Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2577/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:UNIDADES DE PARTICIPAÇÃO
TRIBUTAÇÃO DE ENTIDADES PARTICIPANTES NOS FUNDOS-22.º EBF
AJUSTAMENTO POSITIVO 58.º A DO CIRC
VPT
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Resultava do artigo 22.º do EBF, que os rendimentos auferidos por sujeitos passivos de IRC residentes, respeitantes a Unidades de Participação: (i) não estavam sujeitos a retenção na fonte (por parte do fundo de investimento operante), (ii) tinham de ser considerados como proveitos ou ganhos, pelos seus titulares (sujeitos passivos de IRC), e (iii) o montante do imposto retido ou devido (ao ou pelo fundo operante) revestia a natureza de imposto por conta, para os efeitos do consignado no artigo 83.º do CIRC.
II - Ao nível dos procedimentos relevava a forma de liquidação e enquanto dedução à coleta, logo tendo sido provada a retenção na fonte, e o erro na autoliquidação há que legitimar a correção desse mesmo erro.
III - Resulta do artigo 58.º A do CIRC, que os alienantes e os adquirentes para efeitos de apuramento do lucro tributável devem optar por valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos (VPT) que serviram de base à liquidação do IMT, ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
IV - Sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável.
V - Se a prova realizada nos autos permite asseverar que ocorreu um erro declarativo por via de uma confusão gráfica corroborada, ademais, pelas regras da experiência, tendo sido considerado como VPT um valor significativamente superior ao correto, há que permitir a correção respeitante ao ajustamento positivo plasmado no artigo 58.º A do CIRC.
VI - Nas situações de autoliquidação, o erro imputável aos serviços só passa a ser passível de qualificação enquanto tal, ou seja, imputabilidade à AT, no momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez, ou seja, apenas com a competente e atempada impugnação administrativa os serviços da AT ficam em condições de percecionar, ponderar, conhecer, corrigir e sanar uma cometida ilegalidade.
VII - Logo, é a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, e justificado o ressarcimento do sujeito passivo, que o erro passa a ser imputável aos serviços.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2004, no montante global de €16.697,07.

A Recorrente formula as conclusões que infra se reproduzem:

“i. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial parcialmente procedente, e, em consequência, determinou que a AT proceda à emissão de uma liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2004, onde estejam contemplados os ajustamentos e correções objeto da douta decisão e condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à emissão do respetivo reembolso.

ii. Como questão prévia, a Fazenda Pública considera que a conduta processual das partes sempre se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça e pela abstenção da prática de atos inúteis ou suscetíveis de provocar uma dilação na prolação da sentença, no respeito pelos normais trâmites do processo judicial tributário, pelo que os pressupostos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente do valor de €275.000,00 encontram-se verificados, pelo que requer que o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo deverá cingir-se àquele tecto máximo de € 275.000,00, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

iii. Considerou o Tribunal a quo como provado que em 2004 a CGD era detentora de Unidades de Participação nos Fundos de Investimento Imobiliário da carteira própria de investimento da CGD: - 9.365.305 unidades de participação do Fundo Caixagest Moeda; - 2.494954 unidades de participação do Fundo Caixagest Gestão Eurobrigações; (facto B) dos factos provados)

iv. E considerou ainda como provado que no exercício de 2004 a CGD efetuou o resgate de: - 8.585.372 unidades de participação do Fundo Caixagest Moeda pelo valor de €360.470,47; - 2.482.454 unidades de participação do Fundo Caixagest Gestão Eurobrigações pelo valor de €1.954.869,98; (facto C) dos factos provados).

v. O tribunal a quo fixou o facto B) e C) por entender que os mesmos não foram contestados, no entanto a Fazenda Pública não pode aceitar tal entendimento, pois em sede de contestação impugnou tais factos conforme informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa (assumida como contestação) no ponto 40.º, pelo que os mesmos não deviam ter sido dado como provados face à ausência de prova produzida nos autos.

vi. Entende a fazenda Pública que não pode o documento interno constante do facto D) fazer prova do valor da retenção alegadamente efetuada, pois existindo i) documentação emitida pela entidade gestora e ii) guias de retenção e de entrega do imposto ao Estado, seriam esses os documentos aptos a fazer prova dos valor retidos e entregues ao Estado.

vii. Entende a Fazenda Pública que, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida no caso sub judice pois face à prova produzida nos autos não se encontram demonstrados os factos C) e D), pelo que os mesmos não deviam ter sido dados como provados.

viii. Decidiu o tribunal a quo que «A impugnante considerou nos seus registos contabilísticos os valores acima indicados, sem qualquer ajustamento para efeitos de determinação do seu lucro tributável sendo os mesmos integrados no resultado líquido do exercício, no Quadro 07, campo 201 da declaração Modelo 22 de IRC, para o exercício de 2004, submetida via eletrónica em 30.05.2005» (facto D2) dos factos dados como provados.

ix. Acontece que a Impugnante não junta o extrato de conta na qual foi registado tal valor líquido nem o detalhe do apuramento do campo 359, do quadro 10, ou qualquer outro elemento contabilístico, pelo que a Impugnante não logrou fazer prova dos factos alegados, em conformidade com o disposto no artº 74º da LGT, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo e só perante tais elementos contabilísticos é que o tribunal poderia dar como provado o facto D2).

x. Assim, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, pois face à prova produzida nos autos não podia o tribunal a quo ter dado como provado que a Impugnante considerou nos seus registos contabilísticos os valores sem qualquer ajustamento para efeitos de determinação do seu lucro tributável sendo os mesmos integrados no resultado líquido do exercício, no Quadro 07, campo 201 da declaração Modelo 22 de IRC, para o exercício de 2004, submetida via eletrónica em 30.05.2005, isto é, o facto D2).

xi. Face ao exposto, devia a sentença ter decidido que a Impugnante não demonstrou ter considerado nos seus registos contabilísticos os valores do resgate sem qualquer ajustamento para efeitos de determinação do seu lucro tributável nem demonstrou que não refletiu a retenção na fonte no campo 359 do quadro 10 da Declaração Mod. 22, pelo que decidindo em sentido contrário não apreciou corretamente a prova produzida nos autos e violou o disposto no artigo 74º nº 1 da LGT e no artigo 22.º, do EBF.

xii. No que diz respeito à segunda questão decidenda relativa ao vício de violação do disposto no art.º 58-A do CIRC ao não considerar um acréscimo igual ao diferencial entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor declarado, mas sim um acréscimo superior, decidiu o tribunal a quo que os valores considerados pela impugnante na primeira Declaração Mod. 22 de IRC relativa ao exercício de 2004 e submetida em 30.05.2005 foram: - Fração “J” - valor de venda €282.340,00 - VPT de €202.340,00; - Fração “Z” - valor de venda €236.929,00 - VPT de €372.430,00 (facto H).

xiii. E concluiu que o montante de € 89.975,96 (80.000,00 + 9.975,96) resultou de erros de escrita/simpatia na contabilidade da impugnante - em relação à fração “J” ao valor definitivo do VPT posteriormente notificado de €202.340,00 foi registado por 282.340,00 por mais (80.000,00); - Em relação à fração “Z” o valor da escritura de compra e venda foi registado por €236.929,00 quando deveria ter sido registado pelo valor constante da mesma € 246.904,96; (facto K) Cf. depoimento das testemunhas).

xiv. Entende a Fazenda Pública que fica demonstrado que no relatório de inspeção encontra-se analisada a matéria relativa à diferença entre o valor patrimonial do imóvel e o valor constante do contrato, nos termos do artigo 58.º-A, tendo originado uma correção no valor de € 446.562,67, relativa aos imóveis constantes no anexo 4, pelo que a AT efetivamente já tinha analisado esta matéria, contrariamente ao que o tribunal a quo decidiu.

