Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 140/25.3BESNT |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 10/09/2025 |
| Relator: | RICARDO FERREIRA LEITE |
| Descritores: | CAPACIDADE JUDICIÁRIA SANAÇÃO FUMUS BONI IURIS |
| Sumário: | I - Para que exista oposição entre os fundamentos e a decisão recorrida ou a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos previstos no artº 615º, nº 1, c) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA, mostra-se necessário que os fundamentos referidos pelo Juiz conduzam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, o que se não verifica quando, bem ou mal, os fundamentos de facto e de direito que a sustentam está alinhado com o segmento decisório. II - A sanação da falta de capacidade judiciária exige duas coisas: a intervenção de representante legal do incapaz; a ratificação por este dos atos anteriormente praticados, total ou parcialmente (cfr. artigo 27.º do Código de Processo Civil). III - Tendo ocorrido a intervenção do progenitor do Recorrente, subscrevendo a procuração apresentada juntamente com a réplica, ratificando os atos até então praticados pelo menor (até então representado apenas pela sua tia paterna), , considera-se sanada a falta de capacidade judiciária e ratificados os atos, até então, por este, praticados. Resultando dos factos provados que o Recorrente dispõe de uma de alternativa habitacional, no imóvel propriedade da sua tia, a qual detém a sua guarda e com a qual este deve viver, nos termos definidos na certidão que atesta as Responsabilidades Parentais, nunca se poderia considerar que o mesmo não tem uma “alternativa de curto prazo para poder ter uma habitação consigna junto da sua cuidadora” e, muito menos que o não decretamento da providência requerida será suscetível de causar prejuízo de difícil reparação |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I. Relatório C... - GESTÃO SOCIAL DA HABITAÇÃO, E.M., S.A. ora Recorrente, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 15 de Maio de 2025, que julgou procedente a providência cautelar requerida por D…, ora Recorrido, ordenando a suspensão da eficácia do ato administrativo publicado em edital que ordenou a desocupação e entrega do fogo habitacional, livre de pessoas e bens, sito na Rua S…, n.º 374, 3.º Esq., T..., 2...-6..., São Domingues de Rana. A Recorrente formulou as seguintes conclusões: “A. Por sentença proferida no passado dia 15.05.2025, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou-se procedente a providência cautelar requerida pelo Requerente D…, ordenando-se a suspensão da eficácia do ato administrativo publicado em edital que ordenou a desocupação e entrega do fogo habitacional, livre de pessoas e bens, sito na Rua S…, n.º 374, 3.º Esq., T..., 2...-6..., São Domingues de Rana. B. Desconsiderando, também, por completo, a exceção de incapacidade judiciária, invocada pela Entidade Requerida. C. Todavia, não pode a Entidade Requerida conformar-se o entendimento manifestado na Sentença recorrida desde logo porque o Tribunal a quo, apesar de ter declarado ser admissível a apresentação de Réplica, no âmbito da marcha dos procedimentos cautelares, veio igualmente admitir a sanação/suprimento da exceção dilatória invocada pela Entidade Requerida, efetuada através da dita Réplica. D. Ora, esta mesma oposição revela-se evidente uma clara “violação do silogismo judiciário” e “de um erro lógico-discursivo” no âmbito da sentença recorrida (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.06.2022, proferido no Processo n.º 8000/20.8T8SNT.L1-7). E. Constituindo-se como um vício de natureza processual que implica a nulidade da sentença proferida no passado dia, 15.05.2025, em conformidade com o disposto no n.º 1, alínea c) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex. vi artigo 1.º do CPTA. F. Não obstante, mesmo que se considere que a sentença recorrida não é nula– o que se admite, por dever de patrocínio, sem qualquer concessão – a alegada verificação de um suprimento da exceção dilatória invocada pela Autora revela-se completamente infundada, e consequentemente, improcedente. G. Desde logo porque resulta da Certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, que atesta as responsabilidades parentais, que cabe à tia do Requerente exercer “as responsabilidades parentais relativamente aos actos da vida corrente da criança”. Sendo “[a]s responsabilidades parentais relativas a todas as questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em conjunto, pela tia paterna e pelo progenitor”. H. Ora, evidentemente, a situação objeto dos presentes autos, não se enquadra no âmbito da “vida corrente da criança”, uma vez que o objeto principal da causa se prende com aquela que será a sua habitação permanente, pelo que se impunha que o Requerente fosse devidamente representado em juízo, quer pela sua tia, A…, quer pelo seu progenitor, A.... I. Ora, a procuração forense junta aos autos, no dia 24.03.2025, com a Réplica apresentada pelo Requerente, com vista a suprir a incapacidade invocada, foi assinada somente pelo progenitor do Requerente, A..., e não em conjunto com a tia do Requerente. J. Ademais, mesmo que se entendesse que a questão em apreço se insere dentro daqueles que são os “actos da vida corrente da criança” – o que se admite por dever de patrocínio, sem qualquer concessão – o Requerente deveria ser representado em juízo pela sua tia, A..., e não pelo seu progenitor, o qual não podia por si só, ratificar do todo o processado, e assim, suprir a falta de capacidade judiciária do Requerente, menor de idade. K. Nestes termos, impõe-se forçosamente a conclusão de que se verifica a existência de uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, e importa a absolvição da instância, nos termos do n.º 1 e n.º 2, e alínea c) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 278.º, com o n.º 2 do artigo 576.º, e com a alínea c) do artigo 577.º do CPC, aplicável ex vi. artigo 1º do CPTA. L. A propósito do preenchimento de cada um dos requisitos exigidos no artigo 120.º do CPTA, para efeitos de decretamento da providência cautelar, é manifestamente improcedente o entendimento manifestado na Sentença a quo. M. Começando pelo requisito do periculum in mora, o Requerente veio, desde logo, alegar que o ato da Entidade Requerida se consubstancia num ato ilegal, por violar o n.º 6 do artigo 28.º do RAAH) (aplicável na presente situação por força do n.º 4 do artigo 35.º do mesmo diploma). N. Não obstante, tal fundamentação revela-se manifestamente improcedente, uma vez que a sua aplicação se encontra restringida aos casos de “efetiva carência habitacional”. O. No âmbito da instrução do pedido de transmissão do contrato de arrendamento, a favor do Requerente, a Entidade Requerida decidiu, desde logo, com base na documentação apresentada em conjunto com o pedido, que não haveria lugar à transmissão da titularidade do contrato de arrendamento, de acordo com os critérios definidos no artigo 57.