Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:62/04.1BTSNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SISA
ATO TRIBUTÁRIO
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I-Os ofícios de notificação do ato de liquidação e o próprio ato de liquidação são realidades distintas, sendo que um ofício que se limita a evidenciar que o sujeito passivo dispõe de 30 dias, para proceder ao pagamento de uma importância não pode ser entendido como ato tributário de liquidação.

II-A assunção, no limite, de que o ofício de notificação corporiza o ato de liquidação de SISA, sempre o mesmo padeceria de inequívoca falta de fundamentação, porquanto dele não consta o facto tributário gerador do imposto, a matéria tributável e o respetivo modo de apuramento, com indicação expressa das taxas e o respetivo quadro normativo. Não integrando, outrossim, quaisquer fundamentos jurídicos que o suportam, e não contemplando qualquer remissão para qualquer elemento que permita estribar a fundamentação, não estabelecendo qualquer ligação nem ao relatório de inspeção, nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação.

III-A sanação de deficiências prevista no preceito legal 37.º do CPPT, aplica-se aos casos em que o próprio ato contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respetiva notificação, não podendo, por isso, extrair-se do não uso dessa faculdade quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do ato notificado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P….., S.A.”, contra o ato de liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa, relativo ao ano de 1996, e respetivos juros compensatórios.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I.              A compra de um edifício pela recorrida à sociedade “A…..”, conforme cópia do acordo anexo ao relatório inspectivo e que consta dos autos, ascendeu a Esc. 1.048.511.000,00.

II.               Nos termos do art. 19.° do CIMSISD, a Sisa incidia sobre o valor por que os bens fossem transmitidos, resultando do seu §2 que o valor seria definido pelo preço convencionado pelos contraentes ou o valor patrimonial se fosse maior.

III.             Conforme demonstrámos o valor convencionado pela recorrida e a vendedora foi de Esc. 1.048.511.000500, logo foi sobre aquele que incidiu a Sisa.

IV.             Daí que tenha sido aplicada àquele valor convencionado pelas partes a taxa de 10% prevista no art. 33°, n.°1 do CIMSISD.

V.              E dado o retardamento da liquidação por facto imputável à recorrida, que não declarou em tempo o facto translativo do imóvel, como estabelecia o art. 48°, §2 do CIMSISD, só verificado através do procedimento inspectivo, em que se verificou o valor da compra do edifício, foram liquidados juros compensatórios, nos termos previstos no art. 113° do CIMSISD.

VI.             E considerando a falta de culpa da AT no retardamento da liquidação, não haveria igualmente lugar a condenação em juros indemnizatórios.

VII.           Quanto às irregularidades formais e de falta de fundamentação julgadas provadas na Sentença recorrida, reiteramos o que explanámos na apreciação, permitindo-nos remeter para os pontos XIV a XX da "Apreciação”.

VIII.          Consideramos assim que não se verificaram os vícios relevados na Sentença.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que o pedido a improcedente.”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não contra-alegar.

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A Sociedade “P….., S.A.”, interpôs recurso jurisdicional arguindo nulidades por omissão de pronúncia e assacando erros de julgamento, conforme resulta de fls. 339 a 354 dos autos.

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A 26 de dezembro de 2018, foi proferido despacho pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, com o seguinte teor:
“Alegações de recurso apresentadas pela Impugnante:
Vem a Impugnante recorrer da sentença proferida nos presentes autos, invocando, para além do mais, a ocorrência de nulidade por omissão de pronúncia, pelo facto de não ter sido apreciado o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Diga-se, desde já, que tem razão, pelo que, nos termos conjugados do nº2 do artigo 613º e nº1 do artigo 617º, ambos do CPC ex vi artigo 2º do CPPT, cumpre suprir a nulidade, passando-se, de imediato, a apreciar o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, sendo que esta decisão complementa e integra a sentença proferida em 08/07/2014.
Do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
A Impugnante peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido da prestação tributária, na medida em que considera ter havido erro imputável aos serviços.
O artigo 43.º, nºs. 1 e 2, da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e que “considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração  do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.
No que se refere ao pedido de juros indemnizatórios, veja-se o que decidiu o TCAN, no Acórdão de 11/10/2007, proferido no âmbito do recurso nº 796/05, em sentido que sufragamos na íntegra e que passamos a transcrever:
“(..) na esteira de entendimento jurisprudencial que cremos pacífico e de que se cita, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STA, 2ª Secção, Rec. 01052/04, de 30/11/2004 Consultável na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/17181249d8189fce80256f77004d55f8?OpenDocument, no qual, a dado passo, se escreve: «O desaparecimento do acto tributário de liquidação, seja por força da satisfação da reclamação graciosa, seja por obra da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Mas também integra a reconstituição da situação o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte esteve, desde o pagamento que efectuou, até ao reembolso, privado da utilização do correspondente capital».
«Fora dos casos de autoliquidação, a liquidação é feita pelos serviços e, por isso, os erros de direito, consubstanciados na aplicação da lei a determinados factos, serão imputáveis à Administração Tributária.
(...) Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte.» “Problemas Fundamentais do Direito Tributário”, Jorge Lopes de Sousa, págs. 155 a 174, maxime 160 a 162, Vislis, 1999. Ademais, tendo presente a letra do artigo 43º da LGT, «ao referir a imputabilidade do erro aos serviços aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado. Sobre este conceito, pode ver-se FREITAS do AMARAL, Direito Administrativo, volume III, pág. 503. A Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.» JORGE LOPES de SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, I Volume, 2007, pág. 476.
Assim, teremos de concluir que da declaração de ilegalidade emerge que o acto impugnado foi praticado por erro de direito imputável à entidade liquidadora e que do mesmo resultou pagamento de dívida tributária indevido, pelo que a impugnante, ora Recorrida, tem direito aos juros indemnizatórias pretendidos, nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT (…)”.
Regressando ao caso dos autos, verifica-se que, na sentença proferida nos mesmos, foi decidido considerar procedente a impugnação judicial. Verificamos que a anulação do acto de liquidação resultante da sentença proferida nos autos teve por base a carência absoluta de forma legal do acto, bem como falta de fundamentação. Tal significa que não é possível afirmar que se detectou um vício respeitante à relação jurídica tributária, razão pela qual se considera não ter a Impugnante direito ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que se indefere o pedido de condenação ao pagamento dos mesmos.
Notifique.
(…)
Da legitimidade da Impugnante para recorrer jurisdicionalmente quanto ao mérito da sentença
Sanadas que estão as nulidades assacadas pela Impugnante à sentença proferida nos autos, verifica-se que, quanto ao mais referido nas alegações de recurso apresentadas pela Impugnante, carece esta de interesse em agir por ter obtido ganho de causa, o que significa que não tem legitimidade para recorrer.
Assim, face ao exposto, julga-se extinta a instância de recurso, no que respeita ao recurso apresentado pela Impugnante.
D.N. “

