Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:514/10.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:RUI A.S. FERREIRA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INCONSTITUCIONALIDADE
VALOR DO PROCESSO
Sumário:I– A ação para execução de julgados anulatórios de atos administrativos, relativos à especialidade das estatuições que constam da LGT e do CPTA, restringe-se especificamente às situações que se projetem diretamente no âmbito das relações jurídico-tributárias, tal como definidas no artigo 1º, nº 2, da LGT, não abrangendo a inexecução de atos de indemnização de danos emergentes e lucros cessantes, sem natureza jurídica tributária, ainda que o direito a tal indemnização resulte da anulação de um ato tributário;
II- Não é inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, a interpretação do artigo 100º da LGT no sentido de que, sem prejuízo do direito de idêntico pedido ser formulado em ação autónoma e perante tribunal competente para esse efeito, a execução do julgado em processo de impugnação judicial, que determinou a anulação da liquidação, não engloba o pagamento de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes nem o pagamento de outros encargos com o processo, a liquidar, designadamente relativos a honorários do mandatário judicial apurados e a apurar, na fração que exceda o valor das custas de parte;
III– O valor do processo de execução de julgados não se confunde com o valor do processo de impugnação judicial subjacente e só por acaso esses valores serão coincidentes, pelo que, na falta de outros elementos, o valor a atribuir àquele corresponde ao valor da vantagem económica visada pelo exequente, ainda que tal valor atribuído por si resulte de mera estimativa, sem prejuízo de eventual correção, a final, sendo caso disso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO
ZZZ (Irmão) ... Lda. (doravante “Recorrente”), veio interpor recurso jurisdicional, contra a sentença proferida em 24/1/2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a ação para execução de julgados na qual pedira pagamento de indemnização por responsabilidade civil, pagamento de todas as despesas judiciais e extrajudiciais decorrentes do processo e sanção pecuniária compulsória, referente à sentença proferida, em 14/4/2009, no processo de impugnação judicial nº 33/03 que apresentara contra a liquidação de Imposto Especial sobre Consumo de Álcool (IEC-IABA) e respetivos juros compensatórios, e concluiu atribuindo ao processo o valor de € 50.000,00.
Para isso, formulou as seguintes conclusões:
A – DO ÂMBITO DA EXECUÇÃO DE SENTENÇAS
1ª. A douta sentença do Tribunal a quo, de 2009.04.14, já transitada em julgado, constituiu o ora recorrido no dever de reconstituir a situação hipotética actual em que a ora recorrente se encontraria se não se tivessem verificados os eventos que obrigam à reparação (v. arts. 20º, 22º e 205º/2 da CRP, arts. 173º e segs. do CPTA e art. 102º/1 da LGT; cfr. art. 146º/1 do CPPT, arts. 562º e 566º/2 do Cód. Civil, art. 3º/1 da Lei 67/2007 e arts. 5º e segs. do DL 256-A/77, de 17 de Junho) – cfr. texto nºs. 1 e 2;
2ª. No presente processo a ora recorrente peticionou, além do mais, a condenação do ora recorrido o no pagamento de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes do acto ilegal (v. al. a) do petitório), bem como no pagamento de todas as despesas judiciais, extrajudiciais e honorários que despendeu e despenderá (v. al. d) do petitório) e de sanção pecuniária compulsória – cfr. texto nºs. 3 a 5;
3ª. Como tem decidido o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, “a reparação de todos os danos resultantes da prática de um acto administrativo judicialmente anulado terá de ser feita através do referido processo de execução e é a este, e só a este, que o interessado tem de recorrer na falta de cumprimento espontâneo do julgado por parte da Administração” (v. Ac. STA de 2007.02.15, Proc. 01067/06; cfr. Acs. STA, de 2011.04.13, Proc. 01032/10; de 2010.03.17, Proc. 45899-A; e de 2004.07.07, Proc. 046544B, todos in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 3 a 5;
4ª. A douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento, pois a reconstituição da situação hipotética actual da ora recorrente impõe a fixação de indemnização por todos danos emergentes e lucros cessantes resultantes do acto ilegal, bem como dos encargos e despesas suportados, conforme resulta do art. 100º da LGT e dos arts. 173º, 176º e 179º do CPTA, e tem sido decidido pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo – cfr. texto nºs. 3 a 5;