xv. No entanto, importa não olvidar que a reclamação graciosa apresentada trata-se de uma reclamação da autoliquidação, nos termos do artigo 131.º, do CPPT, sendo que neste caso cabe à Impugnante provar os erros alegadamente cometidos na autoliquidação, nos termos do artigo 74.º, da LGT.

xvi. E face à prova produzida caraterizada pela ausência dos registos contabilísticos, não podia o tribunal a quo ter dado como provado que a impugnante considerou na primeira Declaração Mod. 22, relativamente à fração “J”, o valor de venda de € 282.340,00 e que ocorreu um erro de escrita/simpatia na sua contabilidade no sentido do VPT definitivo ter sido registado por € 282.340,00, isto é, os factos H) e K).

xvii. Face ao exposto, devia a sentença ter decidido que a Impugnante não demonstrou ter registado na contabilidade o VPT definitivo no valor de € 282.340,00, pelo que decidindo em sentido contrário não apreciou corretamente a prova produzida nos autos e violou o disposto no artigo 58.º-A.º, do CIRC e artigo 74º nº 1 da LGT.

xviii. Os fundamentos aduzidos conduzirão indubitavelmente a decisão diferente da que foi decidida, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida a Impugnação judicial totalmente improcedente.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá:

xix. A sentença que ora se recorre condenou a Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à emissão do respetivo reembolso, com base no disposto no art.º 61 do CPPT conjugado com o art.º 43 n.º 1 e 2 e art.º 100 da LGT.

xx. Não pode a AT concordar com o decidido pois conforme se demonstrará infra, não ocorreu qual erro imputável que posso ser imputável à AT.

xxi. Estando em causa erros na autoliquidação cabia à Impugnante o ónus da prova do alegado, pelo que a mesma devia carrear aos autos prova idónea e capaz de fazer prova do alegado e tal não aconteceu, aliás, grande parte dessa prova foi feita apenas em sede de audiência de julgamento através do depoimento das testemunhas conforme motivação dos factos D2) e K) – prova essa que não estava na disponibilidade da AT aquando da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento em falta de prova.

xxii. Assim, não se verifica no caso em apreço o nexo de imputação do erro à Administração Tributária, isto é, não se verificam as condições de que, por força do disposto no artigo 43.º, n.º 1 e 2 da LGT, dependeria a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.

xxiii. A interpretação a dar aos normativos legais ínsitos aos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT, será a de que o erro imputável aos serviços, enquanto pressuposto de facto necessário ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, exige que se encontre na disponibilidade da Administração Tributária uma actuação diversa da adoptada, o que, manifestamente, não aconteceu e não lhe era exigível, face à ausência de prova no procedimento de reclamação graciosa e que apenas foi produzida em sede de impugnação judicial.

xxiv. A sentença recorrida, ao decidir em sentido diverso, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos 43.º, n.º 1 e 2, não merecendo por isso ser confirmada.

xxv. Face ao exposto deve ser concedido provimento ao recurso e a douta sentença recorrida ser revogada na parte tocante aos juros indemnizatórios na medida em que não verifica erro imputável à AT e consequentemente o artigo 43.º, n.º 1 e 2 não tem aplicação in casu.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

Ou caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser concedido provimento ao recurso e a douta sentença ser revogada na parte tocante aos juros indemnizatórios.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida, devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

Face ao exposto, a Recorrida formula as seguintes conclusões:

(a) O indeferimento da reclamação graciosa que constitui o objecto imediato da presente acção baseou-se em argumentação diversa da que foi utilizada pela Recorrente quer na contestação, quer nas alegações de recurso apresentadas: da invocação de que nada havia a alterar por a inspecção relativa ao exercício de 2004 aqui em causa ter sido , rigorosa aos respectivos elementos de escrita[, pelo que] não poderia ter deixado de tomar em consideração todos os elementos relevantes que pudessem, de alguma forma, afectar a sua situação tributária [e que] não se vislumbra[va\m elementos suficientes que permit[isse]m confirmar, de forma a que «í76>//[cass]efl7 a restar quaisquer ditvidas, que (...) assiste razão [à Recorrida]"', passou- -se à argumentação de que, afinal, o que está em causa é apenas uma questão de prova.

(b) Desta forma, a Recorrente vem agora alterar a argumentação previamente utilizada pela sua representada Autoridade Tributária e Aduaneira para fundamentar a decisão de indeferimento da reclamação objecto imediato do presente recurso.

(c) Tal significa que a Recorrente considera que o Tribunal a quo errou na sua decisão por não ter atendido a (alegadas) razões que não foram as razões que fundamentaram o acto de indeferimento da reclamação graciosa imediatamente contestado na presente impugnação.

(d) Uma vez que a fundamentação a posteriori do acto tributário é inadmissível e que ao tribunal compete apreciar apenas a fundamentação contemporânea do mesmo acto, há que concluir que bem decidiu o Tribunal a quo quando conclui pela procedência da impugnação na parte que agora releva.

(e) Em qualquer hipótese, a Recorrida considera que o recurso não pode proceder, por não merecer a decisão recorrida a censura que lhe é dirigida pela Recorrente, que insistindo no erro de raciocínio que tem viciado a sua posição, considera que a prova de que a Recorrida não considerou no apuramento do seu lucro tributável de 2004 e no imposto considerado suportado por conta, o imposto considerado suportado relativamente ao resgate de unidades de participação em quatro fundos de investimento mobiliário, nos termos do artigo 22.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redacção vigente à data relevante, apenas poderia ter sido efectuada mediante documentos emitidos por terceiros, quando o foi mediante prova testemunhal e documento emitido pela Recorrida enquanto entidade depositária dos fundos de investimento em causa.

(f) Ora, o artigo 362.° do Código Civil define documento como “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto".

(g) E dúvidas não pode haver de que no caso concreto o documento trazido a estes autos pela Recorrida já em sede de reclamação preenche aquela definição. Estamos assim perante um documento que, nos termos gerais, pode ser utilizado para efeitos de prova documental.

(h) E, tratando-se de um documento particular (ou seja, não autêntico nem autenticado), ‘ faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor”, salvo se for arguida e provada a respectiva falsidade (cfr. artigo 376.° do Código Civil), sendo que no processo de impugnação tal arguição e prova teria que ter ocorrido no prazo de 10 dias após a sua junção ao processo (cfr. artigo 115.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário), ou seja, no caso concreto após a notificação da Fazenda Pública para contestar.

(i) E tal não se verificou, pelo que ao documento apresentado pela Recorrida tem que ser reconhecido o valor probatório que o Tribunal a quo aceitou.

(j) Insiste a Recorrente na argumentação de que não tem (nenhuma, ao que parece) força probatória o documento apresentado pela Recorrida por não ter sido emitido por um terceiro, mas nada na lei, civil ou fiscal, permite aquela conclusão.

(k) E muito menos tal conclusão seria possível na presente situação, em que o documento emitido pela Recorrida o foi no âmbito das suas funções de entidade depositária dos fundos de investimento em causa, o que significa que tal documento (que comprova os factos aqui relevantes) não poderia nunca ter sido emitido por um terceiro por apenas a entidade depositária dos fundos de investimento em causa poder fazê-lo, por apenas ela ter a ciência necessária para o efeito, decorrente, precisamente, das suas funções de depositária. e, tendo sido emitido pela Recorrida, foi-o numa qualidade, de facto, de “terceiro'”, porque não respeita à qualidade de detentor das unidades de participação, que é aquela na qual a Recorrida deixou de reflectir na sua autoliquidação de IRC de 2004 os valores relevantes.

