Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04761/11 |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/19/2017 |
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Relator: | ANA PINHOL |
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Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL - FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS DO TÍTULO EXECUTIVO |
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Sumário: | I. A falta de requisitos essenciais do título executivo quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
I.RELATÓRIO ... – COMÉRCIO E ALUGUER DE EMBARCAÇÕES, LDA, inconformada com a sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, datada de 06 de Dezembro de 2010, que julgou parcialmente procedente a oposição judicial por si deduzida à execução fiscal nº... e aps. que contra si foi instaurada pelo Serviço de Finanças de ..., por dívidas de Coimas fiscais dos anos de 2004 a 2007 e IRC do exercício de 2006, vem dela interpor recurso jurisdicional.
A Recorrente rematou as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. A recorrente entende que deve ser dado como provado o seguinte facto: "O oponente nunca foi notificado da liquidação de IRC do ano de 2006, em execução coerciva no presente processo". 2. A recorrente entende que deve ser dado como provado o seguinte facto: "Na citação da dívida de IRC em cobrança coerciva, o quadro relativo à "identificação da dívida em cobrança coerciva" apenas menciona "Imp. Cont. Corr.", sem que sejam aduzidos quaisquer esclarecimentos adicionais nessa citação, sobre os fundamentos de tal liquidação adicional de IRC, para além do seu montante". 3. A recorrente entende que deve ser dado como provado o seguinte facto: "Na certidão de dívida relativa a IRC 2006, na quadrícula "Tipo" encontram-se as expressões: "l/C/T/O-Sjm" e "l/C/T/O-Cjm". 4. A recorrente entende que deve ser dado como provado o seguinte facto: "A sociedade ... cessou actividade em IRC em 28.12.2006". 5. A sentença recorrida ignorou o fundamento de facto invocado no art.30° e 31° da petição de oposição relativo à falta de notificação da alegada liquidação adicional de IRC de 2006 previamente à instauração do processo de execução fiscal. 6. A falta de notificação da liquidação determina a ineficácia da decisão de liquidação adicional e gera a inexigibilidade da dívida, pelo que constitui fundamento de oposição nos termos do art.204° n°1 i) CPPT 7. Ao ignorar o fundamento de facto aduzido pela Oponente relativo à falta de notificação da liquidação adicional de IRC, considerando válida a execução por dívidas de IRC do ano de 2006, o tribunal a quo violou o disposto nos arts.77° n°6 LGT, 36° n°1 CPPT, 88° CPPT e 204° n°1 i) CPPT. 8. Não são admissíveis prints informáticos do próprio sistema da DGCI para prova do envio de correspondência via CTT, pelo que não pode ser dado como provada a notificação da Oponente por referência ao disposto no art.39° n°5 CPPT sem terem sido juntos aos autos os comprovativos de registo junto dos CTT do envio de duas cartas. 9. Porque no presente caso não está em causa uma auto-liquidação de IRC, esta alegada dívida de IRC teria de ser notificada por carta registada com aviso de recepção nos termos do art.38° n°1 CPPT, o que não sucedeu pois a Fazenda Pública apenas invoca ter expedido duas cartas meramente registadas, pelo que, mesmo admitindo que ocorreu qualquer notificação esta sempre teria de se considerar inválida por falta de forma legal. 10. Não foi cumprido o disposto no art.39° n°5 CPPT, porquanto a segunda carta alegadamente enviada, foi expedida muito depois do prazo de 15 dias após a devolução da primeira, previsto naquele normativo legal, pelo que, não se verificou o efeito presuntivo que a sentença recorrida considerou ser fundamento de validade da alegada notificação da Oponente. 11. A sentença recorrida considerou estar devidamente identificada a natureza e proveniência da dívida de IRC, considerando manifestamente improcedente a inexequibilidade do título com esse fundamento. Contudo, quer da citação da execução quer do título executivo apenas consta, no campo relativo à "proveniência" e "tipo" de dívida as seguintes expressões enigmáticas e indecifráveis: "Imp. Cont. Corr.", "l/C/T/O-Sjm" e "l/C/T/O-Cjm", desconhecendo a Oponente a natureza e proveniência da alegada dívida de IRC em cobrança coerciva. 