Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL TÍTULO CONSTITUTIVO FRACÇÃO AUTÓNOMA USO PARA FIM DIVERSO ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL ACTIVIDADE INDUSTRIAL ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 05/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE. | ||
Doutrina: | - Aragão Seia, Arrendamento Urbano, p. 113. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1422.º, N.º2, AL. C). DECRETO REGULAMENTAR N.º25/93, DE 17-08: - ARTIGOS 2.º, N.º1, 4.º, N.ºS 4 E 5. DL N.º 168/97, DE 04-07 (COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL N.º 57/2002, DE 11-03): - ARTIGO 1.º, NºS1 E 4. DL N.º 234/2007 DE 19-06: - ARTIGO 1.º. DL Nº 555/99, DE 16-12,COM AS ALTERAÇÕES POSTERIORES ( REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO – RJUE) : - ARTIGO 62.º, N.º1. REGULAMENTO DO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE INDUSTRIAL, ANEXO AO DECRETO REGULAMENTAR Nº 25/93: - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 2.º, N.º1, 4.º, N.ºS 1 E 2, 4.º, N.ºS 4 E 5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 3-11-2009, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 22-3-2011, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 30-6-2011, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Estabelecido no título constitutivo de propriedade horizontal que determinada fracção autónoma se destina ao “exercício do comércio e/ou restaurante”, é de considerar contemplada no título a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação desenvolvida no local. II - Esta actividade não poderá ser integrada numa actividade comercial, dado não estar em causa uma função intermediária entre a produção e o consumo; no entanto, mostra-se possível integrar tal acção na denominação “restaurante”. III - A actividade de restauração, implicando uma evidente acção de produção ou transformação de bens e produtos alimentícios, deve ser entendida como uma actividade industrial. IV - Ao conceder-se, no aludido título, a possibilidade de no local se desenvolver o funcionamento de um restaurante, está-se a possibilitar o desempenho da actividade industrial de transformação e fabrico de produtos alimentares. V - Uma pastelaria é um estabelecimento de restauração e assim é considerado pela lei, pois é um estabelecimento onde se fornecem alimentos e bebidas mediante pagamento (art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 168/97, de 04-07, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 57/2002, de 11-03, vigente à data dos factos). E deve ser assim entendido independentemente da denominação que lhe seja dada (pastelaria, restaurante, casa de pasto, snack-bar, pizzaria, etc.). VI - Perante o disposto no n.º 4 do citado art. 1.º, os estabelecimentos de restauração podem dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação, desde que enquadrados na classe D do DReg n.º 25/93, de 17-08, sendo que, para efeitos de licenciamento, a cada estabelecimento será atribuída a classe correspondente à da actividade industrial nele exercida (art. 2.º, n.º 1, do referido DReg). Os estabelecimentos de classe D devem obedecer a condições de isolamento que a tornem compatível com o uso do prédio em que se encontrem (art. 4.º, n.ºs 4 e 5). VII - Desde que possam ser enquadrados na classe D de actividades industriais, os estabelecimentos de restauração podem dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação (com as condições de isolamento indicadas na disposição), pelo que, tratando-se de uma pequena indústria de apoio à actividade de restauração, essa acção é permitida pela lei. VIII - Considerando que a lei permite que os estabelecimentos de restauração possam dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação, competia aos autores alegarem e provarem, de harmonia com o disposto no art. 342.º, n.º 1, do CC, que a acção empreendida na fracção não se enquadrava na aludida classe D e, assim, não era legalmente permitida de ser aí exercida, o que não fizeram. IX - Constando do título constitutivo que a fracção autónoma se destina a restaurante (estabelecimento de restauração) e porque a lei permite ao estabelecimento (pastelaria) dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação, não foi violado o art. 1422.º, n.º 2, al. c), do CC, não tendo os condóminos dado à fracção um “uso diverso do fim a que é destinada”. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório: 1-1- AA e BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra CC– …, Ldª, com sede no Lugar de ..., ..., ..., cuja posição processual foi adquirida, na pendência da acção, pelo DD, S.A., com sede na..., nº …, no …, bem como contra EE e mulher, FF, residentes na Rua ..., nº …, …, em ..., ..., tendo sido chamados a intervir, na pendência da acção, como intervenientes principais ao lado dos RR. originários, na qualidade de trespassários, GG e mulher, HH, residentes na Rua da ..., Nº … e …, em ..., ..., alegando, em síntese, que: São donos de uma fracção autónoma de um prédio urbano, onde instalaram a sua residência permanente, sendo a R. CC dona de uma outra fracção no mesmo prédio correspondente a um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante na cave e no rés-do-chão, fracção essa que a R. prometeu vender aos 2ºs RR. Estes, após realização de obras e obtenção do licenciamento camarário, destinaram a fracção à actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação, não autorizada pelo título constitutivo da propriedade horizontal, desenvolvendo por isso uma actividade que lhes está vedada pelo título; a sua fracção é contígua à fracção dos RR., sobrepondo-se a esta. Os equipamentos usados pelos RR. no fabrico de pastelaria e panificação, em especial o sistema elevatório, bem como o pessoal afecto ao seu manuseamento, provocam ruído susceptível de ser ouvido na sua fracção, perturbando o seu descanso, especialmente ao início da manhã, nos fins-de-semana e nos feriados, causando ainda vibrações e riscos de incêndio, bem como cheiros persistentes, actos incompatíveis com o seu bem-estar. O estabelecimento em questão provoca ainda uma desvalorização comercial do edifício, que afecta o valor económico das fracções. Concluem pedindo que sejam os RR. solidariamente condenados: A não utilizar a fracção autónoma “...” para actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação. Se assim não for entendido, o que só por mero dever de patrocínio se concede, a não utilizar a fracção autónoma “...” para a actividade de fabrico de pastelaria e panificação antes das 08,00 horas aos fins de semana e feriados e antes das 07.30 horas aos dias úteis, e a não utilizarem, em ocasião alguma, o sistema elevatório identificado no presente articulado.
Regularmente citados, vieram os RR. deduzir contestação. A R. CC veio excepcionar a incompetência do tribunal, invocando que ao estabelecimento instalado no edifício em discussão, incluindo a alteração de uso originariamente previsto para a fracção, foi licenciado pela autoridade administrativa competente, sendo o processo da exclusiva competência da jurisdição administrativa e impugna, ainda, a matéria alegada pelos AA., referindo que a actividade desenvolvida pelos RR. na fracção em discussão não pode ser classificada como actividade industrial, estando sujeito ao regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e bebidas, encontrando-se a actividade exercida autorizada pelo estatuto do condomínio, sendo lícita; mais alega que os AA. sabiam que podia ser aberta na fracção uma actividade de restauração, que é similar à actividade desenvolvida pelos RR., actuando os AA. de forma abusiva e com má-fé. Os 2ºs RR. sustentaram que a actividade por si desenvolvida não é uma actividade industrial, estando enquadrada na finalidade da fracção, sendo o seu fim reconhecido pelo estatuto do condomínio; em relação aos prejuízos alegados pelos AA., invocam que toda a fracção foi objecto de insonorização, não sendo audíveis na habitação dos AA. os equipamentos usados na fracção ou o pessoal afecto ao seu manuseamento; quanto ao monta-cargas, o seu ruído deveu-se a uma deficiência do equipamento, que teve entretanto intervenção da empresa que o colocou, não havendo, por outro lado, qualquer ligação entre a fracção dos AA. e a área de fabrico do estabelecimento dos RR., inexistindo qualquer dos riscos ou fontes de desvalorização que os AA. imputam o estabelecimento dos RR. Concluem pedindo a improcedência da acção.