(l) Acresce que sobre este ponto foi igualmente produzida prova testemunhal, que, adequadamente valorada pelo Tribunal a quo no âmbito dos poderes que a lei lhe confere para estes efeitos, complementou a prova documental.

(m) Sem contestar que o valor correcto a considerar pela Recorrida relalivamente ao valor patrimonial tributário definitivo de um imóvel relevante para efeitos da aplicação do artigo 58.°-A do Código do IRC na redacção vigente à data relevante era, de facto, de € 202 340,00 e não o valor de € 282 340,00 que foi de facto considerado, afirma a Recorrente que não foi provado o "erro de simpatia” invocado pela Recorrida, que, conforme resulta evidente dos factos não contestados, se traduz na utilização do algarismo 8 na composição do número que reflecte o valor patrimonial em causa quando para tal efeito deveria ter sido utilizado o algarismo 0.

(n) Ora, pergunta a Recorrida, é tão pouco plausível para a Recorrente que os dois algarismos - o 0 e o 8 - possam ser confundidos, para mais na composição de um número que tem oito algarismos (incluindo vários zeros)?

(o) É que é da natureza das coisas os algarismos em causa poderem ser confundidos pela sua configuração gráfica, confusão essa que facilmente dá origem a erros na declaração, e é tal natureza das coisas, conjugada com os restantes meios de prova documental e testemunhal, que, julga a Recorrida, permite ao Tribunal a quo afirmar “sem pejo” a existência de erro que há que corrigir.

(p) Contesta, por fim, a Recorrente o reconhecimento à Recorrida do direito a juros indemnizatórios, alegando que não existiu no caso concreto qualquer erro imputável aos serviços, sendo o erro antes imputável à Recorrida.

(q) A Recorrida aceita que, de facto, não existiu na autoliquidação qualquer erro imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, antes lhe sendo imputáveis os erros nessa autoliquidação que demonstrou no presente processo, não aceita que não lhe sejam devidos juros indemnizatórios, como pretende a Recorrente.

(r) E que, contrariamente ao que é argumentado pela Recorrente, não se trata de indemnizar a Recorrida pelo dano causado por erros cometido na autoliquidação: esses, a Recorrida sabe que lhe são imputáveis. Do que se trata é antes de indemnizar a Recorrida por a Autoridade Tributária e Aduaneira não ter, como lhe competia, corrigido os erros que a Recorrida trouxe ao seu conhecimento mediante a reclamação cujo indeferimento é objecto imediato da presente acçao.

(s) E é por isso que o período relativamente ao qual o direito a juros foi reconhecido pelo Tribunal a quo não é contado desde a data da autoliquidação, mas apenas desde a data da decisão da reclamação: se entre a data da autoliquidação e a data da decisão da reclamação o dano decorria de um facto imputável à Recorrida, a partir da última das datas o dano decorre de um facto ilícito (a decisão ilegal) imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, há que concluir que não procedem as conclusões da Recorrente, devendo a procedência parcial da impugnação decidida pelo Tribunal a quo manter-se na ordem jurídica, com as legais consequências.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, considero provados os seguintes factos:

A) A impugnante designada por «Caixa Geral de Depósitos SA.» (CGD) é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, operando em todas as áreas de atividade bancária com as características de banca universal orientada para a banca comercial concedendo crédito a empresas, particulares e do setor público administrativo. Dentro do crédito a particulares destaca-se o crédito à habitação e no setor administrativo, o concedido a municípios. Paralelamente atua ao nível do mercado de capitais, destacando-se a sua atuação como Operador Especializado em Valores do Tesouro (OEVT) no mercado primário de dívida pública, sendo que no mercado secundário desempenha igualmente um papel ativo nas compra e vendas de Títulos na Bolsa de Valores de Lisboa e no mercado Especial de Operações por Grosso; (Cf. doc. de fls. 86 dos autos)

B) Em 2004 a CGD era detentora de Unidades de Participação nos Fundos de Investimento Imobiliário da carteira própria de investimento da CGD:

- 9.365.305 unidades de participação do Fundo Caixagest Moeda;

- 2.494954 unidades de participação do Fundo Caixagest Gestão Eurobrigações; (não contestado)

C) No exercício de 2004 efetuou o resgate de:

- 8.585.372 unidades de participação do Fundo Caixagest Moeda pelo valor de €360.470,47;

- 2.482.454 unidades de participação do Fundo Caixagest Gestão Eurobrigações pelo valor de €1.954.869,98; (não contestado)

D) Em 20.01.2005 a Impugnante emitiu um documento interno, para efeitos do disposto no art.º 119 do CIRS e 120 do CIRC com o seguinte teor:



(Cf. doc. 5 junto com a PI)

D) A impugnante considerou nos seus registos contabilísticos os valores acima indicados, sem qualquer ajustamento para efeitos de determinação do seu lucro tributável sendo os mesmos integrados no resultado líquido do exercício, no Quadro 07, campo 201 da declaração Modelo 22 de IRC, para o exercício de 2004, submetida via eletrónica em 30.05.2005; (Cf. doc. 6 junto com a PI e depoimento da s testemunhas)

E) A impugnante é uma instituição de crédito que adquire no âmbito desta atividade prédio em dação em pagamento ou arrematação para reembolso de créditos concedidos; (não contestado)

F) Em 19.04.2004 e, em 29.04.2004, a impugnante celebrou contratos de compra e venda relativamente às frações autónomas destinadas à habitação designadas pelas letras “Z” e “J” correspondendo ao artigo 806 da freguesia da Ameixoeira com o Valor Patrimonial Tributário (VPT) individual de €372.430,00 e €202.340,00, respetivamente; (Cf. doc. 11 e 12 junto com a PI e 284 a 294 dos autos)

G) Em 19.04.2004 e, em 29.04.2004, a impugnante celebrou contratos de compra e venda relativamente às frações autónomas destinadas à habitação designadas pelas letras “Z” e “J” correspondendo ao artigo 806 da freguesia da Ameixoeira com valores de alienação de €236.929,00 e €125.382,83 respetivamente; (Cf. doc. 284 a 294 dos autos)

H) Os valores considerados pela impugnante na primeira Declaração Mod. 22 de IRC relativa ao exercício de 2004 e submetida em 30.05.2005 foram:

- Fração “J” - valor de venda €282.340,00 - VPT de €202.340,00;

- Fração “Z” - valor de venda €236.929,00 - VPT de €372.430,00; (Cf. doc. 11, 12 , 13, fls. 285 dos autos)

I) Os VPT determinados, em relação às frações “J” e “Z” notificados à impugnante e levados em consideração na declaração de substituição Mod. 22 de IRC entregue em 31.01.2007, relativa ao exercício de 2004 passaram respetivamente de €125.382,83 e €236.929,00 para €202.340,00 e €372.430,00; (Cf. doc. 11 , 12 e 13 juntos com a PI)

J) Em 30.05.2007, a impugnante deduziu Reclamação Graciosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2004, com fundamento no tratamento contabilístico das unidades de participação para indicação no Q.07 – Campo 201, e Q.10 campo 358, no montante de €486.829,60 relativo ao imposto retido aos Fundos pelos resgates das unidades de participação e dos Valores Patrimoniais Tributários das duas frações acima indicadas no ajustamento positivo de €89.975,96 (80.000,00 + 9.975,96); (Cf. doc. 1 junto com a PI)

K) Os montantes atrás referidos de €89.975,96 (80.000,00 + 9.975,96) resultaram se de erros de escrita/simpatia na contabilidade da impugnante:

- em relação à fração “J” ao valor definitivo do VPT posteriormente notificado de €202.340,00 foi registado por 282.340,00 por mais (80.000,00);

- Em relação à fração “Z” o valor da escritura de compra e venda foi registado por€236.929,00 quando deveria ter sido registado pelo valor constante da mesma €246.904,96; (Cf. depoimento das testemunhas)

L) Em 21.10.2010 a impugnante foi informada através do ofício n.º 093970 da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa do indeferimento da reclamação graciosa com os fundamentos que se dão por reproduzidos; (Cf. doc. 2 junto com a PI)

M) Em 05.11.2010, a impugnante deu entrada neste Tribunal Tributário da petição inicial da presente impugnação onde foi registada com o n.º 144305, cf. fls. 2 dos autos;


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão.”


