Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/23.0YRCBR
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ (RELATORA DE TURNO)
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PROCEDIMENTO CRIMINAL
PRAZO
DETENÇÃO
GARANTIA
TRADUÇÃO
RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
NULIDADE
FACTOS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO
CIDADANIA PORTUGUESA
Data do Acordão: 04/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MDE
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário :
I — A execução e eventual detenção da requerida ficaria dependente das garantias exigidas, sendo que tal não vai ocorrer dado que estas garantias foram prestadas em momento anterior a uma possível execução; execução esta que ainda não é possível por ainda não existir trânsito em julgado da decisão definitiva sobre a execução do MDE.
II - Aquando do pedido de execução do MDE apresentado pelo Ministério Público, apenas consta o MDE em língua francesa — língua de uma das nacionalidades da recorrente. Porém, juntamente com o MDE encontra-se igualmente o formulário A do Sistema de Informação Schengen II do alerta do sistema Schengen, em inglês e em português, de onde já consta a indicação dos factos e as infrações, constantes do MDE (como já referimos); a informação inserida neste sistema pela autoridade de emissão do MDE produz os mesmos efeitos daquele mandado (cf. art. 4.º, n.º 4, da LMDE), desde que contenha os elementos referidos no art. 3.º, n.º 1, da LMDE. As indicações ali constantes constam daquela informação inserida e, estando traduzido em português, não se vê que tenha havido qualquer limitação do direito de defesa.
III — Atendendo ao princípio do reconhecimento mútuo, não cabe ao Estado português produzir qualquer prova sobre os factos que fundamentam o MDE, devendo apenas recusar a sua execução nos casos admissíveis de recusa obrigatória (art. 11.º da LMDE) e de recusa facultativa (art. 12.º, da LMDE), bem como no caso de execução de MDE para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas das liberdades na sequência de julgamento na ausência do arguido (art. 12.º-A, da LMDE).
IV — A simples omissão de tradução do MDE não constitui uma causa de recusa da sua execução, podendo constituir uma irregularidade que não foi arguida atempadamente (cf. art. 123.º, do CPP ex vi art. 34.º, da LMDE) (verifica-se que, por exemplo, aquando da oposição à execução do MDE nada foi referido).
V — Segundo o MDE, as infrações que estão em causa são a subtração de um menor a um ascendente durante mais de 5 dias, por se encontrar em local desconhecido e a não apresentação do menor a pessoa que teria o direito de a reclamar, bem como a impossibilidade do exercício do direito de visita pelo pai.
VI — Sabendo que o MDE foi apresentado em vista de procedimento criminal, estando ainda em fase de investigação os factos subjacentes ao pedido, não deverá o Estado português sedimentar o facto, pelo que não se poderá considerar desde quando efetivamente a requerida se encontra em Portugal; sem prejuízo de se poder afirmar que, ao tempo da detenção, a requerida vivia com os dois menores em Portugal e no local referido.
VII — Se algumas dúvidas poderiam surgir da subsunção do primeiro facto ao disposto no art. 249.º, do CP português, por aí, nomeadamente, na alínea c), se referir expressamente ao não cumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, e por a decisão de entrega do menor a uma instituição parecer uma medida de proteção de menor em perigo, certo é que o MDE se baseia igualmente no facto de a requerida ter limitado, melhor dito, impedido o exercício do direito de visita pelo pai, o que constitui um facto punível à luz da lei portuguesa no dispositivo referido.
VIII — à luz da lei portuguesa, o procedimento criminal apenas se pode iniciar tendo havido queixa (cf art. 249.º, n.º 3, do CP). Trata-se, porém, de uma norma relativa ao início do procedimento criminal e não relativa à punibilidade do facto. Sabendo que o princípio da dupla incriminação exige que o facto seja punível (cf. art. 2.º, n.º 3, da LMDE ), e não que constitua facto que, apesar de punível, possa não ser punido por não verificação dos pressupostos de início do procedimento criminal, não se vê como negar a verificação desta dupla incriminação.
IX - Sabendo que a requerida, estando em Portugal, tem impedido a entrega do menor à instituição e tem impedido o exercício do direito de visita pelo pai, podemos dizer, com o Tribunal da Relação de Coimbra, que foram praticados parte dos factos em Portugal. É certo que os eventuais transtornos de ordem familiar e pessoal que possam surgir para a requerida da sua entrega às autoridades francesas não devem constituir fundamento para impedir a cooperação judiciária entre os Estados membros. E os transtornos pessoais decorrentes da entrega da requerida à República Francesa para o menor decorrerão do afastamento da requerida/sua mãe. Verificamos, no entanto, que por decisão da República Francesa as responsabilidades parentais foram já atribuídas ao pai, e foi mesmo afastada a mãe destas responsabilidades e do contacto com o menor, uma vez que “qualquer direito de visita e de alojamento foi negado à mãe” (segundo informação disponibilizada pela República Francesa). Concordamos, pois, com a decisão recorrida quando expressamente referiu “não estar demonstrada a existência qualquer vantagem decorrente da atribuição de prevalência à jurisdição nacional sobre a jurisdição da República Francesa”, pelo que se conclui não existir qualquer obstáculo à execução do MDE.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 32/23.0YRCBR.S1