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As partes foram notificadas do aludido despacho, nada vindo dizer, requerer, ampliar ou reclamar, conformando-se com o mesmo.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II -FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 302 a 310 dos presentes autos):

“a)         A ora Impugnante, P….., S.A., adquiriu, em 19 de Abril de 1996, à “A…..”, por escritura pública outorgada no 3º Cartório Notarial de Lisboa, o prédio urbano, composto por terreno para construção urbana, designado por lote seis, sito na ….., concelho de Oeiras, no qual se encontrava em construção o edifício denominado ….., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o n° ….., da mesma freguesia - Cfr. documento constante do PAT a fls. 86 a 89, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

b)           O prédio a que se refere a alínea antecedente foi adquirido pela Impugnante com a finalidade de nele construir um edifício, de acordo com especificações técnicas elaboradas pela casa-mãe da Impugnante, em Bruxelas - Cfr. depoimentos das testemunhas M….., P….. e I….. que se revelaram credíveis, possuindo um conhecimento directo da fàctualidade em apreciação , documento a fls. 34 a 41

c)            O edifício a ser construído no lote tinha como destino a instalação dos escritórios da sede da Impugnante em Portugal - idem;

d)           À data da escritura pública mencionada na alínea antecedente o prédio encontrava-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….., com o valor patrimonial de 125.226.300$00 - Cfr. idem, documento a fls. 90 do PAT, apenso, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

e)           Em 19 de Abril de 1996, foi liquidada e paga sisa pela Impugnante, respeitante à aquisição referida na alínea a), à taxa de 10%, nos termos do preceituado no artigo 33° do Código do Imposto Municipal de SISA, no valor de Esc. 12.750.000$00 - Cfr. documento a fls. 90 do PAT, apenso e documento a fls. 86 a 89, também do PAT;

f)            Em 19 de Abril de 1996 a ora Impugnante acordou com a alienante do prédio - A….. - que esta continuasse e acabasse a construção do Edifício de acordo com a Especificação Técnica apresentada em anexo (...) e em entregar o Edifício num estado devidamente terminado até 1 de Julho de 1996 - Cfr. documento a fls. 94 a 101 do PAT, apenso, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

g)           Em 6 de Maio de 1996 foi autuado, no Serviço de Finanças de Oeiras - Paço de Arcos, o “Processo para avaliação de bens nos termos do artigo 109° do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações - Cfr. documento a fls. 263;

h)           Em 23 de Maio de 1996, no âmbito do processo de avaliação de bens mencionado na alínea antecedente, foi proferido despacho, por Manuel dos Santos Carolino, por delegação do Chefe do Serviço de Finanças de Paço de Arcos, nos seguintes termos: “Proceda à avaliação a Comissão Permanente de Avaliação da Propriedade Urbana desde Concelho” — Cfr. documento a fls. 266;

i)             Em 23 de Maio de 1996, Manuel dos Santos Carolino, por delegação do Chefe do Serviço de Finanças de Paço de Arcos, indicou os louvados a intervir na avaliação, a saber, M….. (Presidente), J….. (Secretário) e R….. (Vogal), com a indicação que a avaliação deveria reportar-se a 19 de Abril de 1996 - Cif. documento a fls. 267 e 268;

j)             Em 28 de Junho de 1996 foi elaborado “Termo de Avaliação”, estando presente o Chefe do Serviço de Finanças de Paço de Arcos José Maria Coelho, do qual se extrai o seguinte: “(...) A comissão atribuiu ao lote os seguintes valores: ao terreno e às infra-e st ruturas em betão armado já construídas à data das construções.

Lote de terreno (3054,3 x 41.000300 o m2 = 125.226.300300)

Obra existente 100.000.000300, assim resulta o valor total 225.226.300300.