12. A utilização de expressões indecifráveis na descrição da natureza e proveniência da dívida é equivalente à "falta de menção da natureza e proveniência da dívida" no título executivo, e constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal que determina a anulação dos termos subsequentes do processo nos termos do art.163° n°1 e) e 165° n°1 e 2 CPPT, sendo certo que a indicação de "Imp. Cont. Corr.", "l/C/T/O-Sjm" e "l/C/T/O-Cjm" não pode considerar-se como preenchendo validamente a exigência legal prevista no art.163° n°1 e) CPPT porque não permite ao contribuinte aperceber-se do fundamento legal e factual da execução fiscal. 13. Acresce que a execução de uma alegada dívida de IRC, sem que se invoque e demonstre a natureza e proveniência da respectiva dívida inviabiliza e viola o direito de defesa do contribuinte, constitucionalmente protegido no art.20° n° 5 CRP, pelo que sempre terá de se considerar inconstitucional a prossecução dos presentes actos de execução fiscal. 14. A oposição à execução fiscal com fundamento no disposto no art. 204° n°1 i) CPPT é o meio próprio para invocar a nulidade do processo de execução fiscal decorrente da falta de requisitos essenciais do título executivo porque "ocorrendo tal nulidade a execução fixa extinta, pelo que se harmoniza com a finalidade do processo de execução fiscal”, que conduz à extinção da execução (conforme é entendimento majoritário e constante da jurisprudência do STA) sob pena de não existir outro meio minimamente adequado à satisfação dos interesses dos executados afectados por actos de execução viciados de nulidade insanável.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser a execução por dívidas de IRC extinta com todas as consequências legais.» ** A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
** Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. ** Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber: - se a sentença recorrida padece de erro da matéria de facto; - se a obrigação tributária subjacente à dívida exequenda está prescrita (Questão que foi suscitada por este TCA - conhecimento oficioso (cfr. artigo 175º do CPPT)-; - se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar que a liquidação de IRC do ano de 1996 foi validamente notificada à ora recorrente; - se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar não verificada a ocorrência de nulidade insanável (falta de requisitos essenciais do título executivo) no processo de execução – al. b) do nº 1 do artigo 165° do CPPT. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos: «1- A Fazenda Pública instaurou processo de execução fiscal contra a Sociedade "...", com o n° ... e aps que corre termos no 2° Serviço de Finanças de ..., por dívida de IRC de 2006 e coimas fiscais, para cobrança coerciva das quantias em dívida no montante de € 6.801,67.( cfr certidão de divida de fls 24 a 35, e Informação de fls 43 a 47, dos autos . 2- As certidões de dívida referida em 1 foram extraídas dos títulos de cobrança relativo a IRC liquidado oficiosamente por falta de entrega da declaração periódica, tendo em 31.10.07 declarado cessação de actividade em resultado de anterior dissolução, na qual indicou representante legal para efeitos fiscais, tendo-se enviado nota de liquidação por carta registada com aviso de recepção para a morada constante do cadastro, em 29.04.08 e por nova carta em 23.06.08, as quais vieram devolvidas por não reclamadas.- cfr. documento de fls 37 e Informação de fls 43 a 47, dos autos e "Prints Informáticos" de fls 90 a 98 e de fls 102 e 103 e correspondência postal de fls 99 e 100 e de fls 104 a 107, do proc. exe. apenso X Factos não provados Dos factos constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita. X Motivação da Decisão de Facto A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório». ** ERRO DE JULGAMENTO DA MATERIA DE FACTO A Recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, porquanto, resultou provado facto que o Tribunal a quo não considerou e que determinam uma decisão diversa da que foi proferida. Em concreto, diz a recorrente que deve aditar-se ao probatório que «O oponente nunca foi notificado da liquidação de IRC do ano de 2006, em execução coerciva no presente processo». Ora, esta afirmação tida pelo recorrente como “facto provado” no passa de mera conclusão. Com efeito, são os factos produtores ou desencadeadores do efeito jurídico pretendido pela parte que devem ter assento na fundamentação de facto da decisão. Além de que a expressão “ notificado” do contexto dos autos assume, um significado eminentemente jurídico, o que sempre obstaria a que seja incluída na decisão da matéria de facto. Termos em que improcede nesta parte o recurso. Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada elimina-se o conteúdo do ponto 2., que é substituído da seguinte forma. 2. Em 31.10.2007, a Oponente entregou a declaração de cessação de actividade do IVA, reportando a cessação à data de 28.12.2006 (fls. 44 do processo de execução fiscal). 3. No dia 29.04.2008, por meio de carta registada nos CTT, com “aviso de recepção” com a indicação alfanumérica RY457103272PT, foi remetida á Oponente a nota de demonstração de liquidação de IRC n.º 2008 8310019464 do exercício de 2006 (fls.101 do processo de execução fiscal). 4. A correspondência a que alude o ponto 3. do probatório foi devolvida em 28.05.2008, com a indicação dos CTT de “ Não reclamado.”( fls.99 e100 do processo de execução fiscal). 5. Pelo ofício n.º 10139 com data de 03.06.2008, foi remetida segunda notificação do conteúdo da liquidação referida no ponto 3 sob registo com “aviso de recepção” dos CTT com a indicação alfanumérica RM 009027408 PT dirigida à Oponente (fls.104 a 107 do processo de execução fiscal). 6. A correspondência a que alude o ponto 5. do probatório foi devolvida em 23.06.2008, com a indicação dos CTT de “ Não reclamado.”(fls.99 e100 do processo de execução fiscal). 7. A Oponente foi citada no âmbito da execução fiscal em 19 de Março de 2009, por carta registada com aviso de recepção (cfr. artigo 2º da petição inicial). 8. O processo de execução fiscal foi instaurado com base na certidão de dívida n.º 2008/692163, cujo documento anexo consta « N.º PROCESSO (…), N.º CERTIDÃO (…) , ID DOC ORIGEM (…), PER TRIB. (…)TRIBUTO (…)TIPO (…), VALOR (…)» (fls.17 e 18 do processo de execução fiscal). 9. A identificação do documento de origem a que alude o ponto 8 corresponde ao documento de liquidação a que alude o ponto 3 (fls. 17/18 do processo de execução fiscal).
** B.DE DIREITO Na medida em que foi suscitada por este Tribunal de recurso a questão da prescrição (É sabido que a prescrição da obrigação tributária não pode constituir fundamento da impugnação da liquidação, pois respeita, não à validade deste acto, mas à exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Ou seja, a prescrição da obrigação tributária determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva. Como o objecto do processo de impugnação se define, em primeira linha, pela pretensão anulatória do impugnante, e portanto, por referência a um acto tributário ilegal, é fácil de ver que a prescrição não é uma questão que respeite à validade desse acto. Com efeito, se pela via da impugnação judicial, segundo o modelo definido nos artigos 99.º a 126.º do CPPT, faz-se valer uma pretensão anulatória, dirigida à eliminação de um acto tributário ilegal e, com ela, à cessação dos efeitos por ele produzidos, pela via da prescrição pretende-se extinguir a obrigação tributária, pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinado na lei. Na primeira situação, procura-se indagar quais os elementos do acto tributário que estão em discordância com a ordem jurídica; na segunda, independentemente do acto tributário, procura-se determinar se obrigação do imposto pode ser exigível (cfr. Acórdão do STA de 02.05.2012, proferido no processo nº 1174/11) da dívida exequenda que correspondente ao acto de liquidação impugnado, importa dela conhecer em primeiro lugar. A dívida exequenda objecto dos presentes autos e em relação à qual importa determinar se ocorreu a prescrição respeita a IRC do exercício de 2006. Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da LGT, o prazo de prescrição, de 8 anos, conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, ou seja, no caso dos autos, a partir do dia 1 de Janeiro de 2007 (artigo 279º, alínea b) do Código Civil). Pelo que, estando em causa um imposto periódico, o prazo de prescrição desta dívida iniciou-se em 01.01.2007. Consequentemente, na ausência de factos interruptivos ou suspensivos, a dívida em causa teria prescrito, no dia 1 de Janeiro de 2015. No caso vertente, é a própria recorrente que aceita, na petição inicial, que foi citada em 19 de Março de 2009 (cfr. ponto 7 do probatório), daí que, naquela data a prescrição interrompeu-se por força do artigo 49.º, nº 1 da LGT. Portanto, interrompido o prazo de prescrição pela citação fica inutilizado todo prazo decorrido anteriormente (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil) sendo que o novo prazo de prescrição de 8 anos previsto no n.º 1 do artigo 48.