5ª. O art. 100º da LGT e os arts. 173º, 176º e 179º do CPTA, com o sentido e dimensão normativa que lhes foi atribuído na sentença recorrida, são manifestamente inconstitucionais, por violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela judicial efectiva, que pressupõe um processo equitativo, e da protecção da confiança e da segurança jurídica, enunciados nos arts. 2º, 18º, 20º, 204º, 212º/3 e 268º/4 da CRP – cfr. texto nºs. 6 e 7;
B – DA EXECUÇÃO DO JULGADO
6ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a ora recorrente tem inquestionavelmente direito a ser indemnizada por todos os prejuízos resultantes dos actos ilícitos e lesivos praticados pelos órgãos e serviços do ora recorrido, nomeadamente por todos os danos emergentes, lucros cessantes, despesas e encargos que foi forçada a suportar, ex vi do art. 53º da LGT e do art. 22º da CRP (cfr. art. 100º da LGT e arts. 7º e segs. da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro) – cfr. texto nºs. 8 a 11;
7ª. A ora recorrente invocou e demonstrou a verificação in casu dos prejuízos, das despesas e encargos que suportou e nunca lhe seria oponível uma eventual falta de prova de factos, pois:
a) Pelo despacho de 2016.11.02. o próprio Tribunal a quo entendeu “julg(ar) dispensável a produção de prova testemunhal”;
b) A inquirição das testemunhas arroladas era é absolutamente essencial para o exame e decisão do presente processo, maxime no que respeito à prova dos factos invocados no r.i. como causa de pedir (v. art. 114° do CPPT, art. 90 do CPTA e arts. 410º e 411º do NCPC):
c) O Tribunal a quo sempre podia e devia condenar o executado no pagamento do "que vier a ser liquidado", nos termos das arts. 609º/2 e 358º e segs. do NCPC. ou, se assim não entendesse, não podia deixar de promover e realizar oficiosamente todas as diligências probatórias necessárias à justa composição do litígio (v. arts. 6º e 411º do NCPC e art. 2º/e) do CPPT) – cfr. texto n.ºs. 12 e 13
NESTES TERMOS,
Deve ser admitido o presente recurso e ser-lhe dado provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.
*
O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
A AT-DGAIEC-Alfândega de Peniche (doravante “Recorrida”) apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, e formulou as seguintes «conclusões:
1. O Processo de Impugnação Judicial n.º 33/03, teve como objeto a liquidação efetuada pela Alfândega de Peniche no valor total de € 2.677.797,82 (536.850.262$00), referente a Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) e demais imposições, notificada à Recorrente no âmbito do Processo de Conferência Final n.º 2/98, desta Alfândega em 21 de abril de 1998, através do ofício n.º 1681 e rececionada em 23 de abril de 1998, documento n.º 1 apresentado pela Recorrente na citada impugnação. Doc.1
2. Conforme mencionado pela Recorrente na Impugnação interposta apresenta como valor da ação o valor da liquidação Esc.: 536.850.262$00, conforme quesito n.º 6 da P.I. Processo n.º 33/03, sobre o qual recaiu a ação de Execução de Julgados. Doc. 2
3. É este o valor do processo, e não outro, sendo relevante a questão do valor porque inerente a este está a execução fiscal e subsequentemente a garantia.
4. Na Impugnação n.º 80/99, foi a Douta Sentença proferida em 12 de Junho de 2009, na qual foi decidiu que “ ... verifica-se preterida uma formalidade legal essencial que determina a anulação da liquidação impugnada. Atento o que vem considerado, resta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.... Julgo a presente impugnação procedente, anulando a liquidação impugnada",
5. notificada a esta Alfândega, em 18/06/2009, nosso, registo de entrada n.º 10638 de 19/06/2009. Doc. 4.
6. Relativamente à Impugnação n.º 42/02, foi proferida Douta Sentença em 30 de abril de 2009, onde foi decidido que "... já se completou o prazo prescricional das dívidas impugnadas, não havendo, por, isso, qualquer utilidade em apreciar os vícios assacados ao acto objecto dos autos, porquanto o pagamento da dívida já não poderá ser exigido à impugnante.... Julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide", objeto de notificação datada de 05/05/2009, nosso registo de entrada n.º 7810 de 06/05/2009. Doc. 5.
7. Não sendo legítimo pretender imputar a um processo, em concreto ao Processo n.º 33/03, o que na realidade é imputável a três processos na devida proporcionalidade.
8. E quando a estes (Impugnação n.º 80/99, Impugnação n.º 42/02) a Recorrente em nada obstou ou insurgiu quanto aos procedimentos realizados pela Alfândega no cumprimento das Doutas Sentenças.