Os AA replicaram, pugnando pela improcedência da excepção de incompetência material arguida pela R. CC, alegando, ainda, que a legislação invocada pelas RR. que regulamenta a instalação e o funcionamento de restauração e bebidas não revogaram as normas de natureza civil que regulamentam a propriedade horizontal, sendo a actividade de fabrico de pão manifestamente industrial. Terminam pedindo a improcedência das excepções, no mais mantendo o alegado e peticionado na petição inicial.
Foi designada data para tentativa de conciliação das partes, que se frustrou. Por despacho de fls. 165 e segs. foi apreciada a excepção da incompetência material arguida, que foi indeferida e, de seguida, procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção dos factos assentes e dos controvertidos.
Foi tramitada por apenso a habilitação de adquirente, referente ao habilitado DD, no contexto do qual foi proferida sentença julgando efectuada a habilitação. Foi admitida a intervenção dos chamados, enquanto trespassários e actuais responsáveis pela exploração do estabelecimento em discussão, contra quem foi deduzido, a fls. 543 e segs., incidente de intervenção principal.
Teve então lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, finda a qual se respondeu à matéria de facto e se proferiu a sentença. Nesta julgou-se a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, condenou-se solidariamente os RR. a não utilizarem a fracção autónoma “...” para actividade de pastelaria e panificação.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. EE e mulher FF e os intervenientes DD e GG e mulher, de apelação para o Tribunal da Relação do Porto tendo-se aí, por acórdão de 25-10-2012, julgado improcedentes os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
1-3- Continuando irresignados com este acórdão, dele recorreram o DD, FF e GG e mulher para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.
O recorrente DD alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- O presente recurso tem por objecto reapreciar duas questões de direito: uma, relacionada com a admissibilidade de ser desenvolvida uma actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação numa fracção que, de acordo com o respectivo título constitutivo de propriedade horizontal, está afecta à finalidade de "comércio e/ou restaurante"; outra, que consiste em saber se o comportamento dos Autores que, aquando da aquisição da sua fracção, sabiam que na fracção "..." poderia vir a ser desenvolvida uma actividade de serviços - tal como veio a acontecer - consubstancia um exercício abusivo de direito (se direito houvesse); 2º- Constituindo entendimento pacífico que, neste contexto, a expressão restaurante "envolve a actividade de produção e transformação de mercadorias, sendo considerada como uma actividade industrial ", dúvidas não subsistem de como a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação se inclui nesta definição; 3º- Isto porque a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação não é mais de que uma actividade de produção e transformação de mercadorias - mercadorias estas que se reconduzem à própria massa de pão e de bolos; 4º- Contra isto não vinga o único argumento vertido no acórdão recorrido de que entender-se que a actividade de pastelaria e panificação está abrangida no título constitutivo que prevê uma actividade de restaurante põe em causa a tranquilidade dos que no imóvel vivem: primeiro, porque não são raros os restaurantes que também produzem o seu próprio pão, à mesmíssima hora que o fazem as padarias ou pastelarias, segundo, porque a maioria dos restaurantes obtêm licença para estarem abertos até horas tardias provocando ruído; 5°- De qualquer forma, no caso dos autos, a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação desenvolvida na fracção "..." não produz qualquer ruído que possa perturbar o descanso dos Recorridos - isto porque apenas foi dado como provado que a utilização do "monta pratos" de onde provinha o ruído que incomodava os Recorridos foi interditada por decisão cautelar; 6°- Não obstante, uma coisa é certa: não é o factor horário que delimita o fim que pode ser desenvolvido numa determinada fracção, mas sim o factor actividade - e, insista-se, no caso dos autos essa actividade reconduz-se à produção e transformação de mercadorias só diferindo do restaurante quanto ao tipo de mercadorias; 7°- De todo o modo, constituindo facto provado nos autos que os Recorridos quando adquiriram as suas fracções, sabiam que na fracção "..." poderia ser instalado um estabelecimento destinado a comércio/serviços - e não um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante, tal como previsto no título constitutivo - a sua ponderação, omitida no acórdão recorrido, conduz, a um só tempo, à sua nulidade uma vez que deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual recaia a obrigação de o fazer e à sucumbência da decisão nele vertida; 8°- Se a expressão serviços engloba a actividade de fabrico de pastelaria e panificação, apodíctico é concluir que a actividade desenvolvida na fracção "..." está a coberto de um licenciamento administrativo - licenciamento este para comércio e/ou serviços. 9°- Proibindo a al. c) do n° 2 do art. 1422º do Cód. Civil que possa ser dado um fim diverso ao que está previsto no título constitutivo da fracção e sendo a sua ratio proteger as legítimas expectativas daqueles que venham a adquirir uma fracção que lhe é contígua, está bom de ver que os Recorrentes, aquando da compra da sua fracção, não podiam legitimamente esperar que não se desenvolvesse na fracção "..." uma actividade de fabrico de pastelaria e panificação; 10º- O comportamento dos Recorridos, ao colocarem em causa a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação que se está a desenvolver na fracção "...", actividade esta de que estavam cientes de que se poderia vir a ter lugar e que não constituiu motivo impeditivo no momento da aquisição da sua fracção, volvidos sete anos da data em que adquiriram a sua fracção, é de todo abusivo integrando-se num venire contra factum proprium. 11º- De facto, não estamos perante uma utilização unilateral do condómino contrária ao título constitutivo da propriedade horizontal, senão e apenas perante a aplicação a um destino consentido pelos Recorridos, o que levou, aliás, a que a padaria/pastelaria funcionasse durante mais de um ano, licenciada pela Câmara, até à propositura da acção. 12ª- Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido, no errado julgamento que efectuou, violou o disposto nos arts. 334° e 1422° n° 2 al. c) do Código Civil, e no art. 660° n° 2 do Cód. Proc. Civil: impõe-se, pois, a sua revogação e substituição por acórdão que, julgando improcedente a acção, absolva o DD do pedido com todas as legais consequências.
