Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1458/09.8BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/26/2024 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | MÉTODOS INDIRETOS ABATES DIVERGÊNCIAS DE EXISTÊNCIAS GUIAS DE DEVOLUÇÃO RELATÓRIO PERICIAL |
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Sumário: | I - Decorre do artigo 104.º, nº2 da CRP, que deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo, contudo a tributação pelo rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções. II - Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação; III - A existência de irregularidades contabilísticas, só permite fundamentar a tributação presuntiva quando for impossível quantificar diretamente a matéria coletável, sendo que a morosidade, a excessiva onerosidade e a dificuldade não podem ser aventadas como justificação para a avaliação indireta. IV - A singela constatação, sem aferir, de forma devidamente sustentada e casuística, toda a realidade empresarial, mormente dinâmica, concretas políticas empresariais, diretrizes e meandros de atuação, que permitem identificar realidades de facto, mormente, devoluções efetivas, abates, contabilização em duplicado de guias de devolução, não permite fundar a impossibilidade de apuramento direto da matéria tributável mediante avaliação direta. V - A prova da expedição/saída dos bens para território comunitário, não tem de ser materializada, exclusivamente, por declaração de expedição internacional-CMR. VI - Sem ter em linha de conta o custo de aquisição de cada artigo, é de todo inapropriado extrapolar que o ganho global nas vendas se possa fazer a partir da média aritmética simples das percentagens da margem de comercialização. VII - O ónus probatório dos pressupostos da sua atuação têm de ser definidos em sede e momento próprio, não podendo o Tribunal substituir-se à parte (AT), não podendo, designadamente, alterar as margens apuradas no RIT, em ordem ao apuramento constante no Relatório Pericial. VIII - O Relatório Pericial não visa, nem pode visar, a substituição da fundamentação das correções da AT, e apurar novas determinações da matéria coletável, mas sim- validar ou não, face aos elementos apurados, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, os pressupostos e as metodologias adotadas pela AT. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “B… Confecções, S.A.” (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 20098310012405, e respetivos juros compensatórios (JC), do exercício de 2004, no valor global de €286.348,71. *** O Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões, que infra se reproduzem: “A. O presente recurso reage contra a douta sentença proferida nos presentes autos que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela B... Confeções SA, entretanto, dissolvida e liquidada, a quem sucederam C…- C… DE ESPANHA S.A., B… & M…, S.A., M…, IGNACIO, R…, A… contra a liquidação adicional de IRC n.º 2009 8310012405, do exercício de 2004, e correspondentes juros compensatórios, no valor global de € 286.348,71. B. A presente sentença recorrida foi prolatada tendo por base a prova testemunhal aproveitada extraprocessualmente dos autos de Impugnação Judicial nº 1158/10.6BELRS, deste Tribunal Tributário de Lisboa, partindo da construção da decisão recorrida ali proferida e naquilo que foi o aparente ensejo de preencher as insuficiências e deficiências ali evidenciadas, em boa verdade, já reveladas no recurso apresentado pela Fazenda Pública naqueles autos. C. Nesse particular, a Recorrente congratula-se com a circunstância do Tribunal a quo ter afastado a prova pericial realizada no âmbito da Impugnação Judicial nº 1158/10.6BELRS circunstância que já tínhamos dado conta no recurso apresentado naqueles autos – pois que o mesmo não está fixado no probatório, ainda que se mantendo insuficiências e deficiências na fixação do probatório; na apreciação da prova e na fundamentação esgrimida. D. Manteve-se a opção de dar expressão a afirmações gerais prestadas pelas testemunhas fazendo-as constar do probatório sem que as mesmas tenham demonstrado quantitativamente as afirmações produzidas. Mantendo-se, ainda, uma certa resistência em conjugar os indícios que estão na base de se proceder à correção por métodos indiretos suportados na prova recolhida, em grande medida não impugnados pela Impugnante, continuando-se a entender que o pleito deve ser decidido de forma compartimentada (a própria sistematização da sentença recorrida assim o prefigura) – sempre sobre o pressuposto de que, “só por si”, este ou aquele indício não são suficientes para demonstrar a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria tributável sem, porém, observar e fundamentar essa possibilidade perante a conjugação dos indícios apurados. E. Menospreza-se a necessidade e a relevância da prestação de depoimentos concretizados e circunstanciados, dando-se credibilidade à afirmação geral (elevada a facto provado) a qual quase sempre não refuta as observações concretas que decorrem do Relatório de Inspeção Tributária, não raras vezes mais não fazendo senão incorrer em presunções e estimativas não demonstradas. F. Cumpria, pois, ao Tribunal a quo verificar se, perante os elementos recolhidos no seio da inspeção, designadamente, as deficiências, insuficiências e irregularidades detetadas pelos SIT, estavam estes impossibilitados ou não de proceder a correções meramente aritméticas. Não bastando afirmação conclusiva. G. Relativamente ao cumprimento dos pressupostos que presidem à decisão de partir para métodos indiretos não releva o conhecimento “pormenorizado” das “políticas ou dos procedimentos de…” porque, em juízo, o conhecimento da política e dos procedimentos é, por norma, expressado de forma geral – como foi neste caso. H. As funções que desempenha como Contabilista Certificado não lhe permitem ter conhecimento direto dos referidos factos. Desde logo porque não participou na Gestão ou na Administração da Impugnante muito menos do Grupo. Não era Diretor Financeiro. Não participava em reuniões. Não define absolutamente nada nesse particular ou em termos de opções estratégicas da atividade económica do grupo para que se possa aceitar o teor da motivação de facto enunciada na sentença recorrida neste particular. I. Aliás, a Recorrente esperava que o Tribunal a quo, através dos elementos dos autos, pudesse verificar a possibilidade de se apurar a matéria tributável de forma direta. Verificando-se que isso não foi realizado. À comodidade de acreditar que é assim porque a testemunha diz que é e/ou porque os Impugnantes alegam que têm sistemas que permitem (cá está a generalidade) que seja possível quantificar, mesmo que não haja uma demonstração concreta do que se afirma – devem os Tribunais indagar-se sobre as afirmações produzidas através da demonstração dessas mesmas conclusões. J. Nenhuma testemunha foi confrontada com os elementos recolhidos dos autos. K. Perceber a finalidade de cada um dos documentos que titulam o transporte das mercadorias e/ou se a testemunha C… tem conhecimento sobre o funcionamento das compras, devoluções e existências é absolutamente irrelevante quando as próprias Notas de Crédito ilegal e irregularmente (do ponto de vista contabilístico) passadas por uma terceira empresa do grupo que não os fornecedores emitentes das faturas (Facto provado 12 e apurado no RIT – facto 54-Ponto 4.1) no final do mês em que as eventuais devoluções terão ocorrido (a título exemplificativo. facto provado 46 e 98) não identificavam as faturas emitidas pelos fornecedores (compras – Facto confirmado pela Impugnante - § 94º da p.i.) e também não permitiam identificar as datas da expedição da mercadoria. L. Aliás, estamos a falar de factos ocorridos 16 anos antes da data em que os depoimentos foram prestados. Já não se espera nem se esperava que fosse a prova testemunhal a esclarecer/suprir em termos quantitativos as insuficiências da contabilidade e dos documentos que a suportam, muito menos se esperaria que isso pudesse suceder 16 anos depois dos factos – dadas as limitações que este tipo de prova, têm por natureza. M. Impõe-se suprimir os seguintes pontos levados ao probatório: - 5; 6; 11, 13 a 20, 41 a 49 factos absolutamente impertinentes para o objeto dos autos pois que nenhum deles tem a virtude de confirmar ou abalar a legalidade da decisão em proceder à avaliação indireta, nos termos da alínea a), do nº 1, do art. 87º e alínea a), do art. 88º, ambos da LGT. - 50 - Não constitui um facto mas uma afirmação geral não circunstanciada no tempo que coloca em causa a credibilidade e assertividade do depoimento que tendo sido prestado pelo contabilista naturalmente não tem conhecimento direto do facto levado ao probatório. - 51 – Mera afirmação que só poderia ter sido dada por provada mediante prova documental contabilística. Não por prova testemunhal prestada de forma não concretizada nem circunstanciada. - 91 - Não constitui factos mas afirmações gerais não circunstanciada no tempo que coloca em causa a credibilidade e assertividade do depoimento - 36 - Não consubstancia um facto. Não se afirma que ocorreu. Tão só a suscetibilidade de acontecer. Ao probatório é levado o que aconteceu (facto ocorrido) não a mera potencialidade. - 37 – Este é um facto curioso, porque, como dissemos, a prova testemunhal nos presentes autos foi aproveitada extraprocessualmente a partir da Impugnação Judicial nº 1158/10.6BELRS, sendo que, naqueles autos o facto que é dado por provado sob o nº 61 enuncia que: 61) Em 28-02-2006, a Impugnante, como um todo, tinha um total de 61 unidades negativas nas suas existências, o que corresponde a 0,27% do total de unidades constantes das suas existências naquela data – cfr. páginas 18 e 19 do relatório de conclusões de perícia do Perito do Contribuinte; 39 – Isto não constitui um facto, mas uma mera presunção/estimativa sobre a qual se desconhece tenha sido efetivamente verificada. N. Nos presentes autos o Tribunal dá incorretamente por provado este facto reportando-a à baliza temporal dos presentes autos (março de 2004 a fevereiro de 2005) – suportado no depoimento da testemunha L… (C.C.) que, sublinhe-se, a Recorrente não logrou identificar no seu depoimento. O. A afirmação vem do Perito reportada ao exercício de 2006 (não aos anos 2004 e 2005 objeto dos presentes autos), sem a cabal demonstração de como se chegou aquela percentagem, sendo certo que, acreditar que num e noutro exercícios a ordem de grandeza das existências (0,27%) é rigorosamente igual em todos os exercício, é, reconheçamos, simplesmente irreal. P. Cumpre, pois, regularizar o probatório, suprimindo-se a factualidade identificada supra e, que, pelos motivos indicados, foi incorretamente fixada. Q. Quanto ao FACTO 30, afirmámos nas motivações de recurso que apresentámos nos autos 1158/10.6BELRS (correção ao exercício 2006) que a Autora procura fazer convencer que o sistema informático que tem se equipara ao Sistema de Inventário Permanente, alcançando-se que não está demonstrada essa equiparação. R. O que é enunciado como FACTO 30, não sendo um facto e não se mostrando provada concretamente essa equiparação (reconhecido, aliás, que não há ligação ao registo contabilístico) – deve, pois, ser suprimido, o que se requer. S. A contabilidade da Impugnante sofre daquilo a que podíamos qualificar de uma irregularidade sistémica, transversal a todo o circuito da sua atividade económica. Desde os inventários, às mercadorias, aos gastos, aos proveitos, aos fluxos financeiros, e, a final, no próprio apuramento do resultado fiscal inexistindo justificação para os prejuízos declarados. T. Discordamos da fundamentação expendida, quanto mais não seja porque, bem apreciado o Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que a verificada e não impugnada declaração dos prejuízos não permitiu apenas desencadear a ação inspetiva. U. Todavia, “Já no capítulo IV – Motivos e exposição que implicam o recurso a métodos indiretos, é afirmado, tendo por objeto a Conta classe 2 (conta de clientes) – p. 5 e ssgts do RIT que: “A conta 26831003 – G.Portugal Empréstimos concedidos, regista os empréstimos efectuados pelo sp à empresa dominante, com movimentos de amortização e de entrega de fundos, conforme se encontra evidenciado na conta corrente, com um saldo de abertura em 2004 de 1.695.424,57 € e final de 2.295.424,57 € (Anexo 3), situação esta que não é clara, tendo em conta que o sp, desde o início da sua actividade, declarou sucessivamente prejuízos contabilísticos e fiscais conforme evidenciado no quadro 1. No entanto, a contabilidade da sociedade não releva qualquer empréstimo obtido, vejam-se as contas 23, e as sub-contas 25 que tem como finalidade fazer o registo de empréstimos e por último, a conta 26831002 – G Portugal Empréstimos Obtidos, registam um valor nulo durante o exercício (…) o sp foi questionado na pessoa do diretor financeiro, senhor dr. L… acerca dos empréstimos a terceiros, mencionados no parágrafo acima, tendo este afirmado que os movimentos contabilizados representavam materialmente as operações na conta de empréstimos e que não vislumbrava qualquer conexão entre o facto de o sp poder conceder empréstimos e o facto deste ter declarado prejuízos até à presente data, e que mais nada tinha a acrescentar em relação a este assunto V. Está provado, que, a Impugnante declarou sucessivos prejuízos durante mais de 6 anos, não se alcançando de que forma logrou conceder empréstimos à empresa dominante se não contraiu financiamento nem tem nem nunca teve resultados operacionais que lhe permitissem financiar a sociedade dominante. Donde obteve os meios pecuniários se da sua contabilidade não se vislumbra que os tivesse? Não se sabe. Não resulta dos autos. W. Não basta que a testemunha L… venha afirmar, de forma geral, que os prejuízos são o resultado de um qualquer ato de gestão mal calculado por parte do grupo (da hora 1 e minuto 30 à hora 1 e minuto 34), pois que não está justificada a obtenção do fluxo financeiro que lhe permitiu conceder o empréstimo. Não decorre dos resultados operacionais, não foram obtidos empréstimos ou suprimentos. E a Impugnante não dá uma explicação para esta circunstância. X. É, pois, manifesta, a legitimidade da AT relativamente à decisão de corrigir por métodos indiretos, a qual não logrou ser abalada tendo a Impugnante incumprido relativamente ao ónus da prova que sobre si recai, incorrendo a sentença recorrida, em erro de julgamento, por incorreta apreciação da prova e, concomitante, insuficiência da sua fundamentação, o que se requer. Y. Ainda que assim não fosse, e, a sucessiva declaração de prejuízos fiscais não justificados não constituísse fundamento autónomo para aplicação de métodos indiretos (alínea e) do art. 87º da LGT), o que não se concede, perante uma Impugnante que, na pessoa do seu TOC (L...), afirma aos SIT que os movimentos contabilizados representavam materialmente as operações na conta de empréstimos (realidade da operação) ao Tribunal não poderia passar em claro (para além da manifesta falta de colaboração em esclarecer a sua situação tributária (art. 59º da LGT)) a própria incapacidade da Impugnante em dar uma justificação a partir da sua contabilidade para a concessão de empréstimos face ao sucessivo apuramento desses prejuízos e à não obtenção de qualquer outro incremento patrimonial que viabilizasse o financiamento, sendo certo que esta evidência coloca-se ao nível dos resultados contabilizados. Z. Impunha-se, pois, que configurasse esta situação, não como um erro ou uma irregularidade na contabilização das operações (“mera falta de credibilidade da escrita”), mas como um autêntico indício da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, fundamento de que, também aqui a AT se socorreu, para corrigir por métodos indiretos. AA. As deficiências colocam em causa todo o circuito da atividade económica da Impugnante, e, quando não impossibilitam o apuramento de forma direta, tornam inviável esse apuramento dentro dos parâmetros e prazos processuais que é dada à AT em termos de procedimento inspetivo. BB. afirma-se na sentença recorrida que as diferenças (etiquetagem, perda desconhecida, roubo, etc…) não assumem expressividade e representam cerca de 0,27% do volume de vendas da Impugnante, facto que foi levado ao probatório como ponto 37). CC. Analisado o FACTO 37 verifica-se que esse facto terá sido afirmado pela testemunha L…. Sublinhe-se que este facto - tivesse ele resultado de mera afirmação sem um discurso que densificasse o modo como a testemunha logrou chegar aquela ordem de grandeza - sempre teria de ser abandonado, porquanto se fica sem alcançar como chegou aqueles valores. Em termos contabilísticos que valores decorrentes concorreram para o apuramento dos tais 0,27% do volume das vendas? Até porque estas quebras não estavam sequer lançadas na contabilidade. Fica-se sem alcançar a razão de ciência e de onde se foi buscar esta percentagem. DD. A Recorrente percorreu aturadamente 1h, 35m e 31 segundos de gravação da referida testemunha não tendo alcançado em momento algum do seu discurso que este facto concreto e