9. No que concerne à Impugnação Judicial -Processo n.º 33/03, objeto da Execução de Julgados e do presente Recurso, a Douta Sentença foi proferida em 14 de abril de 2009 e notificada a esta Alfândega em 04/05/2009, nosso registo de entrada n.º 7623, de 05/05/2009.
10. Tendo sido decidido na Douta Sentença que "...Verificada a prescrição da dívida impugnada, não reveste qualquer utilidade a apreciação dos vícios que lhe vêm assacados porquanto a execução fiscal não pode prosseguir os seus termos. Face ao exposto, julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide”.
11. Em fase anterior e em sede do Processo de Impugnação Judicial n.º 33/03, foi esta Alfândega notificada através do ofício n.º 1339, de 04/03/2005, nosso registo de entrada n.º 3335. de 07/03/2005 (Doc. n.º 6), do Douto Despacho proferido pela Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a folhas nºs 983 a 987, relativo à caducidade das garantias prestadas no âmbito do processo.
12. A Recorrente manteve o exercício da sua atividade não tendo havido inatividade/paralisação, conforme se pode verificar pelos documentos apensos referentes a globalizações mensais correlativas com introduções no consumo com liquidação de imposto, realizadas pela “ZZZ (..., Lda" nos anos de 2002 a 2013, que se junta como documentos nºs 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
13. Demonstrando-se também que houve emissões de DIC isentas conforme os exemplos dos mapas retirados do Sistema SIC-IC (Sistema de Impostos de Consumo - Introduções no Consumo), referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, verificando-se nos mesmos através da sigla “I” de isenção de IEC, que se juntam como documentos n.ºs 23, 24 e 25, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
14. Factos estes demonstrativos da laboração da empresa, e demonstrativos do exercício da sua atividade, não se verificando paralisação na atividade comercial, conforme alega a Recorrente.
15. A prestação/constituição de garantia, tem como consequência, a suspensão dos efeitos decorrentes da atuação fiscalizada, permitindo adiar o pagamento do tributo.
16. O Recorrente apresentou segundo a sua declaração de vontade como garantia a hipoteca de bens a favor da Fazenda Nacional, em 08/10/1998. Posteriormente e face a insuficiência do valor da garantia prestada, foram feitas várias diligências, ultimando em 26/03/2003 pela elaboração de hipoteca voluntária sobre vários bens imóveis, conforme mencionado na informação prestada pelo Serviço de Finanças de Torres Novas, que se dá por reproduzida para todos os legais efeitos. Doc. 7.
17. A Administração Tributária não restringiu/impediu, o Recorrente de tirar frutos/proveitos dos bens dados voluntariamente como garantia.
18. Nem a Recorrente apresentou no processo quaisquer documentos que demonstrassem quais os custos em concreto suportados com os registos da hipoteca, ou despesas a ela inerentes. Nem mesmo agora em sede de Recurso o fez.
19. O reconhecimento da prescrição da dívida apenas contende com a exigibilidade da mesma, pois não foi em momento algum, apreciado o mérito da liquidação da dívida, não houve qualquer apreciação da sua legalidade.
20. A verificação da prescrição não implica a anulabilidade do acto tributário, porque não está em causa a legalidade deste, antes extingue a obrigação tributária.
21. Não ficou demonstrado judicialmente erro/culpa da Autoridade Tributária e Aduaneira na liquidação do tributo.
22. O hiato de tempo, ocorrido entre a interposição da Impugnação e a declaração de prescrição, é uma variável condicionada por vários factores que ocorrem na tramitação do processo, não sendo imputável à Administração Tributária.
23. “Diz o n.º 1 do art.º 43.° da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.
24. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
25. De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art.º 43.° da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante
26. O direito aos juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art.º 43.° da LGT exige que haja erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT, do qual tenha resultado, o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro, que consideramos não poder dar-se como verificada, assim como não houve pagamento do tributo.
27. Estabelece o n.º 1 do art.º 102.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto - Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que " A execução das sentenças dos tribunais tributários e aduaneiros segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos.”
28. De acordo com o estipulado no n.º 1 do art.º 158.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002 de 22 de Fevereiro “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.”
29. Relativamente às quais sempre Alfândega de Peniche deu cumprimento.
30. Considerando toda a matéria de facto e de direito controvertida, reiteramos a posição proferida pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, na Douta Sentença.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser mantida a Douta Decisão..