A Recorrente FF alegou também, tendo retirado as seguintes conclusões: A) Entenderam os Venerandos Desembargadores a quo manter a douta sentença recorrida de condenar, entre outros, a aqui Recorrente a não utilizar a fração autónoma J para a atividade de fabrico de pastelaria e panificação, com fundamento em que esta atividade, determina a destinação da fração a um fim contrário àquele que é autorizado pelo título constitutivo de propriedade horizontal. B) Entende o Venerando Tribunal da Relação do Porto que a atividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação é uma atividade industrial expressamente excluída da fração ... em causa nos presentes autos. C) Salvo o devido respeito, a interpretação dada não é correta, violando-se o disposto no art. 1422º, 2 c) CC. D) A questão é pois saber a de saber se a atividade de fabrico próprio de padaria e panificação viola o destino da fração previsto no título constitutivo da propriedade horizontal de fração ... em causa nos presentes autos. E) Reiteramos o entendimento que não é violador desse título, por duas ordens de razões, a saber: F) a) Entende-se, primeiro, que a atividade de fabrico próprio de padaria e panificação não é qualificável como atividade industrial para efeitos de integração e interpretação do destino da fração definido no título constitutivo da propriedade horizontal. G) b) Em segundo, e sem prescindir, entende-se não haver violação do destino da fração por interpretação do título constitutivo e da intenção do seu autor, ainda que considerada a atividade de fabrico de pastelaria e panificação com atividade industrial. H) Do primeiro argumento: ao contrário do entendimento sufragado na douta sentença e posteriormente confirmado pelos Venerandos Desembargadores, reitera-se o entendimento que a legislação e regulamentação citada pela recorrente em abono da tese de que a atividade desenvolvida não tem cariz industrial não é, nem pode ser inócua ou irrelevante no contexto da integração e interpretação do destino da fração conforme definido no título constitutivo. I) A regulamenteção referida é verdadeiramente integradora do regime da propriedade horizontal quando ao que ao destino das frações se refere e nessa perspectiva deve ser utilizada para fazer uma interpretação atual e atualizada, permitindo a tão desejada aproximação à realidade. J) Conforme se referira anteriormente: Na verdade, a propriedade horizontal é um direito novo, diferente e distinto da propriedade singular e que implica um estatuto jurídico completamente separado desta, estatuto esse que se corporiza no título constitutivo e nas normas supletivas da lei civil". (3) (Acórdão STJ 22.04.2004) ( ... ) É, "no entanto, preciso ter presente o que, porventura, se ache regulado noutras disposições legais ou regulamentares que com a matéria em apreço tenham alguma conexão, conforme sucede com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Dec-Lei nº 38.832 de 7 de Agosto de 1951". (acórdão STJ, nunca pode o fim da fracção ser diverso do constante da respectiva licença camarária de utilização, pelo que, na verdade, tal fim ou destino não está (nem pode estar) na livre disponibilidade do respectivo proprietário, antes estando submetido aos regulamentos de construção e licenciamento. - Todas estas limitações impostas aos proprietários, em âmbito de propriedade horizontal, visam, assim, salvaguardar também aqueles interesses de ordem público atrás referidos: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios assim como das condições estéticas, urbanísticos e ambientais, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, onde proliferam os edifícios em propriedade horizontal". (idem) k) Impõe-se, pois, conjugar o conceito civilístico com o do regime de edificação e licenciamento de imóveis/fracções autónomas pois o que está em causa é a aptidão para no imóvel já identificado nos autos, a Recorrente exercer uma actividade económica atendendo ao fim da fração. L) O Decreto-Lei n.º 57/2002, de 11 de Março, no seu preâmbulo, adapta o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas previsto no Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, ao novo regime jurídico da urbanização e da edificação M) Este Decreto-lei faz a republicação do Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, com um anexo com as devidas alterações: o número 4 do artigo 1º do capítulo I do anexo ao DL 168/97, determina que os estabelecimentos a que se refere (restauração ou bebidas) ficam sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto no Decreto Regulamentar 25/93, mas ao regime da instalação previsto no presente diploma, isto é, do Decreto Lei 57/2002. N) O Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril, estabelece um novo regime legal para o exercício da actividade industrial, determinando que os estabelecimentos industriais, para efeitos da definição do respectivo regime de licenciamento, são classificados do tipo 1 ao tipo 4, nos termos a fixar em diploma regulamentar. O) O Decreto Regulamentar n.º 8/2003, de 11 de Abril, no artigo 1.º âmbito de aplicação do seu anexo - Regulamento do Licenciamento da Actividade Industrial - diz o seguinte: "Para efeitos deste Regulamento, consideram-se atividades industriais as incluídas nas divisões 10 e 12 a 37 da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 182/93 de 14 de Maio (CAE - rev.2), bem como as incluídas nas divisões 40 e 55, respectivamente sob os nºs 40302 e 55520, do referido diploma legal, com excepção das actividades neste identificadas sob os nºs 221, 2223, 2224, 2225, 223 e 2461". P) Este Decreto Regulamentar revoga os Decretos Regulamentares nºs 61/91 e 25/93, respectivamente de 27 de Novembro e de 17 de Agosto. Q) Desta forma, está bem clara a exclusão da atividade objecto de análise (estabelecimento de bebidas com fabrico de pastelaria/panificação), cujo CAE é 55405, da atividade industrial, o que vem reforçar que, de facto, não se trata de uma atividade industrial. R) A Portaria n.º 464/2003, de 6 de Junho, classifica os estabelecimentos industriais e define a entidade coordenadora do processo de licenciamento industrial, revogando, ainda, a Portaria n.º 744-8/93, de 18 de Agosto, uma vez mais se verificando que o CAE 55405 do estabelecimento que se pretende instalar não consta da Tabela n.