quantificado tivesse sido afirmado pela testemunha. EE. Reforça-se o pedido de supressão do FACTO PROVADO 37, caindo a fundamentação da sentença recorrida quando suportada na suposta inexpressividade das inconsistências apuradas pela AT que não está evidentemente provada. FF. A Impugnante alega que faz uma contagem física a 31 de janeiro. O que seria de esperar era que no início de cada exercício as existências iniciais (2004) correspondessem às existências finais do exercício anterior (2003). GG. Tendo-se apurado existências negativas (inferiores a 0) que é algo simplesmente descabido (ninguém tem quantidades abaixo de 0), nem a Impugnante dá uma justificação cabal. HH. Não há, pois, como, conseguir saber o que é que a Impugnante tem no seu inventário, pois que nem o que transita do exercício anterior é assegurado para o exercício seguinte. II. As Existências Iniciais de determinado novo exercício correspondem às Existências Finais do ano anterior e os eventuais erros de etiquetagem, quebras, etc… que possam ocorrer são vicissitudes já decorrentes do exercício em curso. JJ. Precisamente porque a AT verificou, em sede inspetiva, não conseguir determinar a partir da contabilidade o destino dos bens/mercadoria - o que é confirmado pela própria Impugnante que se viu na mesma situação pois que não prova nos autos, em termos contabilísticos, a ocorrência desses factos – que a mesma está legitimada a corrigir por métodos indiretos sem que a sua decisão tenha sido contrariada. KK. Se a própria Impugnante não pode assegurar, a partir da sua contabilidade, que as inconsistências tenham sido resultado erros de contagem física, de erros na etiquetagem, da perda desconhecida ou do roubo… se as próprias testemunhas se limitam de forma abstrata a presumir que assim tenha sido (FACTOS 35 e 36) - então não há sequer um facto que possa ser dado por provado que permita ao tribunal convencer-se que a Impugnante abalou os pressupostos que determinaram a correção por métodos indiretos LL. Se a Impugnante não contabilizou estas quebras e o Tribunal entende que as irregularidades não impedem a determinação da matéria tributável por avaliação direta, como compreender que sugira à AT que tivesse em consideração essas vicissitudes inerentes à atividade…., como? Estará o Tribunal a quo a sugerir que fosse tido em consideração um indicador presuntivo? Um índice de atividade ou do setor que, em termos indiretos, presumisse uma percentagem de quebras? Bom… a ser assim, então está manifestamente a reconhecer que não é possível apurar e quantificar a matéria tributável de forma direta e, no fundo, a reconhecer a legitimidade da AT em proceder a métodos indiretos. MM. A antinómica afirmação da sentença, neste particular, incorre em manifesto erro de fundamentação, devendo, pois, concluir que a AT estava efetivamente impossibilitada de apurar e quantificar a matéria tributável. Só assim se alcança que a solução passasse por índices presuntivos. NN. A par da inexistência de elementos que comprovem a saída/devolução da mercadoria das lojas em Portugal para Espanha, verifica-se que houve mais devoluções do que a Impugnante possui em armazém (Existências Iniciais) – p. 54 (antepenúltimo parágrafo) e 55 do RIT OO. As notas de crédito são emitidas por um terceiro que não é o seu fornecedor no final do mês quando as devoluções já ocorreram sendo certo que as notas de crédito não permitem identificar a que faturas correspondem (Facto apurado no RIT e reconhecido pela Impugnante) PP. Se a nota de crédito não identifica a fatura, não é possível identificar a mercadoria e calcular os valores de aquisição com vista ao apuramento direto da matéria tributável. QQ. Também foi apurado pelos SIT, estando em causa a impossibilidade de correção da matéria tributável de forma direta, a omissão de vendas, realizadas sem que a mercadoria tenha entrado em armazém. RR. Ou seja, em termos de Existências a Impugnante vende e devolve aquilo que não tem (ou que tem mas não declarado). Sendo certo que já não sabemos o que tem inicialmente dada a divergência das Existências finais de 2003 face às Existências Iniciais de 2004. SS. Sublinhe-se, aliás, que a partir do próprio documento apresentado pelo SP em sede inspetiva (Anexo 6 A) as regularizações de quantidades negativas indiciam claramente omissões de vendas e as regularizações positivas evidenciam o propósito de acerto de mercadorias ou erros nas compras, o que indicia omissão de proveitos. TT. Há, pois, uma conduta clara no sentido de emitir documentos contabilizáveis relativamente a operações que a empresa não efetuou e que tem reflexos nas Existências inquinando o apuramento do que se tem, do que se vende e do que se devolve, impedindo a quantificação do resultado fiscal a partir da contabilidade da Impugnante. UU. Não é facto controvertido que, objetivamente e, a partir da contabilidade não foi possível alcançar o motivo da margem bruta sobre o custo das vendas ter subido 31% de 2004 para 2005!!!! E que uma subida destas é altamente anormal exigindo uma cabal justificação dada pela escrita da Impugnante. VV. Perante o que aqui está em causa é óbvio que não basta vir aos autos, a partir de um mero depoimento, afirmar que aquela oscilação deve-se ao facto de o Grupo C…, ter deslocalizado a sua produção para o mercado asiático, e que essa iniciativa se traduziu numa redução do preço da produção repercutida nas sociedades produzindo uma redução do preço das mercadorias a partir do exercício de 2005, estimando-se que essa repercussão atingisse um impacto de cerca de 480.000,00 no exercício de 2005. [pontos 6), 38) e 39) dos factos provados]. WW. O que se pedia é que a prova apresentada pela Impugnante demonstrasse cabalmente, em termos quantitativos, o efeito económico que a deslocalização para o mercado asiático produziu nas contas da Impugnante. XX. A propósito do erro na fixação do probatório tivemos oportunidade de dar conta que o FACTO 39 não constitui sequer um facto mas uma presunção/estimativa (não confirmada) e que por esse motivo nunca deveria figurar nos factos provados YY. Significa, pois, que perante um indício para o qual a contabilidade não permite esclarecer a discrepância, sendo ele materialmente relevante, e, não tendo a Impugnante logrado demonstrar cabalmente o motivo da oscilação – outra solução também por aqui não sobrava aos SIT senão partir para a correção através de métodos indiretos. ZZ. Há um calculo da margem média anual ponderada por parte dos SIT AAA. A AT, em benefício do próprio SP e nas situações em que o mesmo produto aparece nos Inventários Inicial e Final, definiu o maior dos preços reduzindo ao máximo possível a margem sobre o preço de compra. Não precisamos do peso dos diferentes preços de aquisição quando, à cautela, até se definiu o maior desses valores. Há um desvio, sim, mas em benefício do sujeito passivo. BBB. O problema, mais uma vez, há que dizer, reside no modo como o Tribunal a quo se dispensou de conjugar os vários indícios (a prova, no fundo) comungando do mesmo erro em que incorreu também este Tribunal Tributário de Lisboa no processo 1158/10.6BELRS – que não lograram identificar a impossibilidade com que a AT se viu confrontada. CCC. Conforme já evidenciámos supra (designadamente nos Pontos 1.4.3 e 1.4.4 e § 167 das presentes motivações de recurso) nunca foi possível determinar o valor de aquisição de cada artigo, esse é um dos motivos, a par de omissões de vendas, pelos quais se partiu para a aplicação de métodos Indiretos. DDD. Se a Impugnante - ignorando os motivos que levaram a AT a afirmar que se mostrava impossibilitada de apurar e quantificar diretamente a matéria tributável – afirma que a AT ignorou o valor de aquisição de cada produto, então… tivesse vindo demonstrar essa mesma possibilidade. EEE. Se se mantém a percentagem da margem não há desvio. FFF. Em sede de Comissão de Revisão não foi apurado qualquer desvio que possa colocar em causa o método utilizado pela AT relativamente à correção efetuada. GGG. E sempre se dirá que, relativamente ao apuramento da margem de comercialização que, se inadequação tivesse havido…, que não está demonstrada sempre teríamos de concluir que esse desvio não seria fundamento que para abalar a legitimidade da AT em proceder à correção por métodos indiretos, quanto muito, o que poderia estar em causa era o excesso na quantificação que, não está demonstrado. HHH. Afirmando-se na sentença recorrida que as alegações da Impugnante se encontram em conformidade com a factualidade apurada no âmbito da presente ação, caindo os factos já identificados, em virtude da manifesta insipiência probatória da prova testemunhal e da discussão tida em sede de Comissão de Revisão (art. 91º da LGT) que, em bom rigor, nada apurou nem demonstrou que colocasse em causa a decisão da AT em proceder à correção por métodos indiretos – dir-se-á que a convicção do Tribunal assenta exclusivamente na mera alegação da Impugnante relativamente a factos assentes (não meras presunções ou inferências) e que tinham de ser solidamente concretizados e quantificados. III. Por assim não entender, a sentença recorrida enferma dos seguintes vícios Erros de julgamento de correntes de: - deficiente fixação do probatório - incorreta apreciação da prova Testemunhal; - incorreta apreciação do objeto dos autos, realizada de forma separada face aos indícios recolhidos que suportaram a decisão de corrigir por métodos indiretos, tendo, por esse por esse motivo, ficado por apreciar e conjugar um número plural indícios apurados em sede de ação inspetiva JJJ. Mostra-se violado o disposto nos art. 8º da LGT, 87º, nº 1, alínea a) e e), e 88º, a), todos da LGT e 607º, nº 5, do CPC e 396º do CC Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso, como é de Direito e de Justiça, julgando-se a presente Impugnação totalmente improcedente” * A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “1.º A liquidação adicional sub judice foi emitida na sequência de uma ação inspetiva à sociedade B…- CONFECÇÕES, S.A., entretanto dissolvida e liquidada, na qual os serviços de inspeção tributária concluíram que a contabilidade da sociedade apresentava (alegadas) irregularidades que, no entender daqueles serviços, fundamentam o recurso a métodos indiretos; 2.º Na sentença recorrida o Tribunal a quo concluiu que “(…) não se encontravam verificados os pressupostos legais para a realização da avaliação indireta previstos na al. b) do art.º 87° e na al. a) do art.º 88° da LGT, na determinação do lucro tributável por métodos indiretos nos termos do art.º 52° do CIRC (…) Pelo que se conclui pela procedência da pretensão da impugnante, devendo anular-se as liquidações impugnadas.” (cf. p. 73 e 74 da sentença); 3.º A Fazenda Pública argumenta que o Tribunal a quo incorreu em deficiente fixação do probatório, parecendo, na verdade, limitar o recurso à prova testemunhal; 4.º A prova testemunhal configura um meio de prova admissível nos presentes autos, sujeito a livre apreciação por parte do julgador (cf. artigos 392.º e 396.º do Código Civil); 5.º Com a prova testemunhal e em complemento da prova documental e pericial, visou-se, em suma, explicar a atividade da Recorrida e os procedimentos internos do grupo C… para controlo da circulação de mercadorias, explicações estas que, embora tenham sido prestadas aos serviços de inspeção tributária, foram por estes ignoradas no procedimento de inspeção. Pelo que, a prova testemunhal se afigura essencial para a decisão a proferir, respondendo às (alegadas) irregularidades detetadas no procedimento de inspeção; 6.º Pelo que, a interpretação dos normativos constantes dos artigos 115.º, n.º 1, e 118.º, ambos do CPPT, conjugados com o artigo 392.º do Código Civil, no sentido de limitar a prova testemunhal quanto está em causa a aplicação de métodos indiretos, nos termos propugnados pela Fazenda Pública, colide com os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigo 20.º da CRP), o que, desde já, se invoca para todos os devidos efeitos; 7.º A prova testemunhal produzida nos presentes autos foi devidamente valorada pelo Tribunal a quo, constando da sentença recorrida os aspetos que foram valorados em relação a cada testemunha, designadamente, a razão de ciência, o rigor, a assertividade e a coerência face aos demais depoimentos e prova junta aos autos (cf. pp. 46 e 47 da sentença); 8.º A Fazenda Pública põe em causa a valoração da prova testemunhal, contudo, na diligência de inquirição de testemunhas limitou-se a ouvir os depoimentos prestados, sem, contudo, contra-inquirir as testemunhas; 9.º De facto, ao longo do recurso apresentado, a Fazenda Pública pretende conferir ao relatório de inspeção tributária um valor probatório superior, quando comparado com o valor probatório da prova testemunhal e documental carreada para os presentes autos pela Recorrida; 10.º Em concreto, a Fazenda Pública pretende desvalorizar o depoimento da testemunha L…, por (alegadamente) esta testemunha não participar “na Gestão ou na Administração da Impugnante muito menos do Grupo”; 11.º Esta testemunha exerceu funções de contabilista certificado na Recorrida, tendo conhecimento direto dos factos em questão. Nos presentes autos não se discute a tomada de decisões ou definição de procedimentos, mas a existência desses procedimentos e quanto à existência desses mesmos procedimentos, qualquer uma das testemunhas tem conhecimento direto, porquanto, definem o exercício das suas funções; 12.º Por outro lado, neste segmento das alegações de recurso a Fazenda Pública parece olvidar que a resposta quanto à determinação da matéria coletável foi respondida no âmbito da prova pericial, tendo o perito do contribuinte e o perito do Tribunal, concluído não estarem preenchidos os pressupostos de que depende o recurso a métodos indiretos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT; 13.º A Fazenda Pública defende a eliminação dos seguintes factos do probatório da sentença recorrida: 5), 6), 11), 13) a 20), 36), 37), 39), 41) a 51) e 91); 14.º Todavia, a Fazenda Pública faz assentar a sua defesa em afirmações genéricas, incumprindo, assim, o ónus de alegar a que se encontra (cf. artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT); 15.º Os factos 5), 6), 11), 13) a 20) e 41) a 49), revelam-se, contrariamente ao invocado pela Fazenda Pública, pertinentes e necessários para responder às questões colocadas pelos serviços de inspeção tributária e que fundamental o recurso aos métodos indiretos; 16.º O facto 36) constituiu uma explicação para as alegadas irregularidades e suscetível de ser levado ao probatório da sentença recorrida (cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2020, proferido no processo n.º 03373/07.0BELSB 0644/17); 17.º O facto 37) resulta, do depoimento da testemunha L… que, tendo sido questionado sobre expressividade, em termos gerais, das diferenças de inventários referiu: “representa pouco, não tem expressividade, isto representa 0,27% do volume de vendas” (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha L…, minuto 29, segundo 15); 18.º O facto 39) constitui uma estimativa e, não sendo um juízo conclusivo, é suscetível de ser levado ao probatório da sentença recorrida; 19.º Quer o facto 36), quer o facto 37), não são presunções judiciais, resultando diretamente da prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos; 20.º O facto 50) traduz um verdadeiro facto cujo conhecimento foi adquirido pela testemunha no exercício das suas funções ao longo dos muitos anos nos quais as exerceu, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao levar tal facto ao probatório da sentença recorrida; 21.º Quanto ao facto 51) a Fazenda Pública não logrou demonstrar em que medida é que colide com os registos contabilísticos da Recorrente; 22.º Finalmente, do probatório da sentença não consta qualquer facto correspondente ao número 91), termos em que desconhece a Recorrida que ponto do probatório entende a Recorrente ser de suprimir; 23.º Assim, não deverão ser retirados quaisquer factos do probatório da sentença recorrida; 24.º A Fazenda Pública invoca erro de julgamento e errada apreciação da prova quanto à (in)existência de um sistema de inventário permanente, referindo, ademais, que a Recorrida não controverteu este facto; 25.º De notar que a existência do sistema de inventário permanente não foi questionado pelos serviços de inspeção tributária no exercício de 2004, mas apenas no exercício de 2005; 26.º Contudo, nos presentes autos, a Recorrida logrou demonstrar e o Tribunal deu como provado que o sistema de inventário, paralelo ao registo contabilístico, configura um verdadeiro sistema de inventário permanente, uma vez que a informação subjacente ao mesmo existe e está de facto disponível a todo o momento através do recurso à sua contabilidade analítica; 27.º Ademais, o invocado erro de julgamento e incorreta apreciação da prova quanto ao ponto 30) da fundamentação de facto, não tem a potencialidade de influenciar a decisão da causa, pois, desde logo, não infirma a conclusão alcançada – e bem – pelo Tribunal a quo quanto à não verificação dos pressupostos de que depende o recurso a métodos indiretos; 28.