Mandado de Detenção Europeu

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I Relatório

1.1.  Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.03.2023, no processo de execução de mandado de detenção europeu contra AA, nascida a .../.../1984, com dupla nacionalidade portuguesa e francesa, foi decidido:

«A) Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pela Juíza de instrução do Tribunal Judicial ..., República Francesa, referente à cidadã portuguesa e francesa, AA, determinando a sua entrega às autoridades judiciárias da República Francesa, para efeitos de procedimento criminal, pelos factos mencionados no mandado de detenção, consignando-se que a requerida não renunciou ao benefício da regra da especialidade.

B) A execução da entrega referida em A) fica sujeita à condição de a autoridade judiciária da República Francesa, enquanto Estado de emissão, prestar garantia de que a requerida será devolvida a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenada em França.

C) Comunique desde já, e independentemente do trânsito do presente acórdão, à autoridade judiciária da República Francesa, enquanto Estado de emissão, solicitando a prestação, no prazo de cinco dias, da garantia exigida (cfr. artigo 5.º, n.º 3, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI), com menção de que a entrega da requerida não será executada antes de prestada tal garantia.»

 Consequentemente, determinou-se a entrega da requerida às autoridades judiciárias da República Francesa, não tendo a interessada renunciado ao princípio da especialidade.        

1.2. As garantias solicitadas na decisão de 08.03.2023 foram-no através de notificação (por correio eletrónico) por ofício de 08.03.2023 dirigido às “Autoridades Judiciária Francesas da Comarca ...”. Posteriormente, a 21.03.2023, foi enviado novo ofício às autoridades francesas, por correio eletrónico.

A 24.03.2023, foi apresentada a resposta pelas autoridades francesas, referindo-se expressamente: “En réponse à votre demande dum ardi 21 mars, transmise par mail (voir ci-dessous), veuillez trouver ci-joint la réponse du Parquet du Tribunal judiciaire de ... apportant les garanties sollicitées par votre Tribunal dans la cadre de la décision de mise À exécution du Mandat d’arrêt européen s’appliquant à Madame AA”.

Foi junto documento onde se dá a garantia de a requerida vir a cumprir medida de privação de liberdade em Portugal “quer se trate de revisão judicial, medida de prisão domiciliar sob monitoramento eletrónico ou medida de prisão preventiva”. Mais se referiu que em caso de condenação se realizarão “todas as diligências para que não seja executada qualquer pena privativa da liberdade que venha a ser proferida contra o interessado, em território francês”. Concluindo que “o Ministério Público do Tribunal Judicial ... de forma alguma se opõe à execução da pena privativa da liberdade assim pronunciada em território português”.

2.1. Nos termos do art. 18.º, da Lei n.º 65/2003, de 25.08 (alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, adiante designada LMDE), foi a interessada ouvida, a 03.02.2023, foi validada a detenção e decidido que a arguida ficasse a aguardar os ulteriores termos do processo com termo de identidade e residência e obrigação de apresentação periódica, 3 vezes por semana, no posto da GNR, de ....

Foi ainda concedido um prazo de 10 dias para que fosse deduzida a oposição e apresentação dos meios de prova, nos termos do art. 21.º, n.º 4, da LMDE.

2.2. Aquando da apresentação da oposição ao pedido formulado, AA requereu a sua inquirição, bem como a inquirição de diversas testemunhas; requereu também a realização de diversos pedidos de informação dirigidos ao Tribunal Judicial ... e à CPCJ ..., bem como a elaboração de diversos relatórios sociais e médicos.