º 2 anexa ao presente diploma (Portaria 464/2003). S) Por todo o exposto, conclui-se que o estabelecimento de bebidas com fabrico de pastelaria/panificação (com uma área de lar de forno de 4,5 m2) não pode ser classificado como indústria, trata-se de um estabelecimento previsto no regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e bebidas. T) A exclusão da atividade de fabrico de pão e de produtos de pastelaria como industrial decorre da não verificação dos "riscos e inconvenientes resultantes da exploração dos estabelecimentos industriais" - art. 1º do DL 69/2003 de 10.04.2003. U) Por outras pa...s, a definição de uma atividade como industrial ou comercial foi realizada para efeitos da sua classificação - nos termos supra referidos - atendendo aos elementos de risco que a mesma comporta no seu exercício, por exemplo em termos de potência da energia eléctrica utilizada, potência térmica, poluição, manuseamento de substâncias perigosas, entre outras. V) Quanto à classificação como atividade comercial: O Decreto-Lei 57/2002 de 11 de Março faz a republicação, com alterações, do DL 168/97 de 4 de Julho: O regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas regulado pelo Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis nºs 139/99, de 24 de Abril, e 222/2000, de 9 de Setembro, necessita de ser alterado por forma a compatibilizá-Io com o novo regime jurídico da urbanização e edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho. X) O número 4 do artigo 1.º do capítulo I do anexo ao DL 168/97, determina que os estabelecimentos a que se refere (restauração ou bebidas) ficam sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto no Decreto Regulamentar 25/93, mas ao regime da instalação previsto no presente diploma, isto é, do Decreto Lei 57/2002. z) Os estabelecimentos referidos nos nºs 1 e 2 podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto, ficando assim sujeitos não ao regime do licenciamento do exercício da atividade industrial previsto naquele diploma, mas ao regime da instalação previsto no presente diploma. AA) O que significa dizer que entendeu o legislador, no seu prudente julgamento, que verificando-se os pressupostos do exercício legal de uma atividade comercial verificar-se-ão necessariamente os requisitos necessários ao exercício legal da atividade de pastelaria e panificação nos moldes em que é efetivamente exercida pela aqui Recorrente, por se encontrarem acautelados todos os interesses envolvidos no desempenho de tal atividade no âmbito de uma fração autónoma. AB) Do exposto se conclui que face ao regime jurídico aplicável à situação sub iudice a fração autónoma apta ao exercício do comércio está também apta para o exercício de pastelaria e panificação nos termos em que é exercida pela Recorrente, não havendo violação do fim da mesma. AC) Do segundo argumento: entende-se não haver violação do destino da fração por interpretação do título constitutivo e da intenção do seu autor, ainda que considerada a atividade de fabrico de pastelaria e panificação com atividade industrial AD) Como igualmente resulta do teor do douto acórdão proferido no âmbito de providência cautelar apensa aos presentes autos, questão a ter em devida conta é também a intenção do autor do título constitutivo ao estipular o fim da fração. AE) Impõe-se pois uma análise comparativa entre a atividade de restaurante e de fabrico de padaria e panificação para verificar se será de admitir que o autor do título constitutivo admitiria esta ao prever aquela, AF) Ou, colocando, de outra forma, e pelo contrário, se conforme descrito no douto acórdão ora recorrido, em conformição da douta sentença recorrida, ( ... ) o titulo constitutivo ( ... ) limitou a definição do fim de específica atividade industrial, a de restaurante"- cfr fls 592 -, excluindo as demais, tendo em vista "garantir a tranquilidade dos que no imóvel vivem" - cfr Ac STJ de 28-05-2002 ( ... ). AG) Com o devido respeito por opinião diversa, temos que discordar com o douto acórdão ora recorrido. AH) Analisada uma e outra atividade, existem pontos comuns incontornáveis: a transformação de matérias primas alimentares, em produtos finais e, como salientado na douta sentença proferida em 1ª instância, um restaurante, embora produza o ruído da clientela ou emita os cheiros próprios das comidas confeccionadas nessa indústria (... ). AI) É, aliás, comum, que a atividade de restaurante inclua a panificação e pastelaria, aqui entendendo-se como o fabrico próprio de pão, pastelaria e doçaria. AJ) A título comparativo e, tomando em consideração o indicado na douta sentença proferida em primeira instância: um restaurante, embora produza o ruído da clientela ou emita os cheiros próprios das comidas confeccionadas nessa indústria, não pode ser visto como uma indústria que afecta a vida dos condóminos na mesma medida que uma indústria de panificação ou de fabrico de pastelaria afectará, já que aquela atividade não tem horários comparáveis com os desta última, sendo consabido que o fabrico de pão ocorre de madrugada, em horários completamente distintos daqueles em que, normalmente, um restaurante se encontra aberto ao público, factor que poderá ser preponderante para assegurar a tranquilidade de que, quem compra uma fracção contígua a um estabelecimento aberto ao público, pode legitimamente esperar ter um sono tranquilo e uma madrugada/manhã sem movimentações intensas. AK) Em primeiro lugar, e com o devido respeito, há a esclarecer que a ideia de que o fabrico de pão não ocorre de madrugada antes é a produção da massa feita durante o dia e fica em equipamento próprio de conservação até ser colocada nos fornos, na parte da manhã cedo, consoante o horário de abertura do estabelecimento. AL) Por outro lado, e se é certo que ainda assim, o horário de uma estabelecimento com fabrico próprio de padaria e panificação, começa mais cedo comparativamente com um restaurante, por outro, é certo que os horários dos restaurantes estendem-se frequentemente noite dentro, em particular aos fins de semana, entrando desta forma dentro dos horários de repouso e tranquilidade. AM) É pois seguro concluir, que, no que se refere ao "( ... ) garantir a tranquilidade dos que no imóvel vivem ( ... )" enunciado no douto acórdão, ambas as atividades são equivalentes. AN) Analisadas e comparadas ambas as atividades, resulta, de fato, uma proximidade e quase identidade que torna mais do que razoável supor que o autor do título constitutivo, ao definir como destino da fração, restaurante, admitiria como prevista e incluida no fim que, expressamente definiu. AO) Assim, sendo certo que o fim da fração é aquele que se encontra definido no título constitutivo e que delimita a respetiva função, impõe-se por outro lado integrar e interpretar o conteúdo dessa função, o que só é possível com o recurso a regulamentação e legislação especificamente criada e atualizada para fazer face às permanentes mutações do setor. AP) Por outro lado, de igual forma, na interpretação do destino da fração há que atender ao que o auto do título quis criar e prever e assim respeitar efetivamente o título constitutivo. AQ) Em conclusão, se dirá que à luz de ambos e pelos fatos acima expostos se entende que a atividade de fabrico de pastelaria e panificação está incluída no fim da fração em causa nos presentes autos. AR) Face ao expostos, o douto acórdão, decidindo como decidiu violou o disposto no art. 1422º nº 2 CC.