º No que respeita à apreciação e fundamentação da sentença, importa referir que os serviços de inspeção tributária justificam o recurso a métodos indiretos na alegada falta de credibilidade da contabilidade, enunciando diversas razões para esse efeito [alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT]. 29.º Nos artigos 64.º a 68 das alegações de recurso a Fazenda Pública refere a existência de prejuízos fiscais e mais indica que o recurso a métodos indiretos é feito também com fundamento na alínea e) daquele artigo; 30.º Compulsada a sentença recorrida, certo é que o Tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre ambos os (alegados) fundamentos (autónomos). No que respeita ao segundo, o Tribunal a quo concluiu que os prejuízos fiscais não constituíram fundamento do recurso a métodos indiretos e que, além do mais, os mesmos se encontram justificados, pelo que nunca se encontraria preenchido o requisito de que depende o recurso a métodos indiretos pela alínea e); 31.º Mais, os serviços de inspeção limitaram-se a invocar a existência de prejuízos fiscais, sem, contudo, demonstrar que os resultados negativos tinham subjacente um qualquer comportamento abusivo ou com intuitos fraudulentos e, por outro lado, que a existência de prejuízos obstava à avaliação direta; 32.º Termos em que se decidiu pela improcedência do argumento da Fazenda Pública quanto ao facto da sentença recorrida ter incorrido em erro de julgamento por incorreta apreciação da prova e incorreta fundamentação da decisão, na medida em que no seu entender o Tribunal a quo deveria ter extraído do facto da contabilidade da Recorrida não esclarecer a concessão de empréstimos face ao sucessivo apuramento de prejuízos, a conclusão pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (cf. artigos 76.º e 77.º das alegações de recurso); 33.º Sem prejuízo do exposto, acresce que o apuramento de prejuízos fiscais não é, por si só, fundamento para o recurso a métodos indiretos, como defende a Fazenda Pública, uma vez que este depende da impossibilidade de se proceder a uma avaliação direta dos resultados do exercício; 34.º Quanto ao primeiro fundamento, o da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, a Fazenda Pública defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos fundamentos em que os serviços de inspeção tributária fizeram assentar o recurso a métodos indiretos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT; 35.º Sempre se dirá que também neste ponto não assiste razão à Fazenda Pública, conforme bem decidiu o Tribunal a quo; 36.º Para efeitos do recurso a métodos indiretos cabe à administração tributária demonstrar que a matéria tributável não pode ser determinada por avaliação direta e com base nas declarações do contribuinte (cf. artigo 74.º, n.º 3, da LGT); 37.º Na sentença recorrida, e a respeito das divergências de inventário ao nível das existências, o Tribunal recorrido entendeu – e bem – que as mesmas podiam advir de erros de contagem na inventariação física, designadamente resultantes de a) lapsos na contagem física, b) erro na etiquetagem das peças, c) perda desconhecida ou d) roubo não detetado (cf. ponto 35) do probatório da sentença). O Tribunal deu ainda como provado que estas divergências “não assumem expressividade”, representando cerca de 0.27% do volume de vendas da impugnante (cf. facto 37) do probatório da sentença), como, aliás, foi afirmado pela testemunha L...; 38.º Entende a Fazenda Pública que o erro de contagem física “não faz sentido”, porquanto as existências iniciais e finais de cada exercício deveriam corresponder; 39.º Nesta matéria a Recorrida logrou fazer prova do procedimento adotado [cf. pontos 31) a 37) do probatório da sentença]. Por outro lado, a Recorrida demonstrou que nos procedimentos de inventariação podem ocorrer erros os quais necessariamente afetam as existências, mas que, quando detetados são corrigidos do ponto de vista contabilístico e fiscal. Mais, tais irregularidades, inerentes à própria atividade desenvolvida pela Impugnante, não impedem a determinação da matéria tributável por avaliação direta, como bem decidido pelo douto Tribunal; 40.º Alegar que as justificações prestadas pela Recorrida quanto às divergências nas existências foram insuficientes ou não se aceitam, não consubstancia fundamento para o recurso a métodos indiretos nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT, pelo que a decisão do douto Tribunal não padece de qualquer vício, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida; 41.º Quanto aos erros de contagem, etiquetagem, perda desconhecida ou roubo não detetado os factos 35) e 36) do probatório constituem uma explicação para as alegadas irregularidades detetadas pelos serviços de inspeção tributária. Mais, “a indeterminação de um facto não significa que se tenha passado de um plano ontológico para um plano jurídico-axiológico”, pelo que a circunstância de determinado facto poder ser incerto, não determina a sua exclusão do probatório da sentença; 42.º Já no que respeita às quebras, e contrariamente ao que a Fazenda Pública pretende fazer crer, a menção às ditas “quebras normais do sector” resultam do laudo do perito independente efetuado no procedimento de revisão da matéria coletável, com vista à justificação das alegadas irregularidades encontradas pela AT na contabilidade da Recorrida; 43.º No que respeita à emissão de notas de crédito a Recorrida demonstrou e o Tribunal a quo deu como provada a circunstância de esta se encontrar inserida no Grupo C…, o qual definiu que as devoluções de compras eram efetuadas à M… [cf. pontos 12) e 13) da fundamentação de facto]; 44.º Relativamente às devoluções de compras e das regularizações negativas e positivas de existências, a Fazenda Pública não cumpriu o ónus de alegar a que se encontra adstrita (cf. artigo 639.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT), devendo o recurso ser rejeitado; 45.º A Fazenda Pública refere ainda ter sido apurada a “omissão de vendas, não declaradas, realizadas sem que a mercadoria tenha entrado em armazém”, mas também aqui não se apreende o alcance deste indício, já que a Recorrida logrou demonstrar e o Tribunal a quo deu como provado, que por vezes se verificam erros na contagem das existências [cf. pontos 30) a 36) da fundamentação de facto] e que, para além disso, as existências negativas só podem ser meramente teóricas; 46.º Por fim, a Fazenda Pública tece considerações sobre a independência do perito indicado pelo Tribunal (cf. artigos 176.º e 177.º das alegações de recurso) rejeitando o entendimento de que a margem comercial bruta apurada pelos serviços de inspeção tributária padece de “erro grosseiro e incompreensível”; 47.º Efetivamente, caso os serviços de inspeção tributária tivessem aplicado uma média ponderada a margem seria coincidente – 55,87% –, com a que resulta das demonstrações financeiras da Impugnante – 51% –, sendo a diferença – 4,87% – resultado do facto de os serviços de inspeção não terem relevado a totalidade das vendas. 48.º Assim, não podendo o Tribunal substituir-se à administração tributária e corrigir o apuramento do imposto em falta (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.11.2020, proferido no processo n.º 255/04.1BECTB), deverão as liquidações adicionais em apreço ser anuladas. 49.º Assim, em face do exposto, a Fazenda Pública não logrou infirmar a decisão do Tribunal a quo. De facto, os indícios recolhidos pelos serviços de inspeção tributária foram devidamente controvertidos nos presentes autos, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a impugnação judicial; 50.º Sem prejuízo do exposto, ainda que se conclua que no caso vertente estavam verificados os pressupostos para o recurso a métodos indiretos, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, desde já se requer, atento o disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, a ampliação do objeto do recurso tendo em vista a apreciação pelo Tribunal ad quem do fundamento invocado pela Recorrida quanto à caducidade do direito à liquidação; 51.º Na sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou não verificado o vício de caducidade do direito à liquidação, por força do alargamento do prazo previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT; 52.º Contudo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que tal alargamento do prazo apenas é aplicável às situações em que o processo de inquérito é instaurado em momento anterior ao procedimento de inspeção, estando este, na dependência dos factos apurados naquela; 53.º No caso vertente, o inquérito criminal foi instaurado em 25.11.2008, ou seja, já após recolhidos os factos de que depende, na perspetiva dos serviços de inspeção tributária, a emissão das liquidações adicionais em apreço, tendo o relatório final de inspeção sido notificado à Recorrida poucos dias depois, em 18.12.2008 [cf. factos constantes dos pontos 55) e 61) do probatório da sentença]; 54.º Acresce que, a interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT pelo Tribunal a quo, no sentido de considerar que o prazo de caducidade do direito à liquidação se encontra suspenso, quando o exercício deste direito pela administração tributária não se encontra dependente do processo de inquérito criminal, colide com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático (cf. artigo 2.º da CRP); 55.º Caso se considere não proceder o supra exposto, no que não se concede e a benefício de raciocínio se equaciona, sempre se dirá que a sentença recorrida padece de nulidade, por défice instrutório, porquanto o Tribunal a quo não levou ao probatório os factos investigados no procedimento crime e de cuja identifidade depende o alargamento do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA. Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Recorrida dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso apresentado pelo DRFP. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos: “1) A B… - CONFECÇÕES, S.A., sociedade Impugnante, tinha por objeto social a atividade de comércio de roupa para homens e de artigos afins, inscrita com o CAE 047711, enquadrada em sede de IRC no regime especial de tributação dos grupos de sociedades e em IVA no regime normal de periodicidade mensal – cf. Relatório de inspeção (RIT), a fls. 236 a 308 do PAT. 2) O período de tributação da Impugnante, em 2004, não coincidia com o ano civil, iniciando-se o mesmo em 01/03/2004 e terminando em 28/02/2005 - cf. pág. 2 do RIT a fls. 236 a 308 do PAT. 3) Em 2004, a impugnante exercia a sua atividade comercial, em Lisboa, nos centros comerciais Colombo (loja 1773) e Vasco da Gama (loja 613) e no Porto, no centro comercial Norte Shopping (loja 560) - cf. pág. 2 do Relatório de inspeção (RIT), a fls. 236 a 308 do PAT. 4) A Impugnante insere-se no grupo multinacional denominado “Grupo C…“, que à data dos factos detinha mais de 1.200 estabelecimentos a nível mundial e uma faturação acima de 1.000 milhões de euros – cf. depoimento da testemunha L…; 5) A Impugnante dispunha de autonomia ao nível comercial, no que respeita a cada um dos 3 estabelecimentos comerciais que detinha em Portugal em 2004 – cf. depoimento da testemunha L…; 6) Os procedimentos quanto ao transporte de mercadorias comercializadas e devolvidas entre empresas e lojas do grupo, a política de devoluções, registo de incidências e regularizações de mercadorias, e a política de “pricing” eram definidos centralmente pelo Grupo C…– cf. depoimento da testemunha L…; 7) O Grupo dispunha de um back office local que prestava à Impugnante diversos serviços, designadamente, administrativos, financeiros, de contabilidade, de obras e remodelações e de marketing, assegurados, em Portugal, pela C… - C… de Espanha S.A., – cf. depoimento da testemunha L…; 8) O Grupo dispunha, ainda, de um back office central e que prestava serviços, não cobertos pelo back office local, a todas as sociedades do Grupo, incluindo a Impugnante, nomeadamente, serviços informáticos e financeiros – cf. depoimento da testemunha L…; 9) Por força da organização interna do grupo, as mercadorias comercializadas pela Impugnante eram adquiridas intragrupo, a duas sociedades, a E… e a M…– cf. página 2 do RIT a fls. a fls. 236 a 308 do PAT e depoimento da testemunha L…; 10) O Grupo C… organizava as suas coleções tendo em conta as respetivas temporadas comerciais de 6 meses, correspondendo à temporada outono/inverno o período entre setembro e fevereiro e à temporada primavera/verão o período entre março e agosto - cf. depoimento da testemunha L…; 11) As lojas da Impugnante situam-se em centros comerciais e têm pouco espaço de armazenamento, pelo que no fim de cada temporada as mercadorias sobrantes eram devolvidas ao armazém em Espanha – cf. depoimento da testemunha L…; 12) As devoluções das mercadorias eram feitas apenas à sociedade M…, SA, independentemente de terem sido adquiridas a esta, que emitia as correspondentes notas de crédito, havendo, posteriormente, “acerto de contas” entre esta sociedade e a E… - cf. depoimentos das testemunhas L… e L…; 13) A M… centralizava as mercadorias que lhe eram devolvidas pelas diversas lojas das sociedades pertencentes ao Grupo C… no armazém designado “armazém de sucursais” - cf. depoimento da testemunha L…; 14) No início de cada temporada as mercadorias relativas à nova temporada eram enviadas para as lojas através do armazém da sociedade E…, também designado por armazém de compras - cf. depoimento da testemunha L...; 15) As novas coleções que surgiam a meio da temporada também eram enviadas através do armazém da E... - cf. depoimento da testemunha L...; 16) As mercadorias de coleções e temporadas anteriores eram enviadas através do armazém da M...- cf. depoimento da testemunha L...; 17) A meio da temporada também eram feitas devoluções de mercadorias, normalmente, duas a três vezes - cf. depoimento da testemunha L...; 18) No que respeita ao procedimento para devolução de mercadorias, este tinha início com o registo no sistema informático, por parte da loja, de um pedido de devolução – cf. depoimento da testemunha L...; 19) A loja procedia ao registo das peças que pretendia devolver, através da leitura do código de barras de cada uma das peças - cf. depoimento da testemunha L...; 20) De seguida, as peças eram colocadas numa caixa, a qual era fechada, sendo gerado um código pelo sistema informático, que identificava a caixa - cf. depoimento da testemunha L... e C…; 21) Ao nível contabilístico, através do registo das peças colocadas em caixas, nos termos mencionados nos pontos antecedentes essas peças “saíam” do stock da loja e passavam para o estado de “mercadorias em trânsito” - cf. depoimento da testemunha C…; 22) Por consulta do código da caixa no sistema informático do Grupo era possível identificar quais as mercadorias, por modelo, tamanho, cor e quantidade, que se encontravam dentro de cada caixa - cf. depoimento da testemunha C…; 23) A informação relativa à localização de cada uma das peças, como estando numa determinada loja, num armazém ou em trânsito, podia ser extraída e impressa a partir do sistema informático, sendo possível acompanhar o transporte da caixa - cf. depoimento da testemunha C…, M… e L...; 24) A loja comunicava o número de caixas que pretendia devolver e esta informação era depois remetida à transportadora que, posteriormente, efetuava a recolha das caixas - cf. depoimento da testemunha M…; 25) Os documentos que titulavam o transporte de mercadorias da Impugnante eram os seguintes: a) “Entrega de Mercancia”, que era um documento individual preparado para cada ponto de recolha/loja. Este documento identificava o número de caixas (com os respetivos códigos) que eram recolhidas em determinada loja, sendo numerado e assinado, era preenchido pela loja, em triplicado, embora os formulários contivessem o timbre das sociedades E... ou C..., ficando uma das cópias na loja; b) “Consignment Note” ou “Carta de Portes”, era um documento que resumia o transporte, ou seja, continha a identificação de todos os pontos de recolha/lojas onde um determinado camião parou, contém uma linha por cada ponto de recolha / loja e era preenchido pela transportadora - cf. depoimentos das testemunhas M… e C…; 26) Os documentos mencionados no ponto antecedente acompanhavam a mercadoria desde a loja até ao armazém da M…, onde eram depois entregues conjuntamente com as mercadorias - cf. depoimento da testemunha C…; 27) Quando as caixas chegavam ao armazém a equipa de logística validava a entrega das mesmas e procedia ao registo do código de cada uma das caixas no sistema informático e através deste registo era confirmada a receção das peças que se encontravam dentro das caixas - cf. depoimentos das testemunhas M… e C…; 28) Com este registo, ao nível contabilístico, as peças deixavam de estar contabilizadas como mercadorias em trânsito e eram registadas no stock do armazém - cf. depoimento da testemunha C...; 29) O armazém procedia a um controlo do conteúdo das caixas, por amostragem - cf. depoimento da testemunha C...; 30) O Grupo C..., de que a Impugnante fazia parte, utilizava