º do NRAU. P. Procurando, de seguida, apurar se a situação do Requerente seria subsumível a alguma das situações previstas nos critérios de exceção, aprovados em Reunião de Câmara, de 18.04.2011, que têm como principal objetivo salvaguardar as situações de carência grave em que o agregado autorizado não detém qualquer alternativa habitacional. Q. Concluindo pelo indeferimento do pedido “[a]pesar da habitação em causa necessitar ainda da conclusão das obras para uma efetiva mudança”, uma vez que “a transmissão da titularidade do fogo municipal não surge como resposta habitacional” para o agregado, “mas sim a conclusão da obra e eventuais diligências da família para apoios disponíveis para a sua conclusão”. R. Ora, conforme foi apurado pela Entidade Requerida, em sede do procedimento referente ao pedido de transmissão do contrato, a situação do Requerente não se insere no âmbito dos critérios de “efetiva carência habitacional”, uma vez que este dispõe de uma de alternativa habitacional, no imóvel propriedade da sua tia, a qual detém efetivamente a guarda do Requerente, menor, e com a qual este deve viver, nos termos definidos na certidão que atesta as Responsabilidades Parentais. S. Nestes termos, revela-se evidente que o periculum in mora não se encontra preenchido, uma vez que o menor, efetivamente, detém uma alternativa habitacional, não tendo demonstrado, para lá do que constava do procedimento administrativo instruído a propósito do pedido de transmissão do contrato de arrendamento, que se encontrava numa situação de “efetiva carência”, conforme imposto pelo artigo 28.º, n.º 6 do RAAH. T. Tendo em conta o requisito do fumus boni iuris, importa destacar que o tribunal limitou-se a fundamentar a verificação do requisito do fumus boni iuris com base no facto de “não se pode[r] concluir, com toda a segurança e ainda com probabilidade razoável, que a pretensão da recorrente (…) não possa ser juridicamente procedente”. U. Formulando assim um juízo que vai ao encontro, não da probabilidade de êxito do requerente no processo principal, mas sim do juízo negativo de não-improbabilidade da procedência da ação principal, aproximado do exigido non fumus malus, admitido antes da revisão de 2015, para efeitos da concessão de providencias conservatórias. V. No entanto, recorde-se que com a revisão do CPTA de 2015, e a consequente eliminação da diferenciação verificada entre as providências antecipatórias e conservatórias, passou a exigir-se, de “modo homogéneo, para todas aas providências cautelares (…), que seja provável que a pretensão formulada a formular no processo principal venha a ser julgada procedente”. W. Pelo que se impunha que o Tribunal a quo, tivesse formulado “um juízo sobre as perspetivas de êxito que se oferecem ao requerente no processo principal”. X. Certo é que, não existindo qualquer contrato de arrendamento (uma vez que o contrato de arrendamento celebrado caducou nos termos indicados supra), e encontrando-se o Requerente a ocupar uma habitação social, sem qualquer título que o habilite, impunha-se que a Entidade Requerida aplicasse o artigo 35.º do RAAH, conforme se verificou no âmbito da situação dos presentes autos. Y. Ao abrigo do n.º 2 deste artigo, o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, na comunicação que for feita pelo senhorio ou proprietário, pelo que ao afixar o “Edital N. ref. CE-2025-000586”, cujos efeitos se encontra, entretanto, suspensos, a Entidade Requerida limitou-se, pura e simplesmente, a cumprir a lei! Z. Independentemente da alegada carência económica do Requerente, não se pode admitir a ocupação ilegal de imóveis com posterior alegação de carência grave, mesmo que invocando que se está disposto a liquidar as rendas que sejam atribuídas, desde logo porque, tal admissibilidade corresponderia a uma inversão do procedimento inaceitável. AA. Ainda a propósito do preenchimento do requisito do fumus boni iuris, não pode a Entidade Requerida aceitar a fundamentação daa existência de um eventual direito à habitação, no caso concreto, com base numa eventual violação do direito fundamental à habitação consagrado no artigo 65.º da CRP. BB. Desde logo porque o que está em causa nos presentes autos não é o direito à habitação enquanto direito fundamental, mas o direito à habitação na base de pressupostos concretos e regulados por lei. CC. No que se refere à vertente da obtenção de uma morada decente ou condigna, o direito à habitação assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. DD. O RAAH concretiza legislativamente uma certa dimensão do direito à habitação, uma vez que contempla um regime de habitação social, que permite a ocupação de fogos por parte de agregados familiares com menores rendimentos, mediante o pagamento de uma renda “social” ou “apoiada”, ou seja, inferior à de mercado. EE. Conforme é facilmente apreensível, a habitação social é, em si mesma, “um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada”, pelo que o legislador veio fazer depender a sua utilização de um conjunto de exigências. FF. Ora, ao determinar o despejo, com base nessas mesmas regras, fê-lo fundamentadamente, em conformidade com as disposições do RAAH, tendo em consideração os critérios de “efetiva carência social”, exigidos pelo artigo 28.º, n.º 6 do RAAH, nos termos indicados supra, não tendo, manifestamente, incorrido na violação do direito fundamental à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição GG. Termos em que, evidentemente, não se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris. HH. Sem prejuízo da não verificação dos pressupostos acima, em sede de ponderação de interesses também não poderia ser o pedido cautelar ser considerado procedente. II. Desde logo porque o imóvel em causa – não fosse a ocupação ilegal! – iria ser atribuído, conforme referido, a um residente comprovadamente carenciado, o que só não aconteceu porque o Requerente se encontra a ocupar ilegalmente o imóvel. JJ. Ora, ao não despejar de uma habitação um ocupante ilegal, a consequência é que fica sem habitação uma outra pessoa concreta que cumpre todos os procedimentos legalmente previstos para que tal fogo lhe fosse atribuído. KK. Isto para lá do facto de, manifestamente, o interesse público representado pela ora Entidade Requerida, consubstanciando-se na defesa dos interesses de populações carenciadas de Cascais, ter, imperativamente, sempre supremacia face ao interesse singular de um único habitante. LL. Nestes termos não se pode concluir que o interesse privado da Requerente é superior ao interesse público defendido pela Entidade Requerida, pois, como se explicou acima, a atribuição de habitações sociais segue um procedimento legal que evita quaisquer discriminações. MM. Não se encontrando preenchidos os requisitos exigidos, a providência cautelar nunca poderia ter sido declarada procedente, nos termos que foi na sentença recorrida. NN. Não tendo assim considerado, a sentença em crise cometeu três erros de julgamento em cada uma das apreciações que fez sobre os requisitos previstos no artigo 120.º do CPTA. Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá ser: 1. Julgada procedente a nulidade da sentença invocada, em conformidade com o disposto na alínea c) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex. vi artigo 1.º do CPTA. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, 2. Julgar procedente a exceção dilatória de incapacidade judiciária, absolvendo, em consequência, a Entidade Requerida da instância. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, 3. Julgar o presente recurso procedente e, em consequência, a providência cautelar totalmente improcedente, por não provada, mantendo-se plenamente eficaz o ato administrativo, proferido pela Requerida com todas as consequências legais.” * Não foram apresentadas contra-alegações.* Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.* Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.* II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):* A questão objecto do presente recurso suscitada pela Recorrente prende-se em saber se a decisão recorrida incorreu em nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e/ou se incorreu em erro de julgamento, ao considerar sanada exceção dilatória de falta de capacidade judiciária e ao julgar verificados os pressupostos para o decretamento de uma providência cautelar. * III. Factos (dados como indiciariamente provados na decisão recorrida):“1. Em 1 de Junho de 1998 foi celebrado entre a avó do Requerente e a Câmara Municipal de Cascais um contrato de arrendamento, para ocupar o fogo objeto dos presentes autos (cfr. PI e acordo das partes). 2. O fogo foi atribuído em Reunião de Câmara, de 18 de março de 1998, ao agregado familiar composto por M..., avó do Requerente, e pelos seus filhos A..., E… e A... (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 3. Posteriormente, a Câmara Municipal de Cascais transferiu à Requerida C..., SA. mediante o contrato Programa celebrado entre ambas, a gestão dos fogos habitacionais e dos espaços destinados a comércio e serviços, conferindo-lhe amplos poderes de administração e gestão que incluem designadamente a capacidade para atualizar o valor das rendas, promover a alienação e efetuar a conservação do parque habitacional e dos respetivos espaços exteriores, bem como poderes para promover as ações judiciais necessárias, nomeadamente para despejo, entrega de coisa certa e pagamento de coisa certa (cfr. Processo Instrutor). 4. Com o passar dos anos, decorreram diversas alterações ao agregado familiar, sendo que, à data do óbito da titular do contrato de arrendamento, o mesmo somente era composto pela própria e pelo neto menor, requerente nos presentes autos (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 5. Em 2014, o Requerente foi incluído no agregado familiar, após ter ficado sob o cuidado da tia paterna, A..., filha da titular do contrato, tendo sido entregue documento do tribunal a atestar essa medida de apoio válida por 6 meses (cfr. processo Instrutor). 6. Em abril de 2016, foi solicitada a exclusão de A..., filho da titular do contrato (cfr. Processo Instrutor). 7. Em julho de 2017, foi igualmente solicitada a saída de A... Gonçalves do agregado familiar, por esta ter encontrando alternativa habitacional, tendo adquirido um imóvel no mesmo bairro (cfr. Processo Instrutor). 8. Requerente terá ficado a residir no locado com a avó, M..., tendo A... referido na altura pretender levá-lo consigo quando tivesse condições para tal (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 9. No final do mês de agosto de 2023, A..., filha da titular do contrato, contactou os serviços para comunicar o óbito da sua mãe, ocorrido em maio do mesmo ano, tendo igualmente referido a necessidade de transmissão da titularidade do contrato de arrendamento, por não ter alternativa habitacional (cfr. Processo Instrutor). 10. Quando questionada acerca da guarda parental do sobrinho, aqui requerente, A... referiu que a mesma era partilhada por ela e pelo pai do requerente, o seu irmão A..., e que nem um, nem o outro, dispunham de condições habitacionais para receber o menor (cfr. Processo Instrutor). 11. Neste contexto, de forma a aferir as condições de habitabilidade da propriedade da tutora do menor, foi efetuada, no dia 30 de outubro de 2023, uma visita domiciliária, pela equipa da requerida C..., SA. (cfr. Processo Instrutor) 12. Apesar de A... ter referido que não dispunha de capacidade financeira para finalizar as obras de requalificação já iniciadas, aquando da visita constatou-se que grande parte das mesmas (substituição do chão, pintura, janelas e portas), já se encontravam finalizadas (cfr. Processo Instrutor). 13. Nesta mesma visita verificou-se igualmente que se encontravam em falta acabamentos, nomeadamente na cozinha e nas instalações sanitárias (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 14. Tendo A... acabado por confirmar que nunca teria saído do fogo, de cujo contrato de arrendamento era titular a sua mãe, M..., para cuidar desta devido à sua idade avançada e aos seus problemas de saúde, bem como do seu sobrinho ora recorrente (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 15. Indicando igualmente que durante todos estes anos se serviu sempre das instalações do fogo da mãe, pernoitando apenas na sua casa (cfr. Processo Instrutor). 16. Por sua vez, foi efetuada igualmente no dia 30 de outubro de 2023, uma visita ao fogo municipal objeto dos presentes autos, tendo-se verificado que um dos quartos era ocupado pelo Requerente e que um outro era ocupado por um colchão, onde dormia A... Gonçalves (cfr. Processo Instrutor). 17. Sendo o quarto da anterior titular do contrato utilizado por António, seu filho, nas vezes em que pernoitava no fogo (cfr. Processo Instrutor). 18. Com vista a instruir o pedido de transmissão do contrato de arrendamento a favor do Requerente, foram entregues à Requerida um conjunto de documentos, entre as quais se encontra uma certidão emitida pela Autoridade Tributária, e uma certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste que atesta as responsabilidades parentais, (cfr. Processo Instrutor). 19. Na certidão do Tribunal indica-se expressamente que o Requerente se encontra sob “a guarda e cuidados da tia paterna, A... com quem residirá sendo a sua morada a mesma do fogo do qual a tia é proprietária: Rua S…, n.º 3…, R/C Esq., T..., 2...-6..., São Domingos de Rana (cfr. processo Instrutor). 20. As Requeridas concluíram que não havia lugar à transmissão da titularidade do contrato de arrendamento de acordo com os critérios definidos no artigo 57.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (“NRAU”), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 17 de fevereiro (cfr. Processo Instrutor). 21. Requerida concluiu ainda que o caso em apreço não integrava qualquer das situações previstas nos critérios de exceção, aprovados em Reunião de Câmara, de 18 de abril de 2011 (cfr. Processo Instrutor). 22. Desde logo porque os critérios excecionais visam salvaguardar as situações de carência grave em que o agregado autorizado não detém qualquer alternativa habitacional (cfr. Processo instrutor). 