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Notificado, o Ministério Público não emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
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2. QUESTÕES A DECIDIR:
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (CPC), o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente no âmbito das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Para este efeito, “questões” so os problemas de facto ou de Direito cuja resolução é pedida ao tribunal, os quais não se confundem com os “argumentos” invocados pelas partes e que, na sua perspetiva, servem de fundamento para a solução pedida por elas.
No que se refere ao recurso interposto pela Exequente são as seguintes as questões a decidir:
a. – Verifica-se erro de julgamento quanto ao invocado direito ao recebimento, nos presentes autos, de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes derivados do ato ilegal praticado na AT?
b. - Verifica-se erro de julgamento quanto ao invocado direito ao recebimento de todas as despesas judiciais relativas ao processo?
c. – Verifica-se a inconstitucionalidade do artigo 100º da LGT e dos artigos 173º, 176º e 177º do CPTA na interpretação dada na sentença recorrida?
No que se refere às alegações da Recorrida são as seguintes as questões a decidir:
d) – Verifica-se erro na fixação do valor do processo em 50.000,00, e, em caso positivo, o seu valor deverá ser fixado em € 2.677.797,82?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO
3.A.- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«
A. A Exequente é uma sociedade por quotas cujo objecto social é o fabrico e comercialização de álcool e seus derivados – cfr. Certidão do Registo Predial constante a fls. 14 dos Autos;
B. Em data não concretamente apurada durante 1998, a Alfândega de Peniche emitiu o Registo de Liquidação n.º .... em nome da Exequente, no valor de 2.677.797,82€, referente ao IABA – cfr. fls. 101 dos Autos;
C. Em 20/05/1998, foi instaurado no Serviço de Finanças de Torres Novas, em nome da Exequente o Processo de Execução Fiscal n.º ...... no valor de 2.677.797,82€, referente a IABA – cfr. fls. 72 dos Autos;
D. Em 3/11/1998, no âmbito do PEF indicado na alínea anterior, o Serviço de Finanças de Torres Novas penhorou diversos bens no valor de 6.742.249,58€ - cfr. fls. 73 dos Autos;
E. Em 12/03/2003, no âmbito de 3 processos de execução fiscal instaurados em nome da Autora no Serviço de Finanças de Torres Novas, no valor total de 8.768.031,73€, a Alfândega de Peniche remeteu para o Autora, o instrumento constante a fls. 17 e 18 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta como valor da garantia a prestar no PEF:
i) ......, o valor de 8.270.376,73€,
ii) ......, o valor de 3.668.778,06€;
iii) ......., o valor de 108.728,03€.
F. Em data não concretamente apurada durante 2003, foi instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em nome da sociedade Exequente o processo de Impugnação Judicial nº .... BELRA, referente à liquidação adicional de IABA e demais imposições, referente ao ano de 1996 e 1997, no valor total de 2.677.797,82€ -cfr. fls. 79, 371 dos Autos;
G. Em 21/02/2005, o TAF de Leiria decretou a caducidade das garantias prestadas pela Exequente para efeitos de suspensão da execução fiscal com vista à cobrança da dívida referente na alínea anterior – cfr. fls. 76 dos Autos;
H. Em 26/03/2007, AA, para efeitos de garantia do pagamento do montante de 8.270.376,73€, constituiu a favor da Fazenda Pública a hipoteca constante a fls. 22 a 28;
I. Em 14/04/2009 foi proferida sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no processo de Impugnação nº...., a qual julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – cfr. fls. 82 dos Autos;
J. Em 19/06/2009, a Alfândega de Peniche procedeu à anulação do registo de liquidação n.º .... referido em B), no valor de 2.677.797,82 – cfr. fls. 105 dos Autos;
K. A PI deu entrada neste tribunal em 19/03/2010 - cfr. fls.1 dos autos.
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Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
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3.B De Direito
Antes do mais, importa apurar a ordem pela qual as questões decidir hão de ser apreciadas pelo Tribunal.
Nesses termos, este Tribunal fixa a seguinte ordem de conhecimentos das questões a decidir acima sintetizadas:
a. Da inconstitucionalidade dos artigos 100º da LGT e 173º, 176º e 177º do CPTA na interpretação dada na sentença recorrida e concomitante erro de julgamento quanto ao invocado direito ao recebimento, nos presentes autos, de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes derivados do ato ilegal praticado na AT;
b. - Do erro na fixação do valor do processo;
Por lapso, este Tribunal interpretou as contra-alegações da Recorrida (DGAIEC) no sentido de que pretendia imputar à sentença a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativa à questão da extemporaneidade do pedido de execução de julgados. Perante as respostas apresentadas pelas partes, verifica-se que as alegações que se referiram a essa questão são as apresentadas pela DGAIEC em 2/9/2010, conforme registo nº ..., pág. 105, ordem 21 do SITAF, em vez das apresentadas em 23/5/2017, conforme registo nº ..., pág.494, ordem 75.
