Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:505/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
CUSTOS POTENCIAIS E PREVISIONAIS
DEDUTIBILIDADE FISCAL DE PROVISÕES EM PROCESSOS JUDICIAIS EM CURSO
Sumário:I- No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de novembro de 2019, data em que entrou em vigor o artigo 114.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da referida Lei.

II-A deficiente gravação da prova, apenas deve comportar nulidade se a mesma atingir um grau de impercetibilidade que impeça o seu efetivo conhecimento e, como tal, a sua impugnação, com vista a ser reapreciada ao abrigo do artigo 640.º do CPC.

III-O aludido em II), deve ser arguido, em 1.ª instância, no prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo, não constituindo as alegações de recurso o meio processualmente idóneo para esse efeito.

IV-O princípio da tributação do rendimento real, e o princípio da especialização dos exercícios, não visam tributar realidades potenciais, mas sim custos que, efetivamente, incorrem nos exercícios.

V-Se os custos em contenda relacionados com o realojamento de inquilinos, não foram, efetivamente, incorridos no exercício em causa, podendo, ou não, existir nos subsequentes exercícios, sendo, portanto potenciais, e se o seu o seu cômputo e forma de cálculo assenta, outrossim, numa realidade também ela previsional alocada a uma realidade totalmente incerta, ou seja, esperança média de vida, então, os mesmos não podem ser dedutíveis nesse exercício.

VI-Para efeitos da dedutibilidade fiscal da provisão para processos judiciais em curso a mesma depende dos seguintes pressupostos: destinarem-se a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso; por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos em ordem à subsunção normativa do artigo 23.º do CIRC; e alocados ao exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição, face ao artigo 18.º do CIRC e à periodização do lucro tributável.

VII-A Impugnante encontra-se legitimada, de acordo com o princípio da prudência e da especialização dos exercícios a contabilizar, no exercício de 2007, a provisão para processos judiciais em curso porquanto, foi nesse ano que foi intentada a ação judicial e embora não seja parte, existe o risco de ser responsabilizada, e indemnizar, podendo/devendo inscrever a provisão precisamente, no exercício de 2007, que se considera efetivado o risco.

Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I –RELATÓRIO

A DIGNA Representante da Fazenda Pública (doravante 1ª Recorrente e ou DRFP) e L…………….–Compra ……………….., Lda, S.A., (doravante 2ª Recorrente e ou Impugnante), interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetiva liquidação de Juros Compensatórios (JC), e, ainda, de Juros de Mora, respeitantes ao seu exercício de 2007, no montante global de €216.924,30.

Em sede de alegações formulam as seguintes conclusões:

“1ª Recorrente-DRFP

I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso prende-se com a decisão do Tribunal a quo que considerou como custo fiscal no exercício de 2007 a provisão constituída pela ora impugnante a título de “Provisões para processos judiciais em curso”, no montante de € 150.000,00.

II. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, na redação à data dos factos, podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício.

III. Por sua vez dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que “As provisões a que se referem as alíneas a) e d) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo considerar-se-ão proveitos do respetivo exercício”.

IV. Decorre do exposto que uma provisão para ser enquadrada neste normativo terá de verificar cumulativamente um conjunto de três pressupostos, a saber:

a. Destinar-se a fazer face a obrigações/encargos que decorram de processos judiciais em curso;

b. Os encargos a que se destinam sejam enquadrados como custo fiscal, ou seja, preencham os pressupostos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC e a sua aceitação como custo fiscal não seja excluída por nenhuma norma especifica, designadamente, das constantes do art.º 42.º do CIRC;

c. Que os encargos sejam enquadrados como custo do exercício, ou seja, preencham os pressupostos de periodização do lucro tributável constantes do art.º 18.º do CIRC.

V. Será assim de aceitar como custo do exercício a provisão constituída para fazer face a custos que, se vieram a concretizar-se, sejam por natureza custo deste exercício e na medida em que preencham os requisitos de legibilidade como custo fiscal constante do CIRC.

VI. O conceito de provisão [que se insere no âmbito do principio da prudência consagrado no POC e atualmente na Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) como uma das caraterísticas qualitativas das demonstrações financeiras das entidades] prende-se com a necessidade de acautelar perdas futuras cuja ocorrência é fortemente provável.

VII. Porém, o exercício da prudência não permite, por exemplo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas, a subavaliação de ativos ou rendimentos, ou a deliberada sobreavaliação de passivos ou de gastos, porque as demonstrações financeiras não seriam neutras e, por isso, não teriam a qualidade de fiabilidade.

VIII. É sabido que as provisões se consubstanciam como expetativas de obrigações ou de perdas de ativos, isto é, como custos estimados e atuais (do exercício), correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura, tendo a finalidade de imputar os custos aos exercícios a que se referem e evitando, assim, onerar excessivamente o exercício em que se concretizam.

IX. Com ensina Vítor Faveiro “(…) são provisões de certo exercício os lançamentos que, nesse mesmo exercício, se fazem na conta de resultados, como valores negativos, correspondentes a factos nele ocorridos mas cuja concretização fica dependente de eventualidades que só nos exercícios seguintes podem ocorrer” (in Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português II).

X. No entanto, do regime jurídico-fiscal das provisões, constantes do CIRC, resulta que, para efeitos fiscais, a constituição de provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico, sendo que, para além dos requisitos do art.º 34.º, se mostram necessários outros pressupostos para a respetiva aceitação, designadamente, os previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

XI. Ora, no caso concreto, a ora impugnante constituiu uma provisão destinada a fazer face aos eventuais encargos indemnizatórios conexos com o litigio judicial n.º 2268/07.2 TVLSB [uma vez que se havia obrigado perante o “………………… – Fundo …………………………..” a reembolsá-lo do dano que para ele resultasse da referida ação judicial] e deduziu, para efeitos do lucro tributável, o montante de € 150.000,00, tendo a AT desconsiderado tal verba para efeitos de custos fiscais.

XII. Tal como se referiu supra o art.º 34.º do CIRC, indica, por forma exaustiva, os únicos subtipos de provisão que são considerados como custos ou perdas do exercício, sendo essas as únicas provisões dedutíveis para efeitos fiscais.

XIII. A dedução para efeitos fiscais da provisão constituída pela impugnante, depende não só da mesma se destinar a ocorrer a obrigações e encargos derivados de um processo judicial em curso, mas também de o encargo que visa acautelar ser enquadrado como custo fiscal, ou seja, de se verificarem os pressupostos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC e a sua aceitação como custo fiscal não esteja excluída por nenhuma norma especifica, designadamente das constantes do art.º 42.º do CIRC.

XIV. A análise efetuada pelos serviços de inspeção tributária no sentido de verificar se o encargo que a provisão visava acautelar se enquadrava no conceito de custo fiscal, previsto no art.º 23.º do CIRC, advém do necessário confronto, que a lei impõe que seja feito, no sentido de determinar se os custos contabilizados pelos sujeitos passivos podem ser considerados custos fiscais a deduzir para efeitos de determinação da matéria coletável.

XV. Tal como dispõe o art.º 23.º n.º 1 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim podem ser consideradas, nelas se incluindo as provisões.

XVI. Daqui decorre que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

XVII. Refere o Mmo. Juiz a quo que: “aquela obrigação potencial de indemnizar, a que se reporta a provisão, radica, obviamente, na atuação da Impugnante no âmbito da sua atividade tendente à obtenção de proveitos, posto que tem génese no projeto imobiliário que encetou mas de que a dado momento se desfez, cedendo a sua posição. Logo, inscreve-se a justo título no âmbito de perdas [eventuais, portanto] decorrentes da atividade no âmbito do seu escopo social, citado art.23º nº1 corpo e alínea h) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas”.

XVIII. Ora, in casu, a sentença proferida a quo não apreciou com profundidade o comportamento concreto-contabilístico da impugnante, quanto ao ano de 2007, bastando-se com a mera alusão a que “tem génese no projeto imobiliário que encetou mas de que a dado momento se desfez” e referindo o artigo 23.º n.º 1 al.h) do CIRC.

XIX. Conforme referiu a Fazenda Pública em sede de alegações de recurso o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a impugnante e o Espirito Santo Reconversão Urbana –Fundo de Investimento Fechado, gerido pela ESAF, não pode ser visto como um contrato de cessão uma vez que a cedente não cede a sua posição nos mesmos termos em que a adquiriu, ou seja, não transmite os ónus e encargos para a cessionária, razão pela qual se considera que este é um verdadeiro contrato de compra e venda, cf. articulado 14.º das alegações de recurso.

XX. Pelo que assim sendo não se pode considerar que o custo conexo com a indemnização suportada no âmbito do processo judicial n.º 2268/07.2TVLSB à inquilina do imóvel sito na Rua …………….. n.º 79, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de …………… sob o artigo ……….., seja considerado como custo fiscal, nos termos do art.º 23.º do CIRC, uma vez que os mesmos não foram indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, uma vez que se depreende dos contratos firmados que a impugnante os realizou não em prol dos seus proveitos mas sim dos proveitos de terceiros, sendo por isso de desconsiderar.

XXI. Sempre se diga, ainda, que a decisão da gestão da impugnante, de constituir, em 2007, uma provisão no valor de € 150.000,00, para reembolsar o “E ………………. – Fundo …………………….”, deve ser escrutinada à luz da definição de provisão e do enquadramento que o CIRC previa na redação à data dos factos.

XXII. De acordo com o ponto 4 do probatório “a Impugnante veio a confrontar-se com a oposição à renúncia ao locado por parte da inquilina da fração habitacional “D”, que em vez do que lhe era oferecido a título indemnizatório por abdicar do apartamento habitacional, pretendia uma indemnização de valor pecuniário muito avultado e inusitado.” (sublinhado nosso)

XXIII. Refere o ponto 9 do probatório que “Os litígios, referidos ou só aludidos no ponto 5., entre todas as partes, desde a aludida inquilina às sociedades que sucessivamente foram donas do edifício, ou promitentes compradoras, como a Impugnante e a referida cessionária, e ainda a sociedade aludida no ponto 5., in fine – segunda compradora –, só veio a ter uma decisão passada em julgado a 6 de junho de 2011, por via de uma transação entre todos, em que interveio a Impugnante, porque relacionada por via das cláusulas de responsabilização referidas nos pontos 7.-8., e pela qual foi então aceita a renúncia ao arrendamento por parte dos transmissários da inquilina (entretanto falecida), a troco de uma indemnização a seu favor, de cerca de €350.000,00 e do arrendamento, a seu favor também, por 5 anos, de um apartamento na Rua ………………, em Lisboa” (sublinhado nosso).

XXIV. Na sequência do descrito nos pontos 7.-8., a Impugnante inscreveu na sua contabilidade, como custo do exercício, uma provisão na importância de €150.000,00 [contabilização a débito da conta 67 – provisões para processos judiciais em curso – e a crédito da conta 29], para atender àquelas eventuais obrigações indemnizatórias, conforme ponto 10 do probatório.