(...)” - Cfr. documento a fls. 271 e 272, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

k)           Em 11 de Julho de 1996 foi efectuada a liquidação adicional à sisa n° ….. de 19 de Abril de 1996, pela diferença entre o valor declarado e o valor segundo a avaliação, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 9.772.630$00 - Cfr. documento a fls. 273, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

l)             Por ofício datado de 12 de Julho de 1996, e recebido em 16 de Julho de 1996, foi a Impugnante notificada, no âmbito do processo n° ….., nos termos do preceituado no artigo 114° do CIMSISSD da avaliação efectuada pela comissão de avaliação no valor de Esc. 225.226.300$00 - Cfr. documentos a fls. 275 e 276;

m)          Em 12 de Julho de 1996 a Câmara Municipal de Oeiras concedeu licença de utilização ao edifício sito na ….., Paço de Arcos - Cfr. documento a fls. 137 do PAT, apenso;

n)           Em 6 de Agosto de 1996 a Impugnante efectuou o pagamento da liquidação adicional de sisa n° …..de 19 de Abril de 1996, pelo conhecimento de sisa n° ….., no valor de 9.772.630$00 - Cfr. documento a lis. 277;

o)           Em 25 de Novembro de 1996 a Impugnante entregou na 2a Repartição de Finanças de Oeiras - Paço de Arcos, declaração para inscrição de prédios urbanos na matriz, relativo ao prédio urbano denominado “….., tendo indicado como data de conclusão das obras 22/11/96 - Cfr. documento a fls. 118 a 120;

p)           Em 13 de Julho de 2001 foi elaborado projecto de Relatório de Inspecção, referente à Impugnante, ano de 1996, do qual se destaca o seguinte: “(...) quando se efectuou a escritura de venda do terreno e parte de construção por Esc. 127.500.000$00, não se incluiu no valor da construção a verba de Esc. 700.000.000$00, facturada à p….. na mesma data da escritura. Logo aqui se verifica falta de SISA! Mas não é tudo!

Verificando-se que a licença de utilização foi passada pela CMO em 12/07/96, o edifício em causa e à data de 19/04/96 (a da escritura de compra e venda) tem, pelo menos, 90% de acabamento! (...)

Tendo em atenção o preceituado no art°19º, §2°, do CIMSISSD, todas as importâncias pagas pela P….. são de incluir no valor (preço) para efeitos de liquidação de SISA.

Assim, a SISA que se mostra em falta é de Esc. 111.298.093$00. (...) ”

q)           Por ofício datado de 18 de Julho de 2001 foi a Impugnante notificada para se pronunciar em sede de direito de audição, nos termos previstos no artigo 60° da LGT, sobre o projecto de Relatório de Inspecção - Cfr. documento a fls. 92;

r)            Em 1 de Agosto de 2001 a Impugnante pronunciou-se quanto ao projecto de Relatório de Inspecção - Cfr. documento a fls. 80 a 92, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

s)            Em 6 de Maio de 2002 foi elaborada Informação, por técnica da Equipa Jurídico-Económica da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, referente à Liquidação de SISA pela transmissão do edifício ….., do qual se destaca o seguinte: “(...) O bem cuja transmissão foi tributada em 19/04/96, foi apenas o terreno para construção, pois só esse se pode considerar objecto da escritura pública. A compra do edifício não resulta dessa escritura, mas sim do Acordo celebrado entre as firmas, e essa transmissão estando sujeita a sisa, ainda não foi tributada. Consideramos que a aquisição do edifício se verifica quando o mesmo se considera concluído nos termos do Acordo (data da licença de utilização, atribuída pela CMO). E devido Imposto Municipal de SISA pela aquisição do edifício inteiro, desde 12/07/1996. Nos lermos do art° 92° do CIMSISSD pode o mesmo ser liquidado nos 8 anos seguintes à transmissão. DO Acordo para entrega de Edifício consta o preço pelo qual o edifício foi adquirido: 1.048.51 1.000$00; que vai ao encontro do valor patrimonial que lhe vem a ser atribuído após a primeira avaliação ao mesmo (de resto não contestada pelo proprietário), nos termos do art. 278° do Código da Contribuição Predial: 1.043.160.000800. - Cfr. documento a fls. 99 a 108, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

t)            Em 25 de Junho de 2002 foi elaborada nova informação, por técnica dos serviços de Inspecção Tributária da Ia Direcção de Finanças de Lisboa, onde se disse o seguinte “(...) Da reanálise do processo, e de acordo com o que a seguir se expõe, é dada sem efeito a informação remetida à P….. em 23/07/01, que é substituída pela presente, e que, por força do art° 60° da LGT, irá ser enviada para audição prévia. (...)

Quando a A….. e a P….. celebraram em 19/04/96 (data da escritura de venda de terreno e alguma construção nele assente) um ACORDO PARA ENTREGA DE UM PRÉDIO INTEIRO, pretenderam "cortar” o processo normal de compra e venda de Imóvel, recorrendo ao estratagema de "venda de terreno e parte de construção” e a um "Acordo de entrega de um edifício inteiro ” a efectuar pela A….. em 01/07/96, conforme consta da 1"página do referido acordo.

Foi assim criada uma aparência, à qual não correspondia imposto (SISA). Desde o início, a vontade da A….. era vender o edifício (inteiro!) e a vontade da P….. era adquiri-lo (inteiro!). (...)

Houve a venda de um terreno, procedida da entrega de um bem no futuro (Imóvel). (...)