23. Ora, na presente situação, a cuidadora do menor é proprietária de um imóvel, “de tipologia superior à necessária (T3), no prédio ao lado, permitindo que o Requerente mantivesse todas as suas rotinas e eventuais redes de apoio” (cfr. Processo Instrutor) 24. Indeferindo, assim, o pedido de transmissão da titularidade do contrato face à alegada existência de alternativa habitacional para o Requerente (cfr. Processo Instrutor) 25. O Requerente e a sua tia, permaneceram a ocupar o locado (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes). 26. A Requerida C..., SA. procedeu à afixação do edital com referência ao ato que é objeto do pedido de suspensão de eficácia nos presentes autos (cfr. Processo Instrutor e acordo das partes) * Factos não provados Inexistem, com relevância para a decisão da causa. * Motivação da decisão sobre a matéria de facto A matéria de facto julgada como indiciariamente provada foi a considerada relevante para a decisão da causa, atentos os critérios legais de decisão da presente providência, baseando-se a convicção do Tribunal na presunção de veracidade dos factos suportados em prova documental e acordo das respetivas partes.” * IV. DireitoConforme se adiantou acima, nos presentes autos cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e/ou se incorreu em erro de julgamento, ao considerar sanada exceção dilatória de falta de capacidade judiciária e ao julgar verificados os pressupostos para o decretamento de uma providência cautelar. Vejamos. No essencial foi a seguinte a fundamentação vertida na decisão recorrida: a) No que respeita à exceção da incapacidade judiciária do Recorrente: “(…) Da exceção da incapacidade judiciária do Requerente, invocada pelos dois requeridos: Alegam, em síntese, o seguinte: O Requerente é menor de idade, nos termos do disposto no artigo 122.º do Código Civil, uma vez que ainda não completou 18 anos de idade. Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos, como refere o artigo 123.º do CC. A incapacidade dos menores, nos termos do disposto o artigo 124.º do CC, é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela. O artigo 127.º do CC, prevê as exceções à incapacidade dos menores, sendo que, o caso vertido nos autos, não configura uma dessas exceções A menos que fosse emancipado, só quando perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens, conforme determina o artigo 130.º do CC. Nos termos do disposto no artigo 15.º do Código de Processo Civil, doravante CPC, a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo, tendo por base e por medida a capacidade do exercício de direitos. (cfr. 8- A do CPTA). Nos termos do disposto no artigo 16.º do CPC, os menores só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, exceto quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente. Nos termos do nº 2 do mesmo artigo, os menores cujo exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os pais são por estes representados em juízo, sendo necessário o acordo de ambos para a propositura de ações. Nos termos da Alteração da Regulação das responsabilidades Parentais que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Proc. nº 4952/071TBCSC-C, o Requerente, menor, focou a guarda e cuidados de sua Tia, A..., com quem residirá, exercendo esta as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança. As responsabilidades parentais relativas a todas as questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em conjunto, por aquela Tia e pelo Progenitor. Parece-nos que, no caso em apreço, não se trata do exercício de responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança, mas sim de questões de particular importância para a vida da criança, pelo que, este deveria estar pela Tia e pelo Progenitor representado em juízo. Trata-se de um pressuposto processual, cuja não verificação corresponde a uma exceção dilatória, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da instância nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 278º e da alínea c) do artigo 577º do CPC e do artigo 89º do CPTA. Contudo, esta exceção não procede, pois, através da procuração junta os autos em 24.03.2025, com nº 007009468, fls. 258, o progenitor do requerente ratifica o processado, verificando-se por isso capacidade judiciária do mesmo (…)” b) No que toca à apreciação dos pressupostos para decretamento da presente providência: (…) [o] requerente solicita a suspensão de eficácia do ato administrativo que se consubstancia na fixação de um edital a determinar a desocupação e entrega do fogo habitacional, livre de pessoas e bens, sito na Rua S…, n.º 374, 3.º Esq., T..., 2...-6..., São Domingues de Rana. Pretende o requerente a suspensão de eficácia de um ato administrativo que a Requerida C..., SA. proferiu face à persistência na ocupação do locado. Na verdade, conforme a factualidade provada, foi celebrado entre a avó do Requerente e a Câmara Municipal de Cascais um contrato de arrendamento, para ocupar o fogo objeto dos presentes autos. Tendo posteriormente o fogo sido atribuído em Reunião de Câmara, de 18 de março de 1998, ao agregado familiar composto por M..., avó do Requerente, e pelos seus filhos A..., Eduardo e A... Gonçalves. Isto é, apesar de com o passar dos anos, terem ocorrido diversas alterações ao agregado familiar, sendo que, à data do óbito da titular do contrato de arrendamento, o mesmo somente era composto pela própria e pelo neto menor, requerente nos presentes autos. Aliás, o requerente só foi incluído no agregado familiar, em 2014, após ter ficado sob o cuidado da tia paterna, A... Gonçalves, filha da titular do contrato. Ora, em 24.11.2023 a requerida C..., SA. comunicou que o pedido de transmissão de titularidade do contrato de arrendamento para o requerente tinha sido indeferido. Mais determinando que o fogo deveria ser entregue até dia 18.05.2024. A 21.05.2024 o requerente e a sua tia A... entregaram um requerimento junto da mesma C..., SA. alegando ter ainda onde viver e não tendo capacidade financeiras para as obras essenciais no imóvel daquela, pedindo a prorrogação por mais 6 meses para entrega do fogo. No mencionado requerimento, a tia do requerente explicou mais uma vez que este é menor e que é ela, sem a ajuda de mais ninguém, uma vez que os pais não pagam qualquer pensão de alimentos, que suporta todas as despesas. Face às as dificuldades económicas alegadas pelo recorrente, e existindo o risco sério deste ficar sem um teto, podendo vir a ser novamente institucionalizado, a sua tia solicitou uma reunião com os responsáveis da C... para solicitar ajuda. Porém, a requerida C..., SA. não aceitou a transmissão da titularidade do contrato de arrendamento da avó, conforme carta datada de 3 de julho de 2024. Atualmente o requerente estuda, frequentando o curso profissional de “Empregado de Mesa” na Cercica no Livramento, estando a cargo da sua tia A..., que é quem tem legalmente a sua guarda em conjunto com o irmão, pai do requerente. Por fim, a C... a 