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A decisão da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram e ainda no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, tendo estas confirmado ao tribunal que a impugnante em 2004 a CGD era detentora de Unidades de Participação nos Fundos de Investimento Imobiliário da sua própria carteira de investimento e que parte dos mesmos foram objeto de resgate tendo sido efetuada a correspondente retenção na fonte com natureza de imposto por conta. Afirmaram que o montante do rendimento dos regates foi erradamente registado na declaração modelo 22 de IRC pelo seu valor líquido quando deveria ter sido inscrito o seu valor ilíquido e o imposto retido refletido legalmente nas deduções à coleta. Mais confirmaram ao tribunal que devido às inúmeras situações de imóveis em venda na impugnante em cada exercício, em relação fração designada pela letra “J” houve um erro de simpatia com o valor do VPT de e em relação à fração designada pela letra “Z” o erro resultou da inscrição de um valor de venda diferente do que consta da escritura de compra e venda. O depoimento das testemunhas mostrou-se isento e credível o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação da factualidade mencionada em I), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do aludido facto o qual passa a assumir a seguinte roupagem:

I) A 31 de janeiro de 2007, e na sequência da notificação dos VPT definitivos, a Impugnante, Caixa Geral de Depósitos, apresentou Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, de substituição, respeitante ao exercício de 2004, tendo sido indicado no quadro 07, um ajustamento positivo no valor total de €1.791.849,99, correspondente à diferença entre os Valores de Venda dos imóveis alienados em 2004 e os VPT definitivos, sendo que quanto às frações autónomas “J” e “Z”, melhor descritas em F) e G) supra, foram declarados VPT de €282.340,00 e €372.430,00, respetivamente (Cf. doc. 9, 11 , 12 e 13 juntos com a PI)


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

O) A Impugnante, Caixa Geral de Depósitos, foi objeto de ação de Inspeção Tributária externa relativamente ao exercício de 2004, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200700105, tendo sido elaborado o respetivo Relatório Inspetivo, datado de 31 de julho de 2008, do qual resultaram diversas correções aritméticas ao lucro tributável, particularmente, a correção no valor de €446.562,67, dimanante da diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, com a fundamentação que infra se transcreve:



(cfr. documento 6 junto com a p.i., a fls. 74 e seguintes, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

P) As correções aritméticas no valor de €446.562,67, melhor evidenciadas na alínea antecedente, resultantes das diferenças positivas entre o VPT definitivo e o Valor constante do contrato, ao abrigo do artigo 58.º A do CIRC, respeitam aos imóveis melhor identificados no Anexo IV, integrante do Relatório de Inspeção Tributária e que se extrata na parte que para os autos releva:




«Imagem em texto no original»




(cfr. documento 6 junto com a p.i., a fls. 74 e seguintes cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***



III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente DRFP não se conforma, na parte que lhe é desfavorável, com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRC, e respetivos JC, respeitantes ao exercício de 2004.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que apenas o DRFP interpôs recurso jurisdicional na parte referente aos ajustamentos positivos ao lucro tributável e inerente dedução respeitante aos rendimentos resultantes de resgate de Unidades de Participação (UP´s), no valor global de €486.829,60, e ao erro de escrita -cômputo por excesso- concernente ao ajustamento decorrente do artigo 58.º A do CIRC, no valor de €80.000,00 tendo, por isso, transitado em julgado o ajustamento positivo dimanante da diferença entre o VPT e o valor escriturado, respeitante à fração denominada pela letra “Z”, no valor de €9.975,96, julgado improcedente e, ora, não sindicado.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se:

Ø A decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, na medida em que valorou, erradamente, a prova produzida nos autos, competindo, para o efeito, aquilatar do preenchimento dos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, e as competentes supressões do acervo probatório dos autos;

Ø O Tribunal incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, por ter julgado procedente:

o Os ajustamentos positivos ao lucro tributável e inerente dedução respeitante aos rendimentos resultantes de resgate de UP´s, no valor total de €486.829,60;

o O erro de escrita -cômputo por excesso- relativamente ao ajustamento decorrente do artigo 58.º A do CIRC, respeitante à fração autónoma designada pela letra “J”, concernente ao artigo matricial 806, no valor total de €80.000,00.

Ø Não logrando mérito o aludido erro de julgamento, se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, na medida em que inexiste erro imputável aos serviços.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (3-Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.)

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC (4-Conforme doutrina o Ac. STJ. de 03/03/2016, no processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S)..

Mais importa ter presente que, nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto, requerendo a supressão do probatório, concretamente das alíneas B) a D), D2, H) e K), convocando inidoneidade do meio probatório, cumprindo, assim, os respetivos requisitos legais, mas apenas no atinente à prova documental.

No concernente à prova testemunhal, a Recorrente não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem, tão-pouco, indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, limitando-se a requerer, de forma conclusiva, a supressão de determinada factualidade. Pelo que, não impugna a matéria de facto de acordo com os requisitos supra evidenciados.

Prosseguindo, então, a análise.

Ab initio, e uma vez que a enumeração da matéria de facto comporta uma duplicação respeitante à alínea D), procede-se à reformulação da ordem alfabética nela constante, justamente, a partir da alínea D) enunciada, por lapso, duplicadamente, passando, assim, esta a assumir a alínea E), e o probatório a desfechar em N) em vez de M).

Feita esta retificação, atentemos, então, na aduzida supressão.

Começa por aduzir que não poderia o Tribunal a quo consignar como factos provados os elencados em B) e C), mediante a específica alusão a “factos não contestados”, na medida em que tais realidades foram objeto de contestação, mormente, no ponto 40.º da contestação.

Por outro lado, evidencia que a factualidade plasmada na alínea D), não podia ser objeto de asserção mediante a convocação do documento nele evidenciado, porquanto o mesmo consubstancia um mero documento interno, e no caso a prova tinha de consubstanciar-se na documentação emitida pela entidade gestora e pelas respetivas guias de retenção e de entrega do imposto ao Estado.

Mais evidencia que, o meio probatório indicado em D2, é insuficiente para asseverar as realidades de facto nele constantes, sendo que as mesmas apenas poderiam ser objeto de fixação mediante a junção dos respetivos documentos contabilísticos.

No atinente aos factos constantes em H) e K), do probatório convoca, igualmente, incorreção e insuficiência probatória.

Dissente a Recorrida, propugnando pela sua manutenção, não só porque tais asserções de facto nunca foram objeto de qualquer contestação, assumindo-as, ademais, em sede de procedimento de reclamação, mas também porque tais meios probatórios são, efetivamente, suficientes.

Atentemos, então, em cada uma das asserções de per se.

As alíneas B) e C), elencam, exclusivamente, como meio probatório, “facto não contestado”, ou seja, assumem a existência de falta de impugnação expressa para o efeito.

De facto, e conforme aduzido pela Recorrida tais asserções de facto nunca foram objeto de qualquer contestação no respetivo procedimento de reclamação graciosa, existindo apenas contestação no articulado atinente ao efeito, mormente, no artigo 40.º, do qual se infere a invocação -ainda que de forma conclusiva- de insuficiência probatória atinente ao efeito.

