Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:127/24.3BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:DIREITO DISCIPLINAR DESPORTIVO
RESPONSABILIDADE DOS CLUBES E SOCIEDADES DESPORTIVAS PELO COMPORTAMENTO DOS ESPETADORES
CLUBE VISITANTE
ARREMESSO DE OBJETOS COM REFLEXO NO JOGO (ART. 183º DO RDLPFP)
Sumário:I- Princípio basilar (…) é o princípio da ética desportiva, princípio do qual decorrem deveres cujo cumprimento primeiramente impende, no que ao caso interessa, sobre os clubes e sociedades desportivas: cfr. art. 3º da Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, na redação atualizada – Lei de Bases da Atividade Física e do Desposto – LAFD; art. 3º da Resolução Assembleia da República n.º 11/87, que aprovou a Convenção Europeia sobre a Violência e Excesso dos Espectadores; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o Regime Jurídico da Segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, na redação atualizada; art. 2º e art. 5º da Resolução Assembleia da República n.º 52/2018, que aprovou a Convenção do Conselho da Europa sobre a Abordagem Integrada da Segurança, da Proteção e dos Serviços por Ocasião dos Jogos de Futebol; vide Estatutos da FPF; Regulamentos da FIFA e da UEFA;
II- Consabidamente, tais deveres são: deveres in vigilando (em síntese: deveres de supervisão, de monotorização, de inspeção) e os deveres in formando (em síntese: deveres de formação, de comunicação, de promoção de fair-play): cfr. art. 3º da LAFD; art. 3º da RAR n.º 11/87; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018 e deliberação impugnada do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da entidade recorrida, de 2023-11-02, proferida no âmbito do RHI n.º ....-23/24;
III- Tais deveres são completares e contribuem para o assegurar de um clima que se pretende de maior segurança nos recintos desportivos e nas suas imediações, antes, durante e depois do espetáculo desportivo, visando assim a garantia da integridade física e moral de todos os participantes, de todos os espetadores (das crianças aos idosos) e de todas as atividades desportivas, em rigorosa simetria com a determinada: “… proteção dos direitos dos indivíduos à integridade física assim como da sua expectativa legitima de assistirem a jogos de futebol e a outros eventos desportivos sem medo de violência, desordem publica ou outras atividades criminosas, prosseguindo o objetivo de assegurar um ambiente seguro, protegido e acolhedor nos jogos…” e ainda a operacionalizar a responsabilização dos clubes e das sociedades desportivas: cfr. art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; vide “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS DECORRENTE DO COMPORTAMENTO INCORRETO DOS SEUS ADEPTOS; Guilherme Gomes Monteiro Macedo; Universidade de Coimbra; Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, julho de 2023”;
IV- Dito de outro modo, a prevenção da adoção de atitudes incorretas por parte de todos os que assistem ao espetáculo desportivo (leia-se: sócios, simpatizantes, adeptos ou espetadores) é, pois, tarefa que aqui como além fronteiras, defende-se recair não só sobre o clube visitado (aquele que tem o domínio do facto; sobretudo na ótica dos deveres in vigilando v.g. quanto ao recinto, infraestruturas, sistemas de videovigilância, etc.), mas também sobre o clube visitante (sobretudo na ótica dos deveres in formando v.g. normas referentes à segurança que impõe a obrigação de os clubes instituírem sistemas de gestão de segurança, ou seja, medidas de prevenção, técnicas idóneas de prevenção, meios de reação, estratégias de comunicação, etc.): cfr. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA;
V- Ponto é que “… uma questão que tem sido consensual entre a jurisprudência: a responsabilidade disciplinar dos clubes por comportamentos dos adeptos é subjetiva, portanto, dependente da sua atuação culposa, pelo que, interpretadas à luz do referido princípio, as referidas normas do RDLPFP não merecem reparo de natureza constitucional em face de não assentarem na responsabilidade objetiva dos clubes pela prática de atos de terceiros, em desrespeito do princípio da culpa e daquele que dele emana - a pessoalidade da responsabilidade sancionatória (cfr. n.ºs 2 e 3 do art. 30.º da CRP)…”: negrito introduzido pela relatora; in “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS PELO COMPORTAMENTO DOS SEUS ADEPTOS. UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL; Tiago Rodrigues Bastos; José Ricardo Gonçalves; Sérgio Castanheira; @pública – Revista Eletrónica de Direito Público; VOL. 8 N.º 1 abril 2021, fls. 86; www.e-publica.pt”;
VI- O que permitiu a conclusão, que se mostra correta (porque em conformidade com o que resulta dos autos e com as normas legais e regulamentares aplicáveis e supra identificadas), que a recorrente não empregou (todas) as medidas exigidas pelas circunstâncias e (ainda) adequadas a evitar o comportamento antidesportivo verificado, uma vez que face à previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a vida e integridade física dos espetadores, ordem pública, património, igualdade e ética desportiva (recorde-se, atentos os dados da experiência sobre os fenómenos de violência no desporto, mas também no caso o cadastro disciplinar da sociedade desportiva recorrente, sobretudo por sanções semelhantes à infração disciplinar que o acórdão arbitral ora recorrido confirmou), capazes de constituir fontes de perigo para os espetadores como sejam, no caso, o descrito rebentamento e arremesso de artefactos pirotécnicos (a saber, 3 potes de fumo e 6 flash light, para o retângulo de jogo, fazendo o árbitro retardar o início e o recomeço da partida após o golo do clube visitante);
VII- Resulta, pois, dos autos que a recorrente não logrou (sequer atempadamente) evitar tais condutas, nem detetar, denunciar, sinalizar ou remover tais objetos, deste modo contribuindo para o consolidar de alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se estabeleça uma franca e desejável convivência entre todos os participam e assistem ao espetáculo desportivo, em desrespeito das normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis: cfr. art. 79º n.º 2 in fine da CRP; art. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA; Acórdão do Tribunal Constitucional - TC n.º 730/95; Acórdão do TC n° 391/2015, de 12 de agosto, publicado no DR, II Série, de 2015-11-16; Acórdão deste TCAS, de 2024-06-20, processo 78/20BCLSB, disponível em www.dgsi.pt.
VIII- Ou seja, o concreto arremesso dos 3 potes de fumo e 6 flash light não consubstancia um imprevisto, mas sim uma possibilidade, que podia [repete-se: atente-se v.g. na estrutura logística, nas atribuições e competências da sociedade desportiva recorrente e na previsibilidade, recorde-se ainda idênticas ocorrências registadas no seu cadastro disciplinar (…)] e devia, ter sido oportunamente antecipada pela recorrente, a qual não tendo demonstrado que, no âmbito do dever in vigilando e in formando a que está adstrita, praticou ato idóneo destinado a evitar os comportamentos antidesportivos de que está acusada foi, pois, por tais comportamentos corretamente responsabilizada às luz das normas do direito disciplinar desportivo, como bem concluiu a deliberação sindicada e o confirmou o acórdão arbitral recorrido;
IX- O exercício do direito de defesa da recorrente em sede judicial não se mostra colocado em causa, não só porque corretamente dispensada a produção de prova testemunhal (por se tratar essencialmente de uma questão de direito aquela que cumpria decidir litigio em apreço; decisão ademais que, como sobredito, com a qual a recorrente se conformou, posto que, em tempo e sede própria, dela não reclamou e/ou recorreu), como também porque devidamente justificada a decisão arbitral recorrida em função da prova produzida nos presentes autos e à luz das regras da valoração judicial da prova.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:

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I. RELATÓRIO:
S.......... - FUTEBOL, SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto – TAD, contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL - FPF, ação arbitral impugnando a deliberação do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da entidade demandada, datada de 2023-11-02, proferida no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio - RHI n.º ....-23/24, a qual determinou aplicar à Demandante a sanção de multa no valor de €10.200,00 (dez mil e duzentos euros), pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 183°, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - RDLPFP.

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Por decisão arbitral de 2024-06-14, o TAD julgou “… improcedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido que condenou a Demandante pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 183. °, n.º 1, do RDLPFP, na sanção multa de €10.200,00 ...” e condenou a Demandada nas custas “… tendo em consideração que foi atribuído o valor de €10.200,0 à presente causa, considerando que as custas do processo englobam a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral (cfr. o artigo 76. ° da Lei do TAD e n.º 5 do artigo 2. ° da Portaria n.º 301 /2015, de 22 de setembro, na sua redação atual) …”: cfr. fls. 4 a 60.

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Inconformada a Demandante, ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCA Sul, no qual peticionou a revogação do acórdão arbitral recorrido, para tanto, apresentando as suas alegações com as conclusões recursivas que se transcrevem: “… A. O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo TAD no âmbito do processo arbitral n.º ...../2023, o qual, julgando a ação arbitral improcedente, confirmou a decisão do Conselho de Disciplina da FPF que havia sancionado a Recorrente pela suposta prática da infração disciplinar prevista no art. 183. ° n.º 1 e 2 do Regulamento Disciplinar da LPFP (“RDLPFP”).
B. Estamos perante um caso de responsabilidade disciplinar das sociedades desportivas pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos.
C. Para que se possa imputar tal responsabilidade às sociedades desportivas sem violar os normativos constitucionais do princípio da culpa é necessário que:
a) se identifiquem os deveres legais ou regulamentares que recaem sobre as sociedades desportivas;
b) se identifiquem os deveres legais ou regulamentares que foram incumpridos pelas sociedades desportivas;
c) se identifiquem os elementos em que o Tribunal se baseou para alcançar a conclusão de que a Recorrente incumpriu tais deveres.
D. A conclusão referida no ponto anterior pode ser alcançada através de presunções judiciais ou naturais.
E. O acórdão recorrido não identifica qualquer dever que tenha sido incumprido pela Recorrente, nem tampouco identifica em que elementos é que o Tribunal se baseou para formar a convicção de que o comportamento incorreto dos adeptos se deveu a tal incumprimento.
F. Os pontos 2. e 3. da matéria de facto dada como provada do acórdão recorrido consubstanciam uma autêntica inversão do ónus da prova, uma vez que, no entender do TAD, a Recorrente não é culpada por ter incumprido determinados deveres que sobre si recaiam, a Recorrente é culpada por não ter alegado ou provado, que cumpriu tais deveres.
G. Mesmo que a Recorrente tentasse cumprir o ónus que o TAD depositou sobre si, tal não seria possível, uma vez que o TAD, ao invés de permitir à Recorrente levar o seu direito de defesa o mais longe possível, optou por presumir que tal exercício seria inútil.
H. O que bem se compreende, uma vez que o acórdão recorrido presumiu, desde o início, a culpa da Recorrente.
I. Tudo isto em manifesta violação das regras do ónus da prova e dos princípios da presunção da inocência e da culpa…”: cfr. fls. 60 a 72.

