Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:614/06.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:IVA – ARTIGOS 82º E 84º
LGT- ARTIGOS 75º. 87º, 88º E 91º
CIRC – ARTIGO 52º
CPT- ARTIGOS 78º, 81º, 84º A 88º
AVALIAÇÃO INDIRETA
PRESUNÇÃO DE VERDADE DAS DECLARAÇÕES DO CONTRIBUINTE
IMPOSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO DIRETA
Sumário:I– Na avaliação indireta da matéria tributável, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a essa avaliação se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas diretamente constatáveis, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação, mercê do carater excecional daquela face a esta.
II– Por imposição constitucional (cf. art.º 268.º, da CRP), no relatório inspetivo, deve a AT proceder à externação, de modo claro e acessível, de toda a factualidade em que repousa a impossibilidade de comprovação e quantificação da avaliação direta da matéria coletável, isto é, com base nos elementos da contabilidade e escrita do contribuinte.
III– O procedimento de revisão da matéria coletável, previsto no artigo 84º nº 3 do CPT (atualmente no artigo 91° da LGT e 117º do CPPT) era já condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretendia discutir a quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, mas não já para suprir faltas de fundamentação quanto aos fundamentos utilizados para aplicar essa metodologia indireta de avaliação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública (ora recorrente) veio interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela T…………, LDA (ora recorrida), melhor identificada nos autos, porquanto:
1.A impugnante, tendo sido notificada da liquidação adicional de IVA do ano de 1997, no valor de € 1.353,90, e da liquidação de juros compensatórios, no valor de € 659,86, perfazendo um total de € 2.013,76, deduziu impugnação judicial, pugnando pela i) caducidade do direito à liquidação; ii) a prescrição da dívida tributária referente ao IVA/1997; iii) e que não estavam verificados os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos.
2.O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 30-01-2017, entendeu que a Autoridade Tributária (doravante AT) não demonstrou a impossibilidade de proceder à avaliação direta, não estando legitimada a recorrer à avaliação indireta da matéria tributável em sede de IVA.
3. A AT não se conformou com a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que entendeu que não podia ter utilizado métodos indiretos para apuramento da matéria coletável em sede de IVA, determinando a anulação das liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros compensatórios relativos a 1997, emitidas em nome da impugnante, ora recorrida.

*
A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
«Na douta sentença nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade T………., LDA — NIF ……., com fundamentos que, com o respeito pela opinião contrária, não concordamos e daí a apresentação do presente recurso, com as conclusões seguintes:
A. Em primeiro lugar porque ao concluir que “(...) não tendo ficado demonstrado, sem margem para dúvidas que o sujeito praticou inexactidões e omitiu valores na contabilidade, não é possível partir-se para a avaliação indirecta em sede de IVA” (fls. 20 da sentença), porque a AT não terá concretizado “(...) a prova necessária de que a contabilidade da impugnante apresentava omissões e não reflectia a exacta situação patrímonial’ (1° parágrafo, fls. 16 da sentença)
B. Na nossa opinião, não foram devidamente sopesados os fundamentos materiais apresentados pela IT no seu Relatório Final, que, em síntese, foram os seguintes: tendo em conta que a sociedade gere dois táxis, concluiu-se que no seus registos contabilísticos constavam valores anormalmente baixos de proveitos, baixo número mas valores relativamente muito altos das prestações de serviços, divergências insolúveis entre o consumo de combustível dos veículos e quilometragem percorrida e emissão de facturas sem respeito pelas formalidades legais.
C. Toda esta situação se encontra fundamentada de uma forma exaustiva, que até mereceu reprodução na sentença, embora mais tarde apenas se tenha dado relevo apenas ao baixo valor do volume de negócios da sociedade, ficando na sombra as restantes situações apuradas {cfr. fls. 17 e 18 da sentença)
D. Sabemos que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, cabendo à AT a demonstração da verificação dos pressupostos que a legitimem.
E. A AT concretizou essa demonstração, nos termos materiais já desenvolvidos e que se enquadram na previsão dos artigos 87.° e 88.° da L.G.T., onde, entre outras, se prevê a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto" (n.° 1, alínea b) do artigo 87.°).
F. Nestas circunstâncias, parece-nos que, o recurso aos métodos indirectos para apuramento da matéria colectável se justificou plenamente, uma vez que dada como demonstrada a evidente impossibilidade de aceitar os registos contabilístico apresentados pelo sujeito passivo, cujo grau de probabilidade de corresponder à realidade era nulo, impossibilitando completamente o apuramento directo da matéria colectável aqui em causa.
G. Pelo que, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a qualificação feita pelo Tribunal a quo, que considerou tratar-se apenas de meras inexactidões e omissões residuais como consta da sentença (último parágrafo, fls. 16 da sentença).
H. Por outro lado, parece-nos que o sujeito passivo compreendeu completamente a posição da IT, tanto que interpôs um pedido de revisão oficiosa para nova análise da situação.
I. Como muito recentemente a jurisprudência veio dizer que “A necessidade legal de esgotamento dos meios impugnatórios administrativos prévios (=pedido de revisão da matéria colectável, artigos 91.° e 92° da LGT), pela interacção entre os perito nomeados pelas partes e, eventualmente, em conjunto com o perito independente, permite a objectivação dos elementos relativos ao juízo de preenchimento dos pressupostos da avaliação indirecta e a objectivação dos elementos relativos à quantificação da matéria colectável, pelo que, nesta medida, constitui condição da efectiva aferição jurisdicional do acerto da decisão administrativa de tributação por métodos indirectos.1' (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n.°08869/15 de 09-03-2017).
J. Ou seja, salvo melhor opinião, a participação activa de alguém especialmente habilitado para compreender, discutir e pronunciar-se, de forma negativa ou positiva, mas sempre esclarecida, sobre a situação aqui em causa como o perito nomeado pelo sujeito passivo, implica obrigatoriamente a dissipação completa de quaisquer dúvidas ou obscuridades de fundamentação que eventualmente existissem anteriormente.
K. Pelo que, na nossa opinião, não podem proceder as alegações feitas respeitantes à deficiente fundamentação formuladas pela ímpugnante acolhidas pelo Tribunal a quo, que mesmo que eventualmente se verificassem num primeiro momento, o que não se concede, se dissiparam no procedimento de revisão oficiosa, até pela própria natureza do procedimento, porque inclui a participação do sujeito passivo através de perito da sua confiança.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.»
*
Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.
*

Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer (págs. ……… do SITAF) no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*

Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

*
II -QUESTÕES A DECIDIR:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir, se a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe vai imputado pela recorrente, ao ter concluído pela inexistência de fundamento para a aplicação de métodos indiretos por: (i) não ter sido demonstrado que a contabilidade da recorrida padecia de erros e inexatidões que pusessem em causa a sua fiabilidade, e (ii) por não ter sido demonstradas as razões pelas quais era impossível a tributação direta.