um sistema de inventário permanente nos seguintes termos: a mercadoria era comprada aos fornecedores do Grupo pela E... e quando esta mercadoria entrava no armazém da E... era feito o registo no sistema informático; quando se verificava o envio da mercadoria do armazém para as lojas era registada no sistema informático, encontrando-se, a partir desse momento, a “mercadoria em trânsito”; aquando da receção da mercadoria na loja esta é igualmente registada no sistema, passando a fazer parte do stock da loja; no momento da venda, através do terminal ponto de venda (TPV) é feito o registo de saída/venda das mercadorias aos Clientes, e de igual forma, aquando das devoluções, através do TPV, é efetuado o registo da entrada das mesmas - cf. depoimento da testemunha L...; 31) Semestralmente, é feito o inventário do armazém e das lojas para confirmar que as mercadorias em loja e no armazém coincidem com os registos resultantes da utilização do sistema de inventário permanente o qual, no final do exercício é auditado, por auditores externos; - cf. depoimento da testemunha L...; 32) No que respeita ao controlo e contagem das existenciais finais, a Impugnante definiu como data para proceder à contagem física o dia 31 de janeiro - cf. depoimento da testemunha L...; 33) Entre os dias 1 e 28 de fevereiro foram registadas e tidas em conta para efeitos da contagem mencionada no ponto antecedente as entradas e saídas de mercadorias - cf. depoimento da testemunha L...; 34) O cômputo das existências finais do exercício é apurado tendo por base a contagem física realizada a 31 de janeiro, somada/subtraída dos movimentos ocorridos entre 1 e 28 de fevereiro, e às quais são ainda somadas as mercadorias em trânsito – cf. depoimento da testemunha L...; 35) Podem ser detetadas diferenças ao nível das existências, devidamente identificadas pelo Grupo e que, a título exemplificativo, podem resultar de: i) Erro de contagem na inventariação física, designadamente, resultante de lapso na contagem física, na qual foram contadas menos peças do que as que realmente existiam em loja; ii) Erro na etiquetagem das peças, por exemplo, por colocação de uma etiqueta errada numa peça, erro que só é detetado em momento posterior, nomeadamente, aquando da venda quando é feito o registo no TPV; iii) Perda desconhecida, roubo não detetado, por parte de funcionários ou por parte de clientes - cf. depoimento das testemunhas L... e L...; 36) O erro na etiquetagem das peças e a perda desconhecida, mencionados no ponto antecedente, podem ocorrer no período entre 1 e 28 de fevereiro e, desta forma, ter impacto no cômputo das existências finais – cf. depoimento da testemunha L...; 37) As diferenças de inventário supra não assumem expressividade e representam cerca de 0,27% do volume de vendas da Impugnante - cf. depoimento da testemunha L...; 38) O Grupo C... deslocalizou a produção para o mercado asiático, o que se traduziu numa redução do preço da produção, a qual foi repercutida nas sociedades com a consequente redução do preço das mercadorias a partir do exercício de 2005 - cf. depoimento da testemunha L...; 39) Ao nível da Impugnante estimou-se que esta repercussão teria um impacto de cerca de € 480.000,00 no exercício de 2005- cf. depoimento da testemunha L...; 40) Relativamente à venda de produtos nas lojas da Impugnante, no momento da venda era entregue ao cliente um talão (ticket) que titulava a operação, não ficando a Impugnante com uma cópia em papel do talão (ticket) entregue ao cliente, sendo feito um backlog onde são registadas as informações da transação, excluídos dos elementos do cabeçalho do talão e de onde constam os dados da empresa – cf. depoimento da testemunha L...; 41) Em todas as operações de venda em loja é associado um método de cobrança, isto é, no momento do registo da compra, o operador de caixa questiona o cliente sobre o método de pagamento, que podia ser, designadamente, em dinheiro ou em multibanco – cf. depoimento da testemunha L...; 42) Por vezes, pode suceder que, depois de inserida a informação no sistema informático quanto ao método de pagamento, nos termos mencionados no ponto antecedente, o cliente decida alterar o método de pagamento, não sendo esta alteração registada no sistema informático, o que originava a que um talão indicasse que o pagamento foi efetuado em dinheiro, mas, na realidade, o pagamento era realizado através de multibanco e vice-versa, sendo que no final do dia era feita a inventariação dos meios de cobrança e constatava-se que apesar de estar indicado o pagamento em dinheiro, o mesmo havia sido feito através de multibanco, não se registando pagamentos em falta – cf. depoimento da testemunha L...; 43) Se, no momento da venda e já após ter sido feito o registo da peça, o cliente desistisse da compra (sem proceder ao pagamento), a venda não era concluída e a operação era de imediato anulada, ficando esta informação registada no sistema informático da Impugnante – cf. depoimento da testemunha L...; 44) De acordo com as políticas de devoluções estabelecidas pelo Grupo, em regra, as devoluções deviam obedecer ao meio original de pagamento, ou seja, se o cliente efetuou o pagamento em dinheiro a restituição do valor pago devia ser feita em dinheiro – cf. depoimento da testemunha L...; 45) Há situações em que a devolução não era processada através do meio de pagamento original, por impossibilidade, designadamente, no caso de compra de peças para oferta, caso em que a pessoa que efetuava a devolução da peça não era a mesma que efetuava a compra e, por essa razão, se o pagamento da compra tivesse sido efetuado através de multibanco, não era possível proceder à devolução pelo mesmo meio – cf. depoimento da testemunha L...; 46) Nas situações descritas no ponto antecedente, havia sempre lugar à conciliação de caixa – cf. depoimento da testemunha L...; 47) Para as devoluções de compras era exigida a apresentação pelo cliente do talão (ticket) original - cf. depoimento da testemunha L...; 48) As devoluções eram processadas pelo operador de caixa com a intervenção do gerente da loja – cf. depoimento da testemunha L...; 49) Por vezes alguns clientes recusavam-se a entregar à Impugnante o talão (ticket) original e, por isso, na documentação de suporte às devoluções nem sempre eram arquivados os talões originais – cf. depoimento da testemunha L...; 50) As peças com defeitos eram vendidas a clientes por um preço inferior ao original – cf. depoimento da testemunha L...; 51) Nas situações mencionadas no ponto antecedente, quer a venda, quer o desconto eram registados nas respetivas rubricas contabilísticas – cf. depoimento da testemunha L...; 52) As peças com defeitos, que não podiam ser vendidas, eram destruídas, procedendo-se à elaboração do respetivo auto de abate, registando-se uma “venda”, em regra por 0,01 EUR, e efetuando-se, de seguida, o registo da diferença entre o preço original e o valor da “venda” na rúbrica contabilística de custos e o desconto na conta “718 – Descontos e Abatimentos” – cf. depoimento da testemunha L... 53) A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200801167, de 14/03/2008, aberta na sequência da análise interna levada a cabo pela equipa 32 da Divisão III, do Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, pelo facto da aqui impugnante ter declarado sucessivamente, prejuízos nos exercícios de 1999 a 2006, que incidiu sobre o exercício de 2004 e teve início em 12/05/2008 – cf. ordem de serviço a fls. 427 do PAT e doc. 1 junto com a PI. 54) No âmbito da ação de inspeção referida no ponto anterior, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção, nos termos do qual foi determinado a fixação da matéria tributável do exercício de 2004, por métodos indiretos, no valor de € 922.126,00, do qual consta o seguinte: “(…)
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(…)” – cf. RIT a fls. 241 a 274 do PAT. 55) Em 25/11/2008 foi instaurado o processo de inquérito n.º 908/09.5IDLSB em nome da impugnante relativo a IRC e IVA de 2004 – facto não controvertido 56) Em 28/11/2008, na sequência da notificação do projeto de relatório da ação de inspeção referido em 54), a Impugnante apresentou a sua pronúncia para efeitos do exercício do direito de audiência prévia – cf. documento a fls. 494 e seguintes do PAT. 57) Em 17/12/2008, foi elaborado o relatório de final da ação de inspeção através do qual foi proposto que as correções apresentadas no projeto de relatório passassem a definitivas, concluindo que a impugnante “em fase de audição prévia não esclareceu as questões essenciais, e os documentos apresentados não comprovaram que a contabilidade refletia a matéria tributável real do sp”. - cf. pág. 71 do RIT a fls. 308 do PAT. 58) Na mesma data, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho no sentido de concordância com as conclusões do RIT, e procedeu à fixação da matéria tributável da impugnante, determinada segundo métodos indiretos para o exercício de 2004, no montante de € 922.126,00 – cf. RIT a fls. 237 do PA em apenso). 59) Ainda na mesma data, foi elaborado o ofício 97902, pelos serviços da Inspeção Tributaria da Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à impugnante sob o assunto “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA – ARTIGO 77.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBTÁRIA (RCPIT)”, do qual consta o seguinte: “(…) (…)” – cf. fls. 234 do PA em apenso. 60) Ainda em 17/12/2008, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, emitiu mandado para notificação da impugnante, na sua sede, sita na Av. da Liberdade, n.º 180.º a, 2.º andar, Lisboa, do teor do ofício referido no ponto antecedente –cf. fls. 232 do PA em apenso e doc. 2 junto com a PI; 61) Em 18/12/2008, foi lavrada certidão de notificação da impugnante, em cumprimento do mandado referido no ponto antecedente – cf. fls. 233 do PA em apenso e doc. 2 junto com a PI; 62) Em 19/01/2009, deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa, do pedido de revisão da matéria tributável, em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2004, no âmbito do qual foi realizada a reunião de peritos, em 09/02/2008 com continuação a 16/02/2009, não tendo sido possível chegar a acordo entre os peritos da Impugnante e da Fazenda Pública, com a presença do perito independente, conforme resulta da ata n.º 12/09, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 996 do PA, em apenso; 63) Cada um dos peritos elaborou o seu laudo, encontrando-se os mesmos juntos à ata mencionada no ponto antecedente, sendo que o laudo do perito independente conclui no sentido da inaplicabilidade de métodos indiretos – cf. fls. 1013 a 1052 do PA, em apenso, para os quais se remete e se dão por reproduzidos; 64) Em 30 de Novembro de 2009, o Diretor de Finanças de Lisboa proferiu a decisão no procedimento de revisão da matéria coletável, no sentido da manutenção da matéria tributável apurada pelos serviços da Inspeção Tributária, fixando o lucro tributável do exercício de 2004 em € 922.126,00 – cf. fls. 1072 do PA, em apenso. 65) Em 08/04/2009 foi emitida a liquidação de IRC 2009 8310012405 que apurou a matéria coletável do exercício de 2004, no valor de € 922.126,00, e juros compensatórios, no valor de € 34.159,54, e o valor global de imposto a pagar de € 286.348,71, com data limite de pagamento de 20/05/2009, materializada pela demonstração da liquidação de IRC 2009 00000216114 – cf. doc. 3 junto com a PI; 66) Por via postal registada, de 17/04/2009, foi remetida à impugnante a demonstração da liquidação de IRC do exercício de 2004 e dos respetivos juros compensatórios – cf. fls. 227 do PA, em apenso. 67) Em 10/06/2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o Processo de execução fiscal 3085200901063766, em nome da Impugnante, na quantia exequenda de € 286.348,71, por falta de pagamento da liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, que se encontra suspenso nos termos do n.º 8 do art.º 92.º da LGT– cf. ofício do SF de Lisboa 3 a fls. 948 do SITAF; 68) Em 20/07/2009 deu entrada neste tribunal a presente impugnação judicial – cf. carimbo aposto a fls. 2 do processo em suporte físico.” *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não existem outros factos provados ou não com relevância para a presente decisão.” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram, bem como dos relatórios de conclusões da perícia efetuada no âmbito do presente processo, em conjugação com a prova testemunhal, cujo aproveitamento foi requerido nos autos. Ouvida toda a prova produzida relevaram os depoimentos das testemunhas, L..., quanto aos factos 4) a 9), 11), 12), 18), 32) a 51); L..., quanto aos factos 10), 12) a 17), 19), 20), 23), 30), 31) e 35) e 40); M…, quanto aos factos 23), 24), 25) e 27), e C..., quanto aos factos 20) a 23), 25) a 29). A testemunha L..., referiu que à data dos factos era Contabilista da Impugnante, tendo exercido essas funções desde 1998 até à sua dissolução. Esta testemunha depôs de forma assertiva e clara, revelando conhecimento pormenorizado das políticas de “pricing” do Grupo C..., dos procedimentos relativos à desvalorização de mercadorias, da organização e funcionamento da Impugnante e do referido Grupo, bem como das lojas da Impugnante, nomeadamente, no que respeita às compras e devoluções de mercadorias aos fornecedores, ao respetivo transporte, ao controlo de existências e à venda e devolução dos produtos, relativas a clientes, nas lojas da Impugnante. A testemunha L..., referiu que era Diretor do Departamento de Auditoria Interna do Grupo C... e que trabalhava para este Grupo há 25 anos, depondo sem hesitações e revelando profundo conhecimento relativamente à organização e funcionamento da Impugnante e do Grupo C..., a que esta pertence, bem como quanto ao funcionamento das compras e devoluções de mercadorias efetuadas pela Impugnante “intragrupo”, ao respetivo transporte e ao controlo de existências. Por sua vez, a testemunha M… referiu que atualmente é Chefe de Transportes do Grupo C... e que trabalha no grupo desde 2005, ano em que entrou para o Departamento de Transportes, sendo que o seu depoimento foi congruente com os depoimentos das demais testemunhas, tendo demonstrado conhecimento quanto ao funcionamento das compras e devoluções de mercadorias “intragrupo” e respetivo controlo de existências e, especialmente, quanto à forma como se processa o respetivo transporte dessas mercadorias. O seu depoimento devidamente conjugado com o depoimento da testemunha C… permitiu perceber quais as finalidades de cada um dos documentos que titulam o transporte das referidas mercadorias. A testemunha C..., disse que é Engenheiro Industrial do Grupo C... e que à data dos factos trabalhava no departamento de logística deste Grupo, tendo sido rigoroso e claro no seu depoimento, revelando especial conhecimento no que respeita ao funcionamento das compras e devoluções de mercadorias “intragrupo”, transporte dessas mercadorias e quanto à forma como se processa o respetivo controlo de existências. O depoimento destas testemunhas mostrou-se claro, congruente e isento de contradições, todos demonstraram conhecimento direto dos factos sobre os quais prestaram depoimento, logrando convencer o Tribunal da sua veracidade.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 69) A 19 de novembro de 2008, foi emitido escrito de certificação pela sociedade com a designação comercial “C..., S.A.”, na qualidade de entidade que absorveu no ano de 2006 por fusão a empresa denominada “M…”, com o teor que infra se descreve, dele fazendo parte integrante um mapa anexo descritivo dos abonos realizados entre 1 de março de 2004 a 28 de fevereiro de 2005: “D. A… com DNI (Documento Nacional de Identificação) nº 5… -C, e D. L… com DNI nº 5…-Y, em nome e representação da sociedade C..., SA, com NIF nº A…, CERTIFICAM Que entre 1 de Março de 2004 a 28 de Fevereiro de 2005 (exercício fiscal 2004), toda a mercadoria cujo detalhe se anexa foi recebida em Espanha, pela sociedade espanhola M…, SA, com CIF nº A…, sociedade absolrivida por C..., SA com NIF nº A…, por via de fusão por absorção com efeitos desde o dia 8 de agosto de 2006” (cfr. documento n.° 12 anexo ao Direito de Audição sobre o Projeto de Relatório de Conclusões da Inspeção Tributária, e Documento n.° 2 integrante do Relatório Pericial a fls. 465 dos autos); 70) No ano de 2005, foram emitidas faturas, em nome da Impugnante, pela sociedade com a designação comercial “E... Confeccion, S.A.” respeitantes ao redébito dos custos de transportes suportados com fluxos de mercadorias respeitantes às três lojas da Impugnante localizadas em território português e os armazéns centrais do Grupo C... em Espanha (facto que se extrai do documento n.° 11 ao Direito de Audição sobre o Projeto de Relatório de Conclusões da Inspeção Tributária e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que integra o documento 4 junto ao Relatório Pericial a fls. 388 a 464); 71) Na sequência e de harmonia com o evidenciado no ponto antecedente, foram emitidas as correspondentes faturas pelas empresas transportadoras à sociedade com a designação comercial “E... Confeccion, S.A” (facto que se extrai do documento n.° 11 ao Direito de Audição sobre o Projeto de Relatório de Conclusões da Inspeção Tributária e documento 4 junto ao Relatório Pericial, fls. fls. 388 a 464); 72) Relativamente aos transportes evidenciados em 70) e 71), a sociedade com a designação “A…Transporte”, emitiu os correspondentes documentos de transporte (facto que se extrai do documento n.° 11 ao Direito de Audição sobre o Projeto de Relatório de Conclusões da Inspeção Tributária, e que integra o documento 4 junto ao Relatório Pericial a fls. fls. 388 a 464); 73) No âmbito do Relatório Pericial, e no concreto particular das devoluções de compras, foi realizada uma análise conjugada dos Abonos emitidos pela “M…” em favor da Impugnante, concreta reconciliação das guias de devolução emitidas por parte das lojas, com as datas de realização dos transportes, e dos aduzidos documentos de transporte e faturas do débito dos serviços de transporte, tendo sido externadas, designadamente e no que para os autos relevam, as seguintes asserções: “(…) «Imagem em texto no riginal» (…)