Pelo que se dá sem efeito tal interpretação das alegações de recurso.
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Conhecendo de imediato as questões suscitadas:
A. Da inconstitucionalidade dos artigos 100º da LGT e 173º, 176º e 177º do CPTA na interpretação dada na sentença recorrida e concomitante erro de julgamento quanto ao invocado direito ao recebimento, nos presentes autos, de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes derivados do ato ilegal praticado na AT;
A Recorrente alega que a interpreta dada na sentença aos artigos 100º da LGT e 173º, 176º e 177º do CPTA é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela judicial efetiva, que pressupõe um processo equitativo, e da proteção da confiança e da segurança jurídica, enunciados nos artigos 2º, 18º, 20º, 204º, 212º/3 e 268º/4 da CRP, e que dessa resultou um erro de julgamento da questão relativa ao direito ao recebimento, nos presentes autos, de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes derivados do ato ilegal praticado na AT, bem como do direito ao recebimento das despesas judiciais e extrajudiciais derivadas do processo e de condenação da AT ao pagamento de sanção pecuniária compulsória.
A recorrida contrapõe que, tendo a liquidação impugnada sido anulada por reconhecimento da sua prescrição, e não por ilegalidade do ato tributário, a execução dessa decisão anulatória cumpre-se pela restituição dos tributos pagos, incluindo os respetivos juros compensatórios. Pelo que considera que a sentença recorrida deve ser mantida.
Decidindo:
Na petição inicial da execução de julgados, a Exequente requereu «b) A reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes suportados pela ora requerente, nomeadamente pela cessação e constrangimentos causados ao exercício da sua actividade em condições normais de mercado, imobilização do património, bem como de todas as despesas e encargos já suportados e que será ainda necessário suportar, incluindo despesas com levantamento de penhoras e cancelamento de hipotecas que se mantêm actualmente, em montantes a liquidar e acrescidos de juros de mora (v. art. 22° da CRP, art. 173º do CPTA, art. 569º do C. Civil e art. 474° do CPC);
c) A realização de todas as demais providências necessárias à reconstituição da situação actual hipotética da ora requerente (v. arts. 20º e 268° da CRP; cfr. arts. 173° e 176°/3 do CPTA);
d) O pagamento à ora requerente de todas as despesas judiciais, extrajudiciais e honorários que esta despendeu e despenderá com os processos judiciais instaurados
A sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
«Aps o trânsito em julgado as sentenças proferidas nos Tribunais Tributários são obrigatoriamente cumpridas por todas as entidades públicas e privadas, e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas nos termos do n.º 2 do art. 205º da Lei fundamental e n.º 1 do art. 158º do CPTA.
Para além disso, nos termos do art. 100º da LGT a Administração Fiscal está obrigada em caso de procedência total ou parcial de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litigio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Todavia, a reconstituição da situação que existiria se a liquidação ilegal não tivesse sido praticada não passa pelo dever de indemnizar os danos emergentes e lucros cessantes resultantes do acto anulado, pois a indemnização pertence ao domínio da responsabilidade civil e não ao conteúdo do dever de executar a sentença de anulação (Cfr. Acórdão do STA, de 2/11/2011, Rec. 0620/11).
Não quer isso dizer que a Exequente não tenha direito à indemnização pretendida.
Mas não será esta a espécie processual adequada para a Autora pedir ao Tribunal uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual da Administração (e que a priori poderia ter direito…).
E se não o fez, não pode agora usar a presente acção para requerer tal indemnização.» (sublinhado conforme original).
Portanto, a sentença recorrida julgou improcedente o pedido de reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes suportados pela ora requerente por considerar que tal indenização pertence ao domínio da responsabilidade civil extracontratual e não ao conteúdo do dever de executar a sentença de anulação nos termos do artigo 100º da LGT. Por isso, a sentença recorrida considera que isso não significa que o sujeito passivo não tenha direito a indemnização pretendida, mas apenas que tal indemnização não pode ser obtida por meio da presente ação, sem prejuízo de a poder obter pelo meio processual previsto na lei para esse efeito.
Se assim for, a interpretação dada ao artigo 100º da LGT nunca poderia ser acusada do vicio que lhe vem imputado pela Recorrente.
