Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2077/24.4BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/20/2024 |
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Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO RESIDENTES EM TERRITÓRIO NACIONAL DESPACHO LIMINAR CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO |
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Sumário: | I. De acordo com o disposto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o recurso àquela intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, numa situação jurídica individualizada. II. Aos requerentes de autorização de residência para investimento não residentes em território nacional não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP. III. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, logo que distribuída, é conclusa ao juiz para despacho liminar, conforme decorre do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, cabendo-lhe rejeitar ou admitir o requerimento inicial, em função da análise dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, sem que haja lugar a convite ao aperfeiçoamento. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul A.. D..., M... D... e D... D... instauraram a presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (atualmente Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. – AIMA), na qual pedem se intime a entidade demandada para, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, emitir uma decisão sobre o processo de autorização de residência para investimento dos requerentes, a fim de se dar seguimento ao pedido de autorização de residência. Por decisão datada de 15/04/2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente o requerimento inicial. Inconformados, os autores interpuseram recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. Vem o presente recurso de apelação interposto do Douto Despacho que indeferiu liminarmente a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias. 2. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não podem os aqui Recorrentes conformar-se com o entendimento vertido no douto despacho recorrido, no que tange à interpretação das normas e solução conferida à questão da (falta de) verificação dos pressupostos de admissibilidade deste mecanismo processual, vertidos no artigo 109º do CPTA, nomeadamente a indispensabilidade do presente meio processual de intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias, que fundou a rejeição liminar da petição inicial. 3. Andou mal o Mmo. Tribunal “a quo” ao pugnar pelo indeferimento liminar da presente intimação, por falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade da mesma (falta de demonstração do requisito de indispensabilidade do meio processual de que os recorrentes lançaram mão) 4. Com o que incorreu em erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 109º do CPTA. 5. Os recorrentes não se conformam com o entendimento vertido na decisão recorrida, sendo que se impõe, assim, e em sede da presente apelação, apreciar a adequação do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para reagir quanto à inércia dos Requeridos no âmbito de procedimento para obtenção de autorização de residência, nomeadamente quanto à verificação dos requisitos de urgência, indispensabilidade e subsidiariedade exigida por este concreto meio processual, nos termos exigidos pelo artigo 109º n.º 1 do CPTA. 6. Assim, e nos termos que infra se exporá, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, considerando verificados os requisitos para a instauração da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente, para citação dos recorridos para contestarem e ulteriores trâmites processuais 7. E, subsidiariamente, na eventualidade de se considerar que, como se defende na douta decisão recorrida, não se mostram suficientemente alegados na petição inicial, factos suscetíveis de preencher cabalmente os requisitos previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, sempre deveria o Mmo. Tribunal a quo, notificar/convidar os requerentes para proceder ao aperfeiçoamento da petição inicial (e não proceder, desde logo, ao respetivo indeferimento liminar), dando cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 1 alínea b) do CPTA 8. Pelo que, ao ter preterido este convite ao aperfeiçoamento, incorreu a douta decisão aqui sindicada em violação do disposto no citado preceito legal, mas também dos princípios do acesso à justiça e pro actione, de que aquela norma é corolário. 9. Impondo-se, pois, e igualmente por tal motivo, a sua revogação. II – DO OBJETO DO RECURSO Da indispensabilidade e subsidiariedade do meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias – e da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109º do CPTA 10. A decisão proferida pelo Mmo. Tribunal a quo conclui erradamente pela não verificação dos pressupostos previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, e dos quais depende a possibilidade de lançar mão da Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, e pela consequentemente errada decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial. 11. Ao invés do decidido, estão preenchidos os pressupostos (processuais) inerentes à Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º n.