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Por seu turno a entidade demandada, ora entidade recorrida, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, para tanto, apresentando as respetivas contra-alegações com as conclusões que se transcrevem: “… 1. O Recurso interposto pela Recorrente tem por objeto a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º ...../2023, que negou provimento ao aí peticionado, confirmando a decisão impugnada proferida pelo Conselho de Disciplina, na íntegra.
2. O Acórdão recorrido confirmou a condenação da Recorrente pela prática de uma infração disciplinar imputada, p. e p. pelo art. 183.º, n.ºs 1 e 2 do RDLPFP, a sanção de multa de 100 (cem) UC equivalente ao valor de €10.200,00 (dez mil e duzentos euros), decisão da qual o Recorrente discorda, por entender que se verificou a violação das regras do ónus da prova, bem como dos princípios da presunção de inocência e da culpa consagrados nos artigos 32.º n.º 2 da CRP, e bem assim, por entender que não foram garantidos os seus direitos de defesa;
3. Em concreto, a Recorrente foi sancionada, porquanto por ocasião do jogo oficialmente identificado sob o n.º 1..............., realizado no dia 30 de setembro de 2023, no Estádio SSS............, em F........, entre a SS.........., SAD e a S.......... - Futebol, SAD, a contar para a 7.2 jornada da Liga Portugal B.............: adeptos afetos à equipa visitante, ora Recorrente, (i) localizados na bancada Nascente, setor 14, claramente identificados pelos cachecóis, vestes e outros adereços que tinham em sua posse, alusivas à Demandante; (ii) antes do inicio da partida; (iii) arremessaram artefactos pirotécnicos (potes de fumo e flash light) para o retângulo de jogo; (iv) fazendo o árbitro retardar o início da partida em três minutos, relativamente à hora aprazada; (v) tendo, ainda, ao minuto 21 da primeira parte, arremessado um pote de fumo, para o retângulo de jogo, fazendo retardar o recomeço da partida após o golo do clube visitante;
4. Conforme é desde logo estipulado no art. 172.º, n.º l do RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.", deveres que estão também previstos no art. 79.º, n.º 2 da CRP e nos artigos 46.º e seguintes do regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
5. De acordo com o relatório do árbitro do jogo em crise nos autos verificou-se "Atraso de três minutos na 1 parte devido ao arremesso de artefactos pirotécnicos para terreno de jogo por parte dos adeptos visitantes" cfr. fls. 54 e ss. do RHI.
6. De acordo com o relatório do delegado da LPFP, "O jogo iniciou-se três minutos depois da hora marcada, devido ao arremesso de artefactos pirotécnicos para o retângulo de jogo, por parte de adeptos afetos ao clube visitante, S.......... - Futebol, SAD, da bancada Nascente, setor 14, claramente identificados por cachecóis, vestes e outros adereços que possuem alusivas à Sociedade Desportiva" e "Ao minuto 21 da primeira parte, foi arremessado um pote de fumo, por adeptos do clube visitante, S.......... - Futebol, SAD, localizados na bancada Nascente, setor 14, claramente identificados pelos cachecóis, vestes e outros adereços que tinham em sua posse, alusivas à referida Sociedade Desportiva, para o retângulo de jogo, tendo nesse momento retardado o recomeço da partida após o golo do clube visitante" cfr. fls. 59 e ss. do RHI;
7. De acordo com o relatório de policiamento desportivo, o jogo começou com atraso, após, às 20h29 ter-se verificado "lançamento de 2 potes de fumo e 6 flashlights (equipa visitante)" - cfr. fls. 46 e ss. do RHI;
8. Temos por assente que: (i) A Recorrente não nega a ocorrência dos factos; (ii) A Recorrente aprovou e conformou-se com as normas sancionatórias pelas quais foi punida, conhecendo-as ao pormenor (bem como o demais enquadramento regulamentar e legislativo relativa à responsabilização pelo comportamento dos adeptos);
9. Verificando-se o nexo causal entre a conduta dos adeptos da Recorrente - arremesso de artefactos pirotécnicos para o terreno de jogo e o atraso no início e no reinício de jogo - fica, portanto, por discutir se a Recorrente violou os deveres que sobre si impendem - e é inegável que os violou, por omissão;
10. Nos termos do disposto no art. 13.º, al. f) do RDLPFP, os factos constantes nos Relatórios de Jogo e de Arbitragem gozam de presunção de veracidade; 
11. Para abalar essa convicção, cabia à Recorrente apresentar contraprova, nos termos do disposto no art. 346.º do Código Civil, demonstrando, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, o que não se verificou;
12. A presunção de veracidade a que se alude supra é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência;
13. A decisão de o árbitro atrasar o início do jogo é matéria estritamente desportiva e, portanto, não sindicável nesta sede - cfr. Lei 5 das Leis de Jogo;
14. Do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga e pelo Árbitro, juntos aos autos, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o S.......... incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do S.........., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos árbitros, delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim estava reservada para adeptos da equipa do S.......... - naquele estádio, naquele concreto jogo).
15. Com base em tal factualidade, conclui-se com base nestes elementos, mas também das regras da experiência comum, que a Recorrente foi - no mínimo - negligente no cumprimento dos seus deveres de formação;
16. Para preenchimento do elemento do tipo da infração prevista no artigo 183.º, n.º i, do RDLPFP, é indiferente se o atraso no início do jogo é de dois ou três minutos, bastando que se verifique atraso para que se conclua pela prática da referida infração;
17. Quanto à alegada preterição dos direitos de defesa, cumpre referir que consta do Relatório de Árbitro a fls. 54 a 58 e Relatório de Delegado no jogo oficial n.2 1............... de fls. 59 e 60, bem como dos esclarecimentos complementares do Sr. Árbitro a fls. 130 e, ainda, pelo Relatório de Policiamento Desportivo a fls. 47, os árbitros e os delegados da Liga são claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas por adeptos afetos à Recorrente e que levaram ao atraso no início do jogo em três minutos, e bem assim, ao retardar do reinicio do jogo apos o golo da equipa visitante aos 21 minutos;
18. Nos termos do artigo 258.º, n.º 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou do delegado da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito;
19. Estando determinado regulamentarmente os documentos que servem de base à instauração do processo, torna-se desnecessário que seja esse dado concretamente indicado na decisão em processo sumário, sendo que, isso não briga com os direitos de defesa dos visados, porquanto estes podem sempre - como fez a Recorrente - reagir a essa decisão com acesso a todos os elementos, designadamente através da apresentação de Recurso Hierárquico Impróprio e da ação arbitral;
20. No caso concreto, tal menção é feita desde logo no comunicado oficial onde se referem os concretos comportamentos incorretos por parte dos adeptos do S.........., ou seja, a violação de deveres é desde logo relatada no "mapa de sumários";
21. Em concreto, no mapa de processos sumários que sanciona a Recorrente é, desde logo, referida a violação dos deveres que impendem sobre o S.........., com indicação dos factos e das normas aplicáveis (cfr. a fls. 52 do Recurso Hierárquico Impróprio);
22. Apesar dos factos que constam do relatório do árbitro, do relatório do delegado da LPFP e do relatório de policiamento desportivo, tanto o Conselho de Disciplina da Recorrida como o Tribunal a quo, levaram a cabo diversas diligências de prova, designadamente as requeridas pela Recorrente;
23. A Recorrente junta dois "prints" da transmissão televisiva, mas não cuida de requerer a referida transmissão aos autos, pelo que, desde logo não colhe a preterição de tal diligência de prova;
24. Ademais, o que a Recorrente pretende fazer valer é que o atraso no início do jogo se pode dever a quatro eventos ocorridos, a saber: (i) Presença da mascote do SS.........., no relvado, no início, no intervalo e no final da partida; (ii) Entrada dos jogadores em campo com uma capa de estudante da u...; (iii) Troca de camisolas entre a A.........e e o SS.......... antes do apito inicial; (iii) Foto do onze inicial com os estudantes da u... trajados;
Vejamos,
25. Uma mascote pode marcar presença num relvado enquanto se desenrola o "normal" procedimento pré-jogo, não motivando qualquer atraso;
26. O mesmo se diga no que respeita à entrada dos jogadores em campo com uma capa de estudante da u..., porquanto para que um jogo se realize, é condição sine qua non que os jogadores entrem em campo, sendo que, se o fazem com uma capa, ou com uma t-shirt alusiva a uma ação de sensibilização, ou apenas com o equipamento do seu clube, é indiferente no que ao cumprimento do horário previsto diz respeito;
27. A troca de camisolas entre a A.........e e o SS.......... antes do apito inicial verifica-se enquanto se ocorrem outros eventos, não sendo motivo para o atraso no início de um jogo por um período de três minutos;
28. A foto do onze inicial é algo que se verifica em todos os jogos, sendo indiferente se acompanham aquele os estudantes da u... trajados ou não, não motivando tal evento também qualquer atraso;
29. Nenhum dos eventos supramencionados se demonstra apto a determinar o atraso no início de um jogo e muito menos o atraso no seu reinício aos 21 minutos;
30. Apesar do exposto, o Conselho de Disciplina da Recorrida, acedeu ao requerido pela Recorrente, por despacho do Relator, datado de 16 de outubro de 2023 - a fls. 101 a 103 do RHI - dirigindo as questões ao Sr. Árbitro L..........;
31. O Sr. Árbitro L.......... respondeu às aludidas questões - por correio eletrónico de 17 de outubro de 2023, às 22:49, negando que os eventos supramencionados tenham tido influência no atraso no início do jogo (a fls. 130);
32. Nessa sequência, notificada para e pronunciar sobre tais esclarecimentos, a Recorrente insistiu em mais diligências - mais questões a referido árbitro - de índole meramente dilatório, diligências que o Conselho de Disciplina da Recorrida indeferiu, por entender que os meios de prova que constavam dos autos e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Árbitro L.........., eram suficientes para proferir decisão;
33. Ademais, a Recorrente alude ao vídeo da transmissão televisiva, juntando inclusive dois "prints" do mesmo, não cuidando de carrear para os autos o referido vídeo, sendo que, em bom rigor, nem sequer peticionou especificamente a sua junção em sede de ação arbitrai;
34. A tese sufragada pela Recorrente, a vingar, é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência;
35. Em suma, não se verifica qualquer preterição dos direitos de defesa da Recorrente, e bem assim, qualquer violação dos princípios da culpa, da presunção de inocência ou inversão das regras do ónus da prova, devendo ser negado provimento ao recurso, demonstrando-se o acerto da decisão arbitrai recorrida…”: cfr. fls. 73 a 126.