Ora se é certo que, a mera invocação de facto não controvertido pode, efetivamente, ser insuficiente, desde logo, atenta a expressa menção constante no artigo 110.º, nº 6, do CPPT, a verdade é que é, igualmente, certo que o Juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos, conforme dimana do seu nº7.

De todo o modo, no caso vertente, existe prova documental a atestar tal realidade e que o Tribunal ad quem, atenta a aludida impugnação e de acordo com os seus poderes de cognição, pode e deve valorar. Assim, ainda que o Tribunal a quo não tenha convocado como meio probatório o documento 5, a que faz alusão na alínea subsequente, a verdade é que, esse mesmo documento assevera essas realidades de facto, sendo, portanto, de computar.

Com efeito, as alíneas B) e C) respeitam à identificação e ao quantitativo inerente às UP´s detidas pela Impugnante, ora Recorrida, e bem assim ao ulterior resgate, e a verdade é que a origem dos Fundos e os Rendimentos ilíquidos encontram-se discriminados nesse mesmo documento epigrafado de “Declaração Anual de Rendimentos”, e que permite, efetivamente, atestar as asserções fáticas nela contempladas.

Assim, face ao exposto, mantêm-se na íntegra as aludidas alíneas do probatório, aditando-se, no entanto, enquanto meio probatório o aludido documento 5.

Prosseguindo.

A Recorrente evidencia, outrossim, a supressão da alínea D), no entanto, mais uma vez não lhe assiste qualquer razão.

Senão vejamos.

Mediante uma leitura atenta da aludida alínea resulta que a mesma corporiza a asserção relacionada com o teor do documento e mediante transcrição do seu teor integral, logo não carece da arguida supressão, não se justificando, por outro lado, qualquer alteração ou aditamento adicional, nesse e para esse efeito.

De relevar, outrossim, que não assiste igualmente razão à Recorrente quando advoga que a mesma configura um mero documento interno e que as realidades de facto nela contempladas careciam de ser materializadas pela Entidade Gestora do Fundo.

E isto porque, não nos encontramos, efetivamente, perante um documento interno, secundando-se o aduzido, neste particular, na decisão recorrida no sentido de que “como refere a Impugnante é ela mesma a entidade depositária das unidades de participação que resgatou dos referidos fundos que constituiu. Assim sendo a documentação relativa às operações de resgate que se realizaram internamente só podem ser emitidas pela mesma entidade a “CGD”, como é fácil de entender.”

Ademais, tal é o que se infere, igualmente, do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, mormente do plasmado no artigo 40.°

Sem embargo de todo o exposto, sempre se dirá que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, a sua demonstração pode ser realizada mediante documentos internos e inclusive prova testemunhal.

Com efeito, e ainda que no domínio da assunção da dedutibilidade fiscal mas transponível mutatis mutandis há que ter presente que “o custo indocumentado, pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. (5-In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020.)

Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva” (6-In Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80.).

Dir-se-á, portanto, que não releva, per se, e sem mais o conteúdo formal do documento, mas um certo conteúdo funcional, a sua adequação para cumprir uma certa função, passível de apelidação como função de justificação ou de credibilização.

Neste concreto particular, elucida o Aresto do STA, proferido no processo nº 184/10, datado de 06 de maio de 2020:

“Trata-se de uma função dos documentos que não tem paralelo no direito civil, porque não está aqui em causa comprovar as declarações negociais e assegurar a sua eficácia externa (com a consequente estabilidade e segurança nos negócios jurídicos) mas indiciar a transferência de riqueza, isto é, constituir um indício fundado da ocorrência de uma operação com relevo fiscal.
Assim, os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos deviam ser adequados a relacionar um certo fluxo financeiro com uma operação subjacente com relevo económico (a jusante) e com a fonte produtora (a montante). Se permitissem o estabelecimento desse elo ou nexo na cadeia dos acontecimentos da empresa seriam documentos credíveis, no sentido de que conferiam uma certa aparência de verdade à operação e concorriam, assim, para suportar a credibilidade da própria escrita, tão necessária ao funcionamento da presunção a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Mas, se o enfoque estava no conteúdo funcional desses documentos (na função específica que cumpriam no plano contabilístico e do direito fiscal), isto também significa que, na falta de disposição legal que o impusesse, os documentos não tinham que ter uma forma específica, isto é, não tinham que observar específicos requisitos formais para cumprirem a sua função.”(destaques e sublinhados nossos).

Assim, e tendo como premissa o supra expendido, ter-se-á de concluir que nenhuma censura merece a factualidade contemplada na alínea D), e bem assim o julgamento que com base nela foi realizado, conforme analisaremos em sede própria.

In fine, sempre se dirá que a atuação da AT no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi de completa desconsideração da realidade alegada, e sem qualquer apreciação crítica da prova produzida. Com efeito, inexiste qualquer convocação e densificação da prova carreada aos autos, nada requerendo em termos da sua, eventual, insuficiência limitando-se, sem mais, a alegar o ulterior desencadeamento de uma ação inspetiva, e a prognosticar a sua atendibilidade, sem qualquer substanciação fática atinente ao efeito.

Como expendido na decisão recorrida, mediante transcrição de excertos da reclamação graciosa, a alegação da AT concatena-se, essencialmente, com o facto de ter sido “[s]ujeita a uma inspecção rigorosa aos respectivos elementos de escrita (…) não há qualquer razão para supor que os factos tributários alegados pela Reclamante não tivessem sido já considerados pela inspecção tributária aquando da inspecção efectuada, ou, se o não foram, é porque esta, na sua exaustiva análise entendeu não serem de considerar”.

Ora, não só existe, como visto, uma desconsideração eminentemente conclusiva, da prova produzida, como a mesma se baseia num juízo de prognose sem a mínima densificação das correções realizadas, inerente nexo e corporização, e que, ademais-conforme analisaremos infra- se veio a constatar que em nada reflete o erro na autoliquidação e cuja supressão foi requerida.

E por assim ser, mediante valoração de todo o expendido, improcede o requerido.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento atinente à alínea E) (anteriormente inscrita, duplicamente, como D) e aduzida pela Recorrente como D2).

Neste concreto particular, advoga que a prova documental elencada como meio probatório é insuficiente, carecendo dos respetivos extratos, não se percecionando, ademais, a menção ao documento 6 o qual representa o Relatório de Inspeção Tributária.

Ora, atentando no teor da aludida alínea e tendo presente que a mesma apela, desde logo, às realidades declaradas na respetiva Modelo 22 de IRC, face às realidades constantes nos registos contabilísticos, há que secundar o entendimento da AT ainda que com diferente amplitude e cominação. E isto porque, tendo presente que a prova documental convocada respeita, exclusivamente, ao documento 6, o qual mais não representa que o Relatório de Inspeção Tributária, nada comportando, nesse e para esse efeito, há, efetivamente, que estabelecer essa supressão.

Explicitando.

Tendo em consideração que, de facto, o aludido Relatório de Inspeção Tributária não enumera qualquer realidade de facto que permita fundar o corporizado na alínea visada, o meio probatório em que se funda tem, efetivamente, de ser suprimido. Mas, se é certo que existe tal errada menção, é, igualmente, certo que se infere que tal menção mais não representa que um mero lapso na indicação da prova documental, na medida em que os documentos 7 a 9 permitem, justamente, alicerçar as realidades nela constantes, razão pela qual se suprime a menção ao documento 6, aditando-se, em sua substituição, como prova documental os aludidos documentos.