Igualmente alegaram os recorrentes HH e mulher, tendo retirado as seguintes conclusões: 1ª- O presente recurso vem interposto do Acórdão, no qual nega provimento ao recurso interposto e confirma a sentença impugnada por considerarem os Recorrentes ter existido uma violação da lei substantiva mediante erro de interpretação das normas reguladoras do presente instituto, nos termos do art. 721º do CPC. 2ª- A questão jurídica a resolver é aferir se a actividade exercida na fracção "..." de "estabelecimento de bebidas com fabrico próprio de pastelaria e panificação" se está ou não contemplada na constituição da propriedade horizontal onde se afecta a referida fracção ao “comércio e ou/ restaurante" 3ª- Salvo melhor opinião, e contrariando o decidido no Tribunal a quo, julgamos que no acto de constituição da propriedade horizontal, a qual foi efectuada por negócio jurídico unilateral, prendeu-se que a referida fracção autónoma pudesse servir a um amplo leque de actividades comercias, não a limitando apenas a restaurante. 4ª- Isto porque: dentro do ramo do comércio alimentar, a restauração é a actividade cujo grau de exigência de licenciamento é mais rigorosa, não só cumprimento de requisitos estruturais e funcionais dos estabelecimentos bem como pelas implicações que dai advém para os demais condóminos. 5ª- Os estabelecimentos de restauração de acordo com o DL 234/2007 de 19 de Junho, define no seu art. 1º que são estabelecimentos de restauração e bebidas, esclarecendo o n.° 4 que " ... podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados ... "; 6ª- Estatuído ainda o referido decreto-lei regimes diferentes de licenciamento para a actividade de restauração, a qual poderá estar sujeita ao REAI, ou seja um licenciamento industrial ou podendo estar apenas sujeita ao regime jurídico de instalação de bebidas e restauração, cujo licenciamento é emitido pelas Câmaras Municipais. 7ª- O que determina estes diferentes procedimentos é a potência contratada da electricidade, sendo que quando esta é superior a 50 KVA o licenciamento é industrial e nos restantes casos é um licenciamento para instalação de estabelecimento de restauração e bebidas; 8ª- Não obstante esta diferenciação jurídica todos os estabelecimentos de restauração (restaurante, snack bar, pizaria, take away ... ) são considerados restaurantes os quais podem dispor de secção de fabrico, não necessitando de outro tipo de licenciamento, situação comum nas pastelarias e padarias actividade que não se confunde com a industria de panificação que obedece a um regime de licenciamento diferente. 9ª- Podemos assim concluir que quem permite o mais permite o menos, razão pela qual se o titulo constitutivo da propriedade horizontal permite o exercício da actividade de restauração tb tem que permitir o exercício de uma actividade do ramo alimentar cujo grau de exigência em termos de requisitos estruturais e funcionais é mais ligeira. 10ª- O titulo constitutivo da propriedade horizontal optou por identificar o uso da fracção, não através da concretização única de uma actividade mas por recurso a uma formula genérica "comércio e/ ou restaurante", pelo que é admissível o exercício da actividade de estabelecimento de bebidas e fabrico de padaria e pastelaria. 11ª- Mais, os regimes ou regras específicas sobre utilização dos edifícios para uma determinada actividade são instruídos, apenas e só, como meio de tutela de interesses relacionados com a funcionalidade, segurança e salubridade desses estabelecimentos e não para salvaguardar quaisquer interesses jurídico privados pelo que não se pode extrapolar que dai resulte a criação de uma nova categoria de usos das edificações para além das tradicionalmente designadas: habitação, comércio, industria e serviços. 12ª- O estabelecimento em causa nos presentes autos não estando classificado como actividade industrial só pode reconduzir-se à categoria de uso comercial, como tal respeita o uso definido no título constitutivo da propriedade horizontal. 13ª- E caso se considere que dentro da categoria de comércio se pretendeu limitar à actividade de restauração, sempre se diga que a actividade desenvolvida pelos Recorrentes se insere nesta actividade porquanto é uma actividade do ramos alimentar que obedece aos mesmos requisitos, numa plano mais ligeiro, pelo que a lei que permite o mais permite o menos.
Não foram apresentadas contra-alegações
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas os assuntos que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil do C.P.Civil). Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Se a actividade exercida na fracção autónoma em causa poderá ser integrada no título constitutivo de propriedade horizontal onde se afecta a referida fracção ao “comércio e ou/ restaurante". -Se os AA. agem com abuso de direito.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: a) O prédio urbano sito no gaveto da Rua da ..., nº …, …, …, …, …, …, …, …, … e … e Rua ..., …, freguesia do ..., concelho de ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e inscrito na competente matriz sob o artº …, corresponde a um edifício de cave, rés-do-chão e dois andares com a área coberta de 475 m2 e logradouro de 255 m2 (A). b) O identificado prédio foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública ...da em 28/03/2000, a fls. 90 a … vº do Livro de Notas nº … do Cartório Notarial de ..., e registada pela inscrição F1- Ap … (B). c) E, por via disso, fragmentado num total de 18 fracções autónomas, identificadas pelas letras “A” a “S”, cada uma delas afectada pelo título constitutivo da propriedade horizontal às finalidades que se passam a enunciar: I) fracções “…” a “…” – lugares de garagem; II) fracção “…” – comércio e/ou restaurante; III) fracções “…” a “…” – habitações (C). d) Em 12/12/2001, a Câmara Municipal de ... emitiu o alvará de utilização nº…, conferindo às referidas fracções a vocação que se passa a enunciar: I) oito fogos destinados a habitação; II) nove lugares de garagem autónomos; III) fracção “...” destinada a estabelecimento comercial. e) Por escritura pública destinada a compra e venda e mútuo com hipoteca ...da em 04/04/2000 a fls … a … vº do Livro de Escrituras Diversas do 2º Cartório Notarial, a sociedade R. vendeu aos AA., que lhe compraram, as seguintes fracções do identificado prédio: I) fracção “…”, correspondente a uma habitação no primeiro e segundo andares, tipo duplex, com entrada pela Rua da ..., nº …, entrada “…”; II) fracção “…”, correspondente a um lugar de garagem na cave direita com entrada pela Rua da ..., nº … e …” (E). f) Os AA. pagaram à referida sociedade o preço global de aquisição de PTE 18.000.000$00, correspondendo PTE 17.500.000$00 à fracção “…” e PTE 500.000$00 à fracção “…”, que esta embolsou e fez seu, e efectuaram diversas obras de beneficiação na fracção destinada a habitação, com as quais despenderam o valor de PTE 10.000.000$00 (F). g) Para tanto, contraíram junto do “II – ..., S.A.” um empréstimo no valor de PTE 28.000.000$00, pelo prazo de 25 anos, destinando-se PTE 18.000.000$00 à aquisição das fracções e PTE 10.000.000$00 ao pagamento das referidas obras de beneficiação, ao abrigo do Regime Geral de Crédito Habitação previsto no DL 349/98 de 11/11 (G). h) Para garantia do bom e pontual pagamento da quantia mutuada, juros e despesas judiciais e extrajudiciais destinadas ao ressarcimento deste crédito, o requerente e mulher constituíram hipoteca voluntária sobre ambas as fracções adquiridas, até ao valor máximo de capital e acessórios de PTE 37.940.000$00 (H). i) A aquisição e hipoteca das fracções encontram-se registadas, respectivamente, sob as inscrições … e … (I). j) A propriedade sobre a fracção autónoma do mesmo prédio designada pela letra “…”, e correspondente a um estabelecimento destinado a comércio e/ou restaurante na cave e no rés-do-chão, com as áreas de 198,14 e 181,08 m2, respectivamente, e entrada pela Rua ... nº … e … e Rua ..., nº … encontra-se registada a favor da R. pela inscrição ...da sobre a totalidade do prédio sob a cota … (J). k) A R. sociedade prometeu vender aos 2º RR., EE e FF, a indicada fracção “…”, que lha prometeram comprar, encontrando-se ...do o correspondente registo provisório de aquisição a seu favor sob a inscrição … (K). l) A R. sociedade procedeu à respectiva tradição a favor dos 2º RR., EE e FF, que assim passaram a exercer, continuadamente, todos os actos próprios de proprietários, sem violência ou oposição de quem quer que seja, de forma reiterada e contínua, à luz do dia, e com publicidade notória (L). m) Em 11/11/2004, a R. FF apresentou junto da Câmara Municipal de ... o requerimento registado sob o nº …, destinado a comunicação prévia de obras isentas de licença ou autorização na identificada fracção “…”, para instalação de “estabelecimento de bebidas com fabrico próprio de padaria