º 1 do CPTA, sendo esta tutela a única que pode evitar o arrastar da lesão grave e irreversível da esfera jurídica fundamental dos Recorrentes que se veem presentemente privados de fixar a sua residência em Portugal, por força da falta de título válido para o efeito. 12. Relativamente ao primeiro pressuposto vertido no citado preceito legal, recorde-se que o que está em causa nos autos é a continuada e injustificada inércia por parte da Administração, na tramitação do procedimento destinado a obtenção de autorização de residência e reagrupamento familiar dos Recorrentes. 13. Os Recorrentes são titulares de um direito subjetivo – consubstanciado no direito a uma decisão de deferimento de ARI e de Reagrupamento Familiar – porém, encontram-se privados do seu exercício e do efetivo prosseguimento dos autos para obtenção da ARI, pois os Requeridos simplesmente não procedem à normal tramitação do procedimento, mantendo-o, assim e indevidamente, suspenso. 14. A omissão dos Requeridos, para além de não ter qualquer justificação possível, ultrapassando todos os limites do razoável, viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé, a que a Administração está sujeita em subordinação à Constituição da República Portuguesa, por força do preceituado no artigo 266.º da Lei Fundamental, frustrando as legítimas expetativas de quem, com base num quadro legal vigente, definido pelo Governo Português, tomou a decisão de investir no nosso país, despendendo mais de € 350.000,00 e que, não obstante cumprirem todos os requisitos definidos para a obtenção de ARI e Reagrupamento Familiar, são confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia dos Requeridos em proceder a tramitação do procedimento, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e obter o título de residência. 15. A não prolação de uma decisão a propósito do processo de ARI (e o não agendamento para recolha de dados biométricos que se lhe sucede), ao obstar, em ultima ratio, à emissão do título de residência, impede os Requerentes de exercerem o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, incluindo a entrada, saída do território português. 16. Relativamente ao direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, importa referir que, uma vez plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é qualificável como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a que se refere o artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa, beneficiando mesmo regime. 17. Atendendo ao primado do Direito da União Europeia, plasmado no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição e reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que determina que as normas de direito da União Europeia prevalecem sobre o direito nacional, por maioria de razão, um Direito Fundamental da União Europeia não pode ter dignidade inferior aos direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, sendo, assim, um direito de natureza análoga. 18. E sendo um direito de natureza análoga, o Direito Fundamental da União Europeia goza do mesmo regime que os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa. 19. Ora, merecendo a mesma dignidade e beneficiando do mesmo regime que os direitos liberdades e garantias, os direitos análogos, mormente o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, plasmado no artigo 45.º do Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podem ser tutelados pela Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada pelo artigo 109.º e seguintes do CPTA. 20. Não estando os Recorrentes habilitados com um título de residência válido, para além da privação da cabal fruição do seu património sito em território português, estão impedidos, igualmente, de ver a sua situação pessoal dirimida com a certeza e segurança jurídicas que se impõem. 21. Criando-lhes uma, evidente e notória, situação de grande instabilidade pessoal, digna de tutela jurídica. 22. A violação de direitos, liberdades e garantias integrados na esfera jurídica dos Recorrentes, face à omissão do dever de decisão dos Requeridos é grave e carece de urgente resolução. 23. Ademais, a urgência na obtenção da autorização de residência (ou na prossecução do procedimento à mesma tendente), que não existia no momento da submissão da candidatura, passou a existir com o decurso do tempo decorrente da inação das Entidades Demandadas, uma vez que os Requerentes têm a sua expectativa de vida, indevidamente em suspenso há quase um ano. 24. Vejamos, ainda, que o decurso do tempo, para além de violação do elementar princípio administrativo da decisão estatuído no artigo 13.º do CPA, também se demonstrou apto a bulir com o direito fundamental a uma boa administração que, para além de ser um direito fundamental, é também, um princípio jurídico ao qual as Entidades Demandadas se encontram vinculadas, em função do disposto no artigo 5.