03.02.2025 determinou e ordenou a desocupação e entrega do fogo objeto da presente providência livre e devoluto de pessoas e bens no prazo máximo de 3 dias uteis. * Importa, antes de mais, considerar que a situação em causa coloca em risco o bem-estar do menor, ora recorrente. Com efeito, de acordo com a factualidade descrita, o mesmo não tem uma alternativa de curto prazo para poder ter uma habitação consigna junto da sua cuidadora. Mais, o não decretamento da providência requerida pode, isso sim, ser suscetível de causar prejuízo de difícil reparação. Assim se concluindo pela verificação da existência do critério do periculum in mora exigido pela lei. * Depois, perante toda a factualidade indiciada, em confronto com o quadro legal aplicável, não se pode concluir com toda a segurança e ainda com probabilidade razoável, que a pretensão do recorrente, na respetiva ação principal, não possa ser juridicamente procedente.Assim se concluindo pela verificação da existência do critério do fumus bonus iuris exigido pela lei. * Por fim, mas não menos importante, ponderando os interesses públicos e privados em causa, não se afigura que o decretamento da providência seja suscetível de causar quaisquer danos superiores ao da sua recusa, cumprindo-se assim também a verificação do critério previsto no final do nº 1 do artigo 120º do CPTA.Em face do exposto, julgam-se preenchidos os requisitos previstos para a procedência da providência cautelar requerida, devendo, também por isso, a requerida C..., SA. ser responsabilizada pelo pagamento das custas processuais nos termos do n.º 1 do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 7º nº 4 e tabela II-A do Regulamento das Custas Processuais.” * Agora, em sede de recurso, a Recorrente alega que sentença recorrida desconsiderou a exceção de incapacidade judiciária, invocada, o que implica a sua nulidade, em conformidade com o disposto no n.º 1, alínea c) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex. vi artigo 1.º do CPTA, por existir evidente “violação do silogismo judiciário” e “de um erro lógico-discursivo” no âmbito da sentença recorrida.Mesmo que se considere que a sentença recorrida não é nula, verifica-se a falta de suprimento da exceção dilatória [cfr. n.º 1 e n.º 2, e alínea c) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do artigo 278.º, com o n.º 2 do artigo 576.º, e com a alínea c) do artigo 577.º do CPC, aplicável ex vi. artigo 1º do CPTA], invocada, porquanto, como resulta da Certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, apenas as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança serão exercidas pela tia paterna, sendo exercidas em conjunto, pela tia paterna e pelo progenitor, todas as questões de particular importância para a vida da criança. Uma vez que a situação objeto dos presentes autos, não se enquadra no âmbito da “vida corrente da criança”, impunha-se que o Recorrido fosse devidamente representado em juízo, quer pela sua tia, A..., quer pelo seu progenitor, A.... Dado que a procuração forense junta aos autos, no dia 24.03.2025, com a Réplica, com vista a suprir a incapacidade invocada, foi assinada somente pelo progenitor do Recorrido, A..., e não em conjunto com a sua tia, não se pode considerar sanada a incapacidade judiciária oportunamente invocada. Mesmo que se entendesse que a questão em apreço se insere dentro daqueles que são os “actos da vida corrente da criança”, o Recorrido, menor de idade, deveria ser representado em juízo pela sua tia, A..., e não pelo seu progenitor, o qual não podia por si só, ratificar do todo o processado, e assim, suprir a sua falta de capacidade judiciária. Depois, mesmo que assim se não entenda, não se verificarão os pressupostos para o decretamento da providência cautelar. Para sustentar a sua pretensão o Recorrido alega violação do n.º 6 do artigo 28.º do RAAH, aplicável na presente situação por força do n.º 4 do artigo 35.º do mesmo diploma, mas a sua aplicação se encontra restringida aos casos de “efetiva carência habitacional”. Neste caso, no âmbito da instrução do pedido de transmissão do contrato de arrendamento, a favor do Recorrido, a Recorrente decidiu, desde logo, com base na documentação apresentada em conjunto com o pedido, que não haveria lugar à transmissão da titularidade do contrato de arrendamento, de acordo com os critérios definidos no artigo 57.º do NRAU, procurando, de seguida, apurar se a situação do Recorrido seria subsumível a alguma das situações previstas nos critérios de exceção, aprovados em Reunião de Câmara, de 18.04.2011, que têm como principal objetivo salvaguardar as situações de carência grave em que o agregado autorizado não detém qualquer alternativa habitacional. Contudo, conforme foi apurado pela Recorrente, a situação em causa não se insere no âmbito dos critérios de “efetiva carência habitacional”, uma vez que o Recorrente dispõe de uma de alternativa habitacional, no imóvel propriedade da sua tia, a qual detém a sua guarda e com a qual este deve viver, nos termos definidos na certidão que atesta as Responsabilidades Parentais. Depois, tendo o tribunal fundamentado a verificação do requisito do fumus boni iuris com base no facto de “não se pode[r] concluir, com toda a segurança e ainda com probabilidade razoável, que a pretensão da recorrente (…) não possa ser juridicamente procedente”, algo consentâneo com um juízo negativo de não-improbabilidade da procedência da ação principal (fumus non malus), algo que foi foi alterado com a revisão do CPTA de 2015, e a consequente eliminação da diferenciação verificada entre as providências antecipatórias e conservatórias, passou a exigir-se, de “modo homogéneo, para todas aas providências cautelares (…), que seja provável que a pretensão formulada a formular no processo principal venha a ser julgada procedente”. Neste caso, não existindo qualquer contrato de arrendamento e encontrando-se o Recorrente a ocupar uma habitação social, sem qualquer título que o habilite, impunha-se que a Recorrente aplicasse o artigo 35.º do RAAH, cujo nº 2 prevê que o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, na comunicação que for feita pelo senhorio ou proprietário Ao afixar o “Edital N. ref. CE-2025-000586ª Recorrente limitou-se, pura e simplesmente, a cumprir a lei. Não pode a Entidade Requerida aceitar a fundamentação daa existência de um eventual direito à habitação, no caso concreto, com base numa eventual violação do direito fundamental à habitação consagrado no artigo 65.