Mesmo não se lendo observado um condicionalismo legal na transmissão de Bens Imóveis (celebração de escritura pública), não deixa de se verificar, para efeitos fiscais, uma transmissão, a título oneroso, de um edifício da esfera patrimonial da A….. para a esfera patrimonial da P….., transmissão essa que se deu em 12/07/96, pelo preço de Esc. 1.048.511.000800 e que se encontra sujeita a sisa por força do art° 2º do CIMSISSD. E assim devida sisa no valor de 522.995,08 €, referente à aquisição do prédio inteiro, desde 12/07/96, tendo em atenção que sobre a data da transmissão não decorreu ainda o prazo previsto no art° 92° do CIMSISSD, para a liquidação da mesma.(...) "

u)           Por ofício datado de 23 de Agosto de 2002, assinado pelo Chefe de Finanças Adjunto José Gil Carvalheiro, por delegação, foi a Impugnante notificada para efectuar o pagamento da sisa do ano de 1996, no valor de € 522.995,08, acrescido de juros compensatórios, nos termos seguintes: “(...) Assunto - Imposto Municipal de Sisa -Ano de 1996

Fica V. Exa, por este meio, notificado, para efectuar o pagamento, neste Serviço de Finanças de Paço de Arcos, no prazo de 30 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, da importância de Euros 926 435, 63, referente a Imposto Municipal de SISA e Juros Compensatórios, do ano de 1996, com a seguinte descriminação:

Ano de 1996

Imposto Municipal de SISA Eur 522 995,08

Juros Compensatórios             Eur 403 440,55

Mais fica notificado de que não efectuado o pagamento no prazo indicado, será a importância convertida em execução fiscal, acrescida de juros de mora e custas. (...)” - Cfr. documento a fls. 117, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

v)            Em 20 de Setembro de 2002 a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto de sisa e juros compensatórios no valor total de € 926.435,63, referente ao conhecimento de SISA n° ….., do ano de 2002, onde consta que a importância a pagar respeita a liquidação adicional ao termo ….., dc 10/04/1996, efectuada no processo n° ….., instaurado para efeitos do artigo 109° do Código do Imposto Municipal da Sisa, cuja notificação foi efectuada em 7 de Agosto de 2002-Cfr. documento a fls. 122;

w)          Dá-se aqui por reproduzida a nomeação em regime de substituição, de José Luís Carvalheiro, como adjunto do Chefe de Finanças do SF de Oeiras 2, com efeitos reportados a 1 de Junho de 2002, publicada no DR II Série de 1 1 de Setembro de 2002;

x)            Dá-se aqui por reproduzida a delegação de competências do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, no adjunto Manuel dos Santos Carolino, publicada no DR II Série de 25 de Agosto de 1995;

y)           Consta do PAT, a fls. 157, documento denominado “Cálculo dos Juros Compensatórios”, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, do depoimento das testemunhas inquiridas e das informações oficiais constantes dos autos.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

w) O ofício datado de 23 de agosto de 2002, identificado em u), foi recebido pela Recorrente, em 26 de agosto de 2002 (cfr. fls. ofício e talão de expedição com AR a fls.99 e 100 do PA apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, DRFP, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P….., S.A.”, contra o ato de liquidação adicional de Sisa, relativo ao ano de 1996, e de juros compensatórios.

Mais importa relevar que na sequência da arguição da nulidade da sentença relativamente aos juros indemnizatórios a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, supriu a aludida nulidade, tendo julgado improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Mais julgou que “Sanadas que estão as nulidades assacadas pela Impugnante à sentença proferida nos autos, verifica-se que, quanto ao mais referido nas alegações de recurso apresentadas pela Impugnante, carece esta de interesse em agir por ter obtido ganho de causa, o que significa que não tem legitimidade para recorrer.

E em consequência “julga-se extinta a instância de recurso, no que respeita ao recurso apresentado pela Impugnante.”

De harmonia com o consignado no artigo 617.º, nº2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, se o juiz “suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão”.

Uma vez notificado, o recorrente pode, no prazo de 10 dias, “desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo”.

In casu, como visto, foi suprida a arguida nulidade, e julgada extinta a instância de recurso no demais, constatando-se, inequivocamente, que a Recorrida na sequência dessa notificação, manteve-se silente, não alargando, designadamente, o respetivo âmbito, nem reagiu da decretada extinção da instância de recurso constituindo, por isso, caso julgado formal.

Face ao supra aludido, tendo presente que foi julgada extinta a instância de recurso, que se encontra firmada na ordem jurídica a questão dos juros indemnizatórios, e que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso (cfr. artigo 639.º, do CPC lido em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT), tal determina que, no caso sub judice, importe apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter julgado verificados os seguintes vícios:
ü Carência de forma Legal do Ato Impugnado
ü Ilegalidade por Indeterminação do Autor do Ato e da data da sua prática
ü Absoluta Falta de Fundamentação.

Procedendo o erro de julgamento sobre as aludidas questões, importa analisar as questões julgadas prejudicadas pelo Tribunal a quo, as quais se encontram elencadas na sua petição inicial por uma ordem subsidiária, e que infra se enumeram:
ü Ilegalidade das liquidações impugnadas por violação do artigo 57.° do CIMSISSD;
ü Ilegalidade das liquidações impugnadas por falta de definitividade do valor tributável;
ü Ilegalidade das liquidações impugnadas por violação do artigo 63.° do CPPT;
ü Inexistência de ato tributário;
ü Dúvida sobre o facto tributário.

De relevar, ainda, neste particular, que não obstante o recurso da Recorrente começar por evidenciar que vai dar “[p]rimazia à prova da existência do facto tributário que originou a liquidação cuja anulação é pedida e, seguidamente, alegaremos o nosso entendimento relativamente às irregularidades relacionadas com os vícios de forma e de falta de fundamentação.”, a verdade é que não tendo os aludidos vícios substanciais concatenados com a prova do ato tributário sido objeto de análise na decisão recorrida, o Tribunal ad quem, naturalmente, só pode deles conhecer, em substituição, ou seja, e como já evidenciado anteriormente, na exata medida em que o recurso tenha ganho de causa.

Assim, feito este introito e a competente delimitação objetiva do recurso, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento.