*


III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:


«Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:
1. A impugnante é uma sociedade por quotas que tem como objecto social a actividade de “Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros (Táxi)”, possui contabilidade organizada e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC (cf. relatório de inspecção a fls. 193 do processo administrativo em apenso aos autos);
2. Foi realizado pelos serviços de inspecção tributária da A.T. procedimento de inspeção ao IVA e IRC do exercício do ano de 1997, em cumprimento da ordem de serviço nº 72317 de 31.01.2002, com vista a averiguar da legitimidade do pedido de reembolso de IVA solicitado pela impugnante (cf. relatório de inspecção a fls. 193 do processo administrativo em apenso aos autos);
4- Em 27 de Fevereiro de 2002 e, em resultado do procedimento de inspeção, identificado no ponto anterior, foi emitido o respectivo relatório final, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 189 a 242 do processo administrativo em apenso aos autos);
4. No relatório final identificado no ponto anterior, refere-se, além do mais, o seguinte:
(…) 3. Organização contabilística:
A contabilidade do contribuinte cumpre, de uma forma geral, os requisitos mencionados nos art.115º do CIRC e art. 44º do CIVA, não obstante o mencionado, constatou-se na análise efectuada às facturas do contribuinte, que estas não cumpriam os requisitos mencionados no nº 5 do art. 35º do CIVA, nomeadamente no que diz respeito à datação e numeração sequencial das mesmas (anexo I, folhas 1 e 2), bem como aos elementos que estas devem conter, ou seja, os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicilio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos.
Ainda no que diz respeito às facturas emitidas, constatou-se que estas se encontravam divididas em duas séries (conforme previsto no art.45º, nº2 do CIVA), uma por cada viatura, facilmente identificáveis entre si, vistas ambas as séries fazerem referência à matrícula da viatura em questão.
(...)
IV - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS:
O recurso a métodos indirectos para determinação da matéria colectável resulta da contabilidade do contribuinte apresentar claros indícios de que não reflecte a totalidade dos serviços prestados.
De modo a comprovar o que em cima foi dito, irá utilizar-se como termo de comparação o estudo efectuado pelo grupo de trabalho constituído por elementos da administração fiscal nomeado para estudar as questões fiscais colocadas pela A.N.T.R.A.L. (Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros) (anexo II, folhas 1 a 7).
A) Volume de Negócios:
Tendo em atenção que o negócio desta firma é a exploração de dois táxis, e que esta apresentou um volume de proveitos de EUR 20.059,88 (Anexo III, folhas 1 a 3), obtemos uma média de proveitos por viatura de EUR 10 029,94 € (2.010.822$00).
B) Proveitos diários:
Caso tenhamos em consideração os dias de trabalho efectivos propostos pela A.N.T.R.A.L. no ponto 2.4- Dias de Trabalho do dito estudo., ou seja 283, temos que cada táxi registou proveitos diários no valor de EUR 35,44 € (...)
C) Número médio de Serviços Prestados:
Conforme quantificado no Capitulo II, ponto B) a firma prestou um total de 2.087 (606+443+1.038) serviços ao longo do ano. Este valor dividido pelo número de dias que em média se trabalha no sector, e pelo número de viaturas, permite-nos concluir que em média foram realizados 3,7 {2.087/ (283 x 2)} serviços por dia.
D) Número de quilómetros efectuados:
Na contabilidade do contribuinte, a conta 6221225- Gasóleo apresenta no final do ano um saldo devedor de EUR 3542,20 (Anexo IV, folhas 1 e 2).
Partindo do pressuposto que em média uma viatura a gasóleo, circulando em espaço urbano consome aproximadamente 7 litros para percorrer 100 km, obtemos, realizando os cálculos que em baixo se apresentam, um total de 43.314 KM percorridos por viatura. No estudo referido anteriormente, é indicado como valor de referência para a distância anualmente percorrida os 70.000 KMs. Uma diferença de cerca 50% face ao apresentado por esta empresa.
(...) No mesmo estudo, no ponto 2.2 – km em vazio, é referido que em média 30% dos quilómetros realizados, são efectuados em vazio, ou seja, não são facturados (quilómetros efectuados á procura de clientes, e nos trajectos de ida e volta a casa, entre outros), assim, os quilómetros que diariamente em média terão sido efectuados em serviços são 115KMs, calculados da seguinte forma:
(...)
E) Quilómetros médios por serviço:
Considerando uma média de 3,7 serviços diários, e uma média diária de quilómetros percorridos em serviços de 115 km, obtemos uma média de 31 km por serviço. No estudo referido anteriormente, no ponto 2.3. – Percurso Médio 6 a 7 Km, é referido que em média cada serviço tem a extensão de 6 Km, o que implica que os serviços que o contribuinte executa, são em média cerca de cinco vezes superiores à média do sector.
F) Quilómetros efectivamente realizados:
Com o objectivo de determinar qual o número de quilómetros percorrido anualmente por cada uma das viaturas, tentou o signatário através da análise dos documentos de suporte da contabilidade, com especial incidência naqueles que dizem respeito a despesas de conservação e reparação das viaturas, averiguar se nalgum deles era feita referência aos quilómetros das mesmas.
Apenas dois documentos (anexo V, folhas 1 e 2 ), e ambos da viatura ….-....-... tinham a informação pretendida. Devido a apenas se ter encontrado estes dois documentos, e por ambos dizerem respeito a uma viatura recém adquirida, e por não ser possível averiguar com exactidão qual a data efectiva da sua entrada ao serviço, parece ser mais correcto considerar como mais verosímil a diferença parcial referente ao período decorrido entre 20.08.97 e 22.09.97, em que a referida viatura percorreu aproximadamente 10.000 Km. Extrapolando esta quilometragem para o resto dos anos, e considerando um mês de férias, obteríamos uma quilometragem anual aproximada de 110.000 Kms, bastante distante dos cerca de 46.000 Kms que os custos de gasóleo fazem transparecer.
Não é objectivo do signatário calcular os proveitos reais auferidos, tendo como suporte a diferença encontrada entre os quilómetros evidenciados em apenas duas facturas espaçadas temporalmente por um mês, é antes reforçar a ideia que a contabilidade não é coerente na informação que nos transmite.
G) Valor médio dos serviços prestados:
A firma efectuou 2.087 serviços, tendo obtido uma facturação total EUR 21.062,87 (EUR 20 059,88 X 1,05), assim o valor médio facturado por serviço é de 10,09 €.
Como vimos anteriormente a quilometragem por serviço é de 31 km.
Considerando numa óptica conservadora, que o contribuinte apenas exerce a sua actividade aos dias de semana em horário diurno, e considerando como serviço tipo, aquele que em média a viatura percorre 9 km (metade do diâmetro médio do concelho de Lisboa) dentro do concelho de Lisboa, e os restantes fora deste, temos que o mínimo que o cliente teria de pagar por deslocação, seria aproximadamente 55% superior ao valor médio das facturas presentes na contabilidade.