Mais se enfatize, que vigora neste âmbito o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Ainda neste concreto particular, importa adensar que a requerida supressão da alínea em contenda, nunca poderia lograr provimento, na medida em que se esteia, outrossim, em prova testemunhal e a verdade é que quanto a esta, conforme evidenciado anteriormente, nada foi aduzido, apartado ou devidamente impugnado ao abrigo do 640.º do CPC. Logo, atenta a sua falta de impugnação, e inexistindo no caso uma prova vinculada, mormente, dos aduzidos documentos contabilísticos, a sua supressão sempre estaria votada ao insucesso.

Subsiste, ainda neste âmbito, aquilatar da viabilidade de eliminação das alíneas H), e K), as quais mais uma vez se coadunam com a insuficiência do meio probatório atinente ao efeito.

Ora vejamos.

A alínea H) respeita aos valores que foram declarados pela Impugnante na primeira Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2004, e submetida a 30 de maio de 2005, convocando, para o efeito, os doc. 11, 12 , 13, fls. 285 dos autos.

Neste concreto particular, e antes de proceder à análise do respetivo meio probatório, entende este Tribunal ad quem, por forma a materializar, de forma fidedigna, a realidade alegada e contemplada nos aludidos documentos, e concretos valores, proceder à alteração da sua roupagem, passando a mesma a consignar o seguinte teor:

H) A 30 de maio de 2005, aquando a entrega da Declaração Modelo 22, respeitante ao exercício de 2005, ainda não se encontrava fixado definitivamente o VPT definitivo relativamente a alguns imóveis, particularmente, às frações autónomas “J” e “Z”, melhor identificadas em F) e G), tendo sido considerado como valor de alienação o montante de €125.382,83, e 236.929,00, respetivamente, e sem qualquer ajustamento ao resultado líquido ao abrigo do artigo 58.ºA, do CIRC.

De facto, o meio probatório basilar que permite asseverar tais realidades de facto, circunscreve-se, desde logo, com a respetiva Declaração Modelo 22, de IRC, que congrega, como visto, o documento 7, junto com a petição inicial, razão pela qual há que aditar tal prova documental.

No entanto, e relativamente aos demais meios probatórios nele evidenciados, concretamente, documentos 11 a 13, inexiste qualquer correção a realizar, na medida em que os mesmos, de uma interpretação conjugada permitem, justamente, alicerçar as asserções de facto nele contempladas, porquanto respeitantes aos mapas resumo com os descritivos de todas as frações autónomas alienadas, aos ulteriores atos de fixação dos respetivos VPT, e bem assim das competentes escrituras públicas.

Logo, mantém-se a aludida alínea, mas com a roupagem supra expendida, aditando-se, em complemento, o aludido documento 7, nos moldes evidenciados anteriormente.

No concernente à factualidade elencada em K), para além da mesma estabelecer, desde logo, uma remissão expressa para a factualidade vertida nas alíneas antecedentes, encontrando-se, assim, os seus valores numéricos legitimados pela prova documental nela corporizada, a verdade é que o meio probatório em que se fundou respeita, exclusivamente, à prova testemunhal, o que vaticina o seu fracasso.

Com efeito, mais uma vez apelando aos competentes requisitos legais elencados, como visto, no citado artigo 640.º do CPC, ter-se-á de concluir que nada foi externado e/ou impugnado, o que, como visto e dando por reproduzido todo o explanado anteriormente quanto ao vertido na alínea E), porquanto inteiramente transponível, ter-se-á de concluir nos mesmos moldes, improcedendo, por isso, a visada supressão.


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto importa, então, atentar se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.

Vejamos.

Comecemos pelo ajustamento positivo ao lucro tributável no montante de €486.829,60, e dedução adicional no mesmo montante a título de imposto por conta de retenções na fonte, respeitantes às UP´s nos Fundos da Caixa.

A Recorrente, neste concreto particular, não sindica o respetivo enquadramento normativo, apenas sufraga que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à prova produzida nos autos a qual não permitia concluir no sentido da ilegalidade da correção preterindo-se, assim, o consignado no artigo 74.º, nº 1, da LGT, e no artigo 22.º, do EBF.

Dissente a Recorrida propugnando pela sua manutenção, porquanto representa uma correta convocação do respetivo regime normativo com a devida transposição para o recorte fático dos autos, fundando-se, ademais, em fundamentação a posteriori não legalmente admissível.

O Tribunal a quo, por seu turno, convocou a seguinte fundamentação jurídica para estear a procedência decretada:

“[n]ão tendo a materialidade das operações sido contestadas pela AT e atento ao acima descrito, a impugnante veio aos autos demonstrar através de prova documental e testemunhal que procedeu incorretamente no registo contabilístico das operações de resgate das unidades de participação do Fundo de Investimento Caixgest Moeda e Fundo Caixagest Gestão Eurobrigações e que por sua vez procedeu à incorreta inscrição dos rendimentos e retenções na fonte na declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2004.

De facto, não restam dúvidas que as retenções na fonte em causa nos autos mostram-se conforme à legislação aplicável tendo a natureza de imposto por conta para efeitos do disposto no art.º 83 do CIRC e art.º 78 do CIRS.

Do documento junto pela impugnante aos autos verifica-se que no resgate referente às unidades de participação do Fundo Caixagest Moeda foi efetuada retenção na fonte no montante de €87.858,90 e do Fundo Caixagest Eurobrigações foi efetuada uma retenção da fonte de €398.970,70 no total de €486.829,60.

Em face de todo o exposto e tendo ficado demonstrado e provado nos autos a incorreção alegada devem os serviços da AT proceder à sua correção/ajustamento no sentido de fazer refletir oficiosamente no campo 201 do quadro 07 da declaração Mod. 22 de IRC do exercício de 2004, do montante de €486.829,60 retenção na fonte com natureza de imposto por conta e refletir igualmente a mesma importância no campo 359 do quadro 10, para efeitos de dedução à coleta do IRC da referida declaração de rendimentos.”

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento atenta a subsunção normativa do recorte fático dos autos no visado artigo 22.º do EBF, e a correspondente autoliquidação encetada.

Senão vejamos.

Dispunha o normativo 22.º do EBF, com a redação à data aplicável, e na parte que, ora releva, o seguinte:

“1 - Os rendimentos dos fundos de investimento mobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:

(…)

3 - Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS. (…)”

Daí resulta, portanto, que para os sujeitos passivos de IRC, residentes em território nacional como é o caso da Impugnante, ora, Recorrida, encontravam-se, objetivamente, plasmadas as seguintes prescrições:

- Os rendimentos auferidos respeitantes a UP’s:

- não estavam sujeitos a retenção na fonte (por parte do fundo de investimento operante);

- tinham de ser considerados como proveitos ou ganhos, pelos seus titulares (sujeitos passivos de IRC);

- O montante do imposto retido ou devido (ao ou pelo fundo operante) revestia a natureza de imposto por conta, para os efeitos do consignado no artigo 83.º do CIRC. Relevava, portanto, ao nível dos procedimentos e forma de liquidação e enquanto dedução à coleta.

Ora, visto o regime aplicável, e transpondo o mesmo para o recorte fático dos autos, resulta que:

A Impugnante, ora Recorrida, em 2004, era detentora de UP’s nos Fundos de Investimento Imobiliário que infra se descrevem:

Fundo Caixagest Moeda onde procedeu ao resgate de 8.585.372 UP’s e obteve um rendimento de €360.470,47 e,

- Fundo Caixagest Eurobrigações onde procedeu ao resgate de 2.482.454 unidades de participação e obteve um rendimento de €1.954.869,98.

As aludidas transações foram objeto de retenção na fonte, com natureza de imposto por conta, perfazendo o valor global de €486.829,60.