XXV. A AT, tendo presente o circunstancialismo de facto e de direito, relativamente ao exercício de 2007, sustentou o entendimento de que “(…) do texto do contrato de “Cessão de Posição Contratual” (clausula 4ª, fls. 67 a 69 dos presentes autos) a ora impugnante (cedente) apenas se compromete a reembolsar a cessionária (ESAF) de todos e quaisquer danos directa ou indirectamente resultantes de acções judiciais, designadamente a acção interposta pela locatária da fracção D daquele imóvel, ou outros que venham a existir, derivados da referida relação locatícia existente entre os (novos) proprietários daquele imóvel (ESAF) e os respectivos locatários. Aliás a ora impugnante obrigou-se a assinar e entregar à cessionária uma livrança em branco a fim de que a mesma a preencha quando entender e verificadas as condições… (cf. clausula 6ª do referido contrato)”, cf. articulado 22.º da contestação. (sublinhado nosso)

XXVI. Pelo que, face ao exposto, questiona a Fazenda Pública se atendendo à causa de pedir e ao pedido formulado pela inquilina do imóvel em causa, e ao juízo de subjetividade implícito nas provisões que deve ser feito na mensuração das mesmas, seria expetável que naquelas circunstâncias de facto e de direito, a ação procedesse no valor de €150.000,00?

XXVII. Conforme referiu a AT em sede de contestação: se a impugnante “se comprometeu a reembolsar a ESAF nos termos contratuais que referimos supra não se descortina qual o motivo pelo qual continua a querer justificar a inscrição do referido montante (€ 150.000,00) como provisão para processos judiciais em curso”, cf. articulado 23.º da contestação.

XXVIII. Conforme se explana a ora impugnante não logrou justificar a inscrição do referido montante (€ 150.000,00) como provisão para processos judiciais em curso como lhe incumbia ao abrigo do art.º 74.º da LGT.

XXIX. Por conseguinte, é plausível que a provisão constituída no valor de €150.000,00 pudesse estar a manipular o lucro tributável do exercício referente ao ano de 2007 e, consequentemente, diferisse a tributação para momento ulterior.

XXX. Pelo que, tendo presente todo o circunstancialismo de facto e de direito, relativamente ao período tributável de 2007, não podia a AT ter assumido outra posição que não fosse a de desconsiderar a provisão constituída pela impugnante no montante de €150.000,00 e acrescer em proveitos a quantia provisionada.

XXXI. Pelo que discorda a Fazenda Pública do Tribunal a quo que decidiu que “não havia, cum sumo rigore, motivo válido consistente para que a ação inspetiva tivesse desconsiderado a provisão, já que foi constituída sob as exigências da lei”.

XXXII. Ora, salvo melhor opinião, é nosso entendimento de que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas contidas nos artigos 23.º e 34.º n.º 1 al. c) do CIRC.

XXXIII. Afigura-se que que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto ao desconsiderar a provisão constituída pela impugnante no exercício de 2007, no montante de €150.000,00, e acrescer em proveitos a quantia provisionada.

XXXIV. A atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza.

XXXV. Face ao supra exposto entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço.

XXXVI. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença de que se recorre, julgando totalmente improcedente a presente Impugnação judicial.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais.”


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A 2ª Recorrente devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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2ª RECORRENTE LUSOBURGO apresentou alegações de recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A douta sentença foi prolatada por Mmº Juiz que não presidiu à instrução do processo em nenhuma das suas fases, incluindo a recolha da prova na audiência de julgamento, em manifesta violação do princípio da plenitude da assistência do juiz consagrado no art.605º do CPC.

2. A sentença, na parte em que é desfavorável à RTE está insuficientemente fundamentada e não tem em conta a natureza da promoção imobiliária, associada à reabilitação.

3. No exercício de 2007, a RTE realojou vários inquilinos, com tratamento não muito diferente do concedido aos dois inquilinos referidos nestes autos. Porém, só nestes dois casos é que a AT, através do Sr Inspetor, pôs em causa a abordagem contabilística e tributária seguidas, sem que tenha sido justificada esta dualidade de critérios.

4. Em síntese, a RTE imputou ao exercício de 2007, ano em que efetuou vários negócios, os custos com o alojamento de vários inquilinos, grande parte deles a suportarem exercícios futuros.

5. O procedimento da RTE foi sempre o de considerar custos de 2007, os que foi necessário realizar para obter os proveitos desse mesmo exercício.

6. Os custos efetivos ocorridos nos exercícios seguintes, não foram considerados por já terem sido imputados ao exercício de 2007.

7. A AT aprovou sempre esta prática, antes e depois da inspeção a que a RTE foi sujeita em 2009.

8. O Sr Inspetor, salomonicamente, não levantou problemas de maior a não ser nos alojamentos de dois inquilinos em foram desconsiderados os custos futuros, não efetivos em 2007.

9. Esta dualidade de critérios não foi justificada.

10. Num dos casos, a RTE arrendou uma casa, por 1250€/mês ou seja mais de €14 495,52 anuais; estimou em 28 anos a duração deste contrato, o que soma um gasto total de 405 874,56€, em 28 anos.

11. A RTE imputou ao exercício de 2007 um custo no valor de € 405 874,56, correspondente ao total das rendas a serem suportadas durante a expectativa de vida do inquilino de 28 anos: €14 495,52 x 28 = € 405 974,56)

12. Mas, anualmente, a RTE faz reverter €14 495,52; reversão esta refletida na declaração de cada exercício, desde 2007,

13. assim procedendo depois de se aconselhar na própria AT e de consultar um ROC, de reconhecida competência técnica.

14. Em 2007, a RTE, também realojou uma idosa inquilina e dois dos seus complicados filhos, maiores de 50 anos num andar de 8 assoalhadas.

15. A RTE considerou um gasto de €195 759,73, inerente a este realojamento, relativo às depreciações com o espaço comprado.

16. Para este cálculo desta amortização, usou o método das quotas constantes, adicionando à amortização as despesas de condomínio e subtraindo a renda paga pelo inquilino (€32,40), o que dava um custo anual de €5 593,14 (= 4 625,54 +1000-32,40),

17. bem como do tempo de duração do arrendamento aos membros da família realojada, estimada em 35 anos,

18. Chegando assim ao custo real é de € 195 759,73(= €5 593,14 x 35) (Decreto Regulamentar 2/90 de 12/1, art 1º,nº 3e art 20º).

19. Em 2011, a RTE vendeu esta fração, e, nesse exercício, levou a proveitos de 2011, o remanescente das depreciações antecipadas, nos termos ditados pela AT.

20. As soluções encontradas assentam no princípio da periodização dos exercícios ou do lucro tributável, mediante o qual os rendimentos e os gastos são imputados ao período em que foram gerados ou suportados, CIRC 18º.

21. e pela neutralização dos custos antecipadamente considerados quando eles ocorrerem de facto.

22. A única alternativa admissível a esta solução, que nunca seria aceite pela AT, passava por diferir no tempo os proveitos e os custos.

23. Fazer outra interpretação dos arts 18º e 23º do CIRC conduziria a uma tributação não baseada no lucro real e à manifesta oposição destes preceitos ao art 104º, 2da CRP(inconstitucionalidade material).

24. As regularizações das existências e o seu reconhecimento como custo do exercício não distorcem as demonstrações financeiras, nem colidem com conceito de custo na vertente contabilística e fiscal.

25. Pelo contrário, se a RTE não efetuar e a respetiva regularização nem e reconhecesse o custo do exercício, violaria princípios contabilísticos, com especial destaque para o princípio da especialização (consagrado no POC-ponto 4) e/ou da periodização do exercício consagrado no artigo 18.ºdo CIRC.

26. Esses erróneos procedimentos e entendimentos do Sr Inspetor foram acolhidos pela douta sentença, que nesta parte sofre de incongruência com a solução constante da parte da sentença que é favorável à RTE e de défice de fundamentação.

27. A douta sentença põe assim em causa os princípios contabilísticos consagrados no POC, nomeadamente as notas explicativas das contas e os critérios de valorimetria das contas.

28. e o, ponto 4 do POC, Os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam” (princípio da especialização e princípio do acréscimo).

29. Se a RTE não reconhecesse os ditos custos a suportar futuramente, como custos do exercício, o lucro com as transacções dos respectivos prédios seria fictício, o que provocaria uma variação patrimonial positiva errónea, distorcendo as demonstrações financeiras.

30. A falta deste balanceamento prejudicaria os utentes económicos na utilização da respetiva informação (concessão de crédito, distribuição de lucros fictícios, pagamento de impostos sobre lucro não real, etc..).

31. O princípio da especialização está consagrado na lei e é obrigatoriamente adotado pelos sistemas oficiais de contabilidade por força das diretivas da UE, não podendo arbitrariamente ser derrogado pelas administrações tributárias dos estados-membro.

32. O CIRC vinca esta especialização: “Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.” (art.º 18.º, 1. a, CIRC)

33. Considera-se como custo de aquisição de um bem a soma do respetivo preço de compra com os gastos suportados directa ou indirectamente para o colocar no seu estado actual ”(ponto 5.3.1 e 5.3.2 do POC)

34. Como prédios foram transacionados em 2007, os custos foram reconhecidos como custos do período na conta “61 -Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas ”uma vez que, essa conta “Regista a contrapartida das saídas das existências nela mencionadas, por venda…”(ponto 12 do POC -notas explicativas).

35. A douta sentença acolheu, com escassa e pouco compreensível fundamentação, estes entendimentos erróneos do Sr Inspetor, que propriamente da AT, que tem aceitado as reversões de custos, quando eles ocorrerem ou ocorreram efetivamente.

Preceitos e princípios violados: os referidos nas conclusões.

Termos que, caso não seja anulada a sentença por violação do princípio da plenitude da assistência do juiz, seja reapreciadas todas as provas documentais e testemunhais, e, em consequência, seja revogada a douta sentença e substituída por decisão que não enferme do erro de pronúncia que afeta esta.”


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A 1ª Recorrente devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos interpostos.

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Colhidos os vistos legais dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“Como decorre do recenseado, embora não diretamente explicitadas nestes termos, as questões a apreciar e decidir sintetizam-se nas de saber se as quantias inscritas como custos [dos ganhos] do exercício – a provisão para indemnização e os encargos com realojamentos – uma vez concluindo-se emergentes da atividade da Impugnante, relevam de uma relação com o conflito havido, a propósito da provisão, e se podiam atender-se pelo modo como foram vertidos na contabilidade. E, com interesse para tanto, é a seguinte a factualidade que resulta provada, com suporte na prova que se reúne:

1. A Impugnante, L…………. – Compra ……………., L.da, sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas sob o regime geral, isenta para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, dedica-se desde 1 de janeiro de 2006 à compra e venda de bens imobiliários – [CAE 68100], em especial para projetos imobiliários de reabilitação do edificado, exercendo assim uma atividade de promotora imobiliária.

I

2. Nesse contexto, em 22 de maio de 2006 a Impugnante celebrou um contrato pelo qual se comprometeu a comprar e, N……… – Construções ……………., L.da, e Construções ……….., A. P……….L.da, a venderem-lhe (sendo cada uma delas condómina de diferentes frações do imóvel, de que eram as únicas proprietárias), o prédio urbano constituído em propriedade horizontal situado na Rua ………………. 79, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial da então freguesia de São Mamede sob o art………..º, descrito pela ficha ……………… na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.

3. A Impugnante obrigou-se a tanto com a intenção de desenvolver para o espaço do imóvel um projeto imobiliário, entregando logo às suas contrapartes €200.000,00 por conta do preço, no montante de €925.000,00.

4. Sucedeu porém que a Impugnante veio a confrontar-se com a oposição à renúncia ao locado por parte da inquilina da fração habitacional “D”, que em vez do que lhe era oferecido a título indemnizatório por abdicar do apartamento habitacional, pretendia uma indemnização de valor pecuniário muito avultado e inusitado.

5. Tal viria a dar origem a um litígio cível entre as sociedades promitentes vendedoras e a aludida inquilina, a ação declarativa de condenação com o nº2268/07.2TVLSB [precedida de providência cautelar, deferida], que correu termos pela 14ª Vara Cível 2ª Secção da comarca de Lisboa, em que aquelas pediam o decretamento da caducidade do contrato de arrendamento, ou então a sua resolução ou denúncia; e, mais tarde, inclusive, a uma ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em que era ré a segunda compradora do bem – que no local acabou por vir a erguer um hotel.