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O presente recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2024-07-29: cfr. fls. 127.

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Para tanto notificado, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central não exerceu faculdade que lhe é conferida pelo art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA: cfr. fls. 137.

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o presente processo à conferência para julgamento.

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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, dos assacados erros de julgamento de direito.
Vejamos:

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.

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B – DE DIREITO:
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. ónus da prova; culpa; presunção de inocência; art. 346º e art. 349º ambos do Código Civil – CC; art. 32º n. º2 da Constituição da República Portuguesa – CRP; art. 17º do RDLPFP):
Ressalta do discurso fundamentador da decisão arbitral recorrida que:
“… 6. Do Direito: Cumpre apreciar a factologia supra elencada à luz do ordenamento jurídico aplicável.
No art. 183.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (RDLPFP) dispõe-se o seguinte: (…)
Na verdade, uma interpretação da norma, considerando a letra da lei e, bem assim, a seu ratio, leva a que se possa afirmar que:
- é necessário que se conclua das circunstâncias da prática do ato que o autor do arremesso dos objetos em causa é adepto do clube a sancionar; esta qualidade infere-se razoavelmente da localização do adepto no estádio e dos adereços que ostenta, podendo ser posta em causa mediante prova de que esta inferência, no caso concreto, não pode ser feita;
- é necessário que os objetos ou materiais, pela sua própria natureza, sejam idóneos a provocar lesão de especial gravidade aos elementos da equipa de arbitragem, agentes de autoridade em serviço, delegados e observadores da Liga Portugal, dirigentes, jogadores e treinadores e demais agentes desportivos ou qualquer pessoa autorizada por lei ou regulamento a permanecer no terreno de jogo; esta idoneidade deve ser aferida em abstrato, não sendo necessário que se prove que, no caso específico, tenha existido lesão ou perigo real de lesão de qualquer das pessoas referidas; também decorre da ratio da norma que essa abstrata periculosidade pode resultar quer da presença dos objetos ou materiais em si no terreno de jogo quer do seu próprio arremesso, com o risco que ele traz de ser atingida alguma das referidas pessoas;
- é necessário que o adepto ou os adeptos referidos arremessem, sem que decorra do preceito que a locução "dessa forma, determinem que o árbitro, justificadamente, atrase o início ou reinicio do jogo ou levem à sua interrupção não definitiva" tem o sentido de tornar necessária a prova de que os distúrbios foram praticados com a intenção de produzir o resultado descrito;
- é necessário que o atraso ou a interrupção tenha existido por causa do arremesso desses objetos ou materiais (daí, a expressão “dessa forma"), correspondendo a uma exigência de causalidade, ou seja, justificada pelo arremesso e pelas consequências do mesmo.
No caso em análise, dúvidas não existem de que se registou a ocorrência do arremesso de objetos.
Considera-se ainda provado que os autores dos arremessos são adeptos da Demandante, uma vez que não foi trazido aos autos qualquer elemento que credivelmente permita pôr em causa essa inferência, decorrente das circunstâncias descritas.
Também se considera provado que os objetos arremessados para o terreno de jogo são, pela sua própria natureza, idóneos a constituir perigo para todos aqueles que estejam autorizados a permanecer no terreno de jogo - quer devido à presença destes objetos no terreno de jogo quer devido ao seu próprio arremesso (que até pode não ser isolado, não havendo forma de se saber se já terminou), pela existência de risco de serem atingidas aquelas pessoas.
Também se considera provado que estes arremessos motivaram o atraso no início e no reinício do jogo. Note-se que do texto legal não decorre que se exija que fique provado que estes atrasos se fiquem a dever exclusivamente a tais arremessos. Nem tampouco se exige, para que fiquem preenchidos os elementos típicos do ilícito, que estes atrasos tenham uma duração mínima (ao contrário do que acontece em lugares paralelos). Assim, basta que se prove que do arremesso resultou um atraso de qualquer duração; ou que a duração de um atraso provocado por qualquer outra razão foi maior devido a tal arremesso.
Essa é a razão pelo qual, não tendo sido carreada para os autos prova que fundadamente afaste a presunção (ilidível) de veracidade dos relatórios de jogo neste ponto, ela não fica afastada (note-se que a discrepância entre a duração do atraso - dois ou três minutos - não se mostra relevante nesta sede, pelas razões acima expostas, uma vez que não é apta a afastar a existência de um qualquer atraso).
Mais: esta é também a razão pela qual a não realização das diligências probatórias que foram sendo requeridas pela Demandante não põe em causa o seu direito de defesa: é que da sua realização apenas poderia, quando muito, resultar que para o atraso concorreram também outros fatores (o que, de resto, até foi afastado pelas declarações do Árbitro referidas acima), ou que a duração do atraso provocado pelos arremessos poderá ter sido diferente do que resulta do relatório do árbitro. Mas, considerando tudo quanto ficou provado e não foi nunca posto em crise pela Demandante (o arremesso de objetos desse tipo por adeptos da Demandante nos momentos considerados), a realização dessas diligências não seria apta a afastar o facto de estes arremessos terem causado ou agravado atrasos no início ou reinício do jogo.
Assim sendo, ficaram provados os elementos necessários ao preenchimento da hipótese do art. 183. ° RDLPFP subjacente à condenação da Demandante em sede de processo disciplinar, razão pela qual não deve ser revogado o Acórdão recorrido…”