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(cfr. Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 74) A loja 0560 (Matosinhos) detinha em stock no final do período de tributação de 2003 mais de 7.000 artigos (factos que se extraem do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes e do RIT e respetivos anexos); 75) Os artigos devolvidos, cujas quantidades se revelaram superiores aos valores em stock, e descritos em 54), ascenderam a 70 unidades (factos que se extraem do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 76) Em resultado do descrito em 74) e 75), foi realizada a regularização dos saldos no mês de agosto em cerca de 40 unidades (factos que se extraem do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 77) A Impugnante, no âmbito dos abates, regista uma venda por um valor zero, mediante o reconhecimento do valor da venda na rubrica 711 e correspondente desconto integral na rubrica 718, sendo depois o custo dos artigos abatidos apurado conjuntamente com as demais existências (facto não controvertido que resulta do RIT e confirmado mediante as asserções de facto constantes no Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 78) Em termos de procedimento interno, por regra, os abates são realizados mediante a emissão de um ticket similar ao de vendas, mas em que a soma dos valores dos artigos é integralmente compensada por um valor negativo de bonificação (facto não controvertido que resulta do RIT e confirmado mediante as asserções de facto mediante as asserções de facto constantes no Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 79) A loja 0560 (Matosinhos) procedeu à emissão de guias de devolução num total de 135, relativamente ao Abono nº 1290, sendo que relativamente à referência do artigo 9426450, 37 unidades foram enviadas para Espanha em 32 guias de devolução, correspondendo a apenas 22 unidades (factos que se extraem do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 80) As guias de devolução respeitantes às 15 unidades de divergência enumeradas no Relatório de Inspeção Tributária e descritos no ponto antecedente, não foram objeto de expedição para o armazém da E... (factos que se extraem do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 81) No âmbito do descrito em 79) e 80), resulta do Relatório Pericial, designadamente, o seguinte:
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(cfr. Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); 82) No âmbito do apuramento da margem do custo das vendas, foram realizados testes de conformidade alternativos, entre os resultados obtidos mediante recurso a uma média aritmética simples e uma média aritmética ponderada das margens de comercialização, resultando do Relatório Pericial a incorreção do cálculo da margem do custo das vendas efetuado pela AT, dele se extratando, designadamente, o seguinte:
(cfr. Relatório Pericial junto a fls. 361 e seguintes); *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC, do exercício de 2004. Importa, desde logo, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se: · O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que fixou factualidade sem relevo para o caso vertente, e incorreu em erróneas valorações no domínio da prova, mormente, documental e testemunhal, as quais determinam as competentes supressões no acervo probatório; · Se a decisão recorrida procedeu a uma errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto: o ajuizou que não se encontravam reunidos os pressupostos para a determinação da matéria coletável de IRC, através do recurso aos métodos indiretos. · Procedendo o recurso, analisar a questão objeto da ampliação do objeto do recurso, concretamente, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter sentenciado que a liquidação visada foi emitida dentro do prazo de caducidade, constante no artigo 45.º da LGT. Comecemos pelo erro de julgamento de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.). No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (2-Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.) Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova. Mais importa, ainda, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento. Com efeito, [q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (3-Henrique Araújo “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt) “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (4-Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1.) Feitos estes considerandos, analisemos a concreta impugnação da matéria de facto. A Recorrente no domínio da prova testemunhal evidencia que existiu uma incorreta valoração da prova, na medida em que foram ponderados depoimentos que são genéricos e sem razões de ciência firmes, em detrimento da prestação de depoimentos concretizados e circunstanciados, os quais não refutam as observações concretas que decorrem do Relatório de Inspeção Tributária, incorrendo, em bom rigor, em presunções e estimativas não demonstradas. Densifica, neste âmbito, e por reporte às razões de ciência constantes na motivação da matéria de facto relativamente às testemunhas L..., L…, M… e de C…, que as mesmas são perfeitamente irrelevantes, na medida em que para efeitos de cumprimento dos pressupostos dos métodos indiretos não releva o conhecimento “pormenorizado” das “políticas ou dos procedimentos”. Mais advogando que, é insuscetível de valoração o depoimento da testemunha L..., porquanto sendo o mesmo Contabilista Certificado tem apenas como função executar a contabilidade da Impugnante, não tendo, por isso, conhecimento direto dos referidos factos. De relevar, desde já, que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque se a convicção formada pelo impugnante da matéria de facto sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique, quer as razões de ciência em que se firma, quer as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade. Acresce que, não se consegue, por um lado, extrair que os depoimentos tenham sido genéricos, face a uma inexistência da concreta substanciação dos excertos que permitiam inferir essa mesma generalidade, e por outro lado, não se consegue vislumbrar o alcance da afirmação de que o conhecimento dos meandros organizacionais e políticas empresariais, não relevam para efeitos da questão atinente à legitimidade de atuação da AT e recurso aos métodos indiretos, sendo, aliás, justamente o oposto. Mais importa relevar que, não se consegue, outrossim, discernir o motivo atinente à descredibilização do depoimento de L..., e menos ainda quando se afirma que o mesmo não detém conhecimento direto dos factos, quando ademais sendo contabilista certificado tem, naturalmente, o conhecimento avalizado das políticas contabilísticas adotadas na empresa e no grupo. Logo, não só não logra provimento o aduzido pela Recorrente como esse conhecimento particular e específico tem, precisamente, um pendor de superior credibilidade. Ainda neste âmbito, cumpre salientar que em nada releva o expendido em 28) das suas alegações de recurso no sentido de que nenhuma testemunha foi confrontada com os elementos recolhidos dos autos, na medida em que, por um lado, os documentos são meros meios de prova e que, ademais, não foram impugnados, e por outro lado, as testemunhas não foram ouvidas enquanto peritos. De salientar, in fine, que em nada pode relevar, neste e para este efeito, o aduzido quanto ao espaço temporal decorrido entre o facto tributário e a concreta produção de prova testemunhal, sendo manifestamente infundadas as inferências atinentes a um insuscetível conhecimento da realidade fática em causa, porquanto absolutamente genéricas e sem qualquer concretização de facto. E por assim ser, nada há retirar neste concreto domínio e para efeitos do probatório dos autos. Prosseguindo. Atentando, ora, nas supressões requeridas pela Recorrente. Começa por peticionar a supressão dos pontos 5), 6), 11), 13) a 20), 41) a 49) do probatório, porquanto os mesmos são irrelevantes para a discussão da causa, na medida em que nenhum deles tem a virtude de confirmar ou abalar a legalidade da decisão em proceder à avaliação indireta. Mas, a verdade é que não procede o supra expendido, na medida em que todos esses factos respeitam aos procedimentos e diretrizes da empresa, donde, vitais para efeitos da questão atinente à própria admissibilidade e recurso aos métodos indiretos. Com efeito, de uma leitura conjugada de tal factualidade retira-se que a realidade nelas constante se coaduna com a forma de atuação no domínio empresarial e bem assim a sua interconexão com a política do grupo multinacional, sua dinâmica, autonomia, concreta política de transportes de mercadorias, devoluções e suas especificidades na atividade de comércio de roupa, e bem assim a sua política de vendas e seus concretos meandros, particularmente, no domínio do contacto direto com o cliente, no domínio documental e do próprio sistema informático. Note-se que, se tais asserções foram ou não corretamente valoradas para efeitos da concreta legitimação do recurso à avaliação indireta, redundará, sendo caso disso, em erro de julgamento de direito, em nada podendo proceder para os efeitos pretendidos de supressão do probatório. Continuando. No respeitante ao ponto 30 do probatório evidencia que tal realidade de facto deve, igualmente, ser suprimida do probatório porquanto, por um lado, não foi alegada na petição inicial, e por outro lado, não representa, em rigor um facto, mas sim a interpretação de um facto não provado. Mas, mais uma vez não lhe assiste razão. Senão vejamos. Para além de não corresponder à realidade o aludido quanto à falta de alegação na p.i., a verdade é que sempre tal realidade poderia dimanar do princípio da aquisição processual e enquanto facto instrumental. Por outro lado, e inversamente ao aduzido pela Recorrente, não nos encontramos perante um juízo de valor atinente a um facto não provado. De resto, tal realidade não se encontra espelhada enquanto tal no probatório, nem é requerido qualquer aditamento por complementação por parte da Recorrente. Ainda quanto a esse facto, e se bem interpretamos a pretensão da Recorrente, é advogado que inexistem quaisquer elementos para se concluir pela implementação, no ano de 2004, do sistema de inventário permanente. No entanto, a interpretação não pode ser realizada de forma tão simplista e restritiva. Com efeito, mediante interpretação do teor do facto evidenciado no ponto 30, verifica-se que, não obstante exista expressa menção ao sistema de inventário permanente, inexiste qualquer menção a uma concreta e específica implementação, mas sim a uma enunciação dos trâmites e procedimentos conexos com esse sistema, e que permita inferir tal inventariação. De todo o modo, e por forma a obviarem-se quaisquer dúvidas interpretativas, e na medida em que o que releva para os autos é o tipo de informação existente e a concreta disponibilidade espácio-temporal, este Tribunal reformula o facto 30, expurgando, para o efeito, os juízos conclusivos e opinativos, ficando, assim, a constar a seguinte roupagem: 30) O Grupo C..., que a Impugnante integra, em termos de inventário realizava o seguinte procedimento: - Após aquisição de mercadoria aos fornecedores do Grupo pela E... e aquando a sua entrada no armazém da E... procedia-se ao competente registo no sistema informático; - Aquando o envio da mercadoria do armazém para as lojas, procedia-se de harmonia ao registado no sistema informático, passando a mesma a integrar a menção de “mercadoria em trânsito”; - Ulteriormente, aquando da receção da mercadoria na loja, a mesma é igualmente registada no sistema informático, passando a integrar a parte do stock da loja; - No momento da venda, através do terminal ponto de venda (TPV) é realizado o registo de saída/venda das mercadorias aos Clientes, - Por último, existindo devoluções, através do TPV, é efetuado o registo da entrada das mesmas (facto que se infere do depoimento da testemunha L...; facto corroborado pelo teor do Relatório Pericial junto aos autos a fls. 361 e seguintes); No respeitante ao facto constante no ponto 36 é requerida, outrossim, a sua supressão porquanto o mesmo não representa um facto, mas uma potencialidade, donde não reveste relevo para a lide. Atentemos, no seu teor. 36) O erro na etiquetagem das peças e a perda desconhecida, mencionados no ponto antecedente, podem ocorrer no período entre 1 e 28 de fevereiro e, desta forma, ter impacto no cômputo das existências finais – cf. depoimento da testemunha L...; Entendemos que inexiste o erro de julgamento que é advogado pela Recorrente, na medida em que o mesmo está, desde logo, alocado ao facto constante no ponto antecedente, visando, tão-só, estabelecer uma concreta substanciação temporal. Acresce que, nada obsta a que integrem o probatório ocorrências da vida real indeterminadas ou incertas. Com efeito, “no âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) (5-Vide, designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 189/20.2T8ALJ.G1, de 02.03.2023.)”. De todo o modo, e ainda que a Recorrente não tenha feita alusão a um juízo conclusivo, entende-se ser de suprimir a última parte do aludido facto, na medida em que o, eventual, “impacto no cômputo das existências finais”, é uma conclusão que se impõe retirar das demais asserções constantes no probatório. Face ao exposto, este Tribunal ad quem corrige o seu teor, ficando o aludido facto com o seguinte teor: 36). Os erros na etiquetagem das peças e a perda desconhecida, melhor descritos no ponto antecedente, podem ocorrer no período temporal balizado entre 1 e 28 de fevereiro. No respeitante ao ponto 37, é requerida a sua supressão na medida em que a testemunha não evidencia esse valor percentual, e o Relatório Pericial alusivo a este exercício nada corporiza em termos percentuais. A Recorrida, dissente e evidencia que contrariamente ao advogado pela Recorrente este facto resulta do depoimento da testemunha L..., o qual, tendo sido questionado sobre sua expressividade, em termos gerais, das diferenças de inventários referiu: “representa pouco, não tem expressividade, isto representa 0,27% do volume de vendas” (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha L..., minuto 29, segundo 15). E a verdade é que, o Tribunal procedeu à sua audição e confirma-se que, efetivamente, a testemunha menciona esse valor percentual, improcedendo, assim, o supra aludido. Contudo, mais uma vez se expurga o juízo conclusivo atinente à falta de expressividade, na medida em que a concreta expressividade no cômputo geral da atividade é uma conclusão que se impõe ou não ao Tribunal retirar em função da conjugação dos demais factos constantes no probatório. No demais, nada há a evidenciar quanto a qualquer errada indicação do Relatório Pericial, na medida em que o mesmo não é convocado enquanto meio probatório atinente ao efeito. Por outro lado, e enquanto meios probatórios complementares, entende este Tribunal ad quem, que deverão ser aditados enquanto meios probatórios os próprios Laudos integrantes do pedido de revisão da matéria coletável, especificamente, do perito do contribuinte e do perito independente e um estudo respeitante às perdas na atividade, por permitirem inferir essa asserção. Nessa medida, corrige-se o seu teor, passando, assim, o mesmo a contemplar a seguinte redação: 37) As diferenças de inventário melhor descritas nos pontos antecedentes, representam um valor percentual de cerca de 0,27% do volume de vendas da Impugnante (facto que se extrai do depoimento da testemunha L..., facto que se infere, igualmente, dos laudos do perito do contribuinte e do perito independente, coadjuvado com o estudo constante a fls. 1025 a 1046 do PAT apenso); Relativamente ao ponto 39, é requerida a sua eliminação, porquanto representa uma mera presunção/estimativa. Porém, e dando por reproduzidos os considerandos vertidos anteriormente quanto ao ponto 36, e nada tendo sido impugnado quanto ao expressamente aduzido pela testemunha, como visto, em ordem ao cumprimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, indefere-se a aludida supressão. No respeitante ao facto 50, é peticionada a sua eliminação, na medida em que não constitui um facto, mas sim uma afirmação geral não circunstanciada no tempo que, coloca em causa a credibilidade e assertividade do depoimento. Ora, atentando no seu teor não se vislumbra qualquer erro, mormente, os supra evidenciados, porquanto encontramo-nos perante um facto que não um juízo de valor ou opinativo, que pode, no respetivo contexto em que se integra, ter um conteúdo que abrange a atividade geral, não sendo, portanto, genérico. Ademais, é um facto notório que no âmbito da atividade de venda de vestuário as peças com defeito são vendidas a um preço inferior ao original, em nada podendo lograr mérito o aduzido quanto à credibilidade do depoimento, reiterando-se o já expendido anteriormente, quanto ao conhecimento específico do contabilista certificado. Por fim, é requerida a supressão dos factos 51 e 91, o primeiro porque a sua asserção tem de estar limitada a prova, exclusivamente, documental e o segundo porque não constitui um facto, mas sim afirmações gerais não circunstanciadas no tempo que colocam em causa a credibilidade e assertividade do depoimento. Ora, o facto enumerado como 51, respeita a registos contabilísticos, e ainda que se anua que o mesmo carece sempre da devida comprovação documental pode ser coadjuvado por prova testemunhal, como in casu. Por outro lado, para além da Recorrente não substanciar, como legalmente se impõe, a real falta de correspondência com os registos contabilísticos, certo é que há que ter presente que tal realidade é não controvertida, resultando inclusive do Relatório de Inspeção Tributária, e das asserções constantes no Relatório Pericial. Assim mantém-se, integralmente, o aludido facto, aditando-se, no entanto, quanto aos meios probatórios, que é facto não controvertido que resulta do RIT e dos respetivos Relatórios Periciais, juntos aos autos. Quanto ao facto 91, nada há a evidenciar na medida em que o mesmo, seguramente, reveste um lapso na indicação, porquanto o último facto constante no probatório é o facto 68). *** Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente alega, desde logo, que inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, estão reunidos os pressupostos para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, porquanto a contabilidade da Impugnante padece de uma irregularidade sistémica, transversal a todo o circuito da sua atividade económica, inexistindo, ademais, justificação para os prejuízos declarados. Sustenta, neste particular, que a verificada e não impugnada declaração dos prejuízos fiscais não permitiu apenas desencadear a ação inspetiva, foi também um dos motivos para fundamentar o recurso aos métodos indiretos, ficando, assim, por esclarecer quais os motivos para os sucessivos prejuízos durante mais de seis anos, e nesse contexto, a concreta concessão de empréstimos à empresa dominante. Mais advoga que, as aludidas deficiências quando não impossibilitam o apuramento de forma direta, tornam inviável esse apuramento dentro dos parâmetros e prazos processuais que são dadas à AT em termos de procedimento inspetivo. Densifica para o efeito, que é precisamente por a AT ter verificado, em sede inspetiva, que não era possível determinar a partir da contabilidade o destino dos bens/mercadoria que a mesma está legitimada a corrigir por métodos indiretos sem que a sua decisão tenha sido contrariada. Conclui dizendo que, o Tribunal a quo se dispensou de conjugar os vários indícios chegando a uma conclusão errónea, mormente, no domínio do apuramento da margem de comercialização, sendo que, no limite, a mesma não seria suficiente, per se, para afastar a determinação da matéria coletável por métodos indiretos. Dissente a Recorrida, advogando, desde logo, que inversamente ao aduzido pela Recorrente, e conforme espelhado na decisão recorrida, os prejuízos fiscais não constituíram fundamento do recurso a métodos indiretos e que, além do mais, os mesmos se encontram justificados, pelo que nunca se encontraria preenchido o requisito de que depende o recurso a métodos indiretos constante na alínea e), do nº1, do artigo 87.º da LGT. Advoga, para efeitos de demonstração do acerto da decisão recorrida, que a AT não cumpriu o ónus probatório a que estava adstrita, na medida em que não basta existirem irregularidades é preciso, efetivamente, demonstrar que as mesmas são impeditivas do apuramento da matéria coletável pela via direta, realidade que não sucedeu, de todo, no caso vertente. Concretiza, adicionalmente, que existiu um adequado julgamento no domínio das divergências de inventário ao nível das existências, estando, ademais, devidamente elencadas as realidades de facto de onde podem advir tais divergências, e quando, ademais, as mesmas não assumem expressividade. Convoca, outrossim, o facto de as quebras, estarem, igualmente, patenteadas no laudo do perito independente, sendo que quanto à emissão de notas de crédito e à política de devoluções as mesmas encontram-se, devidamente, corporizadas no probatório. Conclui, sancionando o erro na determinação da margem, na medida em que se os serviços de Inspeção Tributária tivessem aplicado uma média aritmética ponderada, a margem seria coincidente [55,87%], com a que resulta das demonstrações financeiras da Impugnante [51% ], sendo a diferença de [4,87%] , resultante, ademais, do facto de os serviços de Inspeção Tributária não terem relevado a totalidade das vendas. Vejamos, então. O Tribunal a quo após elencar os pressupostos que legitimavam o recurso aos métodos indiretos conclui pela falta de demonstração dos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, evidenciando, desde logo, quanto às diferenças de inventários que: “resultou provado que as diferenças de inventário ao nível das existências, podiam advir de erros de contagem na inventariação física, designadamente, resultante de lapso na contagem física; de erro na etiquetagem das peças, por exemplo, por colocação de uma etiqueta errada numa peça, erro que só é detetado em momento posterior, nomeadamente, aquando da venda quando é feito o registo no TPV; e perda desconhecida, roubo não detetado, por parte de funcionários ou por parte de clientes. Mais se provou que estas diferenças não assumem expressividade e representam cerca de 0,27% do volume de vendas da Impugnante [ponto 37) dos factos provados].” Relativamente às devoluções das mercadorias, resulta do probatório que as mesmas ocorriam “essencialmente nas mudanças das temporadas, podendo também ocorrer a meio das mesmas, duas a três vezes. [pontos 16) e 17) dos factos provados]” relevando, outrossim, que o probatório espelha todo o procedimento de devolução de mercadorias, e que existe um registo contabilístico atinente ao efeito. E no concreto particular da prova do transporte das mercadorias, densifica, mediante convocação da factualidade assente que, existem outros documentos que atestam esse mesmo transporte, sublinhando que “[f]icou demonstrado que as mercadorias eram acompanhadas por dois documentos, sendo que o “Consignment Note” ou “Carta de Portes”, continha a mesma informação que o CMR.” Conclui, assim, e inclusive fazendo apelo ao vertido no Relatório Pericial que “[a] inexistência de CMR, previsto na legislação específica sobre transporte internacional de mercadorias por estrada, não poderá levar a que, sem mais, se desconsidere a existência do transporte de determinadas mercadorias que se encontra devidamente demonstrada através de outros meios de prova por força das citadas disposições da LGT e do CPPT.” No concernente às regularizações negativas e positivas das existências, conexa, naturalmente, com a devolução de mercadorias é explicitado na decisão recorrida que, antes de mais, a realidade tem de ser aferida em total conexão com as especificidades e particularidades do setor de atividade no qual se insere a impugnante. Mediante apelo, mais uma vez, ao externado no Relatório Pericial é, adensado, que “só a loja 0560 (Matosinhos) detinha em stock no final do período de tributação de 2003 mais de 7.000 artigos, quando os artigos devolvidos cujas quantidades se revelaram superiores aos valores em stock se ficaram pelas 70 unidades, das quais foi possível confirmar a regularização dos saldos no referido mês de agosto em cerca de 40 unidades. Esta discrepância não é materialmente relevante, atento o universo em que ocorre, como decorre do laudo do perito independente constante do procedimento de revisão da matéria tributável e bem assim, das regras da experiência comum. De resto, estas irregularidades resultam de erros de contagem, como também de erros de catalogação, os quais apenas são detetados aquando da inventariação física das existências, que ocorre semestralmente, conforme se apurou nos autos [ponto 31) dos factos provados]. Para além destes erros, poderão ainda ocorrer erros na etiquetagem dos artigos, e ainda furtos promovidos quer pelos próprios colaborares quer por cliente, que originam diferenças entre as existências reais e as declaradas. Tal como já se referiu, estes erros são inerentes ao setor de atividade no qual a impugnante desenvolve a sua atividade e justificam-se pela lógica económica do mesmo, existindo, inclusivamente, estimativas para quantificação deste tipo de ocorrências. Pelo que se conclui que a existência de alguns artigos com stock negativo, não pode, só por si, justificar a aplicação métodos indiretos.” No atinente às irregularidades na contabilização de devoluções de venda sem identificação dos talões de venda correlacionados “a impugnante logrou demonstrar o procedimento de vendas pratica nas lojas (…) e que “todas as operações de venda em loja era associado um método de cobrança”, evidenciando, ainda, que “nem sempre as devoluções obedeciam ao meio original de pagamento”, e que nem sempre “eram arquivados os talões originais”, por facto não imputável à própria Impugnante, ora Recorrida. Evidenciando, adicionalmente, que não tem o alcance almejado pela AT o “facto de os tickets de devolução não identificarem os tickets de venda que lhe estiveram na origem, uma vez que os ficheiros disponibilizados pela impugnante relativamente às operações de front office com o cliente existe um conjunto muito alargado de informação, designadamente sobre vendas e devoluções.” Relativamente ao facto de as devoluções não estarem refletidas numa subconta autónoma (conta POC 717), tal fundamento é apartado, desde logo, porque “[a]s regras contabilísticas não obrigam a que tenha necessariamente de ser utilizada uma subconta da contabilidade para registar as devoluções de venda, podendo existir outros mecanismos auxiliares que permitam segregar as vendas brutas e o valor das devoluções (por exemplo, através do programa de faturação).” No âmbito específico da anulação de vendas/bonificações e no específico particular dos abates, o Tribunal a quo afasta esse fundamento como legitimador dos métodos indiretos, por um lado, porque existem realidades que justificam as mesmas, e por outro lado, porque em termos contabilísticos “a conta de vendas não é influenciada e o gasto com o abate é reconhecido na conta 61 relativa ao custo das mercadorias vendidas e consumidas, pelo que não é verdadeira a afirmação dos serviços de inspeção que este procedimento reduz os proveitos e resultados declarados.“ Conclui pela inexistência de fundamento legal para a existência da necessidade de exibição de documentos de abate, e bem assim que tais realidades não são minimamente expressivas, convocando, novamente, o vertido no Relatório Pericial. In fine, e quanto ao valor da margem média sobre o custo das vendas, evidencia que a margem obtida pela AT traduz um apuramento desfasado da realidade empresarial da Impugnante, descurando, ademais, a política de pricing, e que a adoção de uma média aritmética simples, desvirtua os resultados obtidos, os quais se aproximam da realidade declarada. Ainda neste âmbito, e mediante alusão ao laudo do perito independente e bem assim às constatações vertidas no Relatório Pericial, concluiu que “os peritos não corroboram a conclusão constante do relatório de inspeção tributária de 2004 de que a margem bruta do custo das vendas implícita deverá ser de 85,66% (conforme resulta do estudo demonstrativo realizado pelos serviços de Inspeção Tributária). (…) Caso os serviços de Inspeção Tributária tivessem utilizado uma média ponderada das margens de comercialização dos artigos alienados durante o período de 2004 (em função do custo de aquisição de cada artigo) ao invés de uma média simples das percentagens relativas à margem de comercialização obtida por referencia a cada um dos artigos, a margem seria similar àquela que resulta das Demonstrações Financeiras.(…) a margem calculada pelos Serviços da Inspeção Tributária de 85,66% encontra-se incorretamente apurada face aos objetivos pretendidos por aqueles serviços com aquela análise, uma vez que não traduz os princípios de estatística e de análise financeira e contabilística no apuramento de uma margem anual, razão pela qual não poderá a citada margem ser fator determinante na falta de credibilidade e fiabilidade das Demonstrações Financeiras da impugnante e/ou justificativo do recurso à aplicação de métodos indiretos.” Face ao exposto, conclui que “não se encontravam verificados os pressupostos legais para a realização da avaliação indireta previstos na al. b) do art.º 87° e na al. a) do art.º 88° da LGT, na determinação do lucro tributável por métodos indiretos nos termos do art.º 52° do CIRC (…) em consonância com as conclusões do colégio de perito, que as irregularidades praticadas pela impugnante na execução da sua contabilidade, não impossibilitam a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável de IRC, do exercício de 2004.” Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada. Para o efeito, há, desde logo, que atentar no respetivo regime normativo, e aquilatar em que situações é legítimo lançar mão dos métodos indiretos de fixação da matéria tributável, e estabelecer depois a competente transposição para o caso sub judice. Atentemos, então, no quadro normativo, tecendo os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente. O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos. “É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS” (6-Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt.) Neste particular, importa, desde logo, ter presente o consignado no artigo 81.º da LGT, o qual preceitua que: “1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”. Preceituando, por seu turno, o normativo 83.º da LGT, sobre os fins da avaliação direta e bem assim indireta, no sentido que: “1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação. 2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”. Daí que, a determinação da avaliação direta, tenha como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, os quais se presumem verdadeiros. Preceituando, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados. Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos. Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta. O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta. No tocante à concreta enumeração, como visto, taxativa, há que chamar à colação o plasmado nos normativos 87.º e 88.º da LGT. Preceituando, para o efeito, o citado artigo 87.º, n.º 1, da LGT: “1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de: a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei; b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei. d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A; e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco. f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.” Esclarecendo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, no atinente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que: “A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”. Importando, ainda, ter presente que no domínio da errónea quantificação compete ao sujeito passivo provar -após demonstração por parte da AT que se mostram adequadamente fundamentados os pressupostos e critérios adotados para o recurso à avaliação indireta- que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade. Como doutrinado, no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0537/11, datado de 21 de setembro de 2011: “I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à AF o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.°, n.