º da LGT não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327º, n.º 1 do Código Civil). É este, de resto, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode ver pelos acórdãos de 19/09/2012 e 20.05.2015, proferidos nos processos n.ºs 0883/12 e 01500/14 e deste Tribunal Central Administrativo conforme se alcança do acórdão n.º de 04.02.2016, proferido no processo n.º 7038/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Nesse âmbito, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar expressamente sobre a «[a]preciação da inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 49.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 da LGT (na redacção anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12), na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o inicio do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, e de que a subsequente pendência de processo de execução fiscal, por sua vez, protela ainda mais o início do prazo de prescrição, para o momento em que o processo de execução fiscal terminar, quando tenha sido neste processo de execução fiscal que se verificou o facto com efeito interruptivo da prescrição que ainda perdura» enunciando, a esse propósito: « Tem-se presente a previsão constitucional dos direitos citados, pois assegura a Constituição a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, de modo a obter uma tutela efetiva contra ameaças ou violações desses direitos (artigo 20.º, n.os 1 e 5, da CRP), constituindo o artigo 268.º, n.º 4, a concretização destes direitos no plano da jurisdição administrativa, ao estabelecer a garantia aos administrados de uma tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas. Em qualquer caso, não se vislumbra de que modo a interpretação normativa questionada - quanto aos efeitos duradouros da interrupção da prescrição das dívidas tributárias, considerando-se que o prazo prescricional apenas se reinicia após o termo do processo de execução fiscal - possa ofender os direitos em causa Sendo o instituto da prescrição especificamente determinado por princípios e valores objetivos de segurança e certeza jurídicas, certo é que o âmbito de proteção dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva não compreende um direito à prescrição das dívidas fiscais, enquanto alegado direito dos contribuintes, pelo que não ocorre a violação daqueles direitos. Aliás, a impugnada interpretação normativa que faz coincidir o termo da interrupção da prescrição (seja qual for o facto interruptivo que lhe dá origem) com o trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo jurisdicional em causa tem sido aceite pela jurisprudência constitucional. Assim, o Acórdão n.º 6/2014: «[...] o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49.º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). [...] A especificidade que o n.º 1 do artigo 49.º introduziu, nesse plano, foi apenas quanto à natureza do ato que é suscetível de provocar o efeito interruptivo, que foi aí caracterizado como correspondendo a qualquer dos atos processuais ou procedimentais que permitam discutir a legalidade do ato de liquidação do imposto. A referência feita, na redação introduzida pela Lei n.º 100/99, à citação apenas pretendeu aditar a qualquer das situações em que o impulso processual ou procedimental pertence ao particular, aquelas outras em que a iniciativa é da própria Administração Tributária, pretendendo-se abarcar, desse modo, o caso em que seja instaurada execução fiscal contra o sujeito passivo do imposto. Ao permitir que a interrupção ocorresse por efeito de reclamação, recurso, hierárquico, impugnação ou pedido de revisão oficiosa, o legislador pretendeu que qualquer desses atos desencadeasse os efeitos jurídicos que resultam da lei geral, incluindo quanto ao prolongamento da interrupção até ao julgamento da causa.» 21.3 - Deste modo, a invocação da ofensa aos direitos de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva afigura-se infundada, pelo que também aqui não se pode acompanhar o juízo de desconformidade constitucional sustentado pela recorrente.» Por tudo quanto fica exposto, não pode declarar-se a prescrição da dívida exequenda. Na petição inicial que deu origem ao presente processo a recorrente invocou (para além de outras) como causa de pedir que «nunca foi notificada da liquidação de IRC do ano de 2006» que deu origem à dívida exequenda. Neste domínio, afirma, dum modo simples e claro, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 20.01.2010, proferido no processo n.