º da CRP, porque o que está em causa nos presentes autos não é o direito à habitação enquanto direito fundamental, mas o direito à habitação na base de pressupostos concretos e regulados por lei. No que se refere à vertente da obtenção de uma morada decente ou condigna, o direito à habitação assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. O RAAH concretiza legislativamente uma certa dimensão do direito à habitação, uma vez que contempla um regime de habitação social, que permite a ocupação de fogos por parte de agregados familiares com menores rendimentos, mediante o pagamento de uma renda “social” ou “apoiada”, ou seja, inferior à de mercado. No caso vertente, o imóvel em causa – não fosse a ocupação ilegal – iria ser atribuído a um residente comprovadamente carenciado, o que só não aconteceu porque o Recorrente se encontra a ocupá-lo ilegalmente. Nestes termos não se pode concluir que o interesse privado da Recorrente é superior ao interesse público, pois, como se explicou acima, a atribuição de habitações sociais segue um procedimento legal que evita quaisquer discriminações. Ora: Começando pela nulidade que vem assacada à decisão recorrida, por alegada contradição entre fundamentos e decisão, dir-se-á, muito sumariamente, que a mesma não se verifica. Como se adiantou acima, a Recorrente alega que sentença recorrida desconsiderou a exceção de incapacidade judiciária, invocada, o que implica a sua nulidade, em conformidade com o disposto no n.º 1, alínea c) do artigo 615.º do CPC, aplicável ex. vi artigo 1.º do CPTA, por existir evidente “violação do silogismo judiciário” e “de um erro lógico-discursivo” no âmbito da sentença recorrida. Não se compreende, nem a Recorrente esclarece, convenhamos, em que medida existe uma oposição entre os fundamentos e a decisão recorrida ou a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos previstos no artº 615º, nº 1, c) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA. Conforme se entendeu no Acórdão do STJ, datado de 09-02-2017, proferido no processo nº 2913/14.3TTLSB.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi,pt, “(…) [o]corre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente.” Como refere AMÂNCIO FERREIRA (in Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56), “(…) a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento». A contradição geradora de nulidade verifica-se quando «(…) a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente». É certo que a sentença se limita a afirmar que a exceção não procede porque, através da procuração junta os autos em 24.03.2025, o progenitor do requerente ratifica o processado. Todavia, para além de não se descortinar aqui qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, não estamos perante uma decisão ininteligível, nos termos previstos na invocada alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Com efeito, considerando que constava já dos autos a procuração outorgada pela tia do menor, a junção de procuração outorgada pelo pai com ratificação do processado, determina a verificação do pressuposto da capacidade judiciária, para o qual se impunha a representação do menor pela tia e pelo pai. Deste modo, percebe-se o raciocínio lógico-dedutivo que levou a decisão de improcedência da exceção, o que afasta a nulidade da decisão por ininteligibilidade." Improcede, pois, a arguida nulidade. * Em relação ao arguido de erro de julgamento, por falta de suprimento da exceção dilatória de falta de capacidade judiciária:Segundo a Recorrente, mesmo que se considere que a sentença recorrida não é nula, verifica-se a falta de suprimento da exceção dilatória invocada, porquanto, como resulta da Certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, apenas as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança serão exercidas pela tia paterna, sendo exercidas em conjunto, pela tia paterna e pelo progenitor, todas as questões de particular importância para a vida da criança. A Recorrente alegou, em sede de contestação que, conforme Certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, apenas as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança serão exercidas pela tia paterna, sendo exercidas em conjunto, pela tia paterna e pelo progenitor, todas as questões de particular importância para a vida da criança. Sustentou que, uma vez que a situação objeto dos presentes autos não se enquadra no âmbito da “vida corrente da criança”, impunha-se que o Recorrido fosse devidamente representado em juízo, quer pela sua tia, A..., quer pelo seu progenitor, A..., o que não sucedeu. Dado que a procuração forense junta aos autos, no dia 24.03.2025, com a Réplica, com vista a suprir a incapacidade invocada, foi assinada somente pelo progenitor do Recorrido, A..., e não em conjunto com a sua tia, não se pode considerar sanada a incapacidade judiciária oportunamente invocada. Mesmo que se entendesse que a questão em apreço se insere dentro daqueles que são os “atos da vida corrente da criança”, o Recorrido, menor de idade, deveria ser representado em juízo pela sua tia, A..., e não pelo seu progenitor, o qual não podia por si só, ratificar do todo o processado, e assim, suprir a sua falta de capacidade judiciária. Ora: A exceção arguida pela Recorrente no procedimento cautelar radica na falta de um pressuposto processual suscetível de sanação. Segundo ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, (in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, 1985, pág. 104), os pressupostos processuais «(…) são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa». Entre esses pressupostos conta-se a capacidade judiciária (activa e passiva). A capacidade judiciária é o equivalente na relação processual à capacidade do exercício de direitos no plano do direito material e traduz-se na possibilidade de a pessoa estar directamente em juízo, por si mesmo ou mediante um representante escolhido por si, ou seja, sem necessidade de qualquer representação legal ou assistência (cfr. artigo 15.º do Código de Processo Civil). A incapacidade judiciária pode decorrer de uma situação de incapacidade do exercício dos direitos natural (menores) ou factual (anomalia psíquica); pode ser prévia à intervenção processual ou surgir no decurso da acção; pode ser temporária ou permanente; pode estar já declarada judicialmente ou ser meramente de facto. O artigo 17.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, começa precisamente por prever a hipótese de a incapacidade ser apenas de facto e não se encontrar declarada judicialmente, ou seja, não estar ainda nomeado um represente legal que possa exercer os direitos da parte incapaz, em nome desta. A falta do pressuposto processual da capacidade judiciária constitui uma excepção dilatória (artigo 577.º, alínea c), do Código de Processo Civil). Porém, constatada a falta de capacidade do autor, o juiz só deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando o autor, «sendo incapaz, não está devidamente representado ou autorizado» (artigo 278.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil). A incapacidade judiciária não é por isso um vício que determine a invalidade em qualquer casos dos atos praticados pelo (representante voluntário do ou pelo) incapaz. Ao invés, a incapacidade pode ser sanada (cfr. artigos 16.º e seguintes, e 278.º, n.º 3) e a sua sanação pode ser determinada oficiosamente e ter lugar a todo o tempo (cfr. artigos 6.º, n.º 2, e 28.