° 3 da LGT). II - Não logrando o contribuinte provar a existência de tal excesso, nem se afigurando evidente para o Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo, é de manter o “quantum” tributável fixado pela AF, desde que devidamente fundamentado.” Aqui chegados, e uma vez que, como já densificado anteriormente, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, importa, então, atentar no preenchimento do respetivo ónus probatório, aquilatando, para o efeito, se bem decidiu a sentença quando julgou que a AT não estava legitimada a proceder à determinação da matéria coletável por via presuntiva. Vejamos, então. Neste concreto particular, cumpre evidenciar que não assiste razão à Recorrente quando sufraga que não foram ponderados todos os pressupostos que legitimaram a determinação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos, na medida em que o Tribunal a quo elencou os mesmos apartando-os, explicitando, inclusive, as razões que subjazem a uma falta de ponderação dos prejuízos fiscais. E sem que tal traduza qualquer erro de julgamento. Senão vejamos. No caso vertente, conforme resulta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária a fundamentação legal para o recurso à avaliação indireta assenta no disposto nos artigos 52.º do CIRC, 87.º, nº1, alínea b), 88.º, alínea a), e 90.º todos da LGT, logo nenhuma censura merece o aduzido na decisão recorrida, neste concreto particular. No mesmo sentido, se conclui no atinente aos motivos respeitantes à concreta concessão de empréstimos à empresa dominante. Com efeito, de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária, resulta que, não obstante a ocorrência de prejuízos fiscais tenha sido, efetivamente, um dos motivos que desencadeou a ação de Inspeção Tributária, a verdade é que tal realidade de facto não é convocada enquanto fundamento legitimador da determinação da matéria coletável pela via indireta. Neste âmbito, veja-se que do teor do próprio Relatório de Inspeção Tributária resulta a expressa menção de que a “falta de credibilidade da contabilidade implica a realização da avaliação indirecta do lucro tributável, nos termos dos artigos 52, n° 1 do CIRC, 84, n°1 do CIVA e artigos 87 al b), 88 al a) e 90 da LGT, dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável”. Note-se, ainda neste concreto particular que, são asserções, naturalmente, distintas, donde com fundamentos, igualmente, díspares os motivos que determinam a realização de uma ação inspetiva e os concretos fundamentos atinentes ao efeito, sendo que, in casu, e como evidenciado e bem na decisão recorrida, a legitimação para a avaliação indireta redunda na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto, resultante da “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”. Aliás, como aduzido na decisão recorrida e evidenciado, outrossim, pela Recorrida existe específica previsão legal atinente ao efeito, a saber o artigo 87.º, nº1, alínea e), realidade, de todo, convocada pela AT, no seu Relatório e que sempre carecia, ademais, da concreta impossibilidade de apuramento pela via direta. De relevar, in fine, que não pode lograr provimento o aduzido em Y) e Z), na medida em que, naturalmente, o julgador tem de ater-se à fundamentação contemporânea do ato, não estando, de todo, legitimada qualquer pronúncia substitutiva e não se aquilatando, de resto, qualquer violação do princípio da colaboração. Logo, não pode ser apontado nenhum erro de julgamento à decisão recorrida que assim ajuizou. Prosseguindo, então, com as realidades de facto que fundaram a avaliação indireta. O aludido Relatório de Inspeção Tributária enumera como circunstâncias fáticas impeditivas de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis ao correto apuramento e quantum direto e exato, as que infra se descrevem: · Existências iniciais declaradas em 01/03/04, no valor de €934.295,85 incorretamente calculadas porque em relação a algumas referências são apresentadas quantidades negativas. · Mediante teste entre as quantidades declaradas em existências iniciais em 01/03/04, as devoluções de compras datadas de 31/03/04, existem incoerências que se traduzem na devolução aos fornecedores de quantidades de mercadorias superiores às declaradas no inventário inicial, ou que, não existiam em existências iniciais. · Contabilização na conta 317 - devoluções de compras, mercadorias no valor de €607.570,34. Declarou que devolveu mercadorias neste valor aos seus fornecedores M… e E..., com sede em Espanha, no entanto não apresentou os documentos de transportes idóneos, concretamente CMR. Nos termos da conjugação dos artigos 35.º n°6 e 80.º do CIVA, devem presumir-se transmitidas as mercadorias que foram objecto de contabilização na conta 317, por não terem sido apresentados os documentos de transporte justificativos da saída de mercadorias do tentório nacional. · Mediante análise, por amostragem, constatou-se que o SP declarou vendas de mercadorias no mês de março de 2004, as quais não constavam do inventário inicial, afetando, assim, o resultado do exercício. · O SP contabilizou devoluções de vendas sem mencionar os averbamentos indispensáveis à identificação dos tickets que os substituíram, em desobediência ao disposto no artigo 45.º, n°2, do CIVA. · Nas operações designadas de bonificações anulou vendas com o fundamento de que as mesmas se destinavam a proceder ao abate das mercadorias que se encontravam deterioradas, sem, contudo, ter apresentado documentos credíveis respeitantes aos abates por forma a elidir a presunção prevista no artigo 80.º do CIVA. · De uma amostra de 35 referências de mercadorias, não foi explicado o significado das regularizações negativas e positivas de existências efetuadas em agosto de 2004 e no final de fevereiro/05, como também não apresentou qualquer documento que pudesse justificar as faltas e sobras de mercadorias. · Na análise às vendas, por amostragem foram detetados alguns pagamentos por cartões de pagamento que não correspondiam a vendas contabilizadas, dado que não foram encontrados os respetivos tickets. · A margem média sobre o custo das vendas implícita na declaração anual de 2004, de 51%, diverge da margem apresentada pelo SP, como também diverge da conclusão do estudo realizado, amplo e representativo, sobre as margens efetivas praticadas pelo SP na comercialização das mercadorias, cuja margem média anual ponderada, respeitante a mercadorias vendidas com e sem desconto, foi de 85.66%. Ora, tendo presente o elenco supra, não se vislumbra que o Tribunal a quo, tenha incorrido no aludido erro de julgamento, e isto porque existem, desde logo, erros na concreta interpretação, âmbito e abrangência da atividade desenvolvida, os quais foram, devidamente, apartados pela Recorrida, com junção de prova documental idónea e devidamente corporizada no probatório, e que permite justificar as aduzidas irregularidades. Por outro lado, há que ter presente que o elenco supratranscrito se pauta por uma descrição da situação de facto, sem a atinente e necessária demonstração dos pressupostos que legitimam tal avaliação indireta, ou seja, evidencia a irregularidade, mas não demonstra, como legalmente se impõe, a impossibilidade de recurso à avaliação direta. Com efeito, a AT enuncia irregularidades na contabilidade, as quais denunciam, em seu entender, omissão de proveitos, mas não concretiza porque motivo tais irregularidades inviabilizam a realização de correções meramente aritméticas, sendo certo que do concreto cálculo e modus faciendi se infere, justamente, o oposto, ou seja, de que era viável -sendo caso disso- mediante análise dos respetivos elementos contabilísticos estabelecer um apuramento direto da matéria coletável. Note-se que, só a impossibilidade, e não a falta de adequação ou dificuldade no tratamento de dados e elementos obtidos e carreados, pode legitimar o recurso à avaliação indireta. De relevar, neste particular, que a própria argumentação da Recorrente permite sustentar um erro de raciocínio base, na medida em que não aponta para uma impossibilidade, mas sim uma dificuldade e morosidade, porquanto aduz, de forma expressa, que quando as deficiências “não impossibilitam o apuramento de forma direta, tornam inviável esse apuramento dentro dos parâmetros e prazos processuais que é dada à AT em termos de procedimento inspetivo.” Ou seja, é a própria AT que reconhece que, eventualmente, era possível o apuramento pela via direta, mas inviável pela onerosidade e morosidade. Acresce que, conforme resulta do probatório e conforme daremos a devida nota, existe um conjunto de documentação que foi descurada, mormente, no domínio dos documentos de transporte, as concretas políticas empresariais e as diretrizes e meandros de atuação, que permitem identificar realidades de facto, mormente, devoluções efetivas, abates, contabilização em duplicado de guias de devolução e que permitiam -sendo caso disso e no limite- a realização de correções aritméticas, por omissão de proveitos. Mas, atentemos, então, nos fundamentos invocados pela AT e explicitemos porque motivo ajuizamos que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é apontado. Como visto supra, e sintetizando os fundamentos para a determinação da matéria coletável pela via indireta, os mesmos estão coadunados com: · Irregularidades na contabilização das existências, incoerências entre as existências iniciais e finais, incorreta regularização positiva e negativa de mercadorias; Atentemos, ab initio, na questão das devoluções, e no facto de, alegadamente, no exercício de 2004, inexistirem os comprovativos que atestam a saída dos bens para fora do território nacional, concretamente, Espanha, porquanto não foram apresentadas as competentes Declarações de Expedição Internacional-CMR. De referir, desde já, que não se afigura qualquer erro de julgamento neste particular, porquanto as premissas em que assentam são, por um lado, meramente formais, e por outro lado, não têm o alcance que lhe pretende conferir a Recorrente, seja porque foram apresentados meios complementares idóneos e devidamente plasmados no probatório, seja porque é possível fazer uma convergência e congregação de elementos neste e para este efeito. Senão vejamos. Conforme resulta da factualidade assente, estando especificamente patenteado no Relatório de Inspeção Tributária, foram emitidas diversas Notas de Crédito, por parte da M…, denominadas de “Abonos”, em benefício da Impugnante, ora Recorrida, que ascendem ao valor global de €607.570,34, as quais foram registadas, contabilisticamente, a crédito na conta POC 31721000, em contrapartida do lançamento a débito na conta POC 22121001 - Grupo Espanha c/c. Mais resulta, outrossim, do extrato da conta POC 31721-Devolução de Compras Grupo Espana, que existe convergência do valor a crédito agregado de €607.570,34, e integral conformidade com a Declaração emitida pela C..., S.A., que atesta, justamente, que no exercício em contenda recebeu mercadorias devolvidas no montante de €607.570,34. Por outro lado, e no específico particular da inexistência de prova idónea em termos demonstração da saída dos bens, existe um manancial de prova documental que foi totalmente descurado pela AT, e que permite atestar, efetivamente, a prova sindicada. Com efeito, existe neste concreto particular, o seguinte suporte documental, devidamente plasmado no probatório: - Cópia das faturas emitidas pela E... Confeccion, S.A. respeitantes ao redébito dos custos de transportes suportados com fluxos de mercadorias entre as três lojas da Impugnante localizadas em território português e os armazéns centrais do Grupo C... em Espanha; Ora, do acervo documental supra elencado resulta que, existem meios documentais alternativos às Declarações de Expedição Internacional-CMR e que, permitem, desde logo, atestar que a Recorrida suportou os custos de transporte debitados pelas sociedades T… S.L e Transportes L…, precisamente relativamente ao transporte de mercadorias devolvidas em 2004 entre Portugal e o armazém da E... em Espanha. De salientar, ainda neste âmbito, que não procede, igualmente, a argumentação da Recorrente no sentido de que a prova da expedição/saída dos bens para território comunitário, tenha de ser materializada, exclusivamente, por declaração de expedição internacional-CMR. Aliás, conforme aduzido, e bem, na decisão recorrida, para efeitos de demonstração da saída dos bens para território da Comunidade, e no concreto domínio das aquisições intracomunitárias é admissível que a prova possa por realizada por quaisquer outros meios que não a convocada declaração de expedição internacional-CMR. Logo, numa interpretação ad maiori ad minus, ter-se-á de propugnar pela validade, idoneidade e suficiência da prova documental carreada aos autos que supre, in casu, a falta da aludida declaração de expedição internacional-CMR (7-O TJUE tem-se mostrado sensível a esta dificuldade de prova do circuito dos bens, salientando-se no domínio da isenção aplicável às entregas intracomunitárias de bens, transponível mutatis mutandis, designadamente, os seguintes: Acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, C-587/10; - Acórdão de 6 de Setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11; - Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Euro Tyre, C-430/09; - Acórdão de 7 de Dezembro de 2010, R, C-285/09; - Acórdão de 18 de Novembro de 2010, X, C- 084/09; Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Teleos e outros, C-0409/04; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Collée, C-146/05; - Acórdão de 27 de Setembro de 2007,Twoh International, C-184/05; - Acórdão de 6 de Abril de 2006, EMAG Handel Eder, C-245/04; e - Despacho de 3 de Março de 2004, Transport Service, C-395/02). Com efeito, como aduzido no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 773/08, de 27 de outubro de 2022 “[o] contribuinte não tem qualquer obrigação legal de provar a expedição ou transporte para outro EM especificamente através dos meios de prova documentais fixados pela AT, em Ofício Circulado, podendo a mesma ser efetuada por recurso a qualquer meio de prova, que permita atestar a expedição dos bens do território nacional para outro EM, sem tornar a prova demasiado onerosa, desproporcional, e desvirtuando a substância em detrimento da forma (8-No mesmo sentido, vide, designadamente, Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00927/15, 13.12.2018..)” Ainda neste concreto particular, e estabelecendo uma análise dos Abonos emitidos pela M… em favor da Impugnante, mediante concreta reconciliação das guias de devolução emitidas por parte das lojas com as datas em que se realizaram os transportes para Espanha, e dos aduzidos documentos de transporte e faturas do débito dos serviços de transporte, é possível inferir no sentido da validação dos elementos escriturados. Aliás, neste conspecto, o Relatório Pericial assim o sancionou. Dele se extratando, designadamente, e no que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “Com base nos elementos disponibilizados, designadamente em função da informação relativa às guias de devolução, este Colégio pôde identificar os dias em que foram efetuados os serviços de transporte e, consequentemente, associar a tais guias de devolução os documentos de transporte devidamente assinados pelo transportador e pelos colaboradores do Grupo C... que procederam às conferências das movimentações físicas em causa. (…) Concluindo, assim, que a amostra “para os doze Abonos supra referidos, identificar as datas em que ocorreram os transportes de mercadoria, validar a existência dos documentos que acompanharam a viagem inicial com origem em Espanha e terminas em Portugal, bem como a viagem de regresso a Espanha e ainda identificar as faturas relativas aos débitos suportados pela Impugnante com os custos de transporte da devolução dos artigos em questão.” Donde, não se pode inferir, como fez a AT, que a devolução de compras corresponda a uma diminuição de vendas efetivas, o que aparta, portanto, o conclusivamente aduzido em K). Sendo, igualmente, de sublinhar que não logra provimento a verificação da presunção de venda, mormente, quanto ao artigo 80.