Apreciando.

A Recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto pugna pela absoluta falta de fundamentação da liquidação controvertida, falta de forma legal, indeterminação do autor do ato e data da respetiva prática, quando tais vícios se não verificam.

Defende, neste particular, que a liquidação adicional controvertida foi notificada pelo Técnico de Administração Tributário Adjunto José Gil Carvalheiro, em 23 de agosto de 2002, o qual exercia as funções de adjunto do chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2.

Mais evidenciando que a aludida nomeação por substituição foi publicada no Diário da República n.° 210, II Série de 11 de setembro de 2002, sublinhando, outrossim, que o nome incorretamente inscrito de “José Luís Carvalheiro” foi, posteriormente, retificado no Diário da República n.° 234, II Série de 10 de outubro de 2002.

Adensando, ainda neste âmbito e quanto à concreta delegação de competências que a mesma foi publicada no Diário da República, n.° 196, II Série de 25 de agosto de 1995.

No concernente, à ausência de forma legal, sustenta que a mesma inexiste porquanto não pode ser assacada qualquer irregularidade ao ato de notificação, ademais, sempre a Recorrida poderia ter requerido a notificação dos requisitos que tinham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contivesse, conforme prevê o artigo 37.° do CPPT, faculdade que não foi usada pela Recorrida.

Mais propugna que, a Impugnante, ora Recorrida, ao deduzir a impugnação judicial objeto da sentença recorrida e face à sua defesa, logo demonstrou que a notificação apesar de incompleta não retirou eficácia ao ato administrativo definitivo e executório da liquidação, encontra-se, por isso, fundamentado.

Por forma a aquilatar da censura gizada pela Recorrente, atentemos, desde já, na fundamentação jurídica da decisão recorrida:

O Tribunal a quo fundou a procedência da impugnação judicial começando por evidenciar que “Invoca a Impugnante que o acto de liquidação adicional de sisa não se encontra praticado sob a forma escrita, sendo que apenas existe uma notificação para pagamento de determinado montante, não existindo qualquer referência à matéria colectável, taxa de imposto, colecta, data em que foi praticado o acto e autor do mesmo.”

Densifica, depois, em termos de matéria de facto, que o único suporte fático a que corresponde o ato impugnado, mais não representa que o ofício elencado em u), sendo que do “[P]AT não consta qualquer acto de liquidação de SISA que possa ter originado a notificação supra referida.”

Ressalvando, para o efeito, que “Não obstante o Tribunal ter, expressamente, notificado a AT para vir juntar o acto de liquidação de sisa, com a respectiva fundamentação, forma de cálculo, data e autor, não veio fazê-lo, tendo-se limitado a juntar, novamente, cópia do PAT que já se encontrava apenso aos autos.”

Para depois concluir que, “[d]os documentos que constam do PAT não é possível descortinar quem foi o autor da eventual liquidação de SISA, sendo que do PAT apenas consta um cálculo de juros compensatórios, não se sabendo, contudo, a que liquidação respeita. A invocação do vício em apreciação foi efectuada pela Impugnante na p.i., não tendo a AT vindo esclarecer o Tribunal quanto à existência, ou não, do eventual acto de liquidação, quem o terá praticado e em que data. Não foi deduzida contestação, ao invés do que vem afirmado no requerimento de fls. 251, tendo apenas a ERFP, em requerimento apresentado em 23 de Julho de 2003, procedido à junção do PAT.

Acresce que, compulsado o PAT apenso aos autos, do mesmo não consta qualquer documento que se possa identificar como a liquidação de sisa cuja cobrança foi exigida à Impugnante pelo oficio datado de 23 de Agosto de 2002.”

Adicionalmente, enfatiza a sua esteira de entendimento relevando que:

“Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que o ofício datado de 23 de Agosto de 2002 contivesse a liquidação de sisa ora impugnada, certo é que, em tal documento, não se identifica a matéria tributável, as taxas aplicadas ou o facto gerador de imposto. Ao que acresce a circunstância de o signatário de oficio, não obstante referir que actua no uso de delegação de competências, não vir mencionado na delegação de competências constante do PAT, a fls. 120, sendo que a mesma, no que respeita à liquidação do imposto municipal de sisa, tem como destinatário o adjunto Manuel dos Santos Carolino, não contendo os autos, ou o PAT, qualquer informação que comprove a delegação de competências no adjunto José Gil Carvalheiro.”