º do Código de Processo Civil), inclusive perante o tribunal ad quem, se a sua falta só for detetada (ou surgir) quando o processo já se encontrar neste Tribunal para apreciação de algum recurso (não é o caso aqui, uma vez que a mesma foi oportunamente assinalada, tendo o tribunal recorrido, de forma indevida, considerado a mesma sanada). Enquanto não fosse sanada a falta de capacidade, não se poderiam aproveitar os atos praticados pelo incapaz e a instância não poderia ter prosseguido o seu curso. Segundo ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 46, “(…) a verificação de uma qualquer situação de incapacidade judiciária, tal como a deteção de alguma situação de incapacidade natural, não pode prejudicar a parte. Para cada situação de incapacidade judiciária, em sentido amplo, prescreve a lei o adequado instrumento de suprimento, (…) À falta do pressuposto processual corresponde urna exceção dilatória, envolvendo a incapacidade judiciária stricto sensu, a irregularidade de representação ou a falta de deliberação ou de autorização. Mas trata-se de uma falha processual sem efeitos imediatos, já que, independentemente da sua arguição pela contraparte, o juiz deve ordenar oficiosamente as diligências necessárias a assegurar o referido pressuposto processual, nos termos dos arts. 6º, nº 2, 27º a 29º e 590º, nº 2, al. a), de tal modo que os efeitos da exceção dilatória apenas poderão ser extraídos depois de realizadas tais diligências com vista a assegurar o preenchimento do pressuposto processual, ainda assim sem prejuízo do que dispõe o art. 278º, nº 3 …». Portanto: A sanação desse vício exige duas coisas: a intervenção de representante legal do incapaz; a ratificação por este dos atos anteriormente praticados, total ou parcialmente (cfr. artigo 27.º do Código de Processo Civil). Neste caso, conforme resulta dos autos, o tribunal recorrido, transcreveu os argumentos da Recorrente e, no final, limitou-se a dizer que (…) [c]ontudo, esta exceção não procede, pois, através da procuração junta os autos em 24.03.2025, com nº 007009468, fls. 258, o progenitor do requerente ratifica o processado, verificando-se por isso capacidade judiciária do mesmo (…)” Se bem que a decisão recorrida é parca na exegese a que procede, da mesma resulta que tais questões foram equacionadas, ainda que limitando-se a referir que a junção da procuração com a réplica, devidamente assinada pelo progenitor e respetiva ratificação do processado determina a improcedência da exceção aventada. Não tem razão, a Recorrente, quando pretende que a incapacidade judiciária do menor subsiste, após a junção da procuração com a réplica, devidamente assinada pelo progenitor. Desde logo, não podemos olvidar que já com o requerimento inicial havia sido junta procuração subscrita pela tia do menor, em sua representação, faltando apenas a intervenção do respetivo progenitor. Não incorreu, pois, em erro de julgamento, o tribunal recorrido, quando considerou sanada a exceção de falta de capacidade judiciária, improcedendo o recurso nesta parte. * Em relação ao erro de julgamento no que tange aos pressupostos para decretamento da providência cautelar:Sobre a adoção de providências cautelares, dispõe, em termos genéricos, o artigo 112.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que: “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. Uma providência cautelar visa, portanto, a obtenção de uma decisão de natureza provisória que salvaguarde a utilidade da eventual decisão de procedência que venha a ser proferida em sede de ação principal, assim evitando uma situação de impossibilidade de execução dessa decisão judicial, nomeadamente, pela verificação de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação. Tendo em vista esta razão de ser da providência cautelar, o legislador concretizou, no artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os critérios de decisão que o julgador deve ter em conta. Dispõe este artigo, sob a epígrafe “Critérios de decisão”, e no que aqui releva, que: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. 3 - As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença. 4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária. 5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva. […]”. Do teor do citado preceito resulta, pois, que o decretamento da providência cautelar depende da verificação cumulativa de dois requisitos positivos, previstos no n.º 1, e de um requisito negativo, previsto no n.º 2, a saber: (i) A existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente pretende acautelar no processo principal – periculum in mora; (ii) Que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente – fumus boni iuris; (iii) Que, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. Em relação ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal […]”, Vejamos: A apreciação deste requisito pressupõe um juízo de prognose sobre a existência de fundado receio de que uma futura e hipotética decisão judicial que dê provimento à pretensão do Recorrente/Requerente venha a perder utilidade, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela ou por, entretanto, se terem produzido prejuízos de difícil reparação, obstando a que o Recorrente/Requerente obtenha uma efetiva reintegração no plano dos factos. A este propósito, refere, sumariamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.01.2012, proferido no processo n.º 0857/11 (disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase): “[…] V – Ocorre uma situação de facto consumado (…) quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante. VI – Danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”. (cfr., no mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 449/450, e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 16.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 298). Acresce que o ónus de alegação e da prova dos factos constitutivos do referido requisito legal (e, bem assim, de todos os outros) recai sobre o Requerente/Recorrente, nos termos gerais das regras probatórias, vertidas no artigo 342.º n.º 1 do Código Civil. Deste modo, impõe-se, desde logo, que o Recorrente/Requerente alegue a factualidade, e realize a prova, concreta e circunstanciada, da situação de facto consumado que pretende evitar ou dos prejuízos de difícil reparação que advirão da não adoção da providência cautelar requerida, não se bastando com a mera alegação vaga e genérica do fundado receio de ocorrência de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação. O Recorrente/Requerente tem ainda de alegar e provar que esses prejuízos serão superiores aos que advêm para a entidade requerida com a adoção da providência. Neste sentido, pode ler-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.11.2012, proferido no processo n.º 00274/11.1BEMDL-A: “[…] IV. Incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida (art. 342.