(...)
Face aos dados expostos, é lícito concluir que praticando os preços constantes da tabela celebrada em 30.04.1997, seria impossível ao contribuinte apresentar os níveis de facturação que declarou.
H) Conclusões:
Face ao que foi dito anteriormente, mais exactamente ao anormalmente baixo volume de negócios apresentado, ao reduzido número de facturas emitidas e ao não cumprimento dos formalismos necessários à sua emissão previstos no art. 35º, nº5 do CIVA, ao reduzido valor de combustível consumido ao elevadíssimos KMs médios por serviço, á incongruência que é efectuar cerca de 10.000 Kms num mês, quando a média anul é de 46.000 kms, e finalmente, à impossibilidade técnica que se obtém, quando aplicamos os valores da tabela de preços da convenção celebrada em 30.04.1997, aos nossos dados médios apurados nos pontos anteriores.
Face ao que em cima foi exposto, rapidamente se conclui que os proveitos contabilizados e declarados pelo contribuinte não nos merecem credibilidade, pelo que se irá calcular o seu lucro tributável através da aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artigos 87º e 88º da LGT e do artigo 52º do CIRC.
(...) Relativamente aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, refere-se no relatório final o seguinte (cf. fls. 61 do PAT):
(...)
V – CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
A - Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas:
Conforme referido no Capítulo anterior devido à falta de credibilidade que certos elementos contabilísticos nos merecem, a determinação do lucro tributável desta firma será efectuada recorrendo a métodos indirectos.
O método de quantificação utilizado para determinar o lucro tributável será o proposto pelo já referido grupo de trabalho, que assenta na seguinte fórmula:
KM x 0,7 {x+ (6-Y) /V)x Z> /6}
km – valor da distância média percorrida por táxi
0,7 – valor percentual de utilização em serviço da viatura
X – Importância paga pelo cliente nos primeiros Y metros, segundo a tabela da A.N.T.R.A.L. em vigor à data.
Y – primeiros metros percorridos segundo a tabela da A.N.T.R.A.L. em vigor á data.
V – Distancias seguintes que justificam o aumento do valor cobrado, segundo a tabela á data.
Z – Importância paga pelo cliente pela distância percorrida em V.
6 – Percurso médio da viagem efectuada por um táxi em Lisboa, indicada pelo grupo de trabalho.
Como não foi possível determinar com exactidão, através da análise da contabilidade do sujeito passivo, os KM efectivamente percorridos por cada viatura, e porque é manifestamente mais favorável ao contribuinte, vamos considerar a quilometragem média sugerida pelo estudo atrás mencionado, isto é, 70.000 Km/ano, em detrimento dos 110.000 Km referidos no ponto F) do Capítulo IV
Cálculo de proveitos obtidos:
Facturação presumida até 30.04.1997 (anexo VI, folha 1)
2 x (1/3) x 70.000 x 0,7 x <1,25 € + ((6-450/1000)/ (175/1000)) x 0,05 € > / 6 = 15
438,89 €
Facturação desde 01.05.1997 até 31.12.1997 (anexo VII, folha 1)
2 x (1/3) x 70.000 x 0,7 x <1,25 € + ((6-352/1000)/ (170/1000)) x 0,05 € > / 6 = =
31 699, 48 €
Assim sendo, os proveitos presumidos para o exercício de 1997 são de 47 138,37 €
(15 438,89€ + 31 699,48€).
Cálculo dos custos suportados:
Na análise efectuada aos custos apresentados pelo contribuinte não foram encontradas correcções a efectuar.
Os custos a considerar para determinação do lucro tributável serão então os declarados pelo contribuinte, que no ano de 1997 ascendem a EUR 19 080,29.
Cálculo do lucro tributável:
Assim, iremos obter em 1997, um lucro tributável presumido de EUR 28 058,08 (...)
(...)
Devido ao contribuinte ter apresentado na sua declaração de rendimento matéria colectável no valor de EUR 979,58, o total de correcções com recurso a métodos indirectos para o exercício de 1997 é de EUR 27 078,50 (...)
(...)
B- Em Sede De Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)
(...) foram presumidos proveitos para este contribuinte de 47.138,37€, assim sendo, o valor de IVA liquidado para o ano de 1997 é de 2.356,92€(...)
De modo a imputarmos o valor do IVA apurado aos respetivos trimestres, vamos considerar que o contribuinte exerceu a sua atividade ao longo do ano de uma forma constante e homogénea, pelo que o IVA apurado será dividido em partes iguais tendo em consideração o volume de facturação no período em causa. (...) Devido ao contribuinte ter entregado as declarações de IVA e como em termos de IVA dedutível não há correcções a efetuar, as correcções em sede de IVA irão resumir-se a apurar a diferença entre o valor de IVA liquidado pelo contribuinte e aquele que foi apurado por nós através da utilização de métodos indirectos:




VIII - Direito à audição
Apesar do Sujeito Passivo ter exercido por escrito o seu direito de audição (que passa a integrar o processo), vamos manter os valores anteriormente apurados referentes a Proveitos e Custos, em virtude de o mesmo não ter trazido novos e comprovados elementos ao processo. (...)