Correspondentemente, e como resulta já do sobredito, o tribunal arbitral a quo decidiu inexistir violação dos direitos da defesa da demandante, ora recorrente e, bem assim, pelo concreto preenchimento dos elementos típicos do art. 183º do RDLPFP, julgando, no essencial, improcedente a ação arbitral e mantendo, em consequência, a decisão disciplinar desportiva impugnada.


O assim decidido pelo tribunal arbitral a quo escora-se em tese que se acompanha.
Vejamos:


Como decorre dos autos e o probatório elege em 2023-09-30, no estádio SSS............, em F........, realizou-se o jogo n.º 1..............., entre a SS..........Futebol, SAD e a S.......... – Futebol, SAD, ora recorrente, a contar para a 7ª jornada da Liga Portugal B..............


Mais ficou assente que, neste jogo, adeptos afetos à equipa visitante, ora recorrente, localizados na bancada nascente, setor 14, claramente identificados pelos cachecóis, vestes e outros adereços que tinham em sua posse, alusivas à referida sociedade desportiva recorrente, antes do inicio da partida, arremessaram artefactos pirotécnicos (2 potes de fumo e 6 flash light) para o retângulo de jogo, fazendo o árbitro retardar o início da partida relativamente à hora aprazada; e que ao minuto 21 da primeira parte, arremessaram (mais) 1 pote de fumo para o retângulo de jogo, fazendo retardar o recomeço da partida após o golo do clube visitante.


Reduzindo a vexatia questio aos seus termos mais simples, estamos, portanto - aliás, como em sintonia, bem o sublinham as partes -, perante um caso de responsabilidade disciplinar das sociedades desportivas pelos comportamentos social ou desportivamente incorretos dos seus adeptos.


E no que importa considerar para a economia dos autos, concretamente sobre os deveres, o ónus da prova e a responsabilidade da sociedade desportiva visitante pelos comportamentos antidesportivos dos seus sócios, simpatizantes e/ou adeptos.


Princípio basilar nesta matéria - de acordo com o quadro legal vigente e, bem assim de acordo com as normas internacionais que o Estado Português adotou e a que a entidade recorrida (entidade de natureza privada com estatuto de utilidade pública desportiva), bem como a recorrente (sociedade desportiva visitante) se encontram vinculadas -, é o princípio da ética desportiva, princípio do qual decorre um feixe de deveres cujo cumprimento primeiramente impende, no que ao caso interessa, sobre os clubes e sociedades desportivas: cfr. art. 3º da Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, na redação atualizada – Lei de Bases da Atividade Física e do Desposto – LAFD; art. 3º da Resolução Assembleia da República n.º 11/87, que aprovou a Convenção Europeia sobre a Violência e Excesso dos Espectadores; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o Regime Jurídico da Segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, na redação atualizada; art. 2º e art. 5º da Resolução Assembleia da República n.º 52/2018, que aprovou a Convenção do Conselho da Europa sobre a Abordagem Integrada da Segurança, da Proteção e dos Serviços por Ocasião dos Jogos de Futebol; vide Estatutos da FPF; Regulamentos da FIFA e da UEFA.


Tais deveres, diversamente do agora alegado pela recorrente, descobrem-se expressamente identificados no acórdão arbitral recorrido, não só na sinopse da posição das partes sobre o litígio (v.g. pontos 1 e 8 da posição da Demandante, aqui recorrente e pontos 17, 18, 40, 75, 81, 85, 88, 91 da posição da Entidade Demandada, aqui entidade recorrida), como sobretudo na decisão impugnada (vide v.g. pontos 50 e 51), que o acórdão arbitral recorrido confirmou, por considerar, como sobredito, inexistir violação dos direitos da defesa da demandante, ora recorrente e, bem assim, pelo concreto preenchimento dos elementos típicos do art. 183º do RDLPFP.