º do CPA. 25. A necessidade de uma decisão seria fundamental para poderem entrar e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, poderem, por exemplo, fixarem a sua residência em território nacional e estabilizar a situação familiar, em segurança, direito consagrado no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, como garantia do exercício seguro e tranquilo de direitos, liberto de ameaças ou agressões. 26. A célere emissão de uma decisão por parte dos Requeridos, no prazo máximo de 10 dias úteis, revela-se indispensável para assegurar o direito fundamental de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, o direito à segurança. 27. Acresce ainda que, não podem igualmente os Recorrentes concordar com o entendimento do Mmo. Tribunal a quo, quando refere que: “O tribunal não pode concluir com base nas regras de experiência, que a delonga da decisão acarreta gravosas consequências suscetíveis de justificar o recurso à intimação prevista no artigo 109º CPTA. De tal delonga, poderão decorrer constrangimentos, indefinições, mas que, in casu, não relevam para preenchimento do pressuposto da indispensabilidade exigido pelo artigo 109º do CPTA” 28. A falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual. 29. Como bem notam o Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 22.11.2022, Processo n.º 661/22.0BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/ e o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.04.2023, Processo n.º 726/22.8BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/,, que se sufraga na íntegra, entendendo os Recorrentes que a alegação da mera falta de um título de residência e os efeitos que daí emergem em termos de evidente, atual e prolongada restrição de direitos, liberdades e garantias – e que, face ao supra exposto resultam presumidos das regras da experiência a que o julgador deve atender – mostra suficiente e adequada para que possa dar-se por cumprido o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 109º n.º 1 do CPTA 30. Acresce que o decurso (injustificado e injustificável) de um alargado período de tempo, sem que a sua situação pessoal esteja resolvida, torna premente e urgente a obtenção de uma decisão no procedimento e, portanto, legitima o recurso ao presente meio processual! 31. Face ao entendimento supra vertido, temos que se mostram integralmente preenchidos os pressupostos exigidos pelo artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, e de que depende não só o legítimo recurso por banda dos recorrentes a este meio processual – Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias - , mas igualmente para que se dê provimento à sua pretensão. 32. Não é, assim, exigível à ora Recorrente que lance mão de outro meio processual, por inexistir qualquer um que não a presente intimação que, em tempo útil acautele o seu direito fundamental lesado. 33. Ou seja, verifica-se a suficiente alegação fáctica destinada a suportar a urgência e indispensabilidade do uso do presente meio processual, estando, assim, preenchidos os pressupostos de aplicação do mecanismo previsto no artigo 109º n.º 1 do CPTA. 34. Ao consignar diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em séria e flagrante violação do disposto nos artigos 109º n.º 1 do CPTA, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que considerando verificada a adequação, urgência e indispensabilidade do meio processual de que os recorrentes lançaram mão, ordene o normal prosseguimento da instância, para citação dos requeridos e ulterior prolação de decisão de mérito, no sentido propugnado pelos recorrentes na petição inicial e assim se intimando os recorridos a proferir decisão a respeito do processo de ARI. Subsidiariamente, Da Necessidade do Convite ao Aperfeiçoamento do Requerimento Inicial 35. Na eventualidade de se considerar que, como se aduz na decisão recorrida, a factualidade alegada pelos recorrentes no requerimento inicial é escassa e que “não existe qualquer concretização/densificação quanto ao requisito da urgência, pelo que não está suficientemente caracterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado” e que “não satisfizeram os requerentes o ónus alegatório que sobre os mesmos impendia”, 36. Então sempre se impõe ajuizar que em sede de despacho liminar, o Mmo. Tribunal a quo deveria ter promovido o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 87º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do CPTA 37. Nos termos da Jurisprudência e normas jurídicas citadas no corpo da presente alegação, entendem os recorrentes que no caso presente, se o Mmo. Tribunal a quo considerou que havia carência de alegação fáctica no requerimento inicial , não se tratando de uma insuficiência insuprível, então sempre lhe era imposto que procedesse a um convite ao aperfeiçoamento a petição inicial. 38. Ao não ter lançado mão deste dever, o Mmo. Tribunal a quo incorreu em violação do disposto nos artigos 110º n.º 1 e 87º do CPTA e 590º do Cód. Proc. Civil. 