B. IVA
1. CORRECÇÕES COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
O montante das correcções em sede de IVA perfaz 1.353,90, este valor encontra -se fundamentado no ponto b) do capítulo V do presente relatório (...) (cfr. fls. 189 a 242 do processo administrativo em apenso aos autos);
5. Em 7 de Março de 2002 foi proferido despacho pelo chefe de divisão, por delegação de competências do director de finanças de Lisboa, em concordância com o conteúdo do relatório da acção inspectiva descrito nos pontos anteriores “(...) Desta forma com os fundamentos enunciados, proceda-se nos termos dos preceitos legais citados, bem como do art. 90º da LGT, art. 54º do CIRC e art. 84º do CIVA, à determinação da matéria colectável com recurso à aplicação de métodos indirectos (...) e do IVA em falta relativamente aos 4 trimestres de 1997 (...)”, tendo sido apurados por presunção o IVA em falta para o exercício de 1997 no valor de € 1.353,90 (cfr. fls. 189 e 190 do processo administrativo em apenso aos autos);
6. Em 14 de Março de 2002, foi enviado pela 1a Direcção de Finanças de Lisboa à, ora impugnante, através de carta postal registada com A.R., o ofício n.o …………, com as conclusões resultantes do relatório de inspecção e respectivo lucro tributável fixado (cf. fls. 378 e 379 do processo administrativo em apenso aos autos);
7. Em 15 de Março de 2002, foi assinado o aviso de recepção que acompanhou o ofício indicado no ponto anterior, expedido sob o registo nº ………… (cf. fls. 379 do processo administrativo em apenso aos autos);
8. No âmbito do pedido de revisão do lucro tributável formulado pela, ora impugnante, não houve acordo entre os peritos do sujeito passivo e da administração tributária (cf. cópia da acta nº ……., fls.244 a 249 do processo administrativo em apenso aos autos);
9. Em 25 de Novembro de 2002, foi proferida pela inspectora tributária, em subdelegação de competências, a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos para efeitos de IVA no valor de EUR 1.353,90, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 250 a 252 do processo administrativo em apenso aos autos);
10. Em Dezembro de 2002 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios para o exercício de 1997, como a seguir se enuncia:



11. Em 23 de Dezembro de 2002 a, ora impugnante, é notificada das liquidações adicionais de IVA/97, supra identificadas e dos correspondentes juros compensatórios (cf. fls. 145 a 166 do processo administrativo em apenso aos autos);
12. Em 06/06/2003, é instaurado o processo de execução fiscal com no ………. e apensos, em que se inserem as dívidas exequendas referidas no ponto 10, supra (cfr. fls. 144 do processo administrativo em apenso aos autos);
13. Em 03/07/2003, através do ofício no …….., por meio de carta registada, o serviço de finanças de Lisboa 6, procede à citação da impugnante no âmbito do processo de execução fiscal no ……….. e apensos (cfr. fls. 80 e 81 do processo administrativo em apenso aos autos)
14. Em 24/07/2003, a ora impugnante, apresentou reclamação graciosa pedindo a anulação das liquidações referentes ao exercício de 1997, em sede de IRC e IVA (cfr. fls. 85 e ss. do processo administrativo em apenso aos autos;
15. Em 19/08/2003 foi proferido despacho pelo chefe de serviço de finanças de Lisboa 6, concordando com a informação emitida na mesma data pelos serviços da A.T., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e assim indeferindo a reclamação graciosa, identificada no ponto anterior (cfr. fls. 67 do processo administrativo em apenso aos autos);
16. Em 27/11/2003, tendo por referência o requerimento de 25/11/2003 respeitante ao processo de execução fiscal nº ………..e apensos, o chefe do serviço de finanças de lisboa 6, profere despacho a deferir o pedido de isenção de prestação de garantia e a suspender o processo de execução fiscal (cfr. fls. 141 do processo administrativo em apenso aos autos).

*
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.»
*
A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


A FP, ora recorrente, começa por imputar à decisão recorrida erro de julgamento ao decidir anular as liquidações de IVA e juros compensatórios de 1997, emitidas na sequência de um procedimento inspetivo, por ter considerado que não estavam verificados os pressupostos para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, designadamente por não ter demonstrado em que medida existiam erros e omissões suscetíveis de afastar a fiabilidade da escrita da recorrida, e, depois, por não ter feito prova da impossibilidade de proceder à avaliação direta.
Importa, antes de mais, dar nota que, a matéria de facto fixada na sentença recorrida não foi posta em crise, encontrando-se estabilizada.


Apreciando.


O Tribunal a quo decidiu anular as liquidações de IVA de 1997 e respetivos juros compensatórios, no montante de 2.013,76 EUR, por entender que não havia justificação para proceder à avaliação indireta, desde logo porque a AT não conseguiu afastar a presunção de veracidade de que beneficia a contabilidade da recorrida, entendendo que no caso, a AT se bastou em elencar meras irregularidades da escrita e não elementos sólidos capazes de pôr em causa a sua fiabilidade. Disse ainda que não foi demonstrada, factualmente, a impossibilidade de quantificação direta da matéria tributável, apesar de ter remetido para o artigo 87º e 88º da LGT, o que fez sem sequer apontar qual a alínea que em concreto se subsumia a situação descrita no relatório inspetivo.
Inicia a recorrente as suas alegações recursivas manifestando a sua discórdia quando na decisão recorrida se conclui que, não ficou demonstrado “ sem margem para dúvidas que o sujeito praticou inexactidões e omitiu valores na contabilidade, não é possível partir-se para a avaliação indirecta em sede de IVA” (…), porque a AT não terá concretizado “(...) a prova necessária de que a contabilidade da impugnante apresentava omissões e não reflectia a exacta situação patrímonial’ (Cf. Conclusão A)).
Prossegue, concluindo, a respeito, que a decisão posta em crise não sopesou todos os indícios que verteu no relatório inspetivo (Cf. conclusão B)).
Se bem percebemos, o ataque que aqui dirige à decisão recorrida, passa pela discórdia que o Tribunal a quo faz quanto à valoração do RIT e dos indícios ali elencados.
Num segundo momento, a recorrente afronta o decidido na parte em que o Tribunal a quo conclui que não ficou demonstrada a impossibilidade de quantificação direta da matéria tributável.
Antes de enfrentar as questões colocadas importa fazer o enquadramento legal que envolve a apreciação das questões que nos são colocadas, quer à data de hoje quer à data dos factos tributários (1997).
Vejamos então.
Estabelece o artigo 104.º, n.º 2 da Lei Fundamental que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, privilegiando-se assim, em primeira linha, a tributação pela efetiva capacidade contributiva dos contribuintes.
O princípio geral que vigora no ordenamento jurídico português é que o procedimento de liquidação se instaura com as declarações dos contribuintes e que o apuramento da matéria tributável se fará com base nessas mesmas declarações (artigo 59.º do CPPT), que se presumem verdadeiras e de boa-fé (artigo 75.º da LGT).
Porém, a sobredita presunção de veracidade cessa nas situações previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, donde decorre que:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.”.
No que tange ao IVA, institui o artigo 90.º, n.º 1 do CIVA que, sem prejuízo do disposto no presente Código, a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da LGT, seguindo os termos do artigo 90.º da referida lei.
No que concerne ao procedimento de avaliação da matéria tributável propriamente dito (artigos 81.º e seguintes da LGT), este divide-se em dois grandes segmentos:
(i) a avaliação direta, que visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e que tem como ponto de partida as mencionadas declarações dos contribuintes, e
(ii) a avaliação indireta, que visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83.º da LGT).
Ora, não é indistinto que a Administração Tributária recorra a uma ou outra forma de avaliação, estando legalmente consagrado que, a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta (artigo 85.º, n.º 1 da LGT), sendo aquela excecional em relação a esta.
A este propósito, Joaquim Freitas da Rocha, ensina que: “Ao contrário do que acontece com a avaliação direta, o procedimento de avaliação indireta já não busca a efectiva verdade material, mas apenas uma “verdade material aproximada”, pelo que se compreende o seu carácter excecional e subsidiário em relação àquela, significativo da ideia de que apenas se recorrerá à avaliação indireta quando a avaliação direta não for absolutamente possível ou conveniente” (In, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, 2011).