e panificação”, e que deu origem ao processo nº … (M). n) Na sequência de despacho proferido em 09/02/2005 no âmbito desse processo, a R. FF foi notificada de que “a realização das obras não lhe conferia legitimidade para utilizar o espaço para o fim pretendido, pelo que deveria apresentar um pedido de alteração de utilização” (N). o) Em 28/11/2005, os RR., EE e FF, deram início às enunciadas obras de construção civil na fracção autónoma “…”, que se intensificaram no início do ano de 2007 e se encontram, actualmente, em fase de conclusão (O). p) Em 23/01/2006, a R. sociedade apresentou junto da Câmara Municipal de ... o requerimento registado sob o nº …, no âmbito do processo de construções particulares nº …, pelo qual solicitou a “alteração do uso inicialmente previsto no alvará de licença de construção para comércio e/ou serviços” (P). q) Por despacho proferido em 21/02/2006, tal pretensão veio a ser deferida (Q). r) Os RR. desenvolvem na fracção da fracção autónoma “..” a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação (1º). s) Desde o ano 2000 os AA. mantêm na fracção autónoma “…” a habitação permanente e domicílio habitual do agregado familiar (2º). t) O ruído do sistema elevatório destinado a transportar produtos entre a cave e o rés-do-chão (monta pratos), cujo uso foi interditado pela decisão cautelar proferida por apenso a estes autos, provocava, quando em utilização, um ruído susceptível de ser ouvido na fracção “…”, propriedade dos autores e habitada pelo seu agregado familiar (4º). u) O ruído provocado pelo funcionamento do monta-pratos aludido em 4º é susceptível de perturbar o descanso dos AA., causando os demais equipamentos de fabrico de pastelaria e panificação incomodidade aos AA. quando a sua utilização tem lugar nos períodos diurnos de sossego, como ocorre às 7h00 da manhã (5º). v) Os AA., quando adquiriram as suas fracções, sabiam que na fracção “…” poderia ser instalado um estabelecimento destinado a comércio/serviços (11º). x) A fracção “…” confina com parte da fracção “…”, ficando aquela imediatamente por cima da zona do estabelecimento existente nesta última fracção, ao nível do rés-do-chão, que se destina a atendimento aos clientes, sobrepondo-se esta zona, em linha recta, a uma parte da zona de fabrico existente na cave (13º). z) Nos períodos de fabrico, a actividade de pastelaria e panificação emite odores (14º). --------------------------------------
2-3- A questão essencial que se debate na presente demanda e de que (todas) as presentes revistas fazem eco, é a de se saber se a actividade exercida na fracção "…", fabrico próprio de pastelaria e panificação, está, ou não, contemplada no título constitutivo da propriedade horizontal, título onde se indica que a fracção se destina a “comércio e ou/ restaurante". As instâncias deram resposta negativa ao tema, pois consideraram que a acção desenvolvida na fracção não está conforme o fim estabelecido no título constitutivo da propriedade horizontal. A este propósito disse-se no douto acórdão recorrido que “os réus ao exercerem a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação não respeitaram os deveres – de conteúdo negativo – constantes do artigo 1422, nº2, alíneas c) e d) do CC, impondo-se, assim, a confirmação do decidido”. Por sua vez na douta sentença de 1ª instância considerou-se que “encontra-se assente, desde a fase de saneamento do processo, que a fracção “…” titulada e explorada pelos réus, se encontra de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, afecta a “comércio e/ou restaurante”. Encontra-se ainda provado, na sequência da prova produzida em julgamento, que os réus desenvolvem na fracção autónoma “…” a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação. Qualquer que seja a perspectiva em que se observe a actividade desenvolvida da fracção “…” – e foram muitas as adiantadas pelas partes ao longo da tramitação do processo – nenhum facto ou tese pode desvirtuar a circunstância de uma actividade que se destina a fabricar pão ou artigos de pastelaria ser uma actividade industrial. Qualquer outro entendimento retiraria eficácia prática à distinção entre comércio e o fabrico de pão, actividades que, mesmo à luz do mais corrente senso comum, são distintas. É pacífico … que o conceito de comércio integra a actividade de mediação nas trocas, enquanto a actividade implica produção e transformação de mercadorias … Se é certo … que actividade de restauração é, também, actividade transformadora e, nessa medida, actividade industrial, é importante notar que o título constitutivo da propriedade horizontal que define o destino de cada uma das fracções aqui em discussão não tornou abrangente a actividade industrial que poderia ser desenvolvida na fracção “…” que destinou, de forma expressa, a qualquer tipo de comércio (destinação de conteúdo indeterminado dentro da área comercial), mas limitou a definição do fim a uma específica actividade industrial, a de restaurante (concretizando, de forma excludente para as demais actividades industriais, o fim da fracção)”. Por sua vez os recorrentes, em contrário, sustentam que constituindo entendimento pacífico que a expressão restaurante "envolve a actividade de produção e transformação de mercadorias, sendo considerada como uma actividade industrial", dúvidas não subsistem de como a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação se inclui nesta definição. Isto porque a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação não é mais de que uma actividade de produção e transformação de mercadorias - mercadorias estas que se reconduzem à própria massa de pão e de bolos. Analisada uma actividade e outra (restaurante e pastelaria), existem pontos comuns incontornáveis: a transformação de matérias primas alimentares, em produtos finais. É, aliás, comum, que a actividade de restaurante inclua a panificação e pastelaria, aqui entendendo-se como o fabrico próprio de pão, pastelaria e doçaria. No acto de constituição da propriedade horizontal teve-se em vista que a referida fracção autónoma pudesse servir a um amplo leque de actividades comercias, não a limitando apenas a restaurante. Isto porque: dentro do ramo do comércio alimentar, a restauração é a actividade cujo grau de exigência de licenciamento é mais rigorosa, não só cumprimento de requisitos estruturais e funcionais dos estabelecimentos bem como pelas implicações que dai advém para os demais condóminos. Os estabelecimentos de restauração de acordo com o DL 234/2007 de 19 de Junho, define no seu art. 1º que são estabelecimentos de restauração e bebidas, esclarecendo o n° 4 que " ... podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados ... ". Não obstante a diferenciação jurídica que se indica, todos os estabelecimentos de restauração (restaurante, snack bar, pizaria, take away...) são considerados restaurantes os quais podem dispor de secção de fabrico, não necessitando de outro tipo de licenciamento, situação comum nas pastelarias e padarias actividade que não se confunde com a indústria de panificação que obedece a um regime de licenciamento diferente. Podemos assim concluir que quem permite o mais permite o menos, razão pela qual se o titulo constitutivo da propriedade horizontal permite o exercício da actividade de restauração também tem que permitir o exercício de uma actividade do ramo alimentar cujo grau de exigência em termos de requisitos estruturais e funcionais é mais ligeira. O titulo constitutivo da propriedade horizontal optou por identificar o uso da fracção, não através da concretização única de uma actividade mas por recurso a uma formula genérica "comércio e/ ou restaurante", pelo que é admissível o exercício da actividade de estabelecimento de bebidas e fabrico de padaria e pastelaria. Mais, os regimes ou regras específicas sobre utilização dos edifícios para uma determinada actividade são instruídos, apenas e só, como meio de tutela de interesses relacionados com a funcionalidade, segurança e salubridade desses estabelecimentos e não para salvaguardar quaisquer interesses jurídico privados pelo que não se pode extrapolar que dai resulte a criação de uma nova categoria de usos das edificações para além das tradicionalmente designadas: habitação, comércio, industria e serviços. O estabelecimento em causa nos presentes autos não estando classificado como actividade industrial só pode reconduzir-se à categoria de uso comercial, como tal respeita o uso definido no título constitutivo da propriedade horizontal. E caso se considere que dentro da categoria de comércio se pretendeu limitar à actividade de restauração, sempre se diga que a actividade desenvolvida pelos recorrentes se insere nesta actividade porquanto é uma actividade do ramos alimentar que obedece aos mesmos requisitos, numa plano mais ligeiro, pelo que a lei que permite o mais permite o menos.