39. Impõe-se, assim, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, considerando os dispositivos legais supra citados, bem como os princípios do acesso à justiça, do inquisitório, da cooperação, do dever de auxílio e da bora fé processual, dos princípios antiformalista, pro actione, in dúbio pro habilitate instantanieae, determine o convite dos recorrente a aperfeiçoar a petição inicial, mediante suprimento da respetivas insuficiência quanto à matéria de facto alegada. 40. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais. Nestes termos, e nos melhores de direito, doutamente supridos por V. Exas., deverá a douta decisão proferida ser revogada, com a consequente substituição por outra que, em face do supra expendido considere que a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias é o meio processual adequado e indispensável à cabal defesa da pretensão dos recorrentes e ordene o normal prosseguimento da instância, nomeadamente para prolação de decisão de mérito no sentido de intimar os recorridos a emitir uma decisão sobre o processo de ARI dos recorrentes, a fim de ser dar seguimento ao pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar.” A entidade requerida não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora sob censura no sentido em que o fez, procedeu de forma irrepreensível à aplicação do direito, não tendo violado quaisquer preceitos legais/constitucionais, nem tal decisão padece de qualquer vício de erro de julgamento de direito, inexistindo outras questões que cumpra conhecer. * Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão de indeferimento liminar. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “[O]s requerentes não residem em Portugal (conforme se extrai do requerimento inicial apresentado e procurações juntas aos autos), nem identificam e/ou lograram provar, por qualquer modo, a necessidade de o vir a fazer a breve trecho, não se vislumbrando a necessidade de uma decisão urgente sobre a sua pretensão. As alegações dos requerentes no sentido de que “(…) A necessidade de uma decisão seria fundamental para poder entrar e sair de Portugal, sem restrições ou constrangimentos, para, desse modo, fixar a sua residência em território nacional e estabilizar a situação familiar, em segurança (…)”; “(…) Considera-se existir uma necessidade imediata do cidadão estrangeiro em obter uma decisão relativamente à sua residência em território nacional.”, afiguram-se manifestamente insuficientes para o emprego do presente meio processual, por se verificar, desde logo, que não está demonstrado o pressuposto da indispensabilidade que subjaz à intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias. O Tribunal não pode concluir com base nas regras da experiência, que a delonga da decisão, acarreta gravosas consequências suscetíveis de justificar o recurso à intimação prevista no artigo 109.º do CPTA. De tal delonga, poderão decorrer constrangimentos, indefinições, mas que, in casu, não relevam para preenchimento do pressuposto da indispensabilidade exigido pelo artigo 109.º do CPTA. Rigorosamente, as alegações apresentadas pelos requerentes circunscrevem-se aos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração relativamente à tramitação do seu pedido de autorização de residência e correspondente reagrupamento familiar. Em suma, na situação dos autos, não foi alegada qualquer factualidade circunstanciada que permitisse apreciar a necessidade urgente concreta. Não existe qualquer concretização/densificação quanto ao requisito da urgência, pelo que, não está suficientemente caraterizada a existência de um prejuízo iminente e/ou consumado. Conforme já assinalamos, a situação de urgência mede-se perante factos concretos da vida real que reclamem a decisão imediata do pedido, sendo que os requerentes se bastaram com alegações genéricas, abstratas, considerandos que não passam de juízos conclusivos, sem a necessária densificação das circunstâncias da especial urgência que lhes cabia demonstrar no âmbito do presente meio processual. Este ónus inclui o dever de justificar a especial urgência, mediante a indicação do momento limite, do ponto de referência temporal, ultrapassado o qual será inevitável a lesão irreversível ou se tornará, de todo, impossível exercer o direito, sendo este o significado da expressão “em tempo útil”. Assim, não satisfizeram os requerentes o ónus alegatório que sobre os mesmos impendia, muito menos a prova da indispensabilidade do recurso ao presente meio processual, cujo legislador configurou como excecional e restrito. (…) Ante o exposto, concluímos que a falta dos pressupostos de admissibilidade da intimação, atendendo à fase liminar em que nos encontramos, determina a rejeição da presente intimação - cfr. artigo 110º, nº 1 do CPTA, o que se decidirá. Importa, por último, referir que, não é aplicável a prerrogativa prevista no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, pois considerando os pedidos formulados, não é possível o recurso à tutela cautelar com idêntico objeto”. Vejamos então. Estabelece o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o seguinte, quanto