6. Perante tudo isso, mantendo-se ocupado o referido locado, a Impugnante decidiu – tal como os termos contratuais a autorizavam – transmitir a sua posição no contrato mencionado nos pontos 2.-3., o que levou a efeito no dia 14 de maio de 2007, fazendo-o a favor de E ……………… – Fundo ……………., de forma onerosa, dele recebendo quantia equivalente ao convencionado preço do imóvel.

7. Contudo, do mesmo passo a Impugnante obrigou-se perante o Fundo a reembolsá-lo do dano que para ele resultasse da referida ação judicial e seu procedimento cautelar, bem como da situação gerada pelo litígio em torno da fração “D” e respetiva inquilina, designadamente:

a) o dano que resultasse, para o Fundo, do facto de a fração se não encontrar devoluta aquando da celebração da compra e venda do edifício;

b) o encargo que resultasse, para o Fundo, do realojamento da respetiva inquilina;

c) o encargo que resultasse, para o Fundo, do pagamento de alguma indemnização por danos sofridos pela aludida inquilina.

8. Em garantia dessas obrigações a Impugnante entregou ao Fundo uma livrança por si subscrita, avalizada por terceiros até certo montante, mas em branco quanto à quantia nela titulada.

9. Os litígios, referidos ou só aludidos no ponto 5., entre todas as partes, desde a aludida inquilina às sociedades que sucessivamente foram donas do edifício, ou promitentes compradoras, como a Impugnante e a referida cessionária, e ainda a sociedade aludida no ponto 5., in fine – segunda compradora –, só veio a ter uma decisão passada em julgado a 6 de junho de 2011, por via de uma transação entre todos, em que interveio a Impugnante, porque relacionada por via das cláusulas de responsabilização referidas nos pontos 7.-8., e pela qual foi então aceita a renúncia ao arrendamento por parte dos transmissários da inquilina (entretanto falecida), a troco de uma indemnização a seu favor, de cerca de €350.000,00 e do arrendamento, a seu favor também, por 5 anos, de um apartamento na Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa.

10. Na sequência do descrito nos pontos 7.-8., a Impugnante inscreveu na sua contabilidade, como custo do exercício, uma provisão na importância de €150.000,00 [contabilização a débito da conta 67 – provisões para processos judiciais em curso – e a crédito da conta 29], para atender àquelas eventuais obrigações indemnizatórias.

11. Quando aquele litígio findou, em 2011, a Impugnante suprimiu a provisão, levando a proveitos deste exercício a importância que nela havia inscrito.

II

12. Tendo adquirido um imóvel no âmbito da sua atividade, situado no Largo ………………., também em ………, no ano de 2007 a Impugnante realojou um seu inquilino na Rua ………………. 22-2º dto, na mesma cidade, para tanto celebrando um contrato de arrendamento em seu favor.

13. Como aquele pagava até então uma renda mensal de €42,04 e o novo locado que lhe conseguiu fora dado mediante uma renda mensal de €1.250,00, a Impugnante passou a considerar, como custo suportado, mensalmente, o de €1.207,52, ou seja, um custo anual de €14.945,52.

14. E, em face da esperança média de vida, a Impugnante considerou que iria arcar com este custo ao longo de 28 anos, em face da idade do inquilino realojado, pelo que estimou que tal custo era na totalidade de €405.974,56.

15. Assim, a Impugnante inscreveu na sua contabilidade, em 2007, a título de «regularização de existências» [conta 38 - regularizações], este valor como custo global.

16. Tendo a Impugnante realojado a inquilina e demais ocupantes da fração “D” mencionada no ponto 4., aludidos na transação do ponto 9. no referido apartamento da Rua ……………… 34-3º, neste caso a Impugnante viu-se obrigada, ainda em 2007, a adquirir para o efeito um apartamento habitacional, no que despendeu €308.369,00.

17. Calculou a propósito deste realojamento um custo de €195.759,73, tendo presente o seguinte:

a) 75% do preço da fração a amortizar em 50 anos, à taxa de 2%: €4.625,54 [=308.369,00x75%x2%];
b) acrescendo €1.000,00 a título de despesas anuais de condomínio;
c) subtraindo €32,40 de renda paga pela inquilina na morada anterior, custo anual: €5.593,14, e,
d) estimando em 35 anos a duração do arrendamento, custo integral: €195.759,73 [= €5.593,14x35]

18. Assim, a Impugnante inscreveu na sua contabilidade, em 2007, a título de «regularização de existências» [conta 38 – regularizações, tendo como contrapartida a conta 273 – acréscimo de custos], como custo, este valor global.

III

19. A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva ao seu exercício de 2007 [ordem de serviço nºOI201003321, de 20 de abril de 2010], a qual decorreu de forma externa, incidindo sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e realizou-se entre 15 de junho e 6 de agosto de 2010.

20. No respetivo relatório final, de 21 de setembro de 2010, a ação inspetiva concluiu que o descrito no ponto 10. não era correto nem tinha base legal, por desde logo lhe faltar uma causa justificativa válida, por não se apurar, mesmo após instância da Impugnante e ante os elementos por ela fornecidos, qual ou quais os pleitos em curso em que ela figurasse, dos quais pudessem resultar encargos financeiros para si (tendo ela apresentado cópias de uma queixa crime contra funcionários da Impugnante, bem como o aludido procedimento cautelar, em que não figurava como parte, e os contratos supra-referidos), pelo que se propôs a correção de eliminar a provisão e acrescer em proveitos a quantia provisionada.

21. Quanto ao procedimento adotado pela Impugnante descrito nos pontos 13,15., também a ação inspetiva concluiu que não era correto nem tinha suporte legal a sua inscrição contabilística como custo, desde logo por inexistirem mercadorias que carecessem de ser contabilisticamente regularizadas (como se vendidas e consumidas no exercício), distorcendo assim a demonstração financeira, antes devendo ser inscrito em custos as rendas pagas no exercício.

22. Por fim, quanto ao procedimento adotado pela Impugnante descrito nos pontos 17, 18., também a ação inspetiva concluiu que não era correto nem tinha suporte legal a sua inscrição contabilística como custo, desde logo por inexistirem mercadorias que carecessem de ser contabilisticamente regularizadas (como se vendidas e consumidas no exercício), distorcendo assim a demonstração financeira, antes devendo ser inscrito em custos o valor correspondente à amortização do bem e despesas de manutenção devidamente documentadas.

23. E mais conclui que estas duas últimas inscrições contabilísticas feitas pela Impugnante eram não só contrárias às regras de contabilidade, como desde logo não tinham cabimento legal, como custos, do ponto de vista fiscal, por não terem ocorrido, mas representarem antes despesas potenciais sob a duração estimada das situações em causa, mas sem suporte credível.

24. Tais correções técnicas foram aprovadas, por despacho de 28 de setembro de 2010.

25. Dessas correções resultou que a matéria coletável de declarada, de €201.568,66, subjacente à liquidação originária, fosse alterada para €950.787,03, pois que as correções somavam €749.218,37 – quanto àquela em causa no ponto 20. [pontos 14.-15.] a correção quedou-se por €403.458,64, porque a Impugnante regularizara €2.415,92 do custo total rejeitado no balancete analítico.

IV

26. Nessa sequência foi então a 2 de novembro de 2010, pela Administração Tributária, elaborada à Impugnante uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para aquele exercício de 2007, com o nº […]………..788, de que resultou uma dívida de imposto àquele título de €187.626,75, a título de derrama €14.261,81, a título de juros compensatórios €18.673,26 e ainda, título de juros de mora, €84,80.

27. De tais atos, sob a compensação, com o nº [….] ……..812, com a liquidação originária, resultou então uma dívida global de €216.924,30, com prazo de pagamento voluntário com termo a 15 de dezembro de 2010.

28. De tanto notificada, no dia 3 de março de 2011 a Impugnante apresentou em Juízo a petição na origem dos presentes autos.”


***

A decisão recorrida considerou como factualidade não provada:

“Não há outra matéria provada, nem factos não provados, que relevantes sejam para decisão.”


***

Mais se consignou na decisão recorrida que a motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte:

“O Tribunal formou a sua convicção com base no exame crítico do relatório da ação inspetiva, em cotejo com os demais elementos documentais constantes, os documentos públicos ou particulares, que não fazem dúvida – e que não foram, de resto, impugnados –, sob o valor probatório que os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil lhes emprestam e ainda o que os arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1, do mesmo corpo de normas, conferem aos particulares, tendo-se ainda presente o que dispõe o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Outrossim, assentou a convicção nos esclarecimentos trazidos pelos depoimentos recolhidos, de acordo com a avaliação da sua fidedignidade que deles se fez, positiva, em conjugação com o teor documental já referido e sem prejuízo da efetiva utilidade que a cada depoimento se reconhece. Com efeito, as testemunhas ouvidas fizeram uma descrição dos factos, na parte em que eram do seu conhecimento pessoal direto, de forma simples e chã, que convenceu o Tribunal da veracidade do que narravam, daí a factualidade plasmada, ao abrigo também, portanto, do disposto no art.396º do Código Civil. Cumpre porém e contudo dizer que o discurso atrapalhado, repetitivo, tecnicamente pouco claro e esclarecedor da primeira testemunha, o contabilista da Impugnante, foi na verdade quase evanescente, pois que mais não procurou do que explicar [-se e a]o seu proceder que, de resto, estava já documentalmente plasmado no essencial, como o relatório inspetivo reflete. Relevante foi, porém, na parte em que esclareceu sobre o termo da provisão e da operação que a reflete, bem como quanto ao relevo contabilístico que foi conferido, nos anos subsequentes àquele aqui em causa, aos custos com os realojamentos consignados no ano aqui em causa. Cabe também referir que o valor probatório prático do depoimento da segunda testemunha, o próprio inspetor tributário que procedeu à ação inspetiva, é inócuo, tendo reiterado o porquê da posição que sustenta as correções que propôs no relatório inspetivo que elaborou; e igual valor prático se conferiu ao depoimento da terceira testemunha, pois que como consultor fiscal mais não pôde dizer senão qual o seu parecer que sobre as questões que lhe foram colocadas pela Impugnante, tal como lhe foram postas. O que repetiu e explicou. Ao invés destas, a quarta testemunha descreveu factos essenciais, relevantes dos temas em discussão, do seu conhecimento pessoal direto. Fê-lo de forma clara, desprendida mas precisa no que era essencial, denotando perfeita equidistância e independência. Advogado da Impugnante, que representou no decurso de toda a operação relativa ao imóvel mencionado na matéria de facto, situado na Avenida ………………… (operação esta que envolvia imóveis contíguos também), explicou todo o acontecer relevante da operação e, para isso, a atividade em geral da Impugnante e no âmbito concreto daquilo que motivaria mais tarde as correções, a intenção da Impugnante na celebração de cada um dos dois primeiros contratos em que ela intervém, mencionados na matéria de facto provada, e sua sucessiva razão de ser, bem como elucidou dos termos do terceiro, a transação pela qual foi posto termo ao litígio, expondo ainda por que razão intervém a Impugnante neste último, bem como o que para ela resultou dele. Assim, o teor do vertido no ponto 1. extraiu-se do relatório inspetivo, constante do processo administrativo, sendo a sua parte final retirada dos depoimentos da primeira e quarta testemunhas. O consignado nos pontos 2, 3. extraiu-se dos contrato promessa citado, constante do processo administrativo. E, da conjugação deste contrato com o contrato de cessão da posição contratual, também constante do processo administrativo, com o depoimento da quarta testemunha, fixou-se o conteúdo dos pontos 4, 9., sendo que o do ponto 5. o foi ainda em conjugação com o teor das certidões de fls.74ss. e de fls.107ss. e, o do ponto 9., ainda em conjugação com o teor da certidão de fls.117ss.. Já o vertido nos pontos 10, 18. retirou-se do relatório inspetivo e atos desse procedimento mencionados, ali também documentados, tudo constante do processo administrativo. Contudo, o teor dos pontos 10. e 12, 16. assenta também no depoimento da primeira testemunha, assim como o ponto 11. assenta ainda na documentação contabilística da reversão da provisão, de fls.155-155. O teor dos pontos 19, 25. extraiu-se do relatório inspetivo e atos desse procedimento, como já dito inserto no processo administrativo. Já o que consignado ficou nos pontos 26, 27. retirou-se das demonstrações das liquidações e compensação, que se encontram logo no início do processo administrativo. Por fim, o consignado no ponto 28. extraiu-se do sobrescrito pelo qual a petição inicial foi expedida pelo seguro do correio a Tribunal, de fls.20.”