A adensar, ainda, a sua esteira de valoração, aduz o Tribunal a quo, que:
“Não podemos de deixar de referir o documento junto pela Impugnante a fls. 22, e referido na alínea v) do probatório e datado de 20 de Setembro de 2002, que serviu de base ao pagamento da sisa ora em apreciação. Se bem atentarmos no mesmo, verificamos que é revelador da inconsistência demonstrada pela actuação da AT ao longo de todo o processo. De facto, contrariamente à fundamentação do relatório de inspecção, refere-se que a sisa devida pela Impugnante diz respeito a liquidação adicional ao termo n° …..de 19/94/96.
Nos termos do preceituado no artigo 111° do CIMSIDD, quando se verificar que nas liquidações de sisa se cometeu erro de facto ou de direito, ou houver qualquer omissão, de que resultou prejuízo para o Estado, o chefe da repartição de finanças deverá repará-lo mediante liquidação adicional.
Ora, como supra se viu, o acto de liquidação de sisa adicional relativo ao oficio enviado à Impugnante em 23 de Agosto de 2002, não se encontra corporizado em nenhum documento, não sendo possível avaliar qual a respectiva fundamentação, modo de cálculo, taxa aplicada, data em que foi praticado e o respectivo autor.
Como se escreveu no Acórdão do TCAS de 11 de Setembro de 2007, o acto a que a lei atribui competência ao Chefe do SF tem de se entender como sendo aquele que se traduz, por um lado, na delimitação e quantificação do facto tributário e, por outro, no respectivo enquadramento legal. Ou, dito de outra forma, através da notificação, quando realizada nos supra citados moldes, o Chefe do Serviço de Finanças como que assume a autoria da liquidação oficiosa do imposto, pelo que, se a referida notificação contiver a identificação do seu autor e a respectiva assinatura, ainda que por meios mecanográficos, o acto tributário não padece da ausência dos mesmos.
Ora, no caso dos autos, a notificação enviada à Impugnante é completamente omissa relativamente à delimitação e quantificação do facto tributário, respectivo enquadramento legal bem como identificação do seu autor e a respectiva assinatura.
Sendo que, como se viu, ainda que se considerasse que o adjunto do Chefe do SF seria o autor do acto, não teria competência para a sua prática, por inexistência de delegação de poderes.
Efectivamente, da notificação enviada ao sujeito passivo não consta o fundamento legal da liquidação, e delimitação e quantificação do facto tributário, as razões que fundamentaram uma terceira liquidação de sisa, o seu autor e data em que foi praticado.
Nem sequer se pode dizer que haja uma fundamentação por remissão, pois que do único documento relativo à liquidação impugnada - o referido ofício de Agosto de 2002 — não consta qualquer tipo de remissão, nem de facto, nem de direito.”

In fine, sustenta que “[p]or não se conhecer qual o fundamento legal da liquidação, não é possível aferir da caducidade do direito à liquidação, uma vez que, se a liquidação tivesse por base o artigo 111° do CIMSIID, à data em que foi enviada a notificação - Agosto de 2002 - já teria decorrido o prazo de liquidação de 4 anos previsto no § 3º da mesma norma, contado da liquidação a corrigir. Seria diferente a situação se o fundamento tivesse sido o do artigo 112°, já que o prazo de caducidade já seria o de oito anos, previsto no artigo 92° do mesmo código. Porém, como não se sabe qual foi a fundamentação da liquidação, não pode o Tribunal pronunciar-se sobre a invocada caducidade do direito à liquidação.

Razão pela qual, conclui pela procedência da impugnação “[e]m virtude de se terem por verificados os invocados vícios de carência de forma legal, indeterminação do autor do acto e data da respectiva prática e absoluta falta de fundamentação.”

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe é assacado, porquanto interpretou o quadro jurídico vigente com a devida transposição ao caso vertente.

Comecemos pela questão inerente à carência de forma legal do ato administrativo de liquidação.

Para o efeito, importa, desde logo, ter presente o conceito de ato de liquidação.

Ab initio, cumpre salientar que a liquidação dos tributos pode pertencer ao sujeito passivo da relação jurídica tributária ou a outro obrigado tributário falando-se, neste caso, de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta. Por seu turno, quando a liquidação do tributo se encontre na esfera do sujeito ativo da relação jurídica tributária, encontramo-nos no âmbito da liquidação administrativa, podendo as mesmas apelidarem-se de liquidação adicional ou corretiva e ainda de liquidação oficiosa.

O ato de liquidação é o ato tributário por excelência, que se materializa nas operações de lançamento e de liquidação.

Como doutrina José Casalta Nabais[1], “Acto que podemos definir como o acto de identificação do contribuinte ou devedor (quando seja diverso daquele) do imposto e a determinação do montante do imposto a pagar, constituindo o acto de liquidação em sentido amplo, em que se integram os tradicionais lançamento e liquidação em sentido estrito. O que analiticamente temos o lançamento pelo qual se identifica o contribuinte ou contribuintes, através do lançamento subjectivo, e se determina a matéria colectável (ou tributável) e determina a taxa (no caso de pluralidade de taxas), mediante o lançamento objectivo. Pela liquidação (em sentido estrito), por seu turno, apura-se a colecta aplicando a taxa à matéria colectável, colecta que, todavia, não coincide com o imposto a pagar sempre que haja deduções à colecta como acontece em sede do IRS e do IRC.”

Quanto à densificação de liquidação adicional, a sua regulamentação encontra-se dispersa nos diversos códigos tributários, assumindo especificidades e ajustamentos, os quais dependem da natureza e características do imposto em causa.

Definindo, neste particular, Alberto Xavier que: “[o] acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei[2].”

No CIMSISD o ato de liquidação adicional encontrava-se regulamentado no artigo 111.º, o qual preceituava que:
“Quando se verificar que nas liquidações de sisa ou em processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações se cometeu erro de facto ou de direito, ou houve qualquer omissão, de que resultou prejuízo para o Estado, o chefe da repartição de finanças deverá repará-lo mediante liquidação adicional.
§ 1.º Não poderá efectuar-se liquidação adicional da sisa quando o seu quantitativo seja inferior a 1000$00, nem do imposto sobre as sucessões e doações quando dela resulte importância inferior a 500$00 por cada conhecimento que for de processar.
§ 2.º A liquidação adicional será notificada ao contribuinte nos termos do artigo 86.º ou 114.º, conforme o caso, e, tratando-se de imposto, será justificada no próprio processo.
§ 3.º A notificação só poderá fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens à relação exigida no artigo 67.º, que então poderá ainda fazer-se posteriormente.
Fica ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 92.º.”

Feita esta delimitação, importa regressar ao caso dos autos, socorrendo-nos, para o efeito, do acervo fático, o qual sublinhe encontra-se estabilizado, porquanto não foi objeto de qualquer impugnação.