Não obstante a Recorrente tenha procedido ao competente registo contabilístico, a verdade é que foram integrados e considerados, sem mais, no Resultado Líquido de exercício de 2004, inscrito no campo 201, do Quadro 07, da aludida Declaração de Rendimentos, sem ter sido acrescido o valor de imposto suportado, no valor global de €486.829,60, e posteriormente deduzido no campo 359, do Q10.

Ou seja, não existiu, por erro em autoliquidação, qualquer ajustamento para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, não refletindo, igualmente, o imposto retido nas competentes deduções à coleta.

Ora, atento o supra expendido, resultando provada a retenção e os procedimentos adotados pela Impugnante, ora Recorrente, na sua DR Modelo 22, de IRC, do exercício de 2004, há, efetivamente, que sancionar o entendimento propugnado na decisão recorrida, porquanto, o mesmo se encontra em conformidade com a lei, subsumindo-se, efetivamente, no artigo 22.º do EBF.

Destarte, devem os serviços da AT proceder à sua correção/ajustamento no sentido de fazer refletir, como peticiona, o montante de €486.829,60 objeto de retenção na fonte e com natureza de imposto por conta e refletir igualmente a mesma importância no campo 359 do quadro 10, para efeitos de dedução à coleta do IRC da referida Declaração de Rendimentos.

Logo, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer reparo.

Prosseguindo.

Atentemos, ora, na correção respeitante ao ajustamento decorrente do artigo 58.º A do CIRC.

Neste âmbito, advoga a Recorrente que, para além da incorreta apreciação do cumprimento do ónus probatório, a Recorrida não fez prova da realidade alegada não tendo, por conseguinte, legitimidade para realizar o ajustamento no valor de €80.000,00.

Mais advoga que, de todo o modo, resulta demonstrado que no Relatório de Inspeção elaborado ulteriormente, encontra-se analisada a matéria relativa à diferença entre o VPT e o valor constante do contrato, nos termos do artigo 58.º-A, do CIRC, tendo originado uma correção no valor de € 446.562,67, relativa aos imóveis constantes no anexo 4, pelo que a AT, efetivamente, já tinha analisado esta matéria, contrariamente ao que o Tribunal a quo decidiu.

Dissente a Recorrida, advogando, para o efeito, que não se perceciona o entendimento da Recorrente porquanto, não obstante não conteste que o VPT definitivo do imóvel em questão era, efetivamente, €202.340,00 e não €282.340,00, e que, portanto, exista um diferencial de €80.000,00 desfavorável à Recorrida, ainda assim, assume a falta de prova e a concreta insusceptibilidade de ocorrer um erro de escrita com a configuração dada pela Recorrente.

Adensando, adicionalmente, que é da natureza das coisas que os algarismos possam ser confundidos pela sua configuração gráfica, confusão essa que facilmente dá origem a erros na declaração.

E, de facto, a razão está do lado da Recorrida, não só porque, por um lado, inexistiu qualquer incorreta apreciação do ónus probatório, estando o mesmo, devidamente, preenchido, conforme resulta da factualidade constante no acervo fático dos autos e já, devidamente, explanado aquando da apreciação da competente impugnação da matéria de facto, para a qual se remete, como, por outro lado, o Relatório de Inspeção Tributária a que é feita alusão pela Recorrente não patenteia, de todo, o erro em contenda, carecendo, naturalmente, da devida corporização, em ordem à reposição da verdade material.

Senão vejamos.

Comecemos por ter presente a fundamentação jurídica em que se esteou a procedência:

Mediante convocação do artigo 58.º A, nºs 1 e 4 do CIRC, refere que “[r]esulta do disposto nas normas citadas que os alienantes e os adquirentes de bens imóveis deveriam adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável valores normais de mercado, os quais, todavia, não poderiam ser inferiores ao VPT. Ainda em atenção ao disposto no n.º 4 do mesmo artigo se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.”

Densifica, depois, mediante convocação do probatório que, “procedeu à alienação desses imóveis sendo que em dois deles não sabendo ainda, em 30 de maio de 2005, data da entrega da declaração Modelo 22 de IRC, o montante do seu VPT definitivo. Tais valores vieram a ser conhecidos em 2006 e procedeu à substituição daquela declaração por outra, dentro do prazo legal, em 30.01.2007, refletindo no seu preenchimento as diferenças então conhecidas entre fevereiro e dezembro de 2006 (…)”

Concluindo, depois, que a prova produzida nos autos é inequívoca, porquanto “[a] escritura de compra e venda com hipoteca celebrada para a fração designada pela letra “J” em 20.04.2004, foi efetuada pelo montante de €125.382,83. Determinado e notificado pelos serviços da AT, em 06.07.2005 o VPT definitivo deste imóvel, no montante de €202.340,00 (…) teria a impugnante de proceder à correção do montante de inicialmente inscrito de €125.382,83 para aquele montante determinado para o VPT. No entanto, como resulta provado a alteração relevada na contabilidade da impugnante em função da notificação do VPT definitivo foi de €282.340,00 em vez de €202.340,00.”

Desfechando, assim, pela procedência, evidenciando, in fine, que “analisando os algarismos que compõem as importâncias em questão, podemos dizer sem pejo que se verifica claramente um erro de escrita material na inscrição de “8” em vez de “0” resultando assim um montante de €80.000,00 em excesso, devendo o mesmo por essa razão, à bondade do exposto ser retificado pelos serviços da AT.”

E de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida.

In casu, como visto, não assiste qualquer dúvida quanto à interpretação do artigo 58.º A do CIRC, e bem assim quanto ao concreto ajustamento positivo a realizar mediante confronto entre o valor de alienação e o VPT definitivo, -no caso, €125.382,83, em confronto e correlação com €202.340,00. Com efeito, o que é aduzido é que a prova não permite corroborar a existência desse erro, e bem assim que tal realidade de facto já foi, devidamente, contemplada pela AT, aquando a elaboração do Relatório de Inspeção Tributária.

Mas, conforme já antecipámos, a prova realizada nos autos permite asseverar que ocorreu um erro declarativo por via de uma confusão gráfica –a qual, ademais, é corroborada até pelas regras da experiência- ou seja, foi considerado como VPT não o valor de €202.340,00, mas sim de €282.340,00. Logo ocorre, efetivamente, um valor diferencial computado em excesso de €80.000,00, tal como sentenciado pelo Tribunal a quo.

Por outro lado, não assiste razão à Recorrente quando convoca o Relatório de Inspeção Tributária realizado ao exercício de 2004, na medida em que não obstante o mesmo congregue correções aritméticas fundadas no artigo 58.º A do CIRC, donde respeitantes à diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, a verdade é que as mesmas não têm qualquer correspondência e correlação com o ajustamento dos autos.

Com efeito, e conforme resulta da factualidade provada, do aludido Relatório Inspetivo, dimana inequívoco que a fração autónoma “J”, respeitante ao artigo matricial 806, melhor identificada em F), G) e I), não se encontra, de todo, corporizada no aludido anexo (alínea P). De resto, atenta a factualidade constante no probatório e na medida em que o VPT declarado computou um erro por excesso, no valor de €80.000,00, naturalmente, que não poderia estar abrangido nessas correções em que reclamam, justamente, uma realidade inversa.

Logo, como é bom de ver, não assiste, de todo, razão à Recorrente, sendo a aludida alegação totalmente desfasada da realidade fática dos autos.

E por assim ser, a decisão recorrida que assim o entendeu não merece qualquer censura, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


***


Subsiste, ora, por analisar a questão dos juros indemnizatórios.

Alega a Recorrente, neste particular, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter condenado a AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data da emissão do respetivo reembolso, com base na interpretação conjugada dos normativos 61.º do CPPT, e artigos 43.º n.º 1 e 2 e 100.º ambos da LGT.