Também a jurisprudência aponta no mesmo sentido, como se vê, entre outros, do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 24/01/2020, Processo n.º 8340/15.8BCLSB, onde se discorreu que: “O recurso à avaliação indireta funciona como última ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal”.
Ao mesmo passo, o legislador consagra taxativamente no artigo 87.º da LGT, as situações em que poderá ser realizada a avaliação indireta.
Da conjugação dos dispositivos 75.º, n.º 2, alínea a), 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º da LGT resulta que, a Administração Tributária pode recorrer à avaliação indireta, baseada em indícios ou presunções, nos casos de inexatidões ou erros contabilísticos que tornem impossível a comprovação e quantificação direta da matéria tributável do imposto.
Porém, não será qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que autoriza o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável, impondo-se que essas irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta, desde logo porque a avaliação indireta tem natureza excecional.
Vale isto para dizer que, se, apesar das irregularidades contabilísticas detetadas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, é este o método que deve ser seguido pela Autoridade Tributária, face à apregoada subsidiariedade deste método presuntivo (cf. artigos 81º nº 1 e 85º nº 1 da lGT).
Uma vez que este procedimento é oneroso e, reitera-se, subsidiário da avaliação direta, a lei, mormente o artigo 77.º, n.º 4 da LGT, exige um especial e acrescido dever de fundamentação por parte da Administração Tributária: “a decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.
Por assim ser, faz-se recair sobre a AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, prescrevendo o n.º 3 do artigo 74.º da LGT, que: “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação”.
Assim, quando haja lugar à avaliação indireta, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a avaliação da matéria tributável por métodos indiretos se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação.
Esta exigência existia já no CPT, vigente à data dos factos, bem como da redação, à data, do artigo 82º n º 4 do CIVA.
Com efeito, decorria, ao tempo, do art. 82º do CIVA, o seguinte:
«1. O chefe da repartição de finanças competente procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.
(...)
3. As inexactidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento.
4. Se for demonstrado, sem margem para dúvidas, que foram praticadas omissões ou inexactidões no registo e na declaração, proceder-se-á à tributação do ano em causa com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou.»
Por sua vez, os artigos 78º e 81º do CPT dispunham do modo seguinte:
“Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramento decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte” (Cf. artigo 78º do CPT).
“A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicará os critérios utilizados na sua determinação” (Cf. artigo 81º do CPT).
  Como se colhe dos normativos acabados de transcrever, o recurso a métodos indiciários na determinação do lucro tributável já então (1997- data dos factos) estava condicionada à verificação de certos requisitos taxativos, dispondo o art.º 51.º do CIRC – que tinha aplicabilidade na definição dos casos em que se tornava necessário o recurso a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar o Imposto sobre o Valor Acrescentado (cf. art.º 84.º do Código do IVA) – o seguinte:
“1 – A determinação do lucro tributável por métodos indirectos verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso na escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com o propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d) Erros ou inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 – A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 – (…)”
Isto posto, importa, agora, descer à situação sob nossa mira, norteados pelo enquadramento geral acabado de enunciar, de modo a aferir se a decisão recorrida padece dos vícios de erro de julgamento que lhe vem assacados.
Assim,
- Relativamente à falta de demonstração da fiabilidade da escrita da recorrida.
Começa por dissentir a recorrente, como avançamos, de que a AT não demonstrou que a recorrida praticou inexatidões e omitiu valores na contabilidade que autorizasse a avaliação indireta em sede de IVA, ao não ter feito prova que a contabilidade da impugnante apresentava omissões e não refletia a exata situação patrimonial, não tendo sido sopesados todos elementos constantes do RIT (Cf. Conclusões A) e B)).
Analisando.
Consultando os factos provados, nomeadamente o ponto 4), dali se extrai quais os elementos que foram carreados para o RIT pela AT (supratranscrito naquele ponto 4) do probatório), para concluir pelo recurso a métodos indiciários.
A saber:
(i) Reduzido número de faturas emitidas; (ii) Não cumprimento das formalidades previstas no artigo 35º nº 5 do CIVA; (iii) reduzido valor de combustível consumido face aos elevadíssimos KMs médios por serviço apurados; (iv) incongruência entre efetuar-se cerca de 10.000 Kms num mês, quando a média anual é de 46.000 kms; (v) impossibilidade técnica que se obtém, quando aplicados os valores da tabela de preços da convenção celebrada em 30.04.1997, aos dados médios apurados no relatório inspetivo ditados pelo estudo da ANTRAL.
Para justificar as correções, a Autoridade Tributária utilizou como termo de comparação e ponto de partida, os dados contabilizados pela recorrida e o estudo efetuado pelo grupo de trabalho constituído por elementos da administração fiscal nomeados para estudar as questões fiscais colocadas pela A.N.T.R.A.L. - Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros - (anexo II, folhas 1 a 7 do RIT), o qual estabelece preços normais naquele setor (táxis), considerando média de duração de um serviço em termos de distância, tempo do serviço, consumo de combustível, preço e receitas anuais.
Regressando ao RIT, dali se colhe que a AT fundou o recurso à avaliação indireta no reduzido número de faturas, por isso o anormal baixo volume de negócio apresentado pela recorrida, face à comparação que faz com as médias ditadas pelo estudo da ANTRAL (médias nacionais normais, em termos de valor médio por serviço, kms percorridos/combustível gasto, etc).
A AT comparou as médias do setor nacional com a atividade espelhada nos registos contabilísticos que analisou, para concluir que havia serviços por faturar.
Colhe-se do RIT que os SIT analisaram as despesas de conservação e reparação das duas viaturas da recorrida, tendo apenas encontrado dois documentos referentes à viatura …-...-... que havia sido adquirida “recentemente” e registava, no período de um mês, 10.000 Km o que, nas contas dos SIT equivalia a um percurso anual de cerca de 110.000 Km, o que contrariava em cerca de 46.000 Kms as poucas despesas encontradas com combustível (3.542,20) naquele ano de 1997.
Concluíram, assim, que havia uma diferença de -50% de km percorridos não espelhado na contabilidade.
Concluíram também os SIT que, ante a contabilidade da recorrida, prestava a mesma uma média de 3,7 serviços diários, e uma média diária de quilómetros percorridos em serviços de 115 km, o que equivalia a uma média de 31 km por serviço, quando, no estudo da ANTRAL, a média dos serviços é de 6 a 7 Km, donde os serviços da recorrida serem cinco vezes superiores à média do sector.
Por fim, os SIT, após consulta aos dados contabilísticos da recorrida (sempre comparando com o estudo da ANTRAL), constataram ainda que, a mesma registou 2.087 serviços, tendo obtido uma faturação total EUR 21.062,87 (EUR 20 059,88 X 1,05), o que correspondia a um valor médio por serviço é de 10,09 €, salientando que, tendo apurado uma quilometragem por serviço de 31 km e, considerando que, apenas exerce a sua atividade aos dias de semana em horário diurno e um tipo de serviço em que, por média a viatura percorre 9 km (dentro do concelho de Lisboa), e os restantes fora deste, o mínimo que o cliente teria de pagar por deslocação, seria, aproximadamente, 55% superior ao valor médio das faturas presentes na contabilidade da recorrida.