º do CIVA, desde logo, porque nos encontramos no domínio do IRC, e por outro lado, por essa presunção não ter qualquer conexão com os métodos indiretos, e consequentemente, não os legitimando. Ademais, essa presunção legal não aproveita à AT se assente unicamente na verificação e confronto dos valores inscritos nos registos contabilísticos e extra- contabilísticos do contribuinte, ou seja, apenas sobre factos registados na contabilidade (9-Vide, neste sentido, designadamente Arestos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 604/06, e 428/13, datados, respetivamente, de 25.02.201 e 27.09.2018.). Face ao supra expendido, cumpre concluir que existem meios de prova alternativos e idóneos que permitem inferir que os artigos devolvidos pela Recorrida saíram do território nacional para Espanha, originando, nessa conformidade, a emissão das correspondentes notas de crédito (Abonos) e posterior regularização destas últimas em termos de conta-corrente entre a Recorrida e a M…, apartando-se, assim, os aludidos fundamentos para efeitos de legitimação da avaliação indireta. Prosseguindo com a análise. Atentemos, ora, nas irregularidades respeitantes ao fluxo de existências, atenta uma alegada incoerência entre as existências iniciais e as existências finais e as devoluções contabilizadas. A AT, como visto, entende que, injustificadamente, foram devolvidas mais existências do que aquelas que foram declaradas no inventário inicial relativo ao período de tributação de 2004, mas a verdade é que essas, alegadas, incoerências encontram-se justificadas-conforme aduzido e não contestado, eficazmente, nas presentes alegações de recurso-não tendo a AT computado, em ordem às concretas especificidades da atividade da Recorrida, a relação entre as existências iniciais, as compras e as notas de crédito (Abonos) emitidas. De relevar, outrossim, que o próprio procedimento empresarial vertido no probatório justifica essas, alegadas, incoerências, mormente, no domínio da emissão de guias de devolução em duplicado, sem que a AT mediante essa concreta prova documental a tenha indagado e apartado em conformidade. A enfatizar e a validar o supra exposto, está, desde logo, o facto de só a loja 0560 (Matosinhos) deter em stock no final do período de tributação de 2003 mais de 7.000 artigos. Sendo que, os artigos devolvidos cujas quantidades se revelaram superiores aos valores em stock se quedaram pelas 70 unidades, das quais foi possível confirmar a regularização dos saldos no referido mês de agosto em cerca de 40 unidades. De sublinhar, neste conspecto, que foram realizados testes de conformidade, melhor descritos em 73), tendo sido aquiescido que no caso da referência 9426450, da loja 0560 (Matosinhos)-referência que foi, igualmente, objeto de convocação por parte da AT no RIT- mediante confronto com a emissão em duplicado de guias de devolução, documentação relativa ao transporte, e respetivos lançamentos e regularizações contabilísticas, que se encontram justificados os valores negativos das existências. Externando-se, assim, que as existências com quantidades devolvidas superiores às de stock resulta de duplicações em termos de emissão de notas de devolução, posteriormente regularizadas. Neste âmbito, ressalve-se, adicionalmente, que esse mesmo teste de conformidade, permitiu concluir que “as quantidades evidenciadas nas referidas 7 guias de devolução correspondem precisamente àquelas que foram mencionadas no Quadro 2 da página 9 do Relatório de Inspeção Tributária como sendo as devoluções efetuadas em excesso (i.edevoluções de quantidades que não existiam à data em stock), o que justifica existências de inventários com valores negativos, uma vez que corresponderam a lapsos de guias de devolução emitidas em duplicado.” Destarte, mais uma vez, a AT realizou uma análise redutora e mediante assunção de valores negativos, concluiu, sem mais, e sem ponderar as razões apresentadas pela Recorrida, e documentação carreada -desde logo, em sede de projeto de relatório que foi, totalmente, desvalorizada- que a contabilidade padecia de irregularidades e que no caso as mesmas denunciavam omissão de proveitos. Sendo ainda de evidenciar que, no concreto particular das irregularidades concatenadas com a referência às guias de transferência de mercadorias, as mesmas estão coadunadas com requisitos formais e sem qualquer materialidade, sendo que no domínio dos talões de venda, e ainda que o meio de pagamento utilizado possa não coincidir em todas as situações com o meio de pagamento indicado no talão de venda, tal asserção, per se não pode traduzir qualquer realidade de facto que permita legitimar os métodos indiretos e mais ainda a insusceptibilidade de materialização de correções técnicas. Acresce que, para além da amostra ter sido manifestamente redutora, há, outrossim, que ter presente o expendido em 40) do probatório. No concernente a alegados erros ou omissões em tickets de venda, e mais uma vez mediante uma convocação de uma amostra manifestamente redutora, generaliza, sem mais, esse erro daí retirando uma deturpação de vendas. Ora, não só tais elementos são manifestamente insuficientes e insuscetíveis de justificar os métodos indiretos, como não se podem descurar as realidades constantes em 47) a 49) do acervo fático dos autos. Ainda neste âmbito, e no âmbito das irregularidades relativas a devoluções de vendas e à anulação de tickets, o probatório permite justificar a falta de coincidência entre os valores dos talões de venda e os movimentos efetuados com os cartões bancários, com especial enfoque os aduzidos em 42) e 44), sendo certo que, em concreto, nada foi apartado, neste específico particular, pela Recorrente nas suas alegações de recurso. Logo, mais uma vez, essas divergências não só são justificadas e apartadas, como seriam, per se, insuficientes para justificar o recurso à avaliação indireta. É certo que, é, igualmente, invocado que as devoluções estão diretamente a afetar negativamente a conta de Vendas, porquanto não estão refletidas numa subconta autónoma (#719), mas a verdade é que essa afirmação, conforme deu nota a decisão, não logra provimento, na medida em que inexiste uma vinculação legal das regras contabilísticas nesse âmbito. De resto, o que era curial era que se atestasse que inexistiam quaisquer mecanismos auxiliares que permitissem segregar as vendas brutas e o valor das devoluções, realidade que não foi, minimamente, ensaiada pela AT e quando o probatório evidencia um procedimento, perfeitamente, estruturado, delineado e que não foi, minimamente, aquilatado e ponderado pela AT. Não logrando, outrossim, o mérito e o alcance que pretende a Recorrente quanto ao facto dos tickets de devolução não identificarem o documento que deu origem à venda, quando existe, mais uma vez, um manancial de documentação que permite identificar as operações de front office com o cliente, a qual foi, totalmente, descurada, não se percebendo, tão-pouco, porque razão existindo informações segregadas sobre vendas e devoluções, tais, eventuais, irregularidades, não poderiam originar uma mera correção aritmética. Atentemos, ora, na questão dos abates, e cuja irregularidade se coaduna com o facto de, alegadamente, inexistirem documentos de suporte atinentes ao efeito. Comecemos por ter presente o registo contabilístico. A Recorrida regista uma venda por um valor zero, mediante o reconhecimento do valor da venda na rubrica 711 e correspondente desconto integral na rubrica 718, sendo depois o custo dos artigos abatidos apurado conjuntamente com as demais existências. Em termos de procedimento interno, por regra, os abates são realizados mediante a emissão de um ticket similar ao de vendas, mas em que a soma dos valores dos artigos é integralmente compensada por um valor negativo de bonificação. Ora, do supra expendido resulta que, inversamente ao aduzido pela AT, a conta de vendas não é influenciada, sendo que o gasto com o abate é reconhecido na conta POC 61 relativa ao custo das mercadorias vendidas e consumidas-aliás, realidade, mais uma vez, atestada no Relatório Pericial. É certo que se reconhece, efetivamente, que nem todos os tickets emitidos por cada abate, têm aposta a assinatura de dois colaboradores, mas tal realidade, per se, em nada poderá traduzir uma irregularidade suscetível de legitimar a determinação da matéria coletável pela avaliação indireta. Por outro lado, face à densidade documental supra expendida, e aos registos contabilísticos supra descritos, não pode, sem mais, granjear o efeito pretendido pela Recorrente a inexistência de autos de abates, quando, ademais, não é tão-pouco invocado qualquer fundamento legal atinente ao efeito. Acresce que, do teor do Relatório de Inspeção Tributária não se encontra, minimamente, patenteada, tal asserção fática em termos de concreto peso dos aludidos abates no contexto global dos bens adquiridos e/ou alienados, o que se afigura fundamental para efeitos de expressividade, donde, legitimação das correções em contenda. De todo o modo, e sem embargo do exposto, volta-se a frisar não ficaria, outrossim, demonstrada a realidade fundamental para o efeito, ou seja, que tais realidades de facto inviabilizavam a realização de correções mediante apuramento da via direta. Uma última nota, para sublinhar que o supra expendido anteriormente quanto à presunção das vendas ao abrigo do artigo 80.º do CIVA, é inteiramente transponível para esta situação específica dos abates, em nada podendo, outrossim, lograr mérito o expendido quanto ao artigo 45.º, nº2, do CIVA. Destarte, há, efetivamente, que concluir que os abates não só se encontram, como visto, justificados no contexto da atividade, devidamente registados na contabilidade, mas, também, idoneamente suportados em termos documentais, arrendando-se, assim, mais uma vez uma das premissas em que se fundou e legitimou a avaliação indireta. No concreto particular das faltas e sobras de mercadorias, há, mais uma vez, que convocar todas as especificidades inerentes à atividade, e que foram descuradas pela AT. Neste conspecto, chama-se à colação o laudo do Perito Independente o qual é particularmente elucidativo e com o qual concordamos, extratando-se, designadamente, o seguinte: “torna-se relevantíssimo enquadrar estas falhas de controlo interno, no contexto da indústria, (Comércio a retalho-Confecções), em que a empresa em apreço opera. Não se trata efectivamente de um stand de automóveis, em que a falta ou sobra de um (1) item no stock se tornaria ridículo e prova do mais profundo descontrolo. Trata-se objectivamente de um “negócio” onde são movimentados milhares de itens diariamente, por dezenas/centenas de pessoas diferentes, muitos desses itens passivos de serem escondidos em espaços reduzidos (…) e consequentemente sujeitas a furto ou roubo com mais frequência do que seria desejável, (por clientes e também por empregados). Adicionalmente, o processo de manipulação frequente, danifica as etiquetas identificativas, gerando mais uma perturbação nos processos e procedimentos de controlo interno. (…) concluindo, assim, que daí podem, naturalmente, advir “diferenças de inventários”. Logo, face ao exposto e atendendo, ademais, ao valor pouco expressivo no concreto âmbito da atividade, quaisquer asserções da AT tinham de ser encontrar cabalmente demonstradas no sentido de total falta de fiabilidade da contabilidade, e da concreta impossibilidade de demonstração da avaliação direta, o que, não sucedeu, de todo, no caso vertente. Não bastando, naturalmente, alegar, de forma conclusiva e sem qualquer substanciação atinente ao efeito, mormente, como corporiza em CCC). Subsiste, ora, por analisar a questão atinente ao erro no apuramento da margem, relevando, desde já, que não só não se encontra, devidamente, demonstrado o alegado erro de julgamento quanto ao desfasamento injustificado com a margem apurada nos exercícios seguintes, limitando-se a Recorrente a meros juízos conclusivos, como há que evidenciar que os mesmos assentam em erróneas valorações das premissas a montante, descurando, designadamente, que os artigos não têm em termos líquidos o mesmo custo de aquisição em valor absoluto. Senão vejamos. Com efeito, compulsado o Relatório de Inspeção Tributária verifica-se que a AT corporizou uma média aritmética simples, a qual quando, devidamente, transportada para a realidade dos autos, permite atestar um deficit de ponderação de elementos base, com reflexo, naturalmente, no resultado obtido a final. Pese embora a AT alegue que, não é possível alcançar o motivo da margem bruta sobre o custo das vendas ter subido 31% de 2004 para 2005, a mesma encontra-se plasmada em termos de probatório, mormente, nos pontos 6), 38) e 39). Por outro lado, não se alcança, ademais, a relevância de tal aumento, na medida em que o exercício em contenda é o de 2004. Ademais, foram realizados apuramentos alternativos, por parte dos peritos por forma a demonstrar o erro base quanto ao método de apuramento da AT, e os resultados foram bastante expressivos, conforme se infere do expendido em 82) do probatório. De ressalvar, neste concreto particular, que os Peritos com o objetivo de testar em que medida a média aritmética simples das percentagens da margem de comercialização poderia representar um método apropriado para estimar a margem bruta das vendas, trabalhou num exemplo teórico dele se extrapolando que a média aritmética simples das percentagens da margem se cifraria em 250,00%, enquanto a margem aritmética ponderada de comercialização em percentagem ascenderia a 111,54%. Sendo que, num outro exemplo se constatou uma média aritmética simples da margem de comercialização de 103,22%, por contraponto a uma média ponderada da margem de comercialização de 54,52%. Daí se inferindo, portanto, que “[s]em ter em linha de conta o custo de aquisição de cada artigo, é de todo inapropriado extrapolar que o ganho global nas vendas se possa fazer a partir média aritmética simples das percentagens da margem de comercialização. Apenas com base numa média ponderada em função do custo de aquisição é possível obter uma percentagem de margem de comercialização consentânea com a realidade objetiva, suscetível de poder ser comparada com a margem bruta que resulta das demonstrações financeiras de uma empresa.” Sendo, outrossim, de adensar a conclusão constante no aludido Relatório Pericial, a qual se transcreve: “a média simples das percentagens relativas à margem de comercialização obtida por referência a cada um dos artigos (i.e., 85,66%) apurada pelos Serviços de Inspeção Tributária, apesar de corresponder a uma informação estatística válida, apenas poderia corresponder a um indício da margem de comercialização da empresa caso todos os artigos tivessem, em termos líquidos, o mesmo custo de aquisição em valor absoluto. Ora, no caso em apreço, existe uma grande dispersão dos valores correspondentes ao custo de aquisição de cada artigo (variando desde poucos Euros até várias centenas de Euros). Deste modo, entende este Colégio que apenas a utilização de uma média das margens de comercialização ponderada pelo respetivo custo de aquisição de cada artigo alienado pode traduzir de modo fiável a margem bruta das vendas apurada em termos efetivos pela Impugnante.” Ora, face a todo o supra expendido, claudica, mais uma vez, um dos fundamentos para legitimar a avaliação indireta, sendo de ressalvar, neste específico particular, que adotando-se médias aritméticas ponderadas, a margem bruta do custo das vendas é similar à margem bruta constante nas Demonstrações Financeiras da Impugnante para o exercício de 2004, ou seja, 55,87% versus 51%. De relevar, in fine, que não assiste, de todo, razão ao expendido pela Recorrente em GGG), na medida em que a desconformidade da margem, foi equacionada e ponderada pela AT, enquanto fundamento para a avaliação indireta. Por outro lado, é preciso ainda ressalvar e reiterar que o Tribunal a quo não poderia, de todo, alterar as margens em ordem ao apuramento dos Peritos. Note-se que o Relatório Pericial não visa, nem pode visar, a substituição da fundamentação das correções da AT, e apurar novas determinações da matéria coletável, mas sim- e ainda que sempre norteado com o princípio da livre apreciação da prova-validar ou não face aos elementos apurados os pressupostos e as metodologias adotadas pela AT. Ora, tendo presente as asserções fáticas que determinaram o recurso à avaliação indireta, supra expendidas, entende-se que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida quando ajuizou que não estavam reunidos os pressupostos para a tributação presuntiva, na medida em que as mesmas não se afiguram, efetivamente, impeditivas de comprovar e quantificar, de forma direta e exata, a matéria tributável do imposto. Com efeito, os aludidos indícios, para além, de padecerem de erros, incorreções, e realidades de facto não, devidamente, ponderadas e curiais face às especificidades da atividade exercida pela Recorrida, não são, de todo, suficientes, não permitindo cessar a presunção da sua veracidade, donde, inviabilizar o apuramento pela via direta. Ainda neste âmbito e concreto particular, e a adensar todo o supra expendido há que relevar e reiterar que a própria forma de apuramento da matéria coletável, permite estribar e fundar a falta de legitimidade de recurso aos métodos indiretos, na medida em que o acervo de elementos contabilísticos que dispunha e os facultados em sede de audição facultavam esse apuramento. Aliás, esse também foi o sentido em que apontou o Relatório Pericial. Com efeito, do Relatório de Inspeção Tributária resulta que o quantum se fundou num cruzamento de elementos documentais, existindo, ademais e como visto, um acervo documental apresentado em sede de audição prévia e totalmente descurado, que permitiam, in limite e sendo caso disso, corporizar, arimeticamente, tais correções, em nada podendo relevar, como já evidenciado anteriormente e ora se reitera, a morosidade e a dificuldade de concretização. Destarte, a sentença que decidiu no sentido da ilegalidade do ato de liquidação não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se na esfera jurídica. *** Uma última nota quanto à dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. No caso sub judice, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, e ainda que o processo se revista de densidade, quer, no domínio, da impugnação da matéria de facto, quer na concreta apreciação dos pressupostos de direito, entende-se adequado e proporcional face ao concreto valor do processo [€286.348,71] a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida. Lisboa, 26 de setembro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Jorge Cortês) (Cristina Coelho da Silva) |