Ou seja: se a própria sentença recorrida reconhece que o pedido de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes suportados pela ora requerente não pode ser conhecido na presente ação e que o poderia ser pelo meio processual adequado, isso só pode significar que que reconhece a existência de um meio processual adequado, que o interesse deve conhecer e usar, nos termos da lei.
De facto, a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e, para isso, todos têm direito a um processo equitativo no qual seja proferida decisão em prazo razoável (artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP) e a sua execução (artigos 97º e 102º da LGT), nos termos do CPTA (artigo 102º, nº 1, da LGT).
O artigo 146º do CPPT também refere que é admitido no processo judicial tributário o meio processual acessório de execução de julgados e que o mesmo é regulado pelo disposto nas normas do CPTA (neste caso, artigos 173º e seguintes do CPTA).
Assim, não se discute que a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se (ela) não tivesse cometido a ilegalidade reconhecida em processo gracioso ou em processo judicial (artigo 100º da LGT e 173º do CPTA).
Também não se discute que o Estado tem o dever de indemnizar os prejuízos causados a outrem (artigos 22º e 271º da CRP).
Igualmente, não se discute que todos os cidadãos têm o direito de impugnar os atos lesivos (artigos 268º, nº4, da CRP e 9º e 95º da LGT) e que a todo o direito de impugnar os atos administrativos corresponde uma forma processual mais adequada de o fazer valer em juízo (artigos 95º, nº 1, 97º, nº 2, e 101º da LGT e 97º do CPPT).
A sentença não disse que o artigo 100º da LGT se opõe ao direito de impugnar o ato administrativo de execução do julgado por meio do “processo de execução de julgado” referido no artigo 102º do mesmo código. A sentença apenas disse que, nos termos do artigo 100º da LGT, a AT está obrigada a proceder à reconstituição da situação hipotética anterior à ilegalidade cometida e a executar integralmente o julgado anulatório.
Coisa diferente é saber se os atos materiais de execução espontânea foram praticados integralmente e se respeitaram a lei. Se o interessado discordar da execução espontânea pode “impugnar” esse ato, nos termos da lei.
A sentença não negou, antes pressupôs, que, se o interessado entender que os atos de execução do julgado não são suficientes ou incorreram em alguma ilegalidade, tem o direito de se defender judicialmente, devendo fazê-lo, nos termos da lei, com recurso ao meio processual mais adequado para fazer valer em juízo o direito que pretende ver reconhecido. E considerou que, pretendendo o interessado obter o pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual para compensação dos danos emergentes e lucros cessantes derivados do ato anulado, não o poderia fazer por meio da ação correspondente ao presente “processo de execução de julgados”, sem prejuízo de o poder fazer sob outra forma processual.
Portanto, a questão sob análise restringe-se a saber se a defesa judicial contra os atos de execução da referida reconstituição da situação subjacente ao ato anulado, na parte correspondente à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, pode ser apresentada no “processo de execução de julgado” ou se existe outra forma processual mais adequada.
Ora, é entendimento pacifico que o referido dever de reconstituição da situação hipotética anterior que decorre do artigo 100º da LGT tem a sua origem naquele dever de indemnizar os prejuízos causados pelo Estado ou pelos seus funcionários ou agentes a que alude a Constituição.
No entanto, a referida reconstituição da situação hipotética anterior é feita, em regra, mediante a execução espontânea dos julgados anulatórios, nos termos do artigo 100º, da LGT e 173º do CPPT, incluindo a restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios e, sendo caso disso, de juros de mora, bem como de indemnização das despesas resultantes da indevida prestação de garantia bancária ou equivalente. Em caso de inexecução espontânea do julgado, pode ser exigida a execução coerciva através do processo de execução de julgado em causa nos presente autos.
De acordo com o disposto no artigo 173º do CPTA, na execução de julgados a AT pode/deve, designadamente:
- praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado,
- reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado (a LGT refere expressamente que, para isso, deve anular o ato ilegal e restituir as quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros) devendo efetuar o reembolso de créditos tributários que tivessem sido prejudicados por efeito da liquidação agora julgada ilegal,
- anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (a LGT refere que, para isso, deve extinguir a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia agora anulada, bem como dos atos de apreensão de bens e cancelar os respetivos registos, e pagar indemnização pela prestação de garantia bancária ou equivalente prestada para suspender a execução fiscal dessa quantia exequenda);
Assim, o conteúdo dos atos de execução espontânea de julgado só pode abranger os factos que sejam ou devam ser do conhecimento da AT. Por isso, a LGT refere expressamente que, conforme os casos, a AT deverá restituir as quantias indevidamente pagas, acrescidas dos juros devidos, e pagar a indemnização por prestação indevida de garantia bancária ou equivalente. O dever oficioso de reconstituição da situação hipotética anterior limita-se às consequências diretas da anulação do ato ilegal
Ora, a AT não pode ser obrigada a executar oficiosamente atos de reconstituição relativa a danos que desconhece e não tem obrigação de conhecer, só acessória e indiretamente relacionados com o ato tributário ilegal, como os aludidos pela agora Recorrente.