Vejamos, então.

Da factualidade assente e em termos de trâmite resulta que existiram apenas dois atos de liquidação, a saber:

A 19 de abril de 1996, foi liquidada e paga SISA pela Impugnante, ora Recorrida, respeitante à aquisição, por outorga de escritura pública no mesmo dia, de prédio urbano, composto por terreno para construção urbana, designado por lote seis, sito na ….., concelho de Oeiras, no qual se encontrava em construção um edifício denominado “….., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o n° ….., da mesma freguesia.

Dimanando, outrossim, que na sequência de processo de avaliação melhor descrito em g) a k), em 11 de julho de 1996 foi efetuada nova liquidação adicional à SISA n° ….., de 19 de abril de 1996, pela diferença entre o valor declarado e o valor segundo a avaliação, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 9.772.630$00.

Inexistindo, efetivamente, do acervo fático dos autos que tenha existido qualquer outro ato de liquidação, seja oficioso ou adicional. É certo que resulta que terá existido um procedimento inspetivo-de resto, não muito linear, como atestam as informações constantes em s) e t)-, porém do probatório, dos autos e bem assim do processo administrativo instrutor não resulta que tenha sido emitido qualquer outro ato de liquidação, mormente, o que reflita as correções aritméticas expendidas em t) e u).

Note-se que, ao abrigo do inquisitório, e como bem espelhado na decisão recorrida, a Recorrente foi expressamente notificada para o efeito e limitou-se, nesse âmbito, a juntar o PA o qual não integra, efetivamente, qualquer ato de liquidação, não tendo deduzido qualquer contestação nesse e para esse efeito.

É certo que do teor das alegações da Recorrente se infere, que o ofício vertido em u) corporiza o ato de liquidação, porém, na linha do decidido pelo Tribunal a quo, o ofício supra identificado mais não representa que um ofício de notificação para pagamento de quantia certa, identificando, tão-só, que a Recorrida dispõe de 30 dias, para proceder ao pagamento da importância de Euros 926.435,63, referente a Imposto Municipal de SISA e Juros Compensatórios, do ano de 1996, respeitando Euros 522 995,08 a Imposto e Euros 403 440,55 a Juros Compensatórios.

Porém, são realidades distintas os ofícios de notificação do ato de liquidação e o próprio ato de liquidação. Note-se que, é a própria atuação da Administração Tributária quanto aos atos evidenciados em e) e k), que bem demonstra e atesta essa diferença conceptual e a necessidade de corporização dos atos de liquidação.

De resto, importa sublinhar que, a Recorrente nunca evidenciou e assumiu que exista um ato tributário próprio que consubstancie a liquidação adicional -o qual, como visto, foi instada a juntar-, pois, conforme resulta claro das suas alegações a mesma faz todo o enfoque no ofício que vimos analisando e que a Recorrente estava vinculada a requerer certidão de fundamentos.

Ademais, in casu, existe uma manifesta inconsistência de todo o trâmite, estando a mesma, desde logo, patenteada no conhecimento de SISA n° ….., do ano de 2002, onde consta que a importância a pagar respeita a liquidação adicional ao termo ….., de 10 de abril de 1996, efetuada no processo n° ….., instaurado para efeitos do artigo 109.° do CIMSISD.

Ora, como é bom de ver a aludida liquidação encontra-se evidenciada em k), e respeita ao diferencial entre o valor declarado e o valor segundo a avaliação, e em conformidade, com o estatuído no artigo 109.º do CIMSISD, porquanto sem que se possa estabelecer qualquer nexo com o ofício elencado em u).

De todo o modo, e mesmo que se equacionasse que o aludido ofício de notificação incorporasse, em si, o ato de liquidação a verdade é que sempre o mesmo padecia, conforme propugnado pela Impugnante, ora, Recorrida e assim ajuizado na decisão recorrida, de inequívoca falta de fundamentação.

Senão vejamos.

A fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontrava-se previsto no artigo 82.º do CPT, sob a epígrafe “fundamentação dos actos tributários”, o qual preceituava:

“A fundamentação dos actos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto”.

Na LGT, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [3].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[4].

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[5]”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)[6]” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que do aludido ofício vertido em u) da factualidade assente, não consta, desde logo, o facto tributário gerador do imposto, a matéria tributável e o respetivo modo de apuramento, com indicação expressa das taxas e o respetivo quadro normativo.

Não integrando quaisquer fundamentos jurídicos que o suportam, e não contemplando qualquer remissão para qualquer elemento que permita estribar a fundamentação, não estabelecendo qualquer ligação nem ao relatório de inspeção, nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação.

Aliás, como visto, a única conexão que é feita e ainda que em ato autónomo não corporizado no ofício constante na alínea u), do probatório, seria a do conhecimento de SISA evidenciado em v) e que, como já devidamente abordado anteriormente, releva inconsistência e incongruência com a realidade fática dos autos.

Não logrando, outrossim, qualquer possibilidade de sanação dessa ilegalidade a circunstância, per se, de a Recorrente ter apresentado a competente impugnação judicial, defendendo-se, em conformidade.

Com efeito, e como de forma impressiva se sintetiza no acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo nº 871/08, datado de 07 de janeiro de 2009:

 “[o] direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente reconhecido, não fica satisfeito com a mera possibilidade de os interessados os poderem impugnar judicialmente, antes se exigindo que seja proporcionada àqueles a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões que os motivaram, isto é, trata-se de um direito à impugnação contenciosa com a máxima eficácia.(…) Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”.

Porquanto, mesmo que, in limite, se equacionasse que o ofício constante na alínea u) do probatório, que vimos analisando, corporize o ato de liquidação de SISA e Juros compensatórios, o mesmo sempre padeceria de manifesta falta de fundamentação. De sublinhar, neste âmbito, que toda a aludida argumentação é inteiramente transponível para o ato de liquidação de juros compensatórios, sendo certo que o documento evidenciado em y), em nada permite alterar esse entendimento, aliás a Recorrente nada alega nesse e para esse efeito.

Neste particular, vide o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0399/13, de 24 de abril de 2019:

“O vício formal de falta de fundamentação a ocorrer contende com a validade do acto tributário. A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos - fundamentos factuais e as razões legais - por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268º nº3 Constituição da República Portuguesa, 135º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária.

Quando a decisão administrativa enuncia explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do acto revela a ponderação do interesse público, e permite que o administrado percorra o processo mental que conduziu à decisão, para que, esclarecidamente, a ela adira ou contra ela possa reagir através dos meios legais ao seu dispor. (…)

Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia. O que o Tribunal recorrido julgou provado como acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial o que revela ser um acto de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação sendo, por isso, manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que o Tribunal ad quem não descura que a Recorrente evidencia no ponto XVI) das suas alegações que o Tribunal a quo decidiu erroneamente quanto à irregularidade do ato de notificação, porquanto “relativamente à irregularidade do acto de notificação não poderá colher, já que a recorrida sempre poderia ter requerido a notificação dos requisitos que tinham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contivesse, conforme prevê o artigo 37.º do CPPT”.

Mas a verdade é que a aludida esteira de entendimento não pode lograr provimento, não só porque, o Tribunal a quo nada evidenciou quanto à falta de fundamentação da notificação, mas, tão-só, à carência de forma legal do ato de liquidação, e, in limite, à falta de fundamentação do ato corporizado no ofício que vimos analisando.

Com efeito, a falta de fundamentação do ato, não é passível de qualquer confusão conceptual com a falta de fundamentação da notificação da liquidação.

Sendo que o convocado artigo 37.º do CPPT cuja epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, reporta-se, tão-só, à notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação mas não do ato notificado[7].

Com efeito, a sanação de deficiências prevista no preceito legal 37.º do CPPT, aplica-se aos casos em que o próprio ato contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respetiva notificação, não podendo, por isso, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.° 1 do artigo 37.° do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do ato notificado[8].

No caso vertente, o Tribunal a quo, convocou, como visto e na hipótese de se equacionar o ofício de notificação como que corporizando o ato de liquidação uma inequívoca falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, do próprio ato, e não apenas perante uma deficiência de notificação de fundamentação que constasse do ato, e só esta podia ser suprida pela faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT.

In fine, e a adensar as ilegalidades supra expendidas, sempre se dirá que computando o aludido ato como adicional, e como bem referiu a Juíza do Tribunal do Tribunal a quo, o prazo da caducidade do direito à liquidação, como decorre do § 3.º do artigo 111.º do CIMSISD, seria de 4 anos e tinha o seu termo inicial na data em que foi efetuada a liquidação a corrigir.

Ou seja, quer se compute a liquidação como adicional à ocorrida em 19 de abril de 1996, ou a 11 de julho de 1996-conforme expressamente evidenciado no ato de pagamento de SISA-, a notificação da liquidação adicional teria que ocorrer até 11 de julho de 2000. Ora, uma vez que essa notificação apenas aconteceu em 26 de agosto de 2002, sempre procederia a caducidade do direito à liquidação.

Como doutrina o STA, em Aresto proferido no processo nº 01846/13, de 05 de fevereiro de 2014[9]:

“A nosso ver, da conjugação entre o art. 92.º com o § 3.º deste art. 111.º resulta como única interpretação possível que, em caso de liquidação adicional, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão.

Salvo o devido respeito, a interpretação sustentada pela Recorrente, de que a liquidação adicional poderia ocorrer para além do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, desde que respeitasse o prazo de 8 anos a contar da data da transmissão, para além de não lograr apoio na letra da lei, esvaziaria completamente de conteúdo útil o § 3.º do art. 111.º do CIMSISD.

E bem se compreende que o legislador tenha sujeitado a caducidade do direito à liquidação adicional a este prazo de 4 anos contado da liquidação a corrigir: é que nestas situações a AT já tem conhecimento do facto tributário, pelo que se justifica que as correcções à liquidação inicial sejam também elas sujeitas a prazo.
Por tudo o que deixámos dito, afigura-se-nos que a sentença fez correcta interpretação a e aplicação da lei, designadamente dos arts. 111.º, § 3.º, e 92.º do CIMSISD, motivo por que o recurso não merece provimento.”

E por assim ser, improcedem, na íntegra, os fundamentos avançados pela Recorrente, julgando-se prejudicada a apreciação dos demais fundamentos constantes na p.i., mantendo-se a procedência e a consequente anulação do ato impugnado.


***

Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de novembro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] In “A Impugnação Unitária do Acto Tributário”-Procedimento e Processo Tributário-Cej, 2016, pp.17 e 18.
[2] In Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127  fonte citada no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 18.04.2018, proferido no processo n.º 10/17.4BELLE, disponível em texto integral em www.dgsi.pt
[3] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[4] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[6] Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
[7] Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos, do STA, processo nº 0155/07, de 06.06.2007, TCAN, processo nº 00447/09, de 23.01.2020, TCAS, processo nº 08954/15, de 29.06.2016.
[8] Vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0736/12, de 21.11.2012.
[9] No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0798/08, de 28.11.2018.