Por despacho de 20.02.2020, foram indeferidas tais diligências considerando, em súmula apertada, que o mandado de detenção europeu (doravante, MDE) define com clareza o seu objeto — “a entrega da requerida para efeitos de procedimento criminal”. E as provas que a requerida solicita não se referem a causas de oposição à execução do MDE admissíveis, uma vez que pretendem demonstrar o “bem estar familiar” e as “condições de inserção escolar e social” do menor, filho da requerida e que não é objeto do presente MDE. Pelo que se concluiu que a admissibilidade de produção da prova requerida constituiria a realização de atos inúteis, o que a lei não permite [por força do disposto no art. 130.º, do Código Processo Civil (doravante, CPC), ex vi art. 4º do Código Processo Penal (doravante, CPP) e art. 34.º da LMDE].

3. A requerida interpôs recurso, nos termos do art. 24.º da LMDE, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões:

«1) Tribunal “a Quo” fez errada aplicação do direito, por isso não pode a recorrente concordar com a decisão em apreço, nem com a fundamentação nela invocada.

2) O Tribunal a Quo não cuidou de verificar a nulidade do Mandado de Detenção Europeu, em virtude do mesmo não estar integralmente traduzido para a língua portuguesa, como ordena o artigo 3.º, n.º 2 da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, sendo a este momento tal nulidade é insanável, já que em causa estão os direitos, liberdades e garantias da recorrente.

3) A recorrente teve acesso à tradução integral do mandado em 14 de Fevereiro de 2023, quando já havia terminado o prazo para esta deduzir oposição ao MDE, que ocorreu em /13/02/2023).

4) O mesmo sucedeu em relação ao estatuído na alínea e), n.º 1 do artigo 3.º da supra citada lei, na medida em que o mandado não contém o momento, o lugar e o grau de participação da pessoa procurada.

5) Ora, tais elementos são elementos obrigatórios por forma a que a recorrente e o Tribunal se possam pronunciar, justamente, quanto à existência de crime e ao controlo do princípio da dupla incriminação.

6) E, se assim é, salvo o devido respeito, não basta ao Tribunal à quo dizer que em França existe crime de subtração de menor, em Portugal existe crime de subtração de menor, como tal defere-se o pedido. Não podemos aceitar, muito menos concordar,

7) Pois, a aplicar-se o normativo legal de forma tão literal, está em causa o controlo da dupla incriminação, violando-se o disposto no artigo 11.º, alínea f) da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

8) A recorrente não praticou os factos constantes do Mandado de Detenção Europeu.

9) Bem como não praticou qualquer crime à luz do Código Penal Português, conforme se descreveu supra.

10) Assim e aqui chegados, o Tribunal à quo ao ter deferido o Mandado de Detenção Europeu apresentado pelas Autoridades Francesas, violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, 3.º, n.º 1 e) e n.º 2, 11.º, alínea f), 12.º, e) da Lei 65/2003, de 23 de Agosto e 18.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º e 33.º, n.º 3 e 8, 284.º e 288.º da CRP, o que determina a invalidade daquela decisão e a sua substituição por outra que recuse o Mandado de Detenção Europeu.

Nestes termos e nos demais de Direito que V: Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e a decisão recorrida ser reparada com as premissas deixadas supra, recusando-se a execução do Mandado de Detenção Europeu.»

4. Nos termos do art. 24.º da LMDE, foi a interposição do recurso notificada ao Ministério Público, que respondeu pugnando pela improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões:

«-O mandado de detenção europeu foi emitido em conformidade com as exigências legais, está traduzido, pelo que não está ferido de nulidade, nem mesmo de irregularidade.

-À requerida, que teve acesso livre aos autos e que deduziu a sua oposição, foi oralmente dado conhecimento do seu teor aquando da audição de detida.

-Foi concedido e respeitado o contraditório.

-Os factos descritos no mandado consubstanciam o crime de subtracção de menor previsto e punido no código penal português, estando verificada a dupla incriminação.

-O tribunal pronunciou-se sobre todas as questões de que tinha que conhecer.

-O acórdão está devidamente fundamentado.

-Não há violação de lei ou de princípios de Direito.

-O recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão nos seus

precisos termos.»

Para além disto, apresentou uma questão prévia considerando o recurso extemporâneo.