aos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” Como bem se vê, de acordo com este normativo, o recurso à intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. Daí decorre a imperativa concretização da existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na Constituição ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através da intimação (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 883). No caso, invocam os recorrentes, em síntese, o seguinte: - a omissão de decisão viola o princípio da tutela da confiança, corolário do princípio da boa-fé; - impede os requerentes de exercerem o direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia, direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - cria-lhes uma, evidente e notória, situação de grande instabilidade pessoal, digna de tutela jurídica e bule com o direito fundamental a uma boa administração; - a falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual. Vejamos então. Não se disputa, numa visão abrangente deste tipo de casos, que a ausência de decisão definitiva quanto à Autorização de Residência para Investimento (ARI) possa tolher a liberdade de circulação dos requerentes que a aguardam, no caso dos autos. Assim como não é de disputar o seu direito a uma decisão em prazo razoável, prazo este que se encontra manifestamente excedido. Contudo, a invocação genérica quanto à restrição da sua liberdade de circulação não permite sustentar uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia. Relevando que os recorrentes não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal. Mais, a exigência de apenas se justificar o recurso à intimação perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, implica a caracterização de uma situação de urgência. Ora, no caso vertente, não foram alegados factos que caracterizem designadamente uma situação de perda irreversível de faculdades de exercício de um direito, ou de uma situação de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém. Isto para além dos notórios incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há muito tempo, conforme se sublinha na decisão objeto do presente recurso. Mas estes incómodos não fundam uma necessidade de tutela urgente dos seus direitos. Certo é, volta a sublinhar-se, que os recorrentes não gozam da equiparação de direitos, uma vez que não são residentes em território nacional, sendo inaplicável ao caso dos autos o princípio vertido no artigo 15.º da CRP. Subsidiariamente, invocam os recorrentes que se impunha a formulação de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial. Conforme decorre do disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, logo que distribuída, é conclusa ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias. Vale isto por dizer que a lei impõe ao juiz uma apreciação liminar da intimação. Na qual se concretiza a avaliação da factualidade alegada pelo requerente e da pretensão por este formulado, no sentido de apurar se se mostram preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Neste quadro legal, não se impõe ao juiz que dirija ao requerente convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial. Conforme se entendeu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul datado de 02/06/2021 (proferido no proc. 122/21.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt), “carecia de sentido lógico a pretendida interpelação do Autor no sentido de ‘adensar a matéria de facto alegada’, o que, aliás, em sede liminar não teria fundamento legal. Distribuído o processo o mesmo é concluso ao juiz para despacho liminar, como previsto no n.º 1 do art.º 110º do CPTA. Em face do que aí for alegado o juiz deverá rejeitar ou admitir a petição (podendo ainda, no uso do seu dever de gestão processual, decidir a tramitação a adotar nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal). Nesta sede, recaem sobre o Autor as consequências que da falta do cumprimento do seu ónus de alegação resultem, extravasando os limites dos princípios da gestão processual ou da adequação formal (art.ºs 7º e 7º-A do CPTA) a determinação ou o convite judicial ao seu suprimento dessa falta. Em suma o Tribunal a quo não omitiu a prática de qualquer ato que lhe fosse imposto pelo formalismo processual prescrito na lei, não tendo, portanto, incorrido na prática de qualquer nulidade processual.” É precisamente a situação dos autos. À luz do citado artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, cabia ao juiz rejeitar ou admitir o requerimento inicial apresentado pelos requerentes, em função da análise dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Vale isto por dizer que, no âmbito deste processo especial, não tinha que haver lugar a convite ao aperfeiçoamento. Como tal, será de manter o juízo de rejeição liminar proferido na decisão recorrida, assim se negando provimento ao recurso. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida. Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP. Lisboa, 20 de setembro de 2024 (Pedro Nuno Figueiredo) (Ilda Côco) (Marcelo Mendonça) |