Vejamos: No título constitutivo de propriedade horizontal foi estabelecido, quanto à fracção autónoma “…”, que ela se destinava ao exercício do comércio e/ou restaurante, sendo que os RR. desenvolvem na fracção a actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação. Estabelece o art. 1422º nº 2 al. c) que é vedado aos condóminos dar à (sua) fracção “uso diverso do fim a que é destinada”. Estipula, pois, esta disposição uma limitação ao direito do condómino. Este não poderá uso diverso à fracção daquele que é estabelecido pelo título constitutivo da propriedade horizontal. O fim que se encontra estabelecido no título constitutivo delimita a função atribuída a cada fracção. Constando do título o destino da fracção autónoma, não pode o condómino dar-lhe destino diferente, enquanto essa finalidade não for alterado no título constitutivo. Como se refere no acórdão deste STJ de 22-3-2011 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “o título constitutivo da propriedade horizontal consubstancia a matriz do respectivo estatuto, o qual, atendendo à sua natureza real, tem eficácia erga omne”. Nesta conformidade, enferma de ilegalidade a destinação de fracção de prédio em propriedade horizontal para fim diverso do constante do respectivo título constitutivo. Segundo cremos, sobre estes parâmetros não se levanta qualquer dúvida. A questão reside em saber-se se os RR. deram uso diverso à fracção, tendo em vista a finalidade que é determinada pelo título constitutivo da propriedade horizontal. É certo que a actividade desenvolvida na fracção, fabrico próprio de pastelaria e panificação, não poderá ser integrada numa actividade comercial. Com efeito, como refere Aragão Seia (in Arrendamento Urbano, pág. 113) invocando Pereira Coelho essa actividade consistirá numa “mediação de trocas” ou, como se refere no acórdão deste STJ de 3-11-2009 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), “entende-se por actividade comercial a actividade de mediação nas trocas, baseada na permuta e restrita à aquisição de mercadorias e sua revenda com intuito lucrativo” o que, obviamente, não sucede num estabelecimento em que se procede ao “fabrico próprio de pastelaria e panificação”. Aqui não está em causa uma função intermediária entre a produção e o consumo” (vide mesmo acórdão). Mas, no caso, o título constitutivo da propriedade horizontal da fracção autónoma “…”, referencia que ela se destinava, para além do exercício do comércio, à actividade de e/ou restaurante. Assim, devendo desde logo ter-se como excluído (quanto ao fabrico de produtos de pastelaria e panificação) o desenvolvimento de uma actividade comercial no local, a questão que mais particularmente se coloca será a de saber se a acção empreendida na fracção será possível de integrar na denominação “restaurante”. Como se refere no acórdão deste STJ de 30-6-2011 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) deve entender-se como actividade de restauração a “que envolve a produção e transformação de mercadorias”, pelo que a respectiva laboração “deve antes ser tida como uma actividade industrial e não comercial”. No mesmo sentido refere-se no já mencionado acórdão deste STJ de 3-11-2009 que “a actividade de restauração não pode ser tida como uma actividade comercial, mas sim industrial”, pois esta traduz-se “numa actividade criadora, de produção, extracção ou transformação de bens”. A nosso ver são correctas estas asserções, sendo que devem valer os conceitos assumidos pela verbalização usual e corrente já que a lei não estabelece uma definição jurídica específica sobre estas actividades. Portanto a actividade de restauração, implicando uma evidente acção de produção ou transformação de bens e produtos alimentícios, deve ser entendida como uma actividade industrial. Por conseguinte, segundo cremos, ao conceder-se, no aludido título, a possibilidade de no local se desenvolver o funcionamento de um restaurante, está-se a possibilitar o desempenho aí da actividade industrial de transformação e fabrico de produtos alimentares. Logo numa primeira abordagem à controvérsia, diremos que não se perceberá o entendimento segundo o qual se poderá desenvolver no local a actividade de restaurante (em sentido restrito) e já não uma acção de pastelaria/ panificação. Isto porque não se vê, desde logo, que esta actividade seja mais gravosa (sob o ponto de vista ambiental) do que aquela. Analisada uma e outra actividade existem até pontos declaradamente comuns, designadamente a transformação de matérias-primas alimentares em produtos finais, não se vendo, sob o ponte de vista teórico, que uma delas possa gerar um grau de risco para o homem e o ambiente inerente ao seu exercício[1], que a outra. Assim, não achamos razão para declarar que apenas a actividade de restaurante (em sentido estrito) será possível de desenvolver na fracção. A nosso ver, só por razões de segurança, comodidade e sossego de pessoas é que seria concebível a distinção entre aquelas actividades, elementos, todavia, ausentes da discussão que se gerou sobre a temática[2]. Um entendimento limitado e formalista levaria até a considerar a possibilidade de fabrico próprio de pastelaria e panificação, desde que a denominação do estabelecimento fosse “restaurante”[3], mas já não se a designação fosse “pastelaria”. Evidentemente que isto não pode ser. Pese embora este circunstancionalismo a lei indica, segundo cremos, o caminho para uma decisão segura sobre o tema.
Como decidiram as instâncias, não escapa à finalidade estabelecida no título constitutivo, o funcionamento no local de uma pastelaria. Na própria sentença de 1ª instância (confirmada pelo acórdão da Relação) se reconheceu a possibilidade de aí se poder desenvolver a venda/comércio dos artigos de pastelaria e de panificadora. O que se recusou foi, somente, a faculdade de no local se desenvolver a acção industrial correspondente (feitura de pão e bolos). Evidentemente que uma pastelaria é um estabelecimento de restauração e assim é considerado pela lei. Com efeito, o art. 1º nº 1 do Dec-Lei 168/97 de 4/7 (com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 57/2002 de 11/3, vigente à data dos factos) estipula que “são estabelecimentos de restauração, qualquer que seja a denominação, os estabelecimentos destinados a prestar, mediante remuneração, serviços de alimentação e de bebidas no próprio estabelecimento ou fora dele”[4]. Sendo, como é notório, uma pastelaria um estabelecimento onde se fornecem alimentos e bebidas mediante pagamento, é evidente que terá que ser reputada, face a esta norma, como uma loja de restauração. E isto independentemente da denominação que lhe seja dada (pastelaria, restaurante, casa de pasto, snack-bar, pizzaria etc.) Acrescenta o nº 4 do mesmo art. 1º que “os estabelecimentos referidos nos nºs 1 e 2 podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar nº 25/93 de 17 de Agosto, ficando assim sujeitos não ao regime do licenciamento da actividade industrial previsto naquele diploma, mas sim ao regime de instalação previsto no presente diploma”. Quer dizer, perante este norma, os estabelecimentos de restauração podem dispor de instalações destinadas, para o aqui nos interessa, ao fabrico de pastelaria e panificação, desde que enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar 25/93. Face a este Decreto Regulamentar[5], para efeitos de licenciamento, a cada estabelecimento será atribuída a classe correspondente à da actividade industrial nele exercida (art. 2º nº 1) sendo, que os estabelecimentos das classes A e B só podem ser instaladas em zonas industriais expressamente estabelecidas para isso e fora de zonas residenciais (art. 4º nºs 1 e 2), que os de classe C devem ser devidamente isolados de prédio de habitação e situar-se em locais apropriados para o efeito e que os de classe D devem obedecer a condições de isolamento que a tornem compatível com o uso do prédio em que se encontrem (art. 4º nºs 4 e 5). Ou seja, desde possam ser enquadrados na classe D de actividades industriais, os estabelecimentos de restauração podem dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação (com as condições de isolamento indicadas na disposição). Quer dizer, desde que se trate de uma pequena indústria de apoio à actividade de restauração, essa acção é permitida pela lei. Todavia, se se tratar de uma actividade mais “pesada”[6] ela terá que ser levada a cabo em zonas industriais expressamente estabelecidas para isso e fora de zonas residenciais. Estas actividades estão sujeitas ao regime do licenciamento da actividade industrial. Já aquela pequena industria fica sujeita a um (simples) regime de instalação previsto naquele diploma. Significa isto e para o que aqui interessa, que a lei permite que os estabelecimentos de restauração possam dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação. Pelo facto de possuírem este fabrico, não deixam de ser estabelecimentos de restauração. É certo que os aludidos diplomas (Decreto-Lei 168/97 e Decreto Regulamentar 25/93 e o anexo Regulamento do Exercício de Actividade Industrial), que estabelecem o regime jurídico a que ficam sujeitas a instalação e a modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas, dizem, essencialmente, respeito ao tema do licenciamento. Porém, não se poderá ignorar o teor dos seus dispositivos e, através deles, concluir que, legalmente, será possível um estabelecimento de restauração (onde se deve incluir, como se viu, uma pastelaria) dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação. Nesta conformidade, constando do título constitutivo que a fracção autónoma se destina a restaurante (estabelecimento de restauração) e porque a lei permite ao estabelecimento (pastelaria) dispor de instalações destinadas ao fabrico de pastelaria e panificação, não se vê que tenha sido violado o dito art. 1422º nº 2 al. c). Não se vê, assim, que os condóminos tenham dado à (sua) fracção um “uso diverso do fim a que é destinada”. É certo que nem todas as actividades industriais de fabrico de pastelaria e panificação serão possíveis nos estabelecimentos de restauração. As actividades industriais das classes A, B, e C (que envolvem um maior grau de risco para o homem e o ambiente inerente ao seu exercício – art. 1º nº 2 do dito Regulamento -) estão excluídas de poderem ser exercidas nesses locais. Só o fabrico de pastelaria e panificação, desde que enquadrados na classe D[7], será possível nesses estabelecimentos. No caso, desconhece-se em que classe será possível integrar a actividade industrial desenvolvida, em concreto, na fracção autónoma. Mas sabe-se que tal actividade, em princípio, será susceptível de ser desenvolvida no estabelecimento. Ou melhor, não será possível, desde logo, excluir da previsão legal, a actividade industrial levada a cabo no local. Ora, competia, a nosso ver, aos AA. alegarem e provarem, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 1 do C.Civil, que a acção empreendida na fracção não se enquadrava na aludida classe D e, assim, não era legalmente permitida de ser aí exercida, o que não fizeram. Sabe-se, por outro lado, que a Câmara Municipal de ... licenciou o estabelecimento[8] (factos acima referidos sob as alíneas p) e q)), sendo que este licenciamento envolve a verificação sobre a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido (vide nota de rodapé nº 8). Quer dizer, ao conceder o licenciamento, a Câmara Municipal teve de verificar que a actividade a desenvolver na fracção estava conforme com os ditos elementos. Não se desconhece que uma coisa será a verificação dos requisitos administrativos para concessão do licenciamento (do que trata ou cuida o Município) e outra diversa será a averiguação, para efeitos do disposto no art. 1422º nº 2 al. c) do C.Civil, se a destinação dada à fracção de prédio diverge (ou não) do fim constante do respectivo título constitutivo (de que trata este processo). Porém, aquela aprovação administrativa deve indiciar que os requisitos legais pertinentes ao desenvolvimento da actividade transformadora se encontrarão preenchidos.
Significa isto tudo que não ficou provado que o uso dado à fracção tenha extravasado o fim referenciado no respectivo título constitutivo e, por isso, deve ser julgado improcedente o pedido principal formulado pelos AA.. Ou seja, deve ser indeferido o pedido concernente à condenação dos RR. a não utilizar a fracção autónoma “…” para actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação.
Dada a improcedência do pedido principal, fica obviamente prejudicada a apreciação do abuso do direito formulado pelo recorrente, DD.
Improcedendo o pedido principal, haverá que conhecer do pedido subsidiário, que a sentença de 1ª instância (com confirmação do acórdão recorrido) não conheceu por considerar prejudicada a respectiva apreciação. A análise deste pedido ultrapassa o âmbito de uma revista, até porque o seu conhecimento por este STJ obstaculizaria qualquer hipótese se recurso. Por isso, terá o processo que baixar e ser remetido ao tribunal recorrido para aí se determinar o que se tiver por conveniente, com vista à apreciação desse pedido subsidiário.
III- Decisão: Por tudo o exposto concede-se a revista, julgando-se improcedente o pedido principal formulado pelos AA. (concernente à condenação dos RR. a não utilizar a fracção autónoma “…” para actividade de fabrico próprio de pastelaria e panificação), absolvendo-se dele os RR. Custas da acção, nesta parte, pelos AA. Remeta-se o processo ao tribunal recorrido para apreciação do pedido subsidiário. Custas da revista pela parte vencida a final.
Lisboa, 15 de Maio de 2013
Garcia Calejo (Relator) Helder Roques Gregório Silva Jesus _____________________________ [8] Nos termos do art. 62º nº 1 do DL nº 555/99, de 16-12 (com as alterações posteriores - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – RJUE-) “a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia”, acrescentando o nº 2, com interesse para o presente caso que “a autorização, quando não haja lugar à realização de obras ou quando se trate de alteração da utilização ou de autorização de arrendamento para fins não habitacionais de prédios ou fracções não licenciados, nos termos do nº 4 do artigo 5.º do Decreto -Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, destina -se a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido” |