Portanto, o “processo de execução de julgados” em causa nos autos destina-se a impugnar a incorreta execução de julgados, quanto àqueles factos acessíveis ao conhecimento pela AT. Mas, tal processo não é o meio processual mais adequado para solicitar a indemnização por danos patrimoniais eventualmente resultantes do ato tributário anulado, porque tais danos não têm natureza tributária, já que são exteriores à relação jurídico-tributária (definida no artigo 1º, nº 2, da LGT), embora possam ser consequência dela. Os danos patrimoniais em causa poderão ser danos consequentes do ato ilegal, mas não são atos consequentes desse ato, para efeitos de execução do julgado anulatório.
Por isso, a existirem, tais danos devem ser imputados à esfera de responsabilidade civil extracontratual do Estado, que o obriga a compensar os danos emergentes e os lucros cessantes comprovadamente decorrentes da ilegalidade praticada pela Administração (AT). Para isso, os sujeitos lesados podem usar a faculdade de recorrer ao meio processual previsto na Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
O artigo 3º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, dispõe o seguinte:
Artigo 3.º
Obrigação de indemnizar
1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.
E o artigo 1º do mesmo diploma refere que “1- A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.
Daqui resulta que o processo de execução de julgados previsto nos artigos 100º e 102º da LGT e 146º do CPPT e 173º e seguintes do CPTA se destina especialmente à execução coerciva de decisões anulatórias de atos tributários, com consequente restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios e, havendo demora na execução, acrescida também de juros de mora, bem como para pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
Já a indemnização fundada em danos constituídos por custos emergentes e por lucros cessantes, que excedam aqueles que devam ser recebidos na execução de julgados, integra-se no âmbito do processo de responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos, nos termos da Lei nº 37/2007.
Até porque a Exequente bem sabe que é assim, dado que em idêntica situação, quanto à decisão anulatória produzida na impugnação nº 3/98, apresentou uma Ação de Responsabilidade Civil que corre termos na Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS sob o processo nº 608/10.6...
Assim, tal repartição de meios processuais, e dos respetivos pressupostos e prazos, não viola o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.
No caso concreto, a tutela jurisdicional existe, mas exige, em primeiro lugar, a ponderação da natureza jurídica da questão a apreciar, para apuramento da natureza do contencioso e competência do tribunal, com consequente, distinção entre os meios processuais adequados.
Ou seja: a questão relativa aos danos emergentes e lucros cessantes justificativos da indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por ato ilícito já não é uma “questão tributária”, definida como o problema cuja resolução exige a interpretação e aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situe no campo da atividade tributária do Estado, sendo antes uma “questão administrativa”, constituída pelo problema de saber se o pedido reúne os requisitos legais que justificam a indemnização a pagar pelo Estado, designadamente, se – para além do “facto”, da respetiva “ilicitude” e da “imputabilidade” ao lesante – ocorre também o “prejuízo ou dano” (e respetiva medida) e o “nexo de causalidade adequada” entre o facto e o dano.
Assim, estando em causa um problema que não é uma “questão tributária”, a competência material para conhecer o pedido de indemnização pertence ao Tribunal Administrativo ou da Secção de Contencioso Administrativo e o meio processual adequado já não é a ação de execução de julgados no processo tributário.
Pelo que a sentença que assim entendeu não fez interpretação inconstitucional das normas em causa, designadamente, do disposto no artigo 100º da LGT. Logo, tal interpretação não violou o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.
Num caso como o dos autos poderia colocar-se a questão de saber se, havendo erro na forma processual usada, não poderia/deveria ter havido lugar à convolação no meio processual mais adequado, nos termos do disposto nos artigos 97º, nº 3, da LGT e 98º, nº 4, do CPPT, averiguando a existência de eventuais obstáculos a essa convolação oficiosa.
Como se sabe, o erro na forma processual afere-se pelo pedido formulado a final. Ou seja: haverá erro na forma processual se essa forma não foi a mais adequada à satisfação do pedido.
