguinte: “1 - São consideradas sem título as situações de ocupação, total ou parcial, de habitações de que sejam proprietárias as entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º [designadamente autarquias locais] por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente. 2 - No caso previsto no número anterior o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, na comunicação feita para o efeito, pelo senhorio ou proprietário, da qual deve constar ainda o fundamento da obrigação de entrega da habitação. 3 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º 4 - É aplicável às desocupações previstas no presente artigo o disposto no n.º 6 do artigo 28.º”. Este artigo 28.º prevê que: “1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei. (…) 6 - Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.”. É verdade que o direito à habitação encontra justa consagração constitucional no artigo 65.º da nossa Lei Fundamental, prevendo o respetivo n.º 1 que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Todavia, conforme foi já por várias vezes objeto de ponderação pelo Tribunal Constitucional, o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da “reserva do possível”, em termos políticos, económicos e sociais, como se refere no acórdão de 26 de Setembro de 2002 (proc. n.º 321/01, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Mais aí se assinalando que o “cidadão não é, por conseguinte, titular de um direito imediato e uma prestação efetiva, já que este direito não é diretamente aplicável, nem exequível por si mesmo.” Vejam-se ainda, decidindo neste sentido quanto a situações semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18/12/2013, proc. n.º 01373/13, e do Tribunal Central Administrativo Sul de 15/02/2018, proc. n.º 1299/17.9BELSB, de 24/05/2018, proc. n.º 998/17.0BELSB, de 21/03/2013, proc. n.º 09712/13, todos disponíveis, como os demais a citar, em http://www.dgsi.pt/). Já no que respeita à densificação do conceito de encaminhamento constante daquele artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro (na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto), não se olvida a interpretação realizada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/05/2024, no processo n.º 02681/17.7BEPRT, no sentido do cumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no artigo 28.º, n.º 6, da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, na redação introduzida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, se cingir, essencialmente, à prestação de informações sobre as soluções legais de acesso à habitação e os apoios habitacionais existentes, sem que haja lugar à realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação. Todavia, seguimos o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 13/04/2023, proferido no processo n.º 47/22.6BELLE, no sentido do procedimento de encaminhamento previsto no citado artigo 28.º da Lei n.º 81/2014 mantém-se “mesmo que esteja em causa uma desocupação coerciva da habitação, pelo facto de os ocupantes não deterem autorização ou qualquer título válido que legitime a utilização daquele concreto fogo habitacional” e este procedimento “não se resume a um mero fornecimento de informações, mas sim a uma atividade perseverante que permita ‘assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário, em articulação com o Instituto da Segurança Social, LP:, e o IHRU, I.P. no âmbito das respetivas competências’” e “só depois de realizada tal atividade de encaminhamento, poderá ser proferida decisão final no procedimento em causa, determinando-se de seguida o despejo da casa ilegalmente ocupada.” Temos, assim, por certo que o aludido artigo 28.º, n.º 6, impõe que se encaminhem os agregados com efetiva carência habitacional para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. E a aludida informação, ao contrário do sustentado pela recorrente, não se afigura suficiente para dar cumprimento a este normativo. É que se a expressão encaminhar não encontra correspondência automática na atribuição de uma habitação, também não se pode reduzir a uma mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adotar. Encaminhar implica um ato de dirigir a algo, ou acompanhar a algo, ao passo que informar se esgota no ato de dar conhecimento de algo. Falamos de conceitos distintos, portanto, e se a entidade requerida se limitou a informar, não cumpriu com o disposto na lei. Por outro lado, o normativo refere-se a agregados com efetiva carência habitacional, o que naturalmente pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, o que, ao que se sabe, não se mostra concretizada. Aferindo-se a efetiva carência habitacional, incumbe à entidade requerida apresentar soluções alternativas (à da casa ilegalmente ocupada) de acordo com a lei, não se podendo limitar a informar os elementos do agregado da identificação dos seus programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento, e de que podem ainda recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. No sentido propugnado, vejam-se também os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/01/2019 (proc. n.º 02681/17.7BEPRT), e deste Tribunal Central Administrativo Sul de 06/06/2019 (proc. n.º 383/19.9BELSB) e de 04/11/2021 (proc. n.º 1180/21.7BELSB). Considerando a aparência do bom direito, consubstanciada na provável violação do referido normativo, será de manter a conclusão da decisão recorrida. Em suma, cumprirá negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 31 de outubro de 2024 (Pedro Nuno Figueiredo) (Ricardo Ferreira Leite) (Lina Costa – com voto de vencida) Voto de vencida: Concederia provimento ao recurso porque resulta da factualidade indiciariamente assente que está em causa uma ocupação ilegal de habitação social em que o companheiro da Requerente é elemento autorizado em fogo habitacional na mesma rua e lote, em diferente andar, podendo, por isso, aí acolher a Requerente e filho de ambos temporariamente, e, de direito, porque acompanho a interpretação efectuada pelo acórdão do STA, de 2.5.2024, no processo 02681/17.7BEPRT, de que o cumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no número 6 do artigo 28º da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei nº 32/2016, de 24 de Agosto, consubstancia-se, essencialmente, através da prestação de informações sobre as soluções legais de acesso à habitação e os apoios habitacionais existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação, o que a Recorrente observou no caso em apreciação. Lina Costa |