Foi com base nestes elementos que a AT decidiu proceder a avaliação da matéria tributável por via de métodos indiretos, afastando a credibilidade que lhe oferecia a escrita da recorrida, para assim concluir que: “ Face ao que em cima foi exposto, rapidamente se conclui que os proveitos contabilizados e declarados pelo contribuinte não nos merecem credibilidade, pelo que se irá calcular o seu lucro tributável através da aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artigos 87º e 88º da LGT e do artigo 52º do CIRC”.
Consultando, agora, a decisão posta em crise, verificamos que todos estes elementos em que o RIT se centrou não escaparam à análise do Tribunal a quo, inversamente ao que vai consignado na conclusão B) do recurso.
Por outra banda, também se vê da sentença recorrida que a mesma, após empreender uma análise exemplar a todos os elementos considerados pelos serviços inspetivos no RIT, entendeu, numa apreciação conjugada e com eco nas regras da experiência, que os mesmos não possuíam a virtualidade de por em causa a fiabilidade da escrita da recorrente e, por assim ser, não havia sido afastada a presunção de veracidade de que gozava a contabilidade da recorrente, por parte da AT.
Esclareceu que todos os indícios e imprecisões detetadas na escrita, que de um modo geral havia sido validada face aos CIVA e CIRS, não obstante imprecisões nos elementos identificativos de algumas faturas (tudo conforme se colhe da parte inicial do capítulo IV do RIT), não eram suscetíveis de abalar a escrita da recorrida. E, para assim concluir o Tribunal a quo empreendeu uma análise a todos indícios e não apenas ao volume baixo de negócios apresentado.
Na verdade, o Tribunal analisou de modo conjugado, com recurso às regras da experiencia a situação elencada no RIT, nomeadamente: i) haver incongruências entre o número de faturas emitidas ou serviços prestados declarado e a quilometragem dos veículos; ii) considerou ser a zona de Lisboa, o local de prestação de serviços do contribuinte e, iii) reduzido número de faturas emitidas e não cumprimento dos formalismos necessários à sua emissão previstos no art. 35º, n.º5 do CIVA; iv) ao reduzido valor de combustível consumido contrastando com os elevadíssimos KMs médios por serviço; v) à impossibilidade técnica que se obtém, quando aplicam os valores da tabela de preços da convenção celebrada em 30.04.1997, aos dados médios apurados.
No discurso motivador empreendido, esclareceu o Tribunal a quo, que todos os indícios e imprecisões detetadas na escrita, que de um modo geral havia sido validada face aos CIVA e CIRS, não obstante imprecisões nos elementos identificativos de algumas faturas (tudo conforme se colhe da parte inicial do capítulo IV do RIT), não eram suscetíveis de abalar a escrita da recorrida.
Sublinhando que: “Resultando do relatório inspetivo que a A.T. baseou a aplicação de métodos indiretos no reduzido volume de negócios declarado pelo contribuinte, no escasso número de facturas emitidas e no não cumprimento dos formalismos legais necessários à sua emissão (art. 35º, nº 5 do CIVA) o diminuto valor do combustível consumido e a elevadíssima média dos quilómetros por serviço, tal não se afigura suficiente para recorrer a presunções em sede de IVA. Com efeito, é seguro que o reduzido volume de negócios pode constituir um sintoma de que a escrita da Impugnante não reflecte a sua verdadeira situação tributária, uma espécie de «sinal de alarme», uma razão para uma análise mais apurada, uma justificação para uma acção de fiscalização. Mas não é fundamento bastante para abalar a credibilidade da escrita, porque as situações de fraco volume de negócios aparente não são, em si, incompatíveis com a realidade económica e financeira de uma empresa, em regra exposta a múltiplas condicionantes que as podem justificar.
A A.T. só poderia pôr em causa a credibilidade dos dados contabilísticos se estes, por si só ou com recurso a outros elementos de suporte ou à própria colaboração do contribuinte ou de terceiros, mediante esclarecimentos adicionais ou através da fiscalização cruzada de fornecedores ou clientes, não evidenciarem ou confirmarem as razões para tal volume reduzido
O mesmo é dizer que, o reduzido volume de negócios não constitui, por si só, um indício fundado de que as declarações, a contabilidade ou escrita não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo para os efeitos do artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da L.G.T.
São já um indício, mas não são ainda um indício fundado.
Admitir o contrário, seria concluir que as declarações e a escrita só beneficiam da presunção de verdade quando forem compatíveis com índices de normalidade, o que equivaleria a dizer que avaliação da matéria tributável se faria a partir de padrões de normalidade, a menos que o contribuinte provasse que o rendimento anormalmente baixo é ainda um rendimento real.
Sobretudo, o reduzido volume de negócios não pode constituir fundamento para o recurso à tributação indirecta, porque as circunstâncias em que se pode efectuar a avaliação indirecta estão exaustivamente fixadas no artigo 87.º da L.G.T. (como decorre da expressão ali utilizada – «só pode efectuar-se…»).
Para além disso, as margens contabilísticas abaixo do normal só podem sustentar o recurso à tributação indirecta se a matéria tributável se afastar dos padrões de normalidade, cristalizados em indicadores objectivos de actividade de base técnicocientífica, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos – artigo 87.º, n.º 1, alínea c), da L.G.T. e, o recurso à tributação indirecta não foi, in casu, feito com base neste artigo.
Afigura-se-me, assim, que os supostos indícios trazidos à colação no relatório de inspecção são insuficientes para abalar a credibilidade da escrita da impugnante, não apenas atendendo ao carácter impressivamente residual das faltas, mas também devido ao facto de não haver qualquer indicador de que se tratasse de um acto deliberado de ocultação de prestações de serviços.
Todas as conclusões do relatório são baseadas no cruzamento de dados da declaração do contribuinte com um estudo do sector realizado pela Administração fiscal, mas esse estudo revela conclusões genéricas do sector, o que desde logo lança por terra a fiabilidade dos juízos feitos pela A.T.
Com efeito, o relatório inspetivo não revela informações concretas e especificas fornecidas pela empresa/impugnante ou/e seus funcionários; não indica que tenha recorrido a dados de outras empresas concorrentes e, não revela se recorreu a valores médios obtidos de empresas do sector.