***

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, ambas as partes interpuseram recurso no segmento em que ficaram vencidas. Concretamente, a DRFP interpõe recurso relativamente a provisões não dedutíveis fiscalmente, no valor de €150.000,00. Por seu turno, a L…………… interpõe recurso relativamente à desconsideração dos custos com o alojamento de inquilinos no montante de €405.874,56 e €195.759,73, respetivamente.

Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso da DRFP (1ª Recorrente), cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, por um lado, o Tribunal a quo valorou adequadamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, se interpretou erradamente os pressupostos de direito violando, nessa medida, os normativos 23.º e 34.º n.º 1 alínea c), ambos do CIRC.

No concernente ao recurso da L……………… (2ª Recorrente), as questões a decidir são as que infra se enumeram:

i. Se a decisão recorrida padece de nulidade por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes;

ii. Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade por falta de fundamentação, particularmente, no domínio da motivação da matéria de facto e concatenada com a prova testemunhal;

iii. Erro de julgamento de facto, e concreto preenchimento dos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC;

iv. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar custos com o alojamento de inquilinos, no valor total de €601.634,29, concretamente, se:

o Violou princípios contabilísticos, particularmente, o princípio da especialização dos exercícios constante no artigo 18.º do CIRC;

o Descurou realidades de facto atinentes à reversão desses mesmos custos nos exercícios seguintes;

o Expressou uma injustificada dualidade de critérios;

o Inviabilizou a tributação pelo lucro real, criando um lucro fictício e distorcendo as demonstrações financeiras.

Vejamos, então.

Comecemos pelo recurso da L………………., na medida em que o mesmo convoca ab initio duas nulidades da decisão recorrida.

Atentemos, então, na nulidade decorrente da violação do princípio da plenitude de assistência dos juízes.

A Recorrente defende que a sentença recorrida padece de nulidade na medida em que a mesma foi prolatada por Mmº Juiz que não presidiu à instrução do processo em nenhuma das suas fases, incluindo a recolha da prova na audiência de julgamento, em manifesta violação do princípio da plenitude da assistência do juiz consagrado no artigo 605.º do CPC.

Apreciando.

O princípio da imediação, conforme é comummente aceite na Doutrina e na Jurisprudência, traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova.

Na verdade, segundo o princípio da imediação deve existir uma relação de contacto direto, pessoal, entre o julgador e as pessoas cuja declaração irá valorar, com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos fatores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver.

Por seu turno, o princípio da oralidade, vetor fundamental do regime processual civil, reporta-se ao modo de produção da prova e significa que a prova produzida sob a égide deste princípio é a realizada oralmente.

No contencioso tributário, até à implementação do normativo 114.º do CPPT, pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, sempre foi doutrinado, mormente, em termos jurisprudenciais que inexistia uma valoração do princípio da imediação e plenitude do Juiz nos exatos termos em que o CPC o previa, desde logo atentas as especificidades do próprio processo tributário.

Aliás, a própria alteração ao artigo 114.º do CPPT, conjugada com o artigo 13.º, nº1, alínea a), da citada Lei nº 118/2019, permite inferir, justamente, nesse sentido, na medida em que a sua implementação assume caráter inovatório.

Com efeito, e a atestar o supra exposto atente-se, designadamente, no Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do STA, em formação alargada, datado de 03 de julho de 2019, no âmbito do processo nº 01522/15, onde se enunciou, de forma clara, que:

“[O] novo CPC, enquanto compêndio normativo processual que é, sendo aplicável às acções pendentes desde logo por força do art° 5o n° 1 da Lei n° 41/2013, de 26/06, não possui eficácia retroactiva (vide art° 12° n° 1 do C. Civil). E daí temos que as alterações introduzidas que determinaram que o princípio da plenitude da assistência aos Juízes passou a vigorar/valer também para a fase da sentença apenas são de considerar no processo comum, naquelas situações em que tanto a fixação da matéria de facto resultante da prova oferecida como a prolação da sentença ocorreram já no âmbito do novo CPC.

Já no processo tributário, ainda que o CPC, seja aplicável aos processos pendentes por força do disposto no já referido art° 2.º al. e) do CPPT, importa considerar que se manteve até hoje inalterado o regime, supra descrito, que regula o processo judicial tributário pelo que permanecem válidos os fundamentos de direito apresentados no referido acórdão do Pleno de 2012, para afastar a aplicação do princípio da plenitude da assistência dos juízes em situações, justificáveis, como a dos autos. Assim, por enquanto, e até à concretização de iniciativas legislativas já desencadeadas (no âmbito da revisão do CPPT em curso, foi apresentada a Proposta de Lei n.° 168/XIII da Presidência do Conselho de Ministros (…)), reitera-se, é válida tal fundamentação nas circunstâncias concretas em apreciação (…)

Acresce que o facto de o D. L. n° 81/2018, publicado em 15/10, referenciar a data de 31 de dezembro de 2012 para autorizar a intervenção dos juízes que integram as equipas criadas pelo diploma, para prolatarem as sentenças em processos pendentes, entrados até àquela data, independentemente do Magistrado que recolheu a prova testemunhal, o que resulta da expressão “ainda que tenham sido realizadas diligências de prova” só pode ter o significado de que, em sede de processo tributário, se pretender valorar a celeridade e a certeza da decisão jurídica mesmo que com algum sacrifício ou compressão do dito principio da plenitude, na sua pureza e conceito inicial/geral”. (destaques e sublinhados nossos).

De chamar à colação, outrossim, o Acórdão prolatado em 04 de março de 2020, no âmbito do processo nº 259/10, na sequência de pedido de consulta prejudicial ao STA, no qual foi decidido que:

“Sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz, no âmbito do contencioso tributário, já este Supremo Tribunal se pronunciou nos seus acórdãos datados de 12.12.2012, recurso n.º 01152/11 e mais recentemente no acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 01522/15.

Em ambos se concluiu que no processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.

É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente.

Porém, e face, como se disse, à singularidade do processo tributário, a questão colocada já se encontrava resolvida pela doutrina deste Supremo Tribunal e veio mesmo a ser confirmada pelo legislador, na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13°, n.º 1 e alínea a).

Ou seja, não só a doutrina deste Supremo Tribunal sempre foi no sentido de que, no processo judicial tributário, o juiz competente para a elaboração da sentença era aquele a quem o processo se encontrava atribuído, como o próprio legislador apenas pretendeu que se fizesse de modo diferente nos processos entrados em juízo após a entrada em vigor da referida Lei n.º 118/2019.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, aderindo e transpondo, na íntegra, a aludida fundamentação jurídica para a situação sub judice, conclui-se que não obstante o Juiz que presidiu à inquirição das testemunhas não ser o mesmo que elaborou a sentença, tal circunstância, no caso vertente, em nada comporta uma nulidade da sentença, uma vez que atenta a data de entrada em juízo do presente processo, não existe óbice a que a decisão recorrida tenha sido proferida por Magistrado diferente do que presidiu à inquirição de testemunhas.

Não logrando, assim, mérito o por si expendido quanto à data da audiência de inquirição de testemunhas, na medida em que, como visto, a data que releva para efeitos da aplicação da norma inovatória plasmada no citado artigo 114.º do CPPT é a da entrada do processo em juízo, e não a da realização da audiência de inquirição de testemunhas.

Neste âmbito, e numa situação similar, convoquem-se os Arestos do STA, prolatados no âmbito dos processos nº 0272/14.3BEVIS, de 10 de março de 2021 e nº 094/18, de 01 de março de 2023, extratando-se o sumário do primeiro dos Arestos citados, na parte que para os autos releva:

“No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de Novembro de 2019, data em que entrou em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (cf. art. 14.º), como resulta do disposto no art. 114.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.”

Logo, tendo a presente impugnação judicial sido deduzida a 03 de março de 2011, a sentença recorrida não enferma da invocada nulidade.

Uma última nota, para relevar que a manutenção deste juízo de entendimento em nada pretere ou põe em causa o princípio de acesso à justiça, em nada configurando o coartar de qualquer tutela jurisdicional.

Face ao exposto, improcede, na íntegra, a aludida nulidade.

Prosseguindo.


***


Aquilatemos, ora, na arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

A Recorrente defende que a decisão é nula, porquanto inexiste motivação da matéria de prova, mormente, no âmbito da produção de prova testemunhal, desconsiderando, sem mais, a valia dos depoimentos das testemunhas Júlio Lourenço Alves e Manuel Arlindo Vieira Marujo padecendo, por conseguinte, de um notório deficit de fundamentação.

Apreciando.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que:

“ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste conspecto, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Com efeito, a nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3, do CPC, que impõe ao juiz não só o dever de discriminar os factos que considera provados, como também de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como doutrina Alberto dos Reis (1), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.”

Mais importa ter presente que, no atinente à falta de fundamentação de facto, a doutrina tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (2) ”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que no item inerente à fixação da factualidade provada, estão elencados os factos provados deles constando, por seu turno, na parte atinente à decisão da matéria de facto, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

Com efeito, atentando na aludida motivação da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal a quo, de forma cuidada, convoca as razões que lhe permitem decidir nesse sentido, apelando à prova testemunhal, particularizando os depoimentos, a forma como foram prestados, e explicitando os motivos inerentes à sua concreta valoração. O mesmo sucedendo no atinente à prova documental.

Note-se que se foi correta ou incorretamente valorada a prova testemunhal, face às razões patenteadas na motivação da matéria de facto, tal em nada pode consubstanciar nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, quando muito erro de julgamento.

Ora, face ao supra aludido não assiste qualquer razão à Recorrente quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, porquanto, contrariamente ao por si propugnado, a mesma contempla toda a factualidade relevante para dirimir o litígio nos moldes em que foi decidido, explicitando, na motivação da matéria de facto, e ulteriormente, na fundamentação de direito quais os motivos porque entendeu valorar a prova no sentido em que o fez. Reitere-se que, se a interpretação dos pressupostos de facto ao regime jurídico vigente não traduz a solução perfilhada pelo Tribunal a quo, tal situação em nada traduz nulidade, quando muito erro de julgamento (3).

Conclui-se, assim, que do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, tendo sido definida concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com evidência da factualidade considerada não provada, convocando e apreciando os meios probatórios produzidos.

Subsequentemente, essa mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao quadro jurídico que entendeu relevante para o efeito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, permitindo, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica.