º do CC), não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo. V. Daí que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção ‘iuris tantum’ da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do ato. VI. Impõe-se que a alegação, para além de ser concretizada com realidade factual que corporize efetivamente o requisito do periculum in mora, venha a ser demonstrada pelos meios probatórios produzidos.” Igualmente, veja-se o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 866/17.5BELSB, datado de 20-09-2018, disponível para consulta em www.dgs.pt e segundo o qual: “I. Do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares: i) Periculum in mora - receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120.º, n.º 1, 1ª parte); ii) Fumus boni iuris (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120.º, n.º 1, 2.ª parte); e iii) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2, do CPTA). II. É ao requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo. III. O que passa pela invocação de factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação. IV. A mera alegação de que a devolução da quantia reclamada, ainda que de montante muito elevado, causaria prejuízo irreparável ou de difícil reparação, sem a mínima referência às razões concretas que determinariam a impossibilidade da sua devolução ou sequer a dificuldade dessa devolução e das respectivas concretas consequências para a Recorrente e inviabilização da prossecução dos seus fins, é insuficiente para aferir da impossibilidade e da insustentabilidade material da devolução do montante em causa. V. Não se demostrando a existência do periculum in mora, tem a providência cautelar que ser indeferida.” Descendo novamente ao caso em apreço: Como vimos acima, a Recorrente entende que inexiste qualquer violação do n.º 6 do artigo 28.º do RAAH, aplicável na presente situação por força do n.º 4 do artigo 35.º do mesmo diploma, porquanto não existe, sequer, “efetiva carência habitacional”. Neste caso, conforme resulta dos factos provados (cfr. pontos 19 e 23 dos factos provados, essencialmente.), que não foram disputados no âmbito do presente recurso, no âmbito da instrução do pedido de transmissão do contrato de arrendamento, a Recorrente apurou que a situação em causa não se insere no âmbito dos critérios de “efetiva carência habitacional”, uma vez que o Recorrente dispõe de uma de alternativa habitacional, no imóvel propriedade da sua tia, a qual detém a sua guarda e com a qual este deve viver, nos termos definidos na certidão que atesta as Responsabilidades Parentais. E assim é. O Recorrente, efetivamente, conforme resulta do ponto 19 dos factos provados, encontra-se sob “a guarda e cuidados da tia paterna, A... Gonçalves com quem residirá sendo a sua morada a mesma do fogo do qual a tia é proprietária: Rua Sabino Luís Pedroso, n.º 360, R/C Esq., T..., 2...-6..., São Domingos de Rana. Conforme resulta do ponto 23 dos factos provados, a cuidadora do menor é proprietária de um imóvel, “de tipologia superior à necessária (T3), no prédio ao lado, permitindo que este mantivesse todas as suas rotinas e eventuais redes de apoio” . A sentença recorrida desconsiderou esta factualidade e assumiu, pura e simplesmente, que “(…) [i]mporta, antes de mais, considerar que a situação em causa coloca em risco o bem-estar do menor, ora recorrente. Com efeito, de acordo com a factualidade descrita, o mesmo não tem uma alternativa de curto prazo para poder ter uma habitação consigna junto da sua cuidadora. Mais, o não decretamento da providência requerida pode, isso sim, ser suscetível de causar prejuízo de difícil reparação. Assim se concluindo pela verificação da existência do critério do periculum in mora exigido pela lei.” Não podemos concordar com tal conclusão. Desde logo porque o Recorrente, efetivamente, encontra-se sob “a guarda e cuidados da tia paterna, A... Gonçalves com quem residirá sendo a sua morada a mesma do fogo do qual a tia é proprietária, um imóvel, “de tipologia T3, no prédio ao lado, permitindo que o menor mantivesse todas as suas rotinas e eventuais redes de apoio”. Não podemos, pois, subscrever a conclusão de que o menor não tem uma “alternativa de curto prazo para poder ter uma habitação consigna junto da sua cuidadora”. Muito menos, resulta dos autos que o não decretamento da providência requerida será suscetível de causar prejuízo de difícil reparação. Não foi devidamente alegado e, menos ainda, foi provado. Dos factos provados resulta, como se viu exatamente o contrário. Mais a mais, embora o requerente alegue (cfr. pontos 6 a 8 do r.i.) que o imóvel, propriedade da tia, não tem condições de habitabilidade (porque não tem cozinha nem casa de banho), razão pela qual o menor tem vivido com a avó no locado em causa nos presentes autos, tal factualidade não ficou provada nos autos, sem que, como já se referiu acima, tenha sido impugnada a matéria de facto. Não se pode, pois, concluir pela verificação da existência do critério do periculum in mora, in casu. Cumpre, pois, revogar a decisão recorrida, nesta parte e, atendendo a que os pressupostos para decretamento de uma providência cautelar, nos termos acima gizados, são de verificação cumulativa, indeferir a providência requerida. * Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):I. Para que exista oposição entre os fundamentos e a decisão recorrida ou a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos previstos no artº 615º, nº 1, c) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA, mostra-se necessário que os fundamentos referidos pelo Juiz conduzam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, o que se não verifica quando, bem ou mal, os fundamentos de facto e de direito que a sustentam está alinhado com o segmento decisório. II. A sanação da falta de capacidade judiciária exige duas coisas: a intervenção de representante legal do incapaz; a ratificação por este dos atos anteriormente praticados, total ou parcialmente (cfr. artigo 27.º do Código de Processo Civil). III. Tendo ocorrido a intervenção do progenitor do Recorrente, subscrevendo a procuração apresentada juntamente com a réplica, ratificando os atos até então praticados pelo menor (até então representado apenas pela sua tia paterna), , considera-se sanada a falta de capacidade judiciária e ratificados os atos, até então, por este, praticados. IV. Resultando dos factos provados que o Recorrente dispõe de uma de alternativa habitacional, no imóvel propriedade da sua tia, a qual detém a sua guarda e com a qual este deve viver, nos termos definidos na certidão que atesta as Responsabilidades Parentais, nunca se poderia considerar que o mesmo não tem uma “alternativa de curto prazo para poder ter uma habitação consigna junto da sua cuidadora” e, muito menos que o não decretamento da providência requerida será suscetível de causar prejuízo de difícil reparação. * V – Decisão:* * * * Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção administrativa comum da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e indeferindo a providência requerida. Sem custas nesta instância. *** Lisboa, 08 de outubro de 2025 ______________________________ Ricardo Ferreira Leite ____________________________ Joana Costa e Nora ____________________________ Lina Costa |