Havendo vários pedidos e sendo algum deles apto a ser satisfeito pelo meio processual usado, esse pedido obstará à convolação, devendo indeferir-se os pedidos incompatíveis com a forma usada.
Do mesmo modo, não poderá haver convolação noutro meio processual se o respetivo prazo para o exercício desse direito tiver sido excedido e ocorrer a caducidade o direito de ação.
No caso concreto, a Exequente não se limitou a pedir essa indemnização por danos emergentes e lucros cessantes; também pediu a reparação de todas as despesas e encargos já suportados e a suportar, em montante a liquidar, bem como o pagamento de todas as despesas judiciais, extrajudiciais e honorários que despendeu e despenderá com os processos judiciais instaurados.
Ora, nessa fase, a compensação da parte vencida pelos encargos suportados pelo vencedor em resultado daquela concreta ação é feita exclusivamente por meio das custas de parte, que, nos termos dos artigos 25º e 26º do RCP, abrangem os valores das taxas de justiça efetivamente pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; os valores pagos pela parte vencedora a titulo de encargos processuais referidos no artigo 16º do RCP, bem como 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, que se destina a compensar a parte vencedora pelas despesas com honorários do advogado.
Se os honorários diretamente relacionados com o processo excederem a referida compensação decorrente das custas de parte, e, portanto, não sendo obtido na execução de julgado o pagamento da parte que excede aquele valor, o direito a essa compensação ainda merece tutela jurisdicional efetiva por meio de ação de responsabilidade extracontratual do estado por factos ilícitos, nos termos da referida Lei nº 37/2007. O mesmo sucede quanto a outras despesas eventualmente suportadas com a impugnação agora em causa ou derivadas de atos consequentes do mesmo ato tributário.
Além, logo no primeiro pedido, a Exequente pede “a remoção imediata de todas as situações constituídas pelos referidos ato de liquidação e subsequentes processos executivos instaurados bem como a declaração de nulidade ou anulação dos atos subsequentes e desconformes com a decisão judicial exequenda que tenham sido ou vierem a ser praticados por quaisquer entidades públicas (v. art.º 205º da CRP e art.º 176º/5 do CPTA)”.
Ora, este pedido integra-se no objeto natural do processo de execução de julgado, pelo que obsta ao reconhecimento de erro na forma processual usada.
Não havendo erro na forma processual, não pode reconhecer-se o invocado erro na interpretação e aplicação dos artigos 100º da LGT e 173º, 176º e 177º do CPTA.
O que equivale a dizer que a pretensão da Recorrente não merece provimento.
Tal decisão prejudica o conhecimento do pedido de condenação da Recorrida no pagamento de sanção pecuniária compulsória, apenas aplicável à parte que não cumpre a obrigação no prazo estabelecido.
*
B. - Do erro na fixação do valor do processo
Nas suas contra-alegações, a entidade Recorrida alega que o valor do presente processo de execução de julgados não corresponde a € 50.000,00, mas que deveria ser fixado em € 2.677.797,82 (536.850.262$00), por ser esse o valor do tributo impugnado no processo subjacente.
Decidindo:
Sabe-se que o valor do processo representa a utilidade económica imediata do pedido de cada processo (artigo 296º do CPC) e que, para efeito de custas processuais, o valor dos processos tributários se apura nos termos do artigo 97º-A do CPPT.
Ora, o valor do processo de impugnação judicial não coincide necessariamente com o valor do processo de execução do julgado naquele processo de impugnação.
Na impugnação judicial visa-se a anulação do ato tributário que, neste caso, tinha o valor de € 2.677.797,82, sendo esse o valor económico da vantagem (anulação) pretendida. Diferentemente, na presente execução de julgados visa-se obter o pagamento de indemnização, a liquidar, para compensação de alegados danos emergentes e lucros cessantes resultantes do ato tributário ilícito, bem como para compensação de outros encargos suportados ou a suportar com o processo.
Ora, não estando liquidado o montante da vantagem económica da presente execução de julgados, e não havendo lugar a tal liquidação, nada permite presumir que a indemnização pretendida teria valor coincidente com o valor do tributo impugnado.
Assim, na falta de outros elementos, este Tribunal rejeita a pretendida alteração do valor do processo, que se mantém por ser esse o valor, estimado pela Exequente, da vantagem que pretendeu obter.
*
4 - DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente
Registe e Notifique.
Lisboa, em 12 de março de 2025 - Rui A.S. Ferreira (Relator) –- Sara Diegas Loureiro – Tiago Brandão de Pinho, em substituição (Adjuntos).