Destarte, consabidamente, tais deveres são: deveres in vigilando (ou seja, em síntese, deveres de supervisão, de monotorização, de inspeção) e são ainda os deveres in formando (ou seja, em síntese, deveres de formação, de comunicação, de promoção de fair-play): cfr. art. 3º da LAFD; art. 3º da RAR n.º 11/87; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018 e deliberação impugnada do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da entidade recorrida, de 2023-11-02, proferida no âmbito do RHI n.º ....-23/24.


Tais deveres são completares e contribuem para o assegurar de um clima que se pretende de maior segurança nos recintos desportivos e nas suas imediações, antes, durante e depois do espetáculo desportivo, visando assim a garantia da integridade física e moral de todos os participantes e de todos os espetadores (v.g. das crianças aos idosos) e de todas as atividades desportivas, em rigorosa simetria com a determinada: “… proteção dos direitos dos indivíduos à integridade física assim como da sua expectativa legitima de assistirem a jogos de futebol e a outros eventos desportivos sem medo de violência, desordem publica ou outras atividades criminosas, prosseguindo o objetivo de assegurar um ambiente seguro, protegido e acolhedor nos jogos…” e ainda a operacionalizar a responsabilização dos clubes e das sociedades desportivas: cfr. art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; vide “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS DECORRENTE DO COMPORTAMENTO INCORRETO DOS SEUS ADEPTOS; Guilherme Gomes Monteiro Macedo; Universidade de Coimbra; Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, julho de 2023”.


Dito de outro modo, a prevenção da adoção de atitudes incorretas por parte de todos os que assistem ao espetáculo desportivo (leia-se: sócios, simpatizantes, adeptos ou espetadores) é, pois, tarefa que aqui como além fronteiras, defende-se recair não só sobre o clube visitado (aquele que tem o domínio do facto; sobretudo na ótica dos deveres in vigilando v.g. quanto ao recinto, infraestruturas, sistemas de videovigilância, etc.), mas também sobre o clube visitante (sobretudo na ótica dos deveres in formando v.g. normas referentes à segurança que impõe a obrigação de os clubes instituírem sistemas de gestão de segurança, ou seja, medidas de prevenção, técnicas idóneas de prevenção, meios de reação, estratégias de comunicação, etc.): cfr. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA.


Donde, resultando, como resultou provado nos autos que, os adeptos da recorrente (sociedade desportiva visitante) arremessaram artefactos pirotécnicos (3 potes de fumo e 6 flash light) para o retângulo de jogo, fazendo o árbitro retardar o início da partida e o recomeço da partida após o golo do clube visitante, mostra-se manifesto que a mesma não logrou prevenir a violência no desporto (v.g. através da educação e/ou promoção para o fair-play), desrespeitando não só os comandos constitucional, legais e regulamentares, como sobretudo os seus deveres, designadamente, in formando (que, sublinhe-se, conhecia: como resulta do ato sindicado e da defesa que apresentou e, acrescente-se dos regulamentos desportivos a que autovinculou): cfr. art. 79º n.º 2 in fine da CRP; art. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA.


Aqui chegados, importa recordar que a recorrente alega que a decisão arbitral recorrida não só inverte as regras do ónus da prova, como desrespeita o princípio constitucional da culpa e da presunção de inocência, pois, em síntese, considera ter sido confirmada sanção disciplinar impugnada por não ter alegado nem provado que cumpriu deveres, para além de considerar também que mesmo que tivesse tentado cumprir o ónus que o tribunal a quo lhe transferiu (ou seja, o ónus de provar a sua inocência) sempre o mesmo estaria coartado, uma vez que o seu direito de defesa (nomeadamente: através do levantamento de questões que, pelo menos abstratamente, seriam suscetíveis de levantar dúvidas sobre o preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação do art. 183º do RDLPFP e/ou através da solicitação da junção de imagens televisivas) foi rejeitado pela entidade recorrida e ainda sufragado pelo acórdão arbitral recorrido.


Nas palavras da recorrente: “… 51. Em suma, este é, portanto, um processo de presunções: do mesmo passo em que o TAD violou a presunção de inocência da recorrente, transferindo-lhe o ónus de provar que não era culpada, o TAD foi ainda capaz de lhe vedar o seu direito de defesa, presumindo que as suas pretensões não eram relevantes…”.


Ponto é que “… uma questão que tem sido consensual entre a jurisprudência: a responsabilidade disciplinar dos clubes por comportamentos dos adeptos é subjetiva, portanto, dependente da sua atuação culposa, pelo que, interpretadas à luz do referido princípio, as referidas normas do RDLPFP não merecem reparo de natureza constitucional em face de não assentarem na responsabilidade objetiva dos clubes pela prática de atos de terceiros, em desrespeito do princípio da culpa e daquele que dele emana - a pessoalidade da responsabilidade sancionatória (cfr. n.ºs 2 e 3 do art. 30.º da CRP)…”: negrito introduzido pela relatora; in “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS PELO COMPORTAMENTO DOS SEUS ADEPTOS. UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL; Tiago Rodrigues Bastos; José Ricardo Gonçalves; Sérgio Castanheira; @pública – Revista Eletrónica de Direito Público; VOL. 8 N.º 1 abril 2021, fls. 86; www.e-publica.pt”.


Relevando saber agora se os comportamentos antidesportivos melhor identificados nos presentes autos (recorde-se: arremesso de artefactos pirotécnicos, a saber, 3 potes de fumo e 6 flash light, para o retângulo de jogo, fazendo o árbitro retardar o início e o recomeço da partida após o golo do clube visitante) se mostram suficientes, nomeadamente à luz do princípio de que “quem acusa tem o ónus de provar” e da aplicação das presunções judiciais/naturais e legais, para julgar incumpridos os deveres de vigilância e de formação a que o recorrente se encontrava obrigado.


A resposta mostra-se afirmativa.