5. Notificada a requerida desta resposta, apresentou requerimento alegando ter o recurso sido apresentado atempadamente.

6. Por requerimento de 30.03.2023, veio ainda a requerida alegar que as garantias solicitadas foram apresentadas extemporaneamente uma vez que o prazo concedido foi de 5 dias, e as informações da República Francesa apenas foram juntas ao processo a 24.03.2023.

7. Subido o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça foi, nos termos do art. 25.º da LMDE, distribuído e concluso à relatora para acórdão.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

II Fundamentação

A.

1. O recurso agora interposto, por requerimento entregue a 20.03.2023, foi atempadamente apresentado.

Na verdade, a decisão recorrida, de 08.03.2023, foi notificada à requerida, via Citius, na mesma data.

Ora, nos termos do art. 113.º, n.º 12, do CPP ex vi art. 34.º, da LMDE, a notificação considera-se realizada ao 3.º dia posterior ao envio, quando seja útil, ou no 1.º dia útil posterior a este; assim sendo, a notificação considera-se realizada a 13.03.2023 (dado que 11.03.2023 foi um sábado). Sendo o prazo de interposição de recurso de 5 dias (art. 24.º, n.º 2, da LMDE), este prazo terminaria a 18.03.2023 que foi a um sábado, pelo que o último dia do prazo passou a ser 20.03.2023 (uma segunda-feira). Foi, pois, interposto a tempo.

2. A decisão recorrida determinou um prazo de 5 dias para que as autoridades francesas apresentassem a garantia de que em caso de privação de liberdade esta fosse executada em território português. Tal garantia pode ser requerida ao abrigo do disposto no art. 13.º, n.º 1, al. b), da LMDE, onde expressamente não se refere qualquer prazo. Assim sendo, e apesar de inicialmente ter havido uma comunicação, via correio eletrónico, a solicitar tal garantia, apenas após a segunda comunicação, a 21.03.2023, houve uma resposta, também por correio eletrónico, a 24.03.2023.

O prazo inicialmente concedido pelo Tribunal resulta da necessidade de execução do MDE no mais curto espaço de tempo possível, e limitado pelas balizas temporais impostas pelo estabelecido no art. 26.º, da LMDE; para o qual nos remete o art. 22.º, n.º 2, da LMDE. E neste último normativo refere-se que as informações devem ser solicitadas com urgência para que possam ser cumpridos aqueles prazos. Os prazos estabelecidos naquele art. 26.º, da LMDE, determinam que a decisão definitiva sobre a execução do MDE seja tomada no prazo de 60 dias após a detenção. Assim sendo, deve considerar-se que a indicação de prazo estabelecido na decisão constitui um prazo indicativo de modo que não se inviabilize as autoridades nacionais de executarem atempadamente o MDE. Todavia, havendo recurso, aqueles prazos estendem-se mais 30 dias (art. 26.º, n.º 3, da LMDE).

Sendo assim, e uma vez que a execução do MDE apenas pode ocorrer após o trânsito em julgado da decisão, sendo certo que, no requerimento de interposição do recurso da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra foi igualmente apresentado requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional daquela mesma decisão, deve considerar-se que as garantias prestadas pela República Francesa ainda foram atempadamente prestadas, uma vez que tais garantias devem ser prestadas antes de ser possível executar o MDE. Na verdade, nos termos do art. 13.º, da LMDE, a execução do MDE só pode ter lugar depois das garantias prestadas. Sendo que, por força do disposto no art. 13.º, n.º 2, da LMDE, é correspondentemente aplicável o disposto no art. 12.º, n.º 4, da LMDE, isto é, a detenção pode manter-se até estarem concluídos os trâmites necessários. Ou seja, e no que respeita ao presente caso, a execução e eventual detenção da requerida ficaria dependente das garantias exigidas, sendo que tal não vai ocorrer dado que estas garantias foram prestadas em momento anterior a uma possível execução; execução esta que ainda não é possível por ainda não existir trânsito em julgado da decisão definitiva sobre a execução do MDE.

Do exposto, concluímos que as garantias apresentadas se mostram ainda válidas e úteis para permitir a execução do MDE.

B.

Segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a matéria de facto relevante para a decisão é a seguinte:

«a. Pela autoridade judiciária francesa competente – Juíza de instrução criminal do Tribunal Judicial ... – no âmbito do processo 5/20..., foi emitido em 12 de Junho de 2020, o mandado de detenção europeu objecto dos autos, e inserido no Sistema de Informação Schengen, o pedido de detenção e entrega às autoridades francesas, da cidadã de nacionalidade francesa – mas que também tem nacionalidade portuguesa – AA [AA, seu nome completo] – para efeitos de procedimento criminal;

b. Os factos indiciados que suportam o pedido da República Francesa, enquanto Estado de emissão do mandado são:

b.1. Por sentença de 3 de Junho de 2019, o juiz de menores do Tribunal Judicial ..., confiou o menor BB, nascido a .../.../2012, filho da requerida, ao serviço de protecção da infância de ...; a colocação do menor neste serviço não pôde ser executada, porque a requerida deixou o seu domicílio, levando consigo o menor BB e outro seu filho, de tenra idade, para impedir aquela medida, vindo, juntamente com os dois menores, para Portugal, em data não apurada, mas posterior a 3 de Junho de 2019, residindo, actualmente, na Rua ..., ..., ..., ...;

b.2. Por decisão de 28 de Novembro de 2018, proferida pelo juiz de família do Tribunal Judicial ..., foi atribuído a CC, pai do menor BB, o direito de visita, direito este cujo exercício foi impedido pela requerida.

c. À factualidade referida em b.1. corresponde, na legislação francesa, a qualificação jurídico-penal de crime de subtracção de menor por ascendente durante mais de cinco dias para paradeiro desconhecido das pessoas encarregadas da sua guarda, previsto pelos arts. 227-9 1º e 227-29 do Código Penal e arts. 378 e 379-1 do Código Civil, punível com pena de prisão até três anos;

d. À factualidade referida em b.2. corresponde, na legislação francesa, a qualificação jurídico-penal de crime de não apresentação de criança a pessoa que tenha o direito de a reclamar, previsto pelos arts. 227-5 e 227-29 do Código Penal, punível com pena de prisão até três anos;

e. A requerida foi detida, no âmbito destes autos, no dia 3 de Fevereiro de 2023, em ..., não consentiu na execução do MDE, não renunciou ao princípio da especialidade, e na oposição que deduziu, declarou que, caso venha a ser-lhe aplicada pena de prisão, a pretende cumprir em Portugal.

f. O menor BB frequenta uma escola de futebol em ..., integra a banda filarmónica de ..., foi inscrito pela requerida no sistema de ensino oficial em Janeiro do corrente ano, após denúncia sobre a sua situação escolar, e encontra-se actualmente acolhido em instituição de ..., desde 6 de Fevereiro do corrente ano.»


C. I.

Tendo em conta o recurso interposto e as conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, a recorrente apresenta as seguintes questões (ordenadas segundo uma apreciação lógica):

- alega que os factos que lhe foram inicialmente comunicados, e que estariam na base do MDE, apenas foram parcialmente traduzidos, e a notificação do MDE integralmente traduzida apenas ocorreu a 14.03.2023, já após o fim do prazo para apresentar a sua defesa, sem que lhe tenha sido concedido novo exercício de contraditório; e foi notificada de elementos, nomeadamente uma decisão judicial francesa de 06.05.2022, decisão esta proferida após a emissão do MDE; além disto, destes novos elementos alega que o menor estava confiado à mãe (a aqui recorrente), e conclui que há discrepância entre o que resulta desta decisão de maio de 2022 e os factos dados como provados no acórdão recorrido;

- insurge-se contra o indeferimento da realização da prova requerida aquando da oposição ao MDE, considerando que aquela realização de prova era fundamental para aferir da verificação dos pressupostos do MDE, e conclui que este indeferimento violou o disposto no art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e o disposto no art. 21.º, n.º 4, da LMDE [a recorrente invoca expressamente o disposto no art. 3.º, n.º 3, da LMDE (cf. art. 240.º, da motivação), o que constitui um lapso manifesto uma vez que tal dispositivo não existe];

- entende que o acórdão recorrido é nulo por ter deferido a execução de um MDE inválido — “manifestamente infundado” e “nulo” — por ”não conter a narração de quaisquer factos materiais, positivos, concretos que preencham os elementos típicos das imputadas infracções criminais”, sem que se saiba o momento (o que seria decisivo para aferir de uma eventual prescrição do procedimento criminal) e o local da prática do facto (o que seria importante para verificar se os tribunais portugueses seriam competentes para o julgamento dos factos), e por não integrar a “indicