Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:512/11.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:INFRAÇÃO DISCIPLINAR
LEI DA AMNISTIA
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:

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I. RELATÓRIO:
STAL - SINDICATO DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, melhor identificado nos autos, em representação do associado A………….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, contra o MUNICÍPIO DE ALCOUTIM, ação administrativa especial, destinada a obter a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação de 2011-06-08, que na sequência de processo disciplinar, aplicou ao representado do A., a pena disciplinar de suspensão por 65 (sessenta e cinco) dias, bem como a reposição da quantia de €13.452,55 (treze mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos).

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O TAF de Loulé, por Acórdão de 2013-10-16, julgou a ação improcedente e, em consequência, indeferiu o pedido, mantendo a deliberação de 2011-06-08: cfr. fls. 440 a 477.

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Inconformado o A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou a revogação da decisão recorrida, para tanto, apresentando as respetivas alegações e conclusões: cfr. fls. 488 a 515.
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Por seu turno a Entidade Demandada, ora entidade recorrida, apresentou as contra-alegações com as respetivas conclusões, pugnando pela improcedência do presente recurso e pela manutenção da decisão recorrida com as devidas consequências legais: cfr. fls. 522 a 561.

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O recurso foi admitido em 2014-03-26: cfr. fls. 564.

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E tendo subido os autos a este TCA Sul, foi então dado cumprimento ao disposto no art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, nada tendo vindo o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal dizer, requerer ou promover aos presentes autos: cfr. fls. 570 a 577.

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Notificadas as partes e o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso concreto, o EMMP concluiu, em resumo útil, que: “… no que diz respeito ao pedido de anulação do ato impugnado, e ao recurso do acórdão que julgou a ação improcedente, deve este Tribunal de recurso declarar amnistiado o ilícito disciplinar referido nos autos, com a consequente extinção da instância de recurso…”; o recorrente nada disse e a entidade recorrida advogou, no essencial, que: “…4. Na presente data, encontra-se cumprida a pena de suspensão de 65 dias aplicada ao Funcionário, estando ainda em execução o cumprimento da obrigação de reposição do montante EUR 13.452,55. 5. O cumprimento da mencionada obrigação de reposição está a ser efetuado de forma gradual, através do pagamento de prestações mensais, sendo que, por referência o mês de março deste ano de 2024, estava ainda em falta a reposição do valor de EUR 2.942,46. (…) 7. Tal significa que a obrigação de reposição em causa e o seu concreto valor resultam do prejuízo económico indevidamente suportado pelo Município, em resultado da conduta do Funcionário. 8. Assim, a eventual aplicação aos autos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto – que se traduziria na amnistia da infração disciplinar cometida pelo Funcionário e, consequentemente, na extinção da presente instância (…) 9. Não deve obstar à salvaguarda de todos os efeitos de facto que, entretanto, e em virtude da execução da deliberação impugnada nos presentes autos, se produziram e continuarão a produzir até ao total e efetivo cumprimento da sanção aplicada…”: cfr. fls. 631; 635 e 640.

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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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II. OBJETO DO RECURSO:
Antes da apreciação e decisão das questões colocadas pelo recorrente, delimitadas pelo teor das alegações de recurso e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), importa, aferir da aplicação, ao caso concreto, da invocada Lei da Amnistia: neste sentido vide v.g. Acórdão deste TCAS, de 2023-11-23, processo n.º 80/23.0BCLSB; art. 7º-A do CPTA e art. 130º do CPC ex vi art. 1º do CPTA; fls. 631.

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.

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B – DE DIREITO:
Aqui chegados e como sobredito, o A., ora recorrente, intentou no TAF de Loulé ação administrativa especial visando a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação de 2011-06-08, que na sequência de processo disciplinar, aplicou ao representado do A., a pena disciplinar de suspensão por 65 (sessenta e cinco) dias, bem como a reposição da quantia de €13.452,55 (treze mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), sendo que, por Acórdão de 2013-10-16, o TAF de Loulé julgou a ação improcedente e, em consequência, indeferiu o pedido, mantendo a deliberação de 2011-06-08.


Sucede que, em 2023-09-01, entrou em vigor a supramencionada Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, cujo art. 6º tem o seguinte teor: “…São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar…”.


No caso dos autos, no processo disciplinar em que foi arguido o representado do ora recorrente, foi-lhe aplicada, repete-se, a sanção disciplinar de suspensão, por 65 (sessenta e cinco) dias, bem como a reposição da quantia de €13.452,55 (treze mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), pelo que estando também em causa, como estão, factos anteriores a 2023-06-19; não sendo a sanção aplicada superior à suspensão disciplinar e os referidos factos não constituindo, simultaneamente, ilícito criminal não amnistiado, a infração disciplinar em causa encontra-se, pois, amnistiada: cfr. art. 1º, art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 7º e art. 14º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A e art. 8º ambos do CPTA e fls. 631; 635 e 640.


Com relevância para a decisão, resulta ainda dos autos que, na presente data, há muito que se mostra cumprida a pena de suspensão de 65 (sessenta e cinco) dias, não se encontrando, todavia, ainda integralmente cumprida a obrigação de reposição, a qual, está a ser paga em prestações mensais.


Assim, e com inteira aplicação ao caso concreto: “… a amnistia da infração disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação do trabalhador, refere-se à própria infração e faz extinguir o procedimento disciplinar.
Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.
13. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do trabalhador…”: cfr. Acórdão do deste TCAS de 2023-10-12, processo 400/22.5BEBJA, disponível em www.dgsi.pt.


Dito de outro modo, não distinguindo entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art. 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 agosto “apaga" a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc", incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento", tudo se passando como se não tivesse sido praticado.


Porém, e como ensina Germano Marques da Silva, em “Direito Penal Português”, Parte Geral III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, 2.a edição, Verbo Jurídico, página 2008, páginas 274 e 275: “… A amnistia apaga o próprio crime (...). Se a amnistia ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, extingue o procedimento criminal e se ocorrer após a condenação transitada em julgado extingue a execução tanto da pena e dos seus efeitos como medida de segurança. (…) A amnistia refere-se sempre ao crime e, por isso, que, em sentido próprio, não possa ser condicionada ao cumprimento de quaisquer deveres por parte do agente (…) circunstâncias alheias ao facto criminoso. Nisto se distingue do perdão genérico, também designada as vezes por amnistia imprópria. (...) A amnistia apaga o crime, mas não equivale à anulação da condenação, se ela já tiver ocorrido. Assim, a amnistia não dá lugar à restituição dos objetos apreendidos nem da multa já paga, nem tem qualquer efeito sobre a responsabilidade civil emergente do facto…”: sublinhado e negrito nosso; vide ainda art. 128. ° do Código Penal- CP e art. 12º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.


Quer isto significar que, quando notificadas as partes e o EMMP, da eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso concreto - ademais, com a expressa menção de que nada dizendo, se entenderia por verificada a então mencionada impossibilidade superveniente da lide – a entidade recorrente com tal possibilidade se conformou, posto que, nada mais aduziu nos autos e optando por se quedar silene, objetivamente, não recusou a aplicação referida amnistia: cfr. art. 11.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A do CPTA.


Donde, se a entidade recorrente não exerceu o direito à renúncia previsto na Lei da Amnistia em apreço não poderá, posteriormente, obter a destituição dos efeitos já produzidos pela aplicação da pena, designadamente a restituição da quantia já por si paga e, bem assim, no caso concreto, da quantia que ainda falta pagar – considerado v.g. o principio da proporcionalidade, o da principio da estabilidade (v.g. pagamento em prestações mensais/data da prática dos factos) e ainda o principio do impedimento da prática de atos inúteis - neste sentido, com aplicação ao caso em apreço o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – STA, de 1996-11-28, prolatado no processo 32633A, disponível em www.dgsi.pt: “… I - O direito à tutela judicial efetiva passa pela existência de "mecanismos" judiciais adequados que possibilitem a execução das decisões já transitadas em julgado. II - O cumprimento da pena disciplinar não obsta à aplicação das leis da amnistia. III - Em tal situação deparamo-nos com a assim denominada "amnistia imprópria". (…) V - Se o recorrente não exerceu o direito à renúncia previsto no art. 6 da citada Lei 15/94, requerendo o prosseguimento do recurso contencioso, não poderá, posteriormente, obter - através da execução da decisão judicial que, aplicando a amnistia, julgou extinto o recurso - a destituição dos efeitos já produzidos pela aplicação da pena, designadamente a restituição da quantia já por si paga a título de multa…”: vide art. 7º do Código de Procedimento Administrativo – CPA; art. 7º-A do CPTA e art. 130º do CPC ex vi art. 1º do CPTA; art. 11.º e art. 12º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 128º do CP; Germano Marques da Silva, em “Direito Penal Português”, Parte Geral III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, 2.a edição, Verbo Jurídico, página 2008, páginas 274 e 275.


Destarte, constituindo o objeto do presente recurso a decisão que julgou a ação improcedente e que manteve a sanção disciplinar de suspensão, tal demanda declarar agora amnistiada a referida infração disciplinar por força do art. 2º n.º 1 e art. 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.


Consequente e logicamente, com o “desaparecimento” da referida infração disciplinar de suspensão cairá o ato punitivo que sancionou o representado da entidade recorrente, tornando, pois, impossível o prosseguimento da presente lide recursiva, por aquele ato punitivo ter deixado de ter existência jurídica: cfr. art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 11º e art. 14 º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 277º al. e) do CPC ex vi art. 1º CPTA; art. 7º-A do CPTA.

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DAS CUSTAS:
Verificando-se uma situação de amnistia, como aquela que ocorre nos presentes autos, aplica-se, quanto a custas processuais, o disposto no art. 536.º n.º 2 al. c), do CPC ex vi art. 1º do CPTA, sem prejuízo da isenção da isenção de custas de que beneficia a entidade recorrente por força do disposto no art. 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais – RCP.

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III. DECISÃO:
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em declarar amnistiada a infração disciplinar pela qual o representado da entidade recorrente foi condenado e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo da entidade recorrente e da entidade recorrida em partes iguais, sem prejuízo da isenção de que beneficia a entidade recorrente.

09 de maio de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Frederico Branco – 1º adjunto)
(Maria Julieta França – 2ª adjunta)