O acórdão arbitral recorrido identificou com minúcia a motivação e expressamente referiu que: “… a factualidade dada como assente resulta da instrução da causa, para além de qualquer dúvida razoável.”, deixando assim claro ter alcançado a verdade judicial e prática que não, necessariamente, a verdade ontológica: sublinhado introduzido pela ora relatora.


Acresce resultar do acórdão arbitral recorrido que os árbitros do TAD apreciaram livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; sendo que a livre apreciação não abrangeu os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes: cfr. art. 607º n.º 5 do CPC ex vi art. 1º do CPTA ex vi art. 61º da Lei n.º 74/2013, de 06 de setembro, na redação atualizada; art. 169.° e art. 243.° ambos do Código de Processo Penal - CPP e art. 363.°, n.º 2 e art. 371º n.º 1 ambos do CC; art. 13 al. f) do RDLPFP e art. 44º do RD UEFA.


Vale isto por dizer que o tribunal arbitral a quo ao confirmar a deliberação impugnada do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da entidade demandada, datada de 2023-11-02, proferida no âmbito do RHI n.º ....-23/24, reconheceu também que tal deliberação assentava não só em prova suficiente, como ainda em prova com valor probatório reforçado, a saber: o relatório de policiamento e o relatório da equipa de arbitragem e, importa dize-lo: fê-lo corretamente à luz das disposições legais e regulamentares aplicáveis: cfr. art. 169º e art. 243º ambos do CPP e art. 363º, n.º 2 e art. 371º n.º 1 ambos do CC; art. 13 al. f) do RDLPFP e art. 44º do RD UEFA; neste sentido vide Acórdão deste TCAS, de 2024-06-20, processo 78/20BCLSB, disponível em www.dgsi.pt.


Mas significa também que o tribunal arbitral a quo ao analisar e decidir como o fez, não descurou a possibilidade de contraprova da demandante, ora recorrente, deixando então expresso no acórdão recorrido que a mesma, não logrou criar idónea dúvida na sua convicção probatória, dado que: “… 3. A Demandante não alegou nem provou ter adotado quaisquer medidas preventivas ou repressiva adequada e necessária a impedir os comportamentos…” antidesportivos melhor identificados nos autos, dando, como acima mencionada“… a factualidade dada como assente resulta da instrução da causa, para além de qualquer dúvida razoável.”.: vide factos assentes e não assente e motivação do acórdão recorrido.


Com efeito, a concreta falta de contraprova da demandante (quer em sede graciosa, quer em sede judicial) também à prova de primeira aparência, ainda ínsita no ato sindicado confirmado pelo acórdão arbitral recorrido, descobre-se num olhar holístico sobre a peça processual em apreço (v.g. na sinopse da posição das partes sobre o litígio, pontos 86, 89, 90, 112, 114 a 117 da posição da Entidade Demandada, aqui entidade recorrida conjugado com os supra referidos pontos da matéria assente e da sua motivação), então exemplificado na falta de identificação de aplicação de qualquer medida sancionatória aos seus associados ou de tomada de providências, in loco, através dos delegados indicados por si para aquele jogo em concreto, para identificar e expulsar os responsáveis pelos comportamentos incorretos, junção das imagens a que faz referência, etc, circunstância que nada conflitua com as regras do ónus da prova, nem com o princípio da presunção da inocência ou da culpa.


Isto porque - aliás, como bem afirma a entidade recorrida e o sublinha o acórdão recorrido -, a recorrente podia ter identificado as diligências genéricas e/ou concretas que teria adotado no caso concreto, com vista a assegurar as obrigações de segurança a que estava obrigada (v.g. no cumprimento dos seus deveres de vigilância e sobretudo de formação), e não o fez.


O que permitiu a conclusão, que se mostra acertada (porque em conformidade com o que resulta dos autos e com as normas legais e regulamentares aplicáveis e supra identificadas), que a recorrente não empregou (todas) as medidas exigidas pelas circunstâncias e (ainda) adequadas a evitar o comportamento antidesportivo verificado, uma vez que face à previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a vida e integridade física dos espetadores, ordem pública, património, igualdade e ética desportiva (recorde-se, atentos os dados da experiência sobre os fenómenos de violência no desporto, mas também no caso o cadastro disciplinar da sociedade desportiva recorrente, sobretudo por sanções semelhantes à infração disciplinar que o acórdão arbitral ora recorrido confirmou), capazes de constituir fontes de perigo para os espetadores como sejam, no caso, o descrito rebentamento e arremesso de artefactos pirotécnicos (repete-se: 3 potes de fumo e 6 flash light, para o retângulo de jogo, fazendo o árbitro retardar o início e o recomeço da partida após o golo do clube visitante).


Resulta, pois, dos autos que a recorrente não logrou (sequer atempadamente) evitar tais condutas, nem detetar, denunciar, sinalizar ou remover tais objetos, deste modo contribuindo para o consolidar “… de alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se estabeleça uma franca e desejável convivência entre todos os participam e assistem…” ao espetáculo desportivo, em desrespeito das normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis: cfr. art. 79º n.º 2 in fine da CRP; art. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA; Acórdão do Tribunal Constitucional - TC n.º 730/95; Acórdão do TC n° 391/2015, de 12 de agosto, publicado no DR, II Série, de 2015-11-16; vide Acórdão deste TCAS, de 2024-06-20, processo 78/20BCLSB, disponível em www.dgsi.pt.


Ou seja, o concreto arremesso dos 3 potes de fumo e 6 flash light não consubstancia um imprevisto, mas sim uma possibilidade, que podia (repete-se: atente-se v.g. na estrutura logística, nas atribuições e competências da sociedade desportiva recorrente e na previsibilidade, recorde-se ainda idênticas ocorrências registadas no seu cadastro disciplinar, melhor identificadas na matéria dada por assente nos presentes autos) e devia, ter sido oportunamente antecipada pela recorrente, a qual não tendo demonstrado que, no âmbito do dever in vigilando e in formando a que está adstrita, praticou ato idóneo destinado a evitar os comportamentos antidesportivos de que está acusada foi, pois, por tais comportamentos corretamente responsabilizada às luz das normas do direito disciplinar desportivo, como bem concluiu a deliberação sindicada e o confirmou o acórdão arbitral recorrido.