Para alcançar as conclusões do relatório final a A.T. serviu-se de variáveis médias que aplica ou compara com a situação do contribuinte e os elementos declarados por este, para chegar às respectivas conclusões de falta de fiabilidade do declarado, a saber o valor médio dos dias de trabalho por ano, o valor médio do consumo de viaturas a gasóleo, o valor médio da distância anual percorrida, o valor médio de quilómetros percorridos no vazio, o valor médio de quilómetros por serviço, sendo certo que no relatório da inspecção não é referido um único pedido de colaboração ou pedido de elementos ao contribuinte.
Os pressupostos da tributação por métodos indiciários têm de integrar realidades diretamente constatáveis, não podendo consistir em meras suposições ou juízos presuntivos, i.e., os indicadores de omissão de proveitos na contabilidade têm de se apoiar em factos e, não em conclusões extraídas de factos, v.g. Ac. do TCA Norte, de 10/11/2016, proc. nº 00294/04, in.www.dgsi.pt.
Cabia à A.T. o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos que permitem o recurso a presunções/métodos indiretos, se não os demonstra em fase inspectiva, i.e., se não prova que, à data da inspeção, a contabilidade do sujeito passivo/impugnante apresentava omissões ou inexactidões no registo que impossibilitavam a avaliação direta, a tributação por aquele método presuntivo é ilegal. (…)”
O assim decidido não merece qualquer reparo.
Na verdade, cremos também nós que, do RIT não se colhe que a AT tenha empreendido uma análise concreta à situação da recorrida, balizado que ficou pelas médias ditadas pelo estudo da ANTRAL, sem sequer recolher esclarecimentos externos ou junto da recorrida (o que não dá notícia nem o RIT nem o probatório). Não basta partir de estudos tão alargados como são os estudos nacionais, e partir deles como amparo a todas as outras situações isentas de instrução quanto à análise concreta do sujeito passivo inspecionado.
Não podemos olvidar que os elementos/indícios que autorizam a avaliação presuntiva tem de revestir solidez, objetividade e seriedade, testando e questionando os elementos contabilísticos existentes com outros elementos objetivos (internos e externos), que não meros padrões médios, em nada indicadores, por si só, da reclamada aproximação da situação real do inspecionado, sob pena de se cair em terreiros discricionários, afastando-se da atividade vinculada que legitima a atuação da AT quando agressiva.
De resto, e no que tange às irregularidades detetadas nas faturas, respeitantes á falta de elementos identificativos que obrigatoriamente deviam constar das mesmas, nos termos do artigo 35º nº 5 do CIVA, conforme anunciamos inicialmente, este tipo de irregularidades não permite, por si só, o recurso à avaliação indireta. Até porque, pese embora as ditas deficiências, por via das mesmas era possível proceder à quantificação do tributo.
Assim sendo, ante estas irregularidades anotadas às faturas, à falta de diligências concretas, quer externas quer junto da recorrida, balizado que ficou o RIT pelas conclusões do estudo da ANTRAL, é acertado o juízo feito pelo Tribunal de 1ª instância quando concluiu que a AT se apoiou em meras suposições e não factos.
Assim, ao decidir como decidiu, neste ponto, bem andou a decisão recorrida, improcedendo, por conseguinte, as alegações A) e B).
- Da falta de demonstração da impossibilidade de avaliação direta.
O segundo ponto de discórdia da recorrente reside no facto de entender que demonstrou que era impossível proceder à avaliação direta do imposto em falta.
Será assim?
O Tribunal a quo concluiu que, a AT andou mal ao não justificar a razão pela qual não lhe foi possível proceder à quantificação direta da matéria tributável, que nenhuma situação elencada no RIT se subsume as situações taxativas previstas na lei que autorizam aquela avaliação presuntiva, a par de não ter a AT demonstrado, como se viu, que a contabilidade da recorrida não refletia a situação real.
E conclui bem.
Na verdade, em momento algum o RIT avança qualquer justificação, menos ainda factual e legal, para concluir pela impossibilidade de proceder à avaliação direta.
A este propósito, depois de elencar os elementos em que se apoia para aplicar métodos indiciários, o RIT basta-se em concluir que: “Face ao que em cima foi exposto, rapidamente se conclui que os proveitos contabilizados e declarados pelo contribuinte não nos merecem credibilidade, pelo que se irá calcular o seu lucro tributável através da aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artigos 87º e 88º da LGT e do artigo 52º do CIRC”.
Ora, esta conclusão não satisfaz os comandos normativos que impõem, após o alegado afastamento da fiabilidade da escrita, a demonstração fática da impossibilidade de quantificação direta da matéria tributável, a qual não se presume só porque, alegadamente, a escrita não se revela fiável.
Por outro lado, a remessa para alguns dispositivos legais, não completa a aquela falta de demonstração, consoante apregoa a recorrente na conclusão E).
Muito menos quando, por reporte a tais dispositivos, não se identificam sequer as respetivas alíneas a que subsumiriam as situações fáticas taxativamente identificadas pelo legislador, que serviriam de suporte à situação fática que ficou por adensar.
Esclarecendo.
Em socorro da sua alegação, defende a recorrente que justificou a impossibilidade de comprovação por via direta ao ter identificado os artigos 87º e 88º da LGT.
Não é assim.
Ademais, ainda que fizesse um enquadramento legal completo, que não se bastasse com a genérica indicação dos artigos 87º e 88º da LGT como consta do RIT (e esse sim é que cobre, ou não, de legalidade as liquidações subsequentes), a verdade é que, ainda assim, não ficava sanada a falta de densificação fática em que cabia a situação inspecionada ( à ocasião numa das diversas alíneas do artigo 52º do CIRC, como se disse, e, atualmente, nos artigos 88º da LGT).
E, a verdade é que o RIT quanto á externação dessa factualidade em que devia repousar a impossibilidade de comprovação da avaliação direta, é absolutamente omisso.
   Vale isto para dizer que, efetivamente, o relatório, não cumpre a exigência de fundamentação, ao menos quanto à externação, de modo claro, suficiente e, por imposição constitucional, acessível (cf. art.º 268.º, da CRP), dos motivos por que não foi possível a comprovação e quantificação da matéria coletável pelo método direto, isto é, com base nos elementos da contabilidade e escrita do contribuinte.
Auscultando, de novo a decisão recorrida, a este respeito diz-se assim:
“(…) A A.T. referiu que detetou estas incongruências nos dados contabilísticos, porém, as anomalias e incorrecções que provocam a alegada inviabilização do conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo encontram-se enumeradas no artigo 88.º da LGT, as quais não foram sequer abordadas no relatório inspetivo. O artigo 87.º da LGT estabelece um elenco fechado dos casos em que se pode efectuar o recurso à avaliação indirecta, tendo a administração fiscal que indicar o caso específico a que se reporta a situação dos autos, o que não resultou do relatório inspetivo. Não obstante a A.T. invocar como fundamento legal o artigo 87.º e artigo 88.º da LGT, porém, não especifica de entre as disposições legais que enumera, qual o fundamento legal para o recurso aos métodos indirectos. Nem sequer ficou demonstrada a impossibilidade de determinação da matéria colectável por via da avaliação direta, uma vez que os métodos indiretos são subsidiários e, só são aplicados na impossibilidade de quantificar diretamente a matéria colectável.