E por assim ser não pode, pois, sustentar-se que a decisão em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na decisão recorrida se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional, com a devida apreciação crítica da prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal.

Improcede, assim, a arguida nulidade por falta de fundamentação.


***


Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (4).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (5)

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Mais importa, ainda, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

Com efeito, [q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (6)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (7).

Feito este enquadramento, atentemos, então, nas razões avançadas para o efeito pela Recorrente.

Neste âmbito, advoga a Recorrente que não foi, devidamente, valorada prova testemunhal, mormente, os depoimentos supra aludidos os quais tinham razão de ciência firmes e a sua valia técnica deveria ter sido ponderada e contribuído para a decisão da causa.

Mais alega que, os depoimentos das aludidas testemunhas para além de revelarem completo conhecimento dos factos, indiciam que as ditas testemunhas, com o seu elevado saber e segurança técnica, fizeram prova de que no passado tinham feito o melhor enquadramento fiscal e contabilístico dos factos sujeitos a prova.

Ora, vejamos.

De relevar, desde já, que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento é crível, e que tem conhecimentos avalizados sobre a matéria decidenda. E isto porque se a convicção formada pelo impugnante da matéria de facto sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se de forma, devidamente circunstanciada, e mediante concreta convocação do probatório, quer as razões de ciência em que se firma, quer as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade, e naturalmente, de que forma, em concreto, impacta na matéria de facto fixada nos autos.

O que significa, portanto, que a mera alegação de que o conhecimento das testemunhas, tem uma valia técnica que não pode ser descurada, sem qualquer substanciação de facto atinente ao efeito, em nada permite inferir, per se, a existência de um erro de julgamento que careça de qualquer complementação ou supressão no probatório.

Ademais, no item atinente à motivação da matéria de facto e conforme já demos nota, são expressados, de forma clara, os motivos subjacentes à concreta valoração dos depoimentos e da sua credibilidade e a verdade é que nada foi, especificamente, apartado pela Recorrente, nesse e para esse efeito, limitando-se a um juízo conclusivo.

É certo que este Tribunal está ciente que no corpo das alegações, por diversas vezes, são convocados trechos áudio e excertos da prova testemunhal, mas a verdade é que a Recorrente nada requer em termos de concreta alteração, aditamento ou supressão do probatório, limitando-se, tão-só, a concretizar juízos de valor quanto ao ajuizado pelo Tribunal a quo, reconduzindo-se, por isso, a meros erros de julgamento de facto.

Note-se que, para efeitos de cumprimento do aludido ónus era imperioso que a Recorrente evidenciasse, de forma clara, qual o facto que pretendia integrar, com a devida substanciação espácio-temporal, concreta convocação do inerente meio probatório, e a razão atinente a esse aditamento, o que, como visto, in casu, não foi materializado.

De relevar, ainda neste particular, que não se perceciona o alcance atinente ao depoimento da testemunha J ……………………, ROC de profissão e a sua qualificação como perito, na medida em que o mesmo foi arrolado enquanto testemunha, e não enquanto perito, carecendo de qualquer relevo quais observações atinentes à tecnicidade do depoimento, que em nada podem comportar uma qualificação e natureza distintas da conferida pela própria parte que a arrolou.

Ainda neste âmbito, e se bem interpretamos as alegações de recurso, verificamos que a Recorrente, ainda que de forma algo conclusiva, evidencia “notórias deficiências áudio” na gravação da inquirição de testemunhas, na óptica do erro de julgamento de facto, não arguindo qualquer nulidade processual.

Sendo certo que, mesmo inferindo-se essa arguição, a mesma estaria vinculada aos pressupostos constantes nos nºs 3 e 4 do artigo 155.º, nº4, do CPC, donde carecia de arguição autónoma, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada às partes, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção, tout court, nas alegações de recurso.

Neste sentido elucida Abrantes Geraldes (8), e doutrinam, designadamente, os Acórdãos prolatados pelo STJ, em Revista, nos processos nºs 171/21.2T8PNF.P1.S1, de 12 de outubro de 2022, 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1, de 08 de setembro de 2021 e 350398/09YIPRT.G1.S1, de 23 de fevereiro de 2016.

De todo o modo, sempre se dirá que a deficiente gravação da prova, apenas deve comportar nulidade se a mesma atingir um grau de impercetibilidade que impeça o seu efetivo conhecimento e, como tal, a sua impugnação, com vista a ser reapreciada ao abrigo do artigo 640.º do CPC.

Com efeito, apenas quando a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, devendo, nessas situações ser equiparada à situação de falta (total ou parcial) da gravação.

Realidade que, de todo, sucede no caso vertente.

In casu, numa óptica de completa tutela jurisdicional, o Tribunal procedeu à audição integral da audiência de inquirição de testemunhas e não vislumbrou qualquer inaudibilidade, deficiência sonora, que impossibilitasse a sua audição, a perceção do depoimento de qualquer uma das testemunhas ouvidas, mormente, da testemunha Manuel Arlindo Marujo, donde a concreta impugnação dos depoimentos prestados ao abrigo do citado normativo.

Destarte, face a todo o exposto e sem necessidade de considerandos adicionais, resulta inequívoco que a Recorrente não cumpriu os requisitos invocados no artigo 640.º do CPC, sendo, assim, destituída de qualquer fundamento a alegação da Recorrente no sentido de que a decisão recorrida não reflete a prova produzida documental, pericial e testemunhalmente e está desalinhada dos esclarecimentos técnicos e factuais propiciados pela audiência de julgamento.


***


Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, há, então, que apreciar do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente advoga que imputou ao exercício de 2007, ano em que efetuou vários negócios, os custos com o alojamento de vários inquilinos, grande parte deles a suportarem exercícios futuros, no entanto, tal não acarreta qualquer ilegalidade na medida em que os custos, efetivos, ocorridos nos exercícios seguintes, não foram considerados por já terem sido imputados ao exercício de 2007.

Mais sufraga uma dualidade de critérios na medida em que, existiram diversos custos com realojamentos no visado exercício, e só relativamente a estes foram concretizadas correções aritméticas.

Densifica, ainda para o efeito, que o cômputo dos mesmos foi avalizado em ordem ao custo efetivo e a uma estimativa de vida do inquilino, sendo que depois foi materializada a competente reversão dos custos nos exercícios subsequentes.

Adensa, ainda neste particular, e quanto ao custo no valor de €195 759,73, que o mesmo coadunou-se com a realização das competentes depreciações referente ao espaço adquirido, e mediante a utilização do método das quotas constantes, em conformidade com o método das quotas constantes.

Mais sublinha que, tendo essa fração sido vendida no exercício de 2011, tal determinou que o remanescente das depreciações antecipadas, fosse contabilizada como proveitos.

Conclui, assim, que tais soluções assentam no princípio da periodização dos exercícios, na neutralização dos custos antecipadamente considerados quando eles ocorrerem de facto, em nada distorcendo as demonstrações financeiras, nem colidindo com o conceito de custo na vertente contabilística e fiscal, traduzindo, ademais, a expressão do princípio da tributação do lucro real.

O Tribunal a quo, por seu turno, fundamentou a improcedência esteando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica:

“Embora se perceba a inteleção subjacente, enquanto intenção de inscrever os encargos no exercício em que de algum modo passaram a ser determináveis ou estimáveis, do mesmo modo que inscreveu então os proveitos obtidos, a verdade é que, desde logo, esses custos pura e simplesmente inexistiram na sua quase globalidade, nesse exercício. Por outra parte, quanto à aquisição do apartamento, existem normas específicas de o inscrever e fazer constar na contabilidade esta tipologia de encargos, por meio de amortizações, arts.28ºss. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão aplicanda. E, nesse sentido, o seu art.30º nº1 é bem claro no sentido de indicar qual o custo correspetivo do imobilizado que anualmente é aceite para efeitos fiscais. O qual não tem relação alguma com a duração da afetação do bem a um determinado fim, aqui o realojamento. Portanto, há violação do sistema de gradual inserção dos custos de aquisição de bens duradoiros sob o método de inscrição anual repartida em dada fração para cada exercício, de acordo com os critérios legalmente fixados, que procuram um equilíbrio entre a durabilidade ou vida útil do bem e a distribuição do seu custo por uma pluralidade de exercícios, arts.27ºnº1, 28ºnº1 e 29ºnº1 e 32ºnº1 corpo e alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas coevo e Decreto Regulamentar 2/90 de 12 de janeiro. É certo que o regime permite desvios, mediante amortizações mais rápidas, isto é, em menor número de exercícios, mas em situações de algum modo excecionais ou extraordinárias e sob prévia autorização da Administração Tributária, como em cada um desses articulados se prevê, mas que aqui não foram invocados.

Ainda, o encargo com rendas e despesas de condomínio inscreve-se nos termos gerais da sua sucessiva incursão anual, enquanto custos efetivamente incorridos no exercício, novamente sem relação com a duração estimada do arrendamento na origem da sua assunção.

Em suma, a inclusão dos custos totais estimados por causa de realojamentos, no exercício de 2007, para além da inaceitável álea introduzida no seu cálculo, sem sequer haver uma efetiva causa justificativa presente, nos termos do art.17ºnº1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, ao acumular custos na verdade inexistentes à época, do mesmo modo que liquidados por critérios afastados dos legalmente admissíveis, subverte as demonstrações financeiras, erodindo o lucro tributável. Pelo que o proceder da Impugnante, conquanto sob a explicação que deu, de tal forma afastado dos critérios contabilísticos e fiscalmente aceites, não é aceite. Aliás, precisamente ao invés do que ocorreu com a provisão, no caso da aquisição do imóvel, sobreveio com a transação um arrendamento por cinco anos, sem relação alguma com os cálculos feitos para inscrição dos custos. E no caso do arrendamento pago nem sequer se sabe o que ocorreu nos anos subsequentes. Demonstrando uma vez mais a retro quão errada era a estimativa, logo no primeiro dos casos e como surge insindicável no segundo deles.

Pelo que a correção motivada pela regularização de existências subjacente aos atos impugnados é inteiramente procedente – apenas podendo aceitar-se num caso a amortização do bem e os custos de condomínio, anualmente, no outro o valor das rendas anuais. Donde que ilegalidade alguma se detete na correção em apreço, a qual se mantém, soçobrando assim, nesta parte, a impugnação.”

Vista a posição da Recorrente e as razões que estribaram a manutenção das correções há, então, que aquilatar da fundamentação contemporânea do ato radicada, como é consabido, exclusivamente, no respetivo Relatório de Inspeção Tributária. Dele se extrai, designadamente, o seguinte:

· No exercício de 2007, o sujeito passivo procedeu à regularização de existências no montante de €601.634,29, originado por duas verbas uma de €195.759,73 e outra de €405.874,56, contabilizadas indevidamente como custo deste exercício, quer pela natureza das mesmas, quer pela inconsistência verificada, não podem ser aceites como custo de acordo com a descrição;

· As regularizações em causa, contabilizadas indevidamente na conta 38- Regularizações, distorcem as demonstrações financeiras ao verificar-se que as duas verbas não correspondem a existências de qualquer mercadoria, e, foram reconhecidas como custo das mercadorias vendidas e consumidas em 2007.