Termos em que a decisão arbitral recorrida não padece do invocado erro de julgamento.


DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. direito de defesa)
Do ponto 1.1. do acórdão arbitral recorrido resulta que a recorrente arrolou 4 testemunhas e que notificada pelo tribunal a quo: “… para vir aos autos apresentar pronúncia quanto à (des)necessidade de realização de audiência, tendo em conta que se está in casu estritamente perante matéria de natureza jurídica, sendo que não existe matéria de facto que se encontre controvertida;
• se notificou as partes para, uma vez que não foi requerida a produção de qualquer meio de prova que justificasse a convocação de audiência, caso a Demandante optasse por prescindir da inquirição das testemunhas arroladas, virem declarar, no prazo de 5 dias e para efeitos do disposto nos artigos 39.°, n.º 3 e 57.°, n°s 3 e 4 da LTAD, se prescindiam ou não de alegações e, caso não prescindissem, se as mesmas se produziriam por escrito ou oralmente.
No dia 18 de março, veio a Demandante optar por alegações orais, indicando três datas da sua disponibilidade.
A Demandada não respondeu ao referido Despacho Arbitral.
No dia 3 de abril de 2024, o Tribunal proferiu despacho no qual fixou o dia 16 de abril, às 14h30, para a produção dessas alegações.
No dia 16 de abril, às 14h30, demandante e demandado produziram as suas alegações orais.
Não foram requeridas pelas Partes outras diligências instrutórias…”. : sublinhado e negrito introduzido pela relatora.


E como já supratranscrito, do discurso fundamentador do acórdão arbitral recorrido ressalta que: “… Essa é a razão pelo qual, não tendo sido carreada para os autos prova que fundadamente afaste a presunção (ilidível) de veracidade dos relatórios de jogo neste ponto, ela não fica afastada (note-se que a discrepância entre a duração do atraso - dois ou três minutos - não se mostra relevante nesta sede, pelas razões acima expostas, uma vez que não é apta a afastar a existência de um qualquer atraso).
Mais: esta é também a razão pela qual a não realização das diligências probatórias que foram sendo requeridas pela Demandante não põe em causa o seu direito de defesa: é que da sua realização apenas poderia, quando muito, resultar que para o atraso concorreram também outros fatores (o que, de resto, até foi afastado pelas declarações do Árbitro referidas acima), ou que a duração do atraso provocado pelos arremessos poderá ter sido diferente do que resulta do relatório do árbitro. Mas, considerando tudo quanto ficou provado e não foi nunca posto em crise pela Demandante (o arremesso de objetos desse tipo por adeptos da Demandante nos momentos considerados), a realização dessas diligências não seria apta a afastar o facto de estes arremessos terem causado ou agravado atrasos no início ou reinício do jogo.
Assim sendo, ficaram provados os elementos necessários ao preenchimento da hipótese do art. 183. ° RDLPFP subjacente à condenação da Demandante em sede de processo disciplinar, razão pela qual não deve ser revogado o Acórdão recorrido…”.


Valendo aqui mutatis mutandis tudo o supra aduzido, os factos rechaçam também a conclusão da recorrente: “… de que mesmo que (…) tentasse cumprir o ónus que o TAD depositou sobre si, tal não seria possível, uma vez que o TAD, ao invés de permitir à recorrente levar o seu direito de defesa o mais longe possível, optou por presumir que tal exercício seria inútil…”.


Isto porque, cabia à demandada, ora recorrente, não só a prova do que alega, como a contraprova para efeitos de suscitar a dúvida idónea, sendo que a recorrente tal não logrou fazer e ainda se conformou com a dispensa da produção de prova na presente sede judicial, como não requereu a junção de outros meios de prova, designadamente as invocadas imagens televisivas: art. 342º e art. 346º do CC; art. 423º a art. 451º do CPC ex vi art. 1º do CPTA ex vi art. 61º da Lei n.º 74/2013, de 06 de setembro, na redação atualizada.


Ficando assim por provar, por exemplo que a mascote da equipa visitada e/ou as fotos com os trajes da u... contribuíram para o atraso inicial da partida; quais as condições atmosféricas/visuais no início e reinício do jogo e/ou quanto tempo decorreu entre a interrupção por causa do golo da equipa visitante e o retomar do espetáculo desportivo, etc: cfr. matéria provada e não provada.


Por outro lado, a deliberação impugnada condenava a recorrente pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 183°, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP.


E tendo tal circunstância presente, o acórdão recorrido bem sublinhou que: “… a não realização das diligências probatórias que foram sendo requeridas pela Demandante não põe em causa o seu direito de defesa: é que da sua realização apenas poderia, quando muito, resultar que para o atraso concorreram também outros fatores…” e que “… a discrepância entre a duração do atraso — dois ou três minutos — não se mostra relevante nesta sede…”.: sublinhado introduzido pela relatora.


Precisamente, porque a deliberação impugnada condenava a recorrente pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 183°, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP e não pelo art. 183º n.º 3 que a recorrente agora chama à colação.
Deste modo, o exercício do direito de defesa da recorrente em sede judicial não se mostra colocado em causa, não só porque corretamente dispensada a produção de prova testemunhal (por se tratar essencialmente de uma questão de direito aquela que cumpria decidir litigio em apreço; decisão ademais que, como sobredito, com a qual a recorrente se conformou, posto que, em tempo e sede própria, dela não reclamou e/ou recorreu), como também porque devidamente justificada a decisão arbitral recorrida em função da prova produzida nos presentes autos e à luz das regras da valoração judicial da prova.


Termos em que a decisão arbitral recorrida não padece outrossim do invocado erro de julgamento.

***
Da confluência dos factos apurados com o direito aplicável não se verificam os assacados erros de julgamento, circunstância que demanda não conceder provimento ao recurso, e, em consequência, manter a decisão arbitral recorrida.

***
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência, manter a decisão arbitral recorrida.
Custas pela recorrente.

20 de setembro de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Julieta França – 1ª adjunta)
(Frederico Branco – 2º adjunto)