A actuação da A.T. não goza da presunção de legalidade, cabendo-lhe a demonstração dos factos indicativos de que os elementos da escrita fornecidos pelo contribuinte não correspondem à sua realidade tributária, devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade tributária.
(…)
Cabia à A.T. o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos que permitem o recurso a presunções/métodos indiretos, se não os demonstra em fase inspectiva, i.e., se não prova que, à data da inspeção, a contabilidade do sujeito passivo/impugnante apresentava omissões ou inexactidões no registo que impossibilitavam a avaliação direta, a tributação por aquele método presuntivo é ilegal. (…)”


Pois bem. Ante tudo que fomos avançando, somos a concluir pelo acerto do assim decidido.
Acresce, por fim, anotar, a respeito de situação semelhante à trazida, o discurso vazado no acórdão do TCAN de 12.02.2015, tirado do processo nº 02967/04-Aveiro, o qual, com as devidas adaptações é aplicável à situação colocada:
“Ora, como se apreende do relatório, não se cumpre a exigência de fundamentação, ao menos quanto à externação, de modo claro, suficiente e, por imposição constitucional, acessível (cf. art.º 268.º, da CRP), dos motivos por que não foi possível a comprovação e quantificação da matéria colectável pelo método directo, isto é, com base nos elementos da contabilidade e escrita do contribuinte.
Dizer que “relativamente ao ano de 1995, com base nos elementos anteriormente indicados, bem como o que resulta do controlo quantitativo das matérias-primas e produtos acabados (…) e que espelham como a contabilidade não reflecte apropriadamente todo o movimento económico/ financeiro da L..., vai-se proceder ao apuramento do rendimento por métodos indiciários…”, não permite acompanhar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração tributária na prática do acto, nem sindicar, esclarecidamente, que “elementos anteriormente indicados” são os referidos (isto a págs. 15 de um relatório com 18 páginas), nem em que consistiu o resultado do assinalado “controlo quantitativo das matérias-primas e produtos acabados” que inviabilizou o apuramento directo da matéria colectável.
A sentença não incorreu pois no erro de julgamento que lhe vem assacado ao concluir pela falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indiciários e, por esse motivo determinar a anulação da liquidação de IVA impugnada”.
De volta à situação posta em crise, também nós, à luz destes ensinamentos, sublinhamos que o RIT em causa não se pode bastar em concluir que a contabilidade não merece credibilidade, por isso aplicamos métodos indiciários, ignorando qualquer explicação quanto à impossibilidade de quantificação direta.
Não obstante, a recorrente sublinha nas conclusões H) a K) que, além de ter concretizado as razões da impossibilidade de avaliação direta nos artigos 87º, nº 1 al. b) e 88º da LGT (o que, como vimos já não pode ser acolhido), que a recorrida compreendeu essas razões ao ter pedido, e ter tido intervenção, no procedimento de revisão da matéria tributável.
Também não é assim.
O procedimento de revisão da matéria coletável, previsto nos artigos 91° da LGT e no artigo 117º do CPPT, assim como no anterior CPT, nos anteriores artigos 84º a 88º do CPT, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir a quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, mas já não para sanar faltas de fundamentação quanto aos fundamentos utilizados para aplicar essa metodologia indireta de avaliação.
Quer os fundamentos do recurso à avaliação indireta quer a quantificação da matéria fixada por essa via devem ser conhecidos antes do pedido de revisão de modo a permitir uma correta discussão e eventual consenso em sede de revisão a que aludiam os artigos 84º a 88º do CPT e o atual artigo 91º da LGT.
Discorreu-se, a este respeito no acórdão do STA de 17.06.2016, tirado do processo nº 01722/13 que: “ (…) a revisão administrativa funciona, nestes casos, como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria coletável através de métodos indiretos (cf., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012.06.20, recurso 165/12, in www.dgsi.pt.).
Como refere Casalta Nabais, «guiando-se estes por critérios de natureza essencialmente técnica, compreende-se que antes de a sua legalidade ser questionada e discutida nos tribunais, sejam os mesmos objeto de apreciação e decisão por órgãos de natureza técnica constituídos por peritos. Pois estes, para além de poderem levar a cabo uma tutela mais ampla ao contribuinte, encontram-se também em melhores condições técnicas do que os tribunais para uma primeira apreciação da legalidade da determinação da matéria coletável por métodos indiretos» (cfr. in Justiça Administrativa, nº 17, pág. 44).
Não estamos assim perante uma simples omissão sanável mas sim perante um pressuposto processual inominado, previsto naquelas normas, sem o qual o tribunal “a quo” não podia nem devia pronunciar-se sobre o mérito da causa – artº 89º/1-c) do CPTA.(..)”
Ao abrir um momento de discussão entre peritos acerca da quantificação presumida e da metodologia indiciária usada, o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, visa conferir maiores garantias aos sujeitos passivos em fazer-se representar por técnicos capazes de discutir capazmente a quantificação presumida do imposto e dar-lhes acesso à via judicial para, por regra, questionar as liquidações daí nascidas e não para colmatar faltas de fundamentação de facto e também legais, na medidas em que a fundamentação (de facto e legal) tem de ser atual e contemporânea com as correções que a justificam. Até porque, ante uma fundamentação clara e contemporânea pode o sujeito passivo conformar-se e nem sequer acionar o procedimento de revisão.
De resto, atualmente o procedimento de revisão constitui pressuposto processual para se poder discutir quer os erros de quantificação quer os fundamentos para aplicação de métodos indiretos, já nos artigos 84º nº 3 e 136º nº 1 do CPT, a reclamação para a comissão de revisão era condição da impugnação judicial apenas quando estivesse em causa a errónea quantificação da matéria tributável por métodos indiretos.
Assim, em face do art.º 84º nº 3 do CPT a falta de fundamentação e, ou, a falta dos pressupostos para a aplicação de métodos indiretos não eram sequer discutíveis na comissão de revisão – Vd a respeito o acórdão deste TCAS de 16.12.2020, tirado do processo nº 345/05.3 BELSB.
Deste modo, ao não ser discutida a fundamentação no procedimento de revisão, não poderia, também por essa razão, ser suprida a falta de fundamentação.
Por assim ser, naufragam, in totum, as conclusões recursivas.
Aqui chegados, assuma a conclusão que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida e bem assim a anulação da liquidação de IVA e dos respetivos juros compensatórios que da mesma sorte do imposto padecerão (cf. art. 35º da LGT).

*
No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
*
IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
*
Lisboa, 24 de abril de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
___________________
Ana Cristina Carvalho
(1ª adjunta)
______________
Rui Ferreira
(2º adjunto)
________________