º 0832/08: « [e]m todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.» (disponível em texto integral em wwwdgsi.pt). O que se compreende pelo facto de enquanto a liquidação não for notificada ao contribuinte não produz efeitos quanto a ele; consequentemente, não se abre o prazo para o pagamento do montante liquidado. Assim, porque a falta de notificação da liquidação afecta a eficácia acto de liquidação, estamos perante o fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT ( neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 23.06.2010, proferido no processo n.º 317/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt) No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades (como é o caso vertente), em face do preceituado no artigo 38.º, n.º 1, do CPPT, ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr. artigo 237º, do CPC). Refere o artigo 41.º, nº 1, do CPPT que «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, (…)». E, de acordo com o nº 2 deste preceito «Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade». E como se sabe, o artigo 38.º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências». O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção. In casu, está em causa uma liquidação de IRC efectuada pelos serviços da administração tributária por virtude de a Recorrente não ter apresentado a declaração anual de rendimentos respeitante ao ano de 2006. Tratando-se de liquidação oficiosa a forma escolhida – carta registada com aviso de recepção – foi a legal, devendo por isso a perfeição da notificação, ser aferida segundo o regime legal consagrado para a emissão de carta registada com aviso de recepção, qual seja, o decorrente dos nºs 3 a 6 do artigo 39,º do CPPT, que dizem o seguinte: «3-Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário. 4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial. 5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.». (sublinhado nosso). Revertendo ao caso sub judice, da factualidade provada resulta que: - A liquidação foi enviada à Recorrente através de carta registada com aviso de recepção, datando o registo nos CTT de 29.04.2008 - [cfr. Ponto 3. do probatório]; - Essa carta foi devolvida com a menção de “Não Reclamada” em 28.05.2008, sem que o referido aviso tivesse sido assinado - [cfr. cfr. Ponto 4. do probatório]; - Em cumprimento do artigo 39.º nº 5 do CPPT, em 03.06.2008, foi enviada nova notificação da liquidação para a mesma remetente por carta registada com aviso de recepção, devolvida aos Serviços em 23.06.2008,com a indicação de “Não Reclamada” - [cfr. Pontos 5 e 6 do probatório]. Desde modo, tendo a Administração Tributária respeitado o preceituado na lei no que se refere à comunicação da liquidação de IRC do ano de 2001, a recorrente considera-se notificada no 3º dia posterior ao registo da segunda carta ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr. artigo 38.º, n.ºs 3, 5 e 6 do CPPT). Refira-se, por fim que a recorrente não invocou o “justo impedimento”, enquanto ocorrência de evento não imputável, que obstaculizou a recepção da carta. Pelo exposto, tem de concluir-se que o presente recurso não merece nesta parte provimento. Prosseguindo. Vejamos, agora, a sobrante questão de saber se a sentença enferma de erro de julgamento ao considerar não verificada a ocorrência de nulidade insanável (falta de requisitos essenciais do título executivo) no processo de execução – alínea b) do nº 1 do artigo 165.° do CPPT. A Oposição à execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artigo 204.º, n°1, do CPPT preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos (neste sentido, Acórdão do TCA Sul de 11.12.2012, proferido no processo n.º 06061/12, disponível no endereço www.dgsi.pt). Decorre da alínea i) daquele preceito que a oposição pode ter por fundamento «Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.». Trata-se, como refere, o Senhor Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA de «(…) uma disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que existir um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade.» (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado, 6ª Edição, vol. III, pág. 498.). Por isso, os fundamentos subsumíveis à previsão dessa alínea i) devem consubstanciar-se em «[f]actos modificativos ou extintivos da dívida, ou que afectam a sua exigibilidade, importando a sua verificação, consequentemente, a impossibilidade de prosseguimento da instância executiva, ao menos, nos precisos termos em que foi instaurada» (neste sentido, Acórdão do STA, de 12.2.2003, proferido no processo n.º 1529/02, disponível no endereço www.dgsi.pt) De acordo com o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 163.º do CPPT (na redacção aplicável à data), é requisito essencial do título executivo a menção da natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante. E de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 165º do mesmo Código, a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal. Examinando a possibilidade à apreciação em processo de oposição, da nulidade do título executivo, no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 16.11.2016, proferido no processo n.º 0715/16 decidiu-se que «[A] falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código.» A dado passo no referido acórdão lê-se o seguinte: «[É] certo que a solução adoptada por esta jurisprudência tem merecido críticas (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144 a 146.). Essencialmente, motivadas pelo facto de a nulidade insanável por falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, determinar a extinção da execução fiscal (finalidade típica da oposição à execução fiscal), implicar a inexequibilidade do título executivo (fundamento típico da oposição à execução) e caber na previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 214.º do CPPT, pois é a provar por documento, não contende com a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda e não representa matéria da exclusiva competência do órgão da entidade que emitiu o título; mas também alicerçadas nos princípios da economia processual e do anti-formalismo. Reconhecemos a pertinência da algumas das objecções à tese que fez vencimento na jurisprudência, maxime a do prejuízo para a economia processual e a do excessivo formalismo. Mas, salvo o devido respeito, fica por rebater aquele que será o argumento mais convincente da tese adoptada pelos referidos sucessivos acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e em muitos outros acórdãos da mesma Secção, qual seja o de que a lei para cada pretensão susceptível de ser deduzida em juízo faz corresponder um e um único meio processual adequado. Por outro lado, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA, é «aconselhável o acatamento desta última jurisprudência uniforme mais recente para evitar mais tergiversações jurisprudenciais sobre esta matéria, por a estabilidade jurisprudencial e a confiança que ela gera nos cidadãos serem valores a prosseguir pelos tribunais que, quando não estão em causa reflexos substantivos, se devem sobrepor à adequação dos meios processuais» (Ibidem.). Neste sentido, com invocação expressa do n.º 3 do art. 8.º do Código Civil – segundo o qual se deve procurar «obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito» – também se pronuncia o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal. Acresce que a tese que ora subscrevemos não constitui restrição alguma do direito de acesso dos executados ao tribunal para garantia da defesa dos seus direitos e interesses legítimos ou controlo dos órgãos da Administração (designadamente do órgão da execução fiscal), em eventual violação do disposto no n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, esse direito não fica prejudicado pelo facto de a lei ordinária impor ao executado uma determinada forma processual, com exclusão de outras. Tal só sucederia se, proibida a aplicação de determinada forma processual – no caso a oposição à execução fiscal – lhe ficasse vedado o acesso a qualquer outra. Não é o caso, pois o executado que entenda que o título executivo enferma de nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, não susceptível de ser suprida por prova documental, poderá argui-la até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º 4 do art. 165.º do CPPT) junto do órgão da execução fiscal, com reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Neste contexto, conclui-se que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável na alínea i) do n.º1 do 204.º, do CPPT. Sempre improcederiam, portanto, como improcedem, também as estas Conclusões 11 a 13 do recurso.
IV. CONCLUSÕES I. A falta de requisitos essenciais do título executivo quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
V.DECISÃO Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, embora com distinta fundamentação.
Custas a cargo da recorrente. Registe e notifique.
Lisboa, 19 de Setembro de 2017.
[Ana Pinhol]
[Jorge Cortês]
[Lurdes Toscano] |