E isto porque, estando na génese uma situação de autoliquidação, inexiste erro imputável aos serviços. Sublinhando, para o efeito, que competia à Recorrida carrear aos autos prova idónea e capaz do alegado, a qual não estava na disponibilidade da AT, sendo que, em rigor, tal prova foi, globalmente, realizada em sede judicial.

Em sentido oposto, e a propugnar o entendimento adotado na decisão recorrida, sufraga a Recorrida que inexiste o apontado erro de julgamento, na medida em que contrariamente ao que é argumentado pela Recorrente, não se trata de indemnizar a Recorrida pelo dano causado por erros cometidos na autoliquidação, mas sim de indemnizar a Recorrida por a AT não ter, como lhe competia, corrigido os erros que a Recorrida trouxe ao seu conhecimento mediante a reclamação cujo indeferimento é objecto imediato da presente ação.

Aliás, enfatiza que é por isso que o período relativamente ao qual o direito a juros foi reconhecido pelo Tribunal a quo não é contado desde a data da autoliquidação, mas apenas desde a data da decisão da reclamação.

Neste concreto particular, ajuizou o Tribunal a quo o seguinte:

“no caso dos autos a AT teve a oportunidade de analisar e resolver em sede de procedimento gracioso e produzir um ato concernente com a situação apresentada pela impugnante. Assim mantendo uma situação ilegal por omissão de procedimento incorre em responsabilidade sendo-lhe imputado o erro.

Pelo exposto, são devidos juros indemnizatórios pelo imposto pago, superior ao legalmente devido, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até à data da emissão da respetiva nota de crédito (reembolso), como prevê o n.º 5 do art.º 61 do CPPT.”

E, de facto, não se vislumbra que o juízo de entendimento do Tribunal a quo esteja eivado do erro advogado pela Recorrente, na medida em que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, existe erro imputável aos serviços, não se vislumbrando conduta omissiva e superveniência probatória passível de obstar ao reconhecimento dos juros indemnizatórios.

Mas, explicitemos, então, porque assim o entendemos.

Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo.

O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.

Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.

De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (7-Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.).

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT (8-Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.).

O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu (9-Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016.).

Note-se que para efeitos de concreta delimitação do erro imputável aos serviços entende-se que “[n]ão existe erro da administração, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento activo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorrectas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária (10-José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 367.)

Sendo que no atinente aos atos de retenção na fonte, pagamento por conta e de autoliquidação, não obstante é certo esteja afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços -na medida em que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços-, é entendido que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais atos e ocorra o seu indeferimento.

O que significa, portanto, que só com a competente impugnação administrativa os serviços da AT ficam em condições de percecionar, ponderar, conhecer, corrigir e sanar uma cometida ilegalidade. Logo, é a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, que se encontra justificado o ressarcimento do sujeito passivo, passando, assim o erro a ser imputável aos serviços.

Este é também o entendimento que se extrai do doutrinado por Jorge Lopes de Sousa (11-Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 52.), no sentido de que: “[n]as situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos" (destaques e sublinhados nossos).


E é, também, o entendimento perfilhado pela Jurisprudência do STA, convocando-se, para o efeito, o Aresto do STA, proferido em Plenário da Secção de Contencioso Tributário no âmbito do processo nº 093/21.7BALSB, datado de 29 de junho de 2022 que, de forma clara, doutrina que:

“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.” (no mesmo sentido vide Acórdão prolatado pelo STA, no âmbito do processo nº 0360/11, de 07 de abril de 2021, e também este Tribunal já preconizou o entendimento que, ora, sufragamos, designadamente, nos processos nºs 1844/09, de 22.10.2020, 06193/12, de 19.02.2013, 05148/13 de 17.10.2013, 678/08.7, de 05.03.2020).

Ora, o Tribunal a quo entendeu que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não deve retroagir ao momento do pagamento, porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, justamente, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo.

E a verdade é que, o ajuizado pelo Tribunal a quo, se afigura legal, justo e equitativo, pautando-se pelos ditames jurisprudenciais, recordando-se, neste âmbito, que a Recorrida sanciona esse entendimento e o concreto cômputo e período temporal.

Face ao exposto, secunda-se, assim, o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que se tratando de uma autoliquidação, não é possível fundamentar qualquer erro imputável aos serviços da AT até ao momento em que esta indeferiu, expressamente, a reclamação graciosa e, por conseguinte, o termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios não pode ser anterior à referida data, concatenando-se, justamente, com essa data de indeferimento expresso.

Uma última nota para evidenciar que inversamente ao advogado pela Recorrente a prova não foi, na sua generalidade, realizada em sede judicial, bastando, para o efeito, uma leitura atenta da reclamação de autoliquidação, da prova documental apensa à mesma, e da correspondente decisão de indeferimento.

Reitere-se e sublinhe-se que a AT, eximiu-se de qualquer análise da prova documental carreada aos autos, e limitou-se a evidenciar que estava em curso uma ação inspetiva e que a mesma, seguramente, teria em consideração tais realidades fáticas.

Ora, como visto e ajuizado pelo Tribunal a quo, não pode a AT simplesmente imiscuir-se da sua atuação, e de forma absolutamente conclusiva, remeter para uma ação inspetiva, quando, ademais, a mesma nada contemplou quanto aos erros de autoliquidação peticionados.

Logo, não se vislumbra, de todo, que a Recorrida tenha tido um comportamento omissivo, ou que tenha disponibilizado informações incorretas, ou mesmo ocultado elementos, mormente, no âmbito do procedimento da reclamação graciosa. É certo que, a Recorrida produziu prova testemunhal, e a mesma complementou a prova produzida, mas não se pode concluir, sem mais, e conforme pretende a Recorrente, que só em face da mesma é que se ficou na posse da demonstração que é advogada pela Recorrida. Quando, ademais, enfatize-se a atuação no procedimento de reclamação graciosa foi de total desconsideração do alegado e carreado, conforme já evidenciado.

Logo, a Recorrida teve uma atitude de colaboração pautada e investida do inquisitório, limitando-se a AT a descurar tais alegações e elementos documentais de forma absolutamente conclusiva, e sem que tenha realizado qualquer esclarecimento ou diligência adicional.

E por assim ser, secunda-se o entendimento do Tribunal a quo, neste e para este efeito.


***

Resta apreciar a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Alega a Recorrente que os presentes autos não afrontaram questões de grande ou especial complexidade, sendo estas apenas resultantes da normal atividade da Administração e da sua relação com os contribuintes.

Mais, evidenciando que, a conduta processual das partes sempre se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça e pela abstenção da prática de atos inúteis ou suscetíveis de provocar uma dilação na prolação da sentença, no respeito pelos normais trâmites do processo judicial tributário, encontrando-se, assim, reunidos os pressupostos para que seja decretada a dispensa do remanescente na parte em que excede o valor de €275.000,00.

Vejamos.

De acordo com o disposto no citado artigo 6.°, nº7, do RCP que:

“(…) 7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Em termos de densificação dos critérios da dispensa do pagamento do remanescente, veja-se, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo nº 0627/16, de 20 de setembro de 2017, e demais jurisprudência nele citada, que se transcreve na parte que releva para os autos:

“[a] dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes. A jurisprudência tem vindo também a admitir essa dispensa quando o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, configurando uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade (A título de exemplo, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 891/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bc712805391451a8802580c00036138a.”

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, não obstante as questões aí decididas não se afigurarem de complexidade inferior à comum, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00.

Face ao exposto, por fundada a pretensão da Recorrente em matéria de condenação em custas, deve ser decretada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00, o mesmo se decretando na presente instância.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.
Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00, em ambas as instâncias.
Registe. Notifique.

Lisboa, 21 de novembro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(margarida Reis)