· As referidas estimativas de € 195.759,73 e de € 403.458,64, num total de € 599.218,37, violam o preceituado no art° 17° do CIRC, nas vertentes contabilísticas e fiscais, colidindo com o conceito de custo, na medida em que não tem enquadramento no art° 23°, do mesmo diploma legal ao verificar-se que não estamos perante custos efectivos que tenham ocorrido, dado que as verbas em causa, assentam apenas em potenciais despesas. (Anexos IV fls 123 a 132)

Adicionalmente, em resposta à audição prévia é adensado:

· Quando o sujeito passivo refere na página 8 da audição prévia que utilizou a conta ”273 - Acréscimo de custos que no seu entendimento serviu de contrapartida para lançar custos imputados às existências. Ora o que aconteceu foi de forma errada, ou seja, quando afirma que esta conta serve de contrapartida aos custos a reconhecer no próprio exercício, que era o que deveria ter acontecido e que não aconteceu, ao verificar-se que o montante estimado seria contabilizado em acréscimo de custos, e, anualmente esta conta era movimentada pela conta de custos pelo montante do custo ocorrido em cada ano.

· É este o princípio, que deveria ter presente em vez de considerar como custo, a totalidade das estimativas, que não têm qualquer credibilidade, devendo abster-se de criar custos, cuja probabilidade da sua ocorrência, não ficou provada, e, mesmo que ficasse, nunca poderia ser custo apenas no exercício de 2007.

· Em conformidade com a fundamentação do ponto III.1.2) deste relatório, o sujeito passivo procedeu indevidamente à regularização de existências, baseado na longevidade dos inquilinos, para efetuar estimativas de custos que iria suportar nos próximos 28 e 35 anos respetivamente.

· A situação verificada, não pode ser aceite pelos motivos já referidos, apenas poderão ser considerados os custos com amortizações do edifício onde o inquilino está instalado e no caso em que é paga renda, a mesma é aceite como custo.

Vejamos, então, se lhe assiste razão, começando por convocar o quadro normativo.

De relevar, ab initio, que por imposição constitucional, a tributação das pessoas coletivas obedece ao princípio da tributação do rendimento real efetivo, ou seja, o imposto deve incidir sobre o rendimento efetivamente obtido (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP).

Em obediência a este princípio, determina-se no artigo 16.º, n.º 1, do CIRC que a matéria tributável é, por regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo que a AT venha a fazer da mesma.

O IRC incide, então, sobre o “lucro das sociedades comerciais”, sendo que, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no código”.

O lucro tributável das pessoas coletivas, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas nesse mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos daquele Código.

Dispondo, por seu turno, o artigo 20.º do CIRC, com a redação à data aplicável que consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

E no atinente aos custos, e aos seus pressupostos, realidade, ora, em contenda há que convocar o disposto no artigo 23.º do CIRC, o qual preceituava no seu n.º 1, que: “… [c]onsideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”, seguindo-se, na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos.

Como tal, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

O que significa, então, que a lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Com particular interesse para os presentes autos, há, outrossim, que ter presente o princípio da especialização dos exercícios, do qual resulta que “os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício que digam respeito”, sendo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” (cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC).

No concernente ao ónus da prova, cumpre ainda evidenciar que incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável, e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Ora, visto o quadro normativo, e tecidos os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente, há, então, que aquilatar se assiste razão à Recorrente, referindo-se, desde já, que ajuizamos que o Tribunal a quo realizou a melhor e a adequada interpretação face ao acervo fático dos autos, e ao âmbito de atividade desenvolvida pela empresa.

Senão vejamos.

In casu, conforme supra evidenciado existem dois custos não aceites fiscalmente ambos relacionados com as necessidades de realojamento dos inquilinos, mas com premissas distintas quanto à sua génese, e naturalmente, quanto ao concreto cômputo e que importa, ora, dilucidar.

No concernente à correção no valor de €195.759,73, a mesma respeita à aquisição de uma fração de sete assoalhadas na Rua …………., tendente a realojar uma idosa e seus filhos, os quais tinham sido desalojados de um prédio vendido pela Recorrente, e cujo valor de aquisição ascendeu a €308.369,00.

A Recorrente reconheceu, no entanto, como custo o valor de €195.759,73, em ordem às depreciações do prédio, aplicando 75% ao valor sujeito a amortização, adicionando despesas de condomínio e subtraindo a renda paga pelo inquilino (€32,40), e de acordo com a esperança média de vida dos inquilinos, no caso computada em 35 anos.

Rigorosamente, 75% do preço da fração a amortizar em 50 anos, à taxa de 2%: €4.625,54 [308.369,00x75%x2%], acrescendo €1.000,00 a título de despesas anuais de condomínio, subtraindo €32,40 de renda paga pela inquilina na morada anterior, custo anual: €5.593,14, e, estimando em 35 anos a duração do arrendamento, custo integral: €195.759,73 [€5.593,14x35].

No respeitante à correção no montante €405.874,56, a mesma tem na sua génese o realojamento na Rua ………….. nº 22, do inquilino que se encontrava alojado no Largo …………, tendo a empresa arrendado a aludida fração pelo valor de renda mensal de €1.250,00.

Face a esta realidade, a empresa contabilizou como custo o valor de €405.874,56, em ordem às seguintes diretrizes e cálculo: computou o valor da renda efetiva a pagar mensalmente, como visto, €1.250,00, expurgou o valor que o inquilino anteriormente pagava como renda mensal, ou seja, €42,04, e cuja responsabilidade de pagamento subsistia na sua esfera jurídica, perfazendo, assim, o montante de €1.207,96.

Após aquilatar esse montante mensal, procedeu ao seu cômputo anual (1.207,96*12= €14.495,52), e em ordem à esperança média de vida, no caso asseverada em 28 anos, determinou como valor a pagar, o montante de €405.874,56.

Ora, daqui resulta, desde logo, que a desconsideração dos custos respeita, por um lado, às rendas pagas para realojamento de inquilinos despejados, e por outro lado, aos custos com a depreciação de uma fração autónoma adquirida com o desiderato de realojamento.

São, em rigor, realidades de facto díspares, mas ainda assim as mesmas não permitem lograr o provimento almejado pela Recorrente, porquanto ambas se fundam em custos potenciais e não efetivos.

Senão vejamos.

Inversamente ao propugnado pela Recorrente o procedimento por si adotado não é o único possível e fundado na lei, não podendo advogar-se que o entendimento da AT e secundado na decisão recorrida, distorce o princípio da tributação do rendimento real, e o princípio da especialização dos exercícios, na medida em que os mesmos não visam tributar realidades potenciais, mas sim custos que, efetivamente, incorrem nos exercícios.

E, de facto, é incontornável que os custos no montante de €195.759,73 e de €405.874,56 não foram, efetivamente, incorridos no aludido exercício, podendo, ou não, existir nos subsequentes exercícios, sendo que à medida em que os mesmos são suportados devem ser contabilizados enquanto tal.

Contrariamente ao sufragado pela Recorrente, esse não era o único procedimento a adotar em ordem ao plasmado no artigo 18.º do CIRC, em nada traduzindo as correções aritméticas uma subversão do lucro, e das demonstrações financeiras.

Em nada podendo relevar, o aduzido em 30 -de forma, aliás, absolutamente, conclusiva- no sentido de que a falta deste balanceamento prejudicaria os utentes económicos na utilização da respetiva informação.

Até porque, não só nos encontramos perante custos potenciais, como, em rigor, o seu cômputo e forma de cálculo assenta, outrossim, numa realidade também ela previsional alocada a uma realidade totalmente incerta, ou seja, esperança média de vida.

No caso vertente, não podemos defender que nos encontramos perante custos estimados de ocorrência de verificação comprovada, caracterizadas como obrigações já existentes, registadas no período de competência, em que não existe grau de incerteza relevante. Não é possível inferir que os custos vão ocorrer, com a cadência temporal estabelecida, nos valores conjeturados e no prazo limite estimado concatenado, como visto, com realidade não demonstrada e alocada a um facto futuro e totalmente incerto.

É certo que, este Tribunal não descura que há medida que os custos vão sendo incorridos a mesma procede à competente reversão/“anulação”, porquanto os mesmos já foram considerados como custo no exercício de 2007, mas a verdade é que, tal procedimento não legitima essa contabilização, representando, ela sim, um desvirtuar da realidade de facto incorrida no exercício.

E isto porque, ao invés de se considerar como custo anual incorrido nos correspondentes exercícios, o valor da renda que a empresa teve, efetivamente, de suportar, desconsidera esse custo, porquanto o mesmo já foi considerado em 2007, exercício no qual não foi, efetivamente, incorrido/suportado, consubstanciando, como visto, realidade toda ela incerta, com factos não demonstrados e meramente potenciais.

Note-se que, o advogado princípio da especialização dos exercícios reclamado pela Recorrente, visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respetivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e a verdade é que, in casu, não podemos defender que no exercício de 2007, foram, efetivamente, suportados aqueles custos.

É certo que, conforme propugna a Recorrente, os proveitos devem ser balanceados com os custos, mas, é, igualmente, certo que tal balanceamento tem na sua base, e na génese realidades efetivamente incorridas e mensuráveis objetivamente.

Note-se que, com tal juízo de entendimento não se está, naturalmente, a propugnar um critério financeiro, alocado ao seu pagamento-vedado, desde logo, pela letra da lei- mas sim à concreta imputação económica no exercício em que são incorridos.

Conforme refere Rui Duarte Morais, em sede de IRC, “[h]á, (…), que dividir a vida da empresa em períodos, a cada um desses períodos deverão ser imputados determinados ganhos e perdas (incluindo variações patrimoniais), dos quais decorrerá o cálculo do lucro desse exercício. (…) A imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos” (9).

In casu, o que se defende, e na esteira do propugnado pelo Tribunal a quo, é que o legislador instituiu como regra que apenas os rendimentos e gastos economicamente imputáveis a um determinado período são de considerar nesse período (visando-se, assim, o competente balanceamento), na medida em que só os mesmos podem, por conseguinte, influenciar o seu resultado líquido e correspondente lucro tributável, devendo, por conseguinte, ser incluídos nas demonstrações financeiras do período.

Com efeito, só dessa forma se pode tributar a riqueza gerada em cada período, consagrando-se o regime de acréscimo como critério de determinação do lucro tributável.

Como doutrina e exemplifica Rui Marques (10), a “[d]edução de um gasto na parte proporcional aos réditos gerados, correspondente ao valor das vendas ou serviços no período, deve atender a que um elemento só deve ser reconhecido como activo quando se tiver um grau de certeza de que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade para além do período contabilístico corrente (balanceamento de gastos com réditos).”

Daí se retirando, portanto, e tal como aduzido na fundamentação contemporânea do ato, que a Recorrente em vez de considerar como custo, num só exercício (2007), a totalidade das estimativas, consubstanciadas em realidades incertas e com montantes também eles conjeturados, deveria ter alocado ao exercício em que, efetivamente, são suportados.

In casu, dimana perentório do probatório e do que vimos expendendo que o sujeito passivo procedeu indevidamente à regularização de existências, baseado na longevidade dos inquilinos, para efetuar estimativas de custos que iria suportar nos próximos 28 e 35 anos respetivamente.

Aliás, e fazendo um paralelismo basta ter presente o regime e os respetivos lançamentos e inerentes registos contabilísticos, respeitantes aos custos com empréstimos bancários, e os respetivos juros, ainda que previsíveis e estimados, e a sua concreta contabilização.

Neste concreto particular, há, outrossim, que evidenciar que carece de qualquer relevo o aduzido quanto à existência de uma dualidade injustificada de critérios, por um lado, porque a mesma não se encontra, devidamente, substanciada, e por outro lado, porque não se mostrando a atuação conforme com a legalidade não há que reclamar um tratamento igual.

Destarte, e tal como propugnado pela AT, na fundamentação contemporânea do ato, a Recorrente procedeu indevidamente à regularização de existências, fundada em factos absolutamente incertos, consubstanciados, como vimos, na longevidade dos inquilinos, para efetuar estimativas de custos que iria, alegadamente, suportar nos próximos 28 e 35 anos respetivamente.

No caso sub judice, entende-se que nenhuma ilegalidade pode ser apontada à atuação da AT, neste concreto particular, na medida em que apenas poderiam ser considerados como custos no exercício visado as amortizações legais e anuais atinentes ao edifício onde o inquilino está instalado, e o valor anual suportado com a renda.

Secunda-se, assim, o aduzido na decisão recorrida no sentido de que “[a] inclusão dos custos totais estimados por causa de realojamentos, no exercício de 2007, para além da inaceitável álea introduzida no seu cálculo, sem sequer haver uma efetiva causa justificativa presente, nos termos do art.17.ºnº1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, ao acumular custos na verdade inexistentes à época, do mesmo modo que liquidados por critérios afastados dos legalmente admissíveis, subverte as demonstrações financeiras, erodindo o lucro tributável.”

Uma nota final para evidenciar que carece de relevo o alegado em 35), quanto à eventual aceitação da reversão nos exercícios subsequentes, por parte da AT, na medida em que a mesma extravasa, desde logo, o âmbito objetivo da presente lide, coadunado, exclusivamente o IRC do exercício de 2007, encontrando-se, ademais, indevidamente substanciado.

Face ao exposto, improcede, na íntegra, o aduzido erro de julgamento assacado à decisão recorrida, mantendo-se, por conseguinte, a mesma na ordem jurídica.


***


Atentemos, ora, no recurso da Fazenda Pública.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter aceite a dedutibilidade fiscal no exercício de 2007, da provisão constituída a título de “Provisões para processos judiciais em curso”, no montante de € 150.000,00.

Advoga para o efeito que, de acordo com o consignado na alínea c), do n.º 1, do artigo 34.º do CIRC, será de aceitar como custo do exercício a provisão constituída para fazer face a custos que se vieram a concretizar, sejam por natureza custo deste exercício e na medida em que preencham os requisitos de elegibilidade como custo fiscal constante do CIRC.

Densifica, assim, que no caso vertente a Impugnante constituiu uma provisão destinada a fazer face aos eventuais encargos indemnizatórios conexos com o litígio judicial n.º 2268/07.2 TVLSB, o qual não tem em vista uma realidade própria, mas sim de terceiros.

Daí, inferindo que a sentença proferida não apreciou com profundidade o comportamento concreto-contabilístico da impugnante, quanto ao ano de 2007, até porque, como evidenciado, o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a impugnante e o E ………………– Fundo de ………, gerido pela E………, não pode ser visto como um contrato de cessão uma vez que a cedente não cede a sua posição nos mesmos termos em que a adquiriu, ou seja, não transmite os ónus e encargos para a cessionária, razão pela qual se considera que este é um verdadeiro contrato de compra e venda.

Desfecha, assim, que não se pode considerar que o custo conexo com a indemnização suportada no âmbito do processo judicial n.º 2268/07.2TVLSB à inquilina do imóvel sito na Rua …………. n.º 79, em ……., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de São ……….. sob o artigo ……., seja considerado como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC, uma vez que os mesmos não foram indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, uma vez que se depreende dos contratos firmados que a impugnante os realizou não em prol dos seus proveitos mas sim dos proveitos de terceiros.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência da forma que, resumidamente, se descreve.

Evidencia, ab initio, que “[a] sua desconsideração repousou na inidentificação do processo judicial em curso, que indicaria a obrigação cuja eventual necessidade de cumprimento estava por ela acautelada. In limine, tal entendimento é coerente com a norma e não merece censura, dada a incompleta e por isso mesmo equívoca explicação que a Impugnante deu aos serviços inspetivos, no sentido de identificar aquela relação causal e finalística acima indicada.”

Densificando, depois, que “[e]m face dos factos provados entendemos não poder manter-se o entendimento que levou a desconsiderá-la. É verdade que formalmente a Impugnante não era parte em nenhum dos litígios, cível ou administrativo, que apesar de tudo lá conseguiu identificar. Pelo contrário: como resulta dos factos, autores ou réus nesses processos eram ou as antigas proprietárias do imóvel onde morava a inquilina que recusou abdicar do seu locado, ou esta, ou depois a entidade a quem a Impugnante cedeu a sua posição contratual e depois adquiriu o imóvel, ou por fim aquela que lho comprou e ali ergueu um hotel. Porém, não menos verdade é também que dos factos se retira que nem por isso a Impugnante deixava de estar reflexamente implicada nesses pleitos e, em função do que neles viesse a ser decidido, podia arcar em responsabilidades.”

Para depois inferir que “[a] provisão visava acautelar uma eventual obrigação de indemnizar, da Impugnante, que poderia derivar desses processos judiciais em curso, por factos que determinariam a sua inclusão entre os custos do exercício – o projeto de promoção imobiliária a este propósito descrito pelos factos provados e a indemnização de uma das inquilinas que recusara abandonar o apartamento –, diretamente para quem fosse parte no processo e reflexamente para si, por via contratual.”

Adensando, outrossim, que resulta “[d]os factos provados que perante o arrastar do conflito que impedia que o imóvel se tornasse a breve trecho devoluto – permitindo à Impugnante levar por diante o projeto de promoção imobiliária que idealizara para o local –, decidiu a Impugnante ceder de imediato a sua posição contratual no contrato promessa de aquisição do imóvel, onerosamente, realizando com isso, também de imediato, um ganho que suplantava em muito o sinal que pagara já naquele contrato, pois que recebeu da cessionária um valor pecuniário equivalente a todo o preço que se comprometera a pagar às duas sociedades donas do edifício. Todavia, do mesmo passo, obrigou-se perante a cessionária a indemnizar a aludida inquilina pelos danos potenciais elencados, na sua génese, no ponto 7. da matéria de facto provada.”

Concluindo, in fine, que “[e]m conclusão, do exposto temos então que, em primeiro lugar, aquela obrigação potencial de indemnizar, a que se reporta a provisão, radica, obviamente, na atuação da Impugnante no âmbito da sua atividade tendente à obtenção de proveitos, posto que tem génese no projeto imobiliário que encetou mas de que a dado momento se desfez, cedendo a sua posição. Logo, inscreve-se a justo título no âmbito de perdas [eventuais, portanto] decorrentes da atividade no âmbito do seu escopo social, citado art.23ºnº1 corpo e alínea h) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Em segundo lugar, trata-se de uma perda potencial passível de provisionamento também para efeitos fiscais, porque a sua relação com o desfecho de um dado processo judicial se estabelece efetivamente, não diretamente pela identificação de quem parte nesse processo, mas por via de obrigações indemnizatórias estabelecidas por via contratual, com uma das partes nesse pleito, por sua vez radicando no arranque e desenvolvimento iniciais do aludido projeto imobiliário, em que a Impugnante desempenhou um papel inicial – aliás, a sua intervenção última na transação e a sua razão de ser aí, ilustra como que a retro quanto acaba de dizer-se. Donde se conclua que a provisão satisfaz também a específica exigência do já citado art.34ºnº1 corpo e alínea c), na medida em que outrossim se reporta a uma eventual necessidade de indemnizar com génese num processo judicial pendente por factos que podemos sintetizar na resolução de contrato de arrendamento no âmbito do projeto imobiliário encetado pela Impugnante, o que sem qualquer dúvida se inclui entre custos do exercício, emergentes da sua atividade no âmbito do mencionado projeto de promoção imobiliária, sem que a norma faça a exigência de se ser parte no processo, mas sim que dele possa resultar uma perda para aquele que constitui a provisão-e desde que a relação com o processo esteja demonstrada, como ocioso é dizer, e aqui a Impugnante logrou fazer.”

Ora, atentando na fundamentação supra expendida, não se vislumbra que a mesma mereça qualquer censura, porquanto interpretou adequadamente o quadro normativo com a devida transposição para o recorte fático dos autos.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva.

De harmonia com o disposto no artigo 34.º, nº1, alínea c), do CIRC:

“1. Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões (…)

c) As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício”.

Mais importa ter presente o teor do normativo 23.º do CIRC, o qual, à data, preceituava que:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

h) Provisões; (…).”

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos legais, dimana que a dedutibilidade fiscal da provisão para processos judiciais depende da verificação dos seguintes pressupostos:

ü Destinarem-se a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso;

ü Por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos em ordem à subsunção normativa do artigo 23.º do CIRC;

ü E alocados ao exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição, face ao artigo 18.º do CIRC e à periodização do lucro tributável.

Mais importa ter presente que, subjacente à constituição das provisões encontram-se os princípios do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos, e da prudência, determinando, à data, o POC no seu ponto 2.9 que a mesma “deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo(11).

Com efeito, o princípio da prudência “conduz à inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e os resultados não sejam sobredimensionados.(12)”.

Conforme doutrina Rui Duarte Morais (13) a propósito da noção de provisão:

“As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. Tal como uma pessoa cautelosa, quando confrontada com uma despesa previsível, põe antecipadamente de lado o dinheiro necessário para a satisfazer, também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.”

Concretizando, ulteriormente, que a “[c]onsideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade: - o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido); - o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo).”

Em bom rigor, poder-se-á dizer na linha doutrinal de Teixeira Ribeiro (14) que a “[p]rovisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado (…)”.

Sendo que, no concreto particular das provisões para processos judiciais em curso, as mesmas destinam-se a registar valores que a empresa pode vir a ser obrigada a pagar em consequência de litígios de natureza judicial -a existência e/ou montante de tais obrigações dependentes de decisão judicial- tendo, no entanto, de corresponder a factos que originem um custo dedutível fiscalmente.

Visto o direito, regressemos, então, ao caso vertente.

Atentando, primeiramente, na fundamentação que subjaz à correção visada e constante no Relatório Inspetivo. Neste âmbito, constata-se que a AT fundou o seu entendimento nas seguintes asserções:

· O procedimento da constituição de provisão é incorreto e sem base legal, faltando-lhe, desde logo, uma causa justificativa válida;

· Mesmo após interpelação e junção dos elementos fornecidos, os mesmos são insuficientes, não se apurando qual ou quais os pleitos em curso que gerem encargos financeiros para si;

· As cópias da queixa crime contra funcionários da Impugnante, bem como os aludidos procedimentos cautelares, não relevam porquanto não figuravam como parte;

Conclui, assim, pela eliminação da provisão e acréscimo em proveitos da quantia provisionada.

Porém, tal como já avançámos anteriormente, entendemos que a decisão recorrida não merece a censura que lhe é endereçada, não permitindo a aludida fundamentação suportar a correção atinente à provisão sindicada.

Senão vejamos.

Do recorte probatório dos autos, dimana provado que, a Impugnante, ora Recorrida, dedica-se desde 1 de janeiro de 2006, à compra e venda de bens imobiliários, em especial para projetos imobiliários de reabilitação do edificado, exercendo, assim, atividade enquanto promotora imobiliária.

Nesse contexto, em 22 de maio de 2006 a Impugnante celebrou um contrato pelo qual se comprometeu a comprar e, N………-Construções …………., L.da, e Construções ………., A. P………., L.da, a vender-lhe, o prédio urbano constituído em propriedade horizontal situado na Rua ……………….. 79, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial da então freguesia de São ………..sob o artigo ….º.

Face à intenção específica e concreta vinculação de desenvolvimento de um projeto imobiliário, relativamente ao aludido imóvel, procedeu à entrega da quantia de €200.000,00 por conta do preço total, o qual ascendia a €925.000,00.

Sucede, porém, que a Impugnante, ora Recorrida, confrontou-se, inesperadamente, com uma oposição à renúncia ao locado por parte da inquilina da fração habitacional “D”, a qual em vez do montante que lhe era oferecido a título indemnizatório para abdicar do apartamento habitacional, exigiu uma indemnização de valor pecuniário muito superior e totalmente inusitado.

Tal viria a dar origem a um litígio cível entre as sociedades promitentes vendedoras e a aludida inquilina, concretamente, a ação declarativa de condenação com o nº2268/07.2TVLSB [precedida de providência cautelar, deferida], que correu termos pela 14ª Vara Cível 2ª Secção da comarca de Lisboa, no qual se peticionava o decretamento da caducidade do contrato de arrendamento, ou então a sua resolução ou denúncia. Ulteriormente, deu, igualmente, origem a uma ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sendo Ré a segunda compradora do bem, que no local acabou por vir a erguer um hotel.

Face a todas estas contingências, mantendo-se ocupado o referido locado, a Impugnante – em conformidade e de harmonia com os termos contratuais – cedeu, a 14 de maio de 2007, a sua posição no supracitado contrato (identificado em 2 e 3), a favor de E………………. – Fundo ……………….., a qual assumiu forma onerosa, recebendo quantia equivalente ao convencionado preço do imóvel.

Contudo, e tendo presente todas estas vicissitudes sintetizadas supra, resulta, igualmente, provado que a Impugnante obrigou-se, adicional e ato contínuo, perante o Fundo, a reembolsá-lo do dano que para ele resultasse da referida ação judicial e seu procedimento cautelar, bem como da situação gerada pelo litígio em torno da fração “D” e respetiva inquilina, designadamente:

a) o dano que resultasse, para o Fundo, do facto de a fração se não encontrar devoluta aquando da celebração da compra e venda do edifício;
b) o encargo que resultasse, para o Fundo, do realojamento da respetiva inquilina;
c) o encargo que resultasse, para o Fundo, do pagamento de alguma indemnização por danos sofridos pela aludida inquilina.

Dimanando, igualmente, assente que como garantia dessas obrigações a Impugnante, ora Recorrida, entregou ao Fundo uma livrança por si subscrita, avalizada por terceiros até certo montante, mas em branco quanto à quantia nela titulada.

Promanando, ainda, e quanto ao concreto desfecho dos litígios em contenda, que só existiu decisão transitada em julgado, a 6 de junho de 2011, mediante homologação de uma transação, na qual interveio, designadamente, a Impugnante, face às aduzidas cláusulas de responsabilização (evidenciadas em 7 e 8 do probatório). Da qual resultou, e no que para os autos releva, a aceitação da renúncia ao arrendamento por parte dos transmissários da inquilina a troco de uma indemnização a seu favor, de cerca de €350.000,00 e do arrendamento, a seu favor também, por 5 anos, de um apartamento na Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa.

In fine, e quanto ao concreto procedimento contabilístico, decorre comprovado que, a Impugnante, ora Recorrida, inscreveu na sua contabilidade, como custo do exercício, uma provisão na importância de €150.000,00 [contabilização a débito da conta 67 – provisões para processos judiciais em curso – e a crédito da conta 29], para atender àquelas eventuais obrigações indemnizatórias.

Dimanando, igualmente, assente que aquando o termo do litígio, como visto, em 2011, a Impugnante suprimiu a provisão, levando a proveitos deste exercício a importância que nela havia inscrito.

Ora, face ao supra aludido não se vislumbra, de todo, que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento, sendo que as premissas em que a Recorrente assenta o seu juízo de entendimento não permitem legitimar a correção, na medida em que, por um lado, é inequívoca a existência de encargos derivados de processos judiciais em curso e, por outro lado, por resultarem alocados ao exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição.

Note-se que, a provisão foi constituída para a Recorrida se precaver contra as responsabilidades (obrigações) que lhe possam advir da ação judicial pendente, ainda que intentada com terceiros, mas nas quais possa vir a ser interpelada, de forma mediata e de acordo com vínculos jurídicos, devidamente outorgados, autonomizados e inclusive garantidos mediante livrança.

Logo, encontra-se justificada a constituição da provisão que, como deixámos já dito, se destina a assegurar o cumprimento de obrigações, encargos ou indemnizações que possa ter que vir a suportar por força de processos judiciais. Atuou, assim, de forma previdente, em face da possibilidade de vir a ser condenada a pagar -como foi- uma quantia pecuniária.

Como elucida, de forma clara, maria dos prazeres lousa:

“[a] constituição das provisões para riscos e encargos é consequência lógica e directa da aplicação dos princípios contabilísticos da «especialização dos exercícios» e da prudência, e por essa razão deve orientar-se segundo duas vertentes:

- a 1.ª concretiza-se na necessidade de relevar contabilisticamente e imputar a cada exercício todos os factos ou acontecimentos susceptíveis de afectar no futuro o património e os resultados da empresa, papel atribuído na generalidade dos casos às provisões;

- a 2.ª apela para a própria conceptualização do carácter previsional do risco e eventualidade dos encargos futuros e ainda para a determinação do factor gerador que implica a sua imputação a um dado exercício” (15).

Ora, transpondo o aludido entendimento para o caso vertente, resulta inequívoco que a Recorrida estava legitimada, de acordo com o princípio da prudência e da especialização dos exercícios a contabilizar, no exercício de 2007, a aludida provisão para processos judiciais em curso porquanto, foi nesse ano que foi intentada a ação judicial e embora não seja parte, existe o risco de ser responsabilizada, e indemnizar, podendo/devendo inscrever a provisão precisamente, no exercício de 2007, que se considera efetivado o risco.

Note-se que a letra da lei em nada permite retirar que o processo judicial em curso tenha de incluir, diretamente, o sujeito passivo enquanto parte, entenda-se Réu, referindo apenas que se destinem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício.

O que, in casu, face à realidade de facto supratranscrita sucede no caso dos autos.

Acresce, outrossim, que, in casu, nada foi alegado em sede de Relatório Inspetivo, e, tão-pouco, demonstrado que a constituição da provisão nesse exercício e não em qualquer outro tenha tido o intuito de manipular o lucro tributável e, assim, diferir a tributação para momento ulterior.

Em nada podendo relevar as indagações absolutamente genéricas e conclusivas atinentes à, eventual, expetativa de procedência, evidenciadas em XXVI).

Não podendo, igualmente, relevar o evidenciado em XXIX), que mais não representa que uma indagação e prognose, sem a mínima substanciação, ou seja, não pode ter alcance almejado, neste e para este efeito, uma alegação no sentido de “é plausível que a provisão constituída no valor de €150.000,00 pudesse estar a manipular o lucro tributável do exercício referente ao ano de 2007 e, consequentemente, diferisse a tributação para momento ulterior.”

Por outro aldo, há que ressalvar que não se perceciona o alegado quanto ao próprio alcance do contrato de cedência de posição contratual, não só porque o mesmo nunca foi controvertido, em nada integrando a fundamentação contemporânea do ato, e bem assim porque o probatório o densifica, de forma objetiva e clara, inexistindo razões plausíveis para ser sindicado com o âmbito e alcance propugnado pela Recorrente.

Ademais, independentemente do seu “nomen juris”, a verdade é que resulta da factualidade assente-não impugnada- que face à aceitação da renúncia ao arrendamento por parte dos transmissários da inquilina, foi paga uma indemnização a seu favor, de cerca de €350.000,00 e estabelecido uma vinculação obrigacional de um arrendamento, a seu favor também, por 5 anos, de um apartamento na Rua Luciano Cordeiro, em Lisboa.

É certo que a Recorrente propugna, ainda neste âmbito, que, de todo o modo, o pagamento da aludida indemnização não consubstanciaria um encargo dedutível para efeitos fiscais, donde subsumível no artigo 23.º do CIRC, faltando, nessa medida, um dos pressupostos à sua dedutibilidade fiscal e consignados no citado artigo 34.º, nº 1, alínea c) do CIRC.

Densificando, para o efeito, que lhes faltaria, o requisito da indispensabilidade, mas mais uma vez, a aludida justificação não logra, per se, provimento.

E isto porque, se a Recorrida ainda que não assumindo diretamente a posição de Ré no processo judicial intentado em 2007, e supra descrito, que visa o pagamento de uma indemnização a inquilino que se arroga nesse direito, dúvidas não existem que, procedendo a ação -ou existindo, como ocorreu transação- tal valor arbitrado deva ser qualificado e assumido como custo dedutível fiscalmente, porquanto indispensável para a manutenção da fonte produtora.

Note-se que o conceito de indispensabilidade consignado no artigo 23.º do CIRC, não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (16)”.

Com efeito, o requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (17).

Aliás, em conformidade com a definição convocada pela Recorrente, mormente, em XVI), o custo em contenda está afeto à exploração, conexo com o seu escopo, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

Assim, se não é colocada a sua efetividade, e se, como visto, a indispensabilidade do custo há de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial, não carecendo da demonstração concreta de que, contribuiu, efetivamente, para a obtenção de proveitos, dúvidas não podem substituir quanto à dedutibilidade fiscal do aludido encargo, em nada podendo relevar as alegações atinentes a um proveito que apenas poderia aproveitar a um terceiro.

Destarte, se o encargo e a imputação económica se materializaram na esfera jurídica da Recorrida, então não se vê como não confirmar o entendimento do Tribunal a quo.

Neste conspecto, convoque-se o doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0716/13, de 14 de março de 2018, aplicável com as devidas adaptações, extratando-se, por relevante para a presente lide, designadamente o seguinte:

“De facto dúvidas não há que sendo a recorrida demandada judicialmente por um trabalhador que exige o pagamento de quantias a que se considera com direito, ocorre, na procedência da acção, uma obrigação de pagamento que corresponde a um custo aceite pela lei fiscal.

Encargo esse para o qual a lei previa a constituição de provisão com relevância fiscal (arº 34º, nº 1, al. c) do CIRC, na redacção então em vigor: provisões para ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício).” [No mesmo sentido, aponta o Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 10/07, de 07 de maio de 2020].

Ademais, há que ponderar e valorar, neste e para este efeito, que aquando o termo do litígio, em 2011, a Impugnante, ora Recorrida, suprimiu a competente provisão, com as devidas repercussões contabilísticas.

Assim, face a todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos conclui-se que a provisão sindicada preenche os requisitos consignados na lei e densificados supra, não tendo o Tribunal a quo, incorrido em erro de julgamento, mormente, errónea interpretação dos normativos 23.º e 34.º ambos do CIRC, donde, o recurso da DRFP não merece provimento.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pelos Recorrentes, nos respetivos recursos.
Registe. Notifique.


Lisboa, 12 de março de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria da Luz Cardoso)

(Isabel Silva)


(1) Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
(2) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29.06.2016.
(3) A propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, diz-nos Alberto dos Reis que é preciso distinguir-se entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”, In Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
(4) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(5) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.
(6) Henrique Araújo “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
(7) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
(8) Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, p. 178, e Abrantes Geraldes e outros, in CPC anotado, Vol.I, Almedina, 2019 Reimpressão, página 190.
(9) Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 64
(10) CIRC anotado e comentado, Almedina:2019, página 164.
(11) Vide, neste sentido, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIRC anotado e comentado:4ª edição-1994, p.306.
(12) In ob. Cit., anotação ao artigo 33.º, p. 306.
(13) In Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 119-120.
(14) J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84.
(15) In Alguns contributos para a revisão fiscal das provisões, Ciência e Técnica Fiscal nºs 331/333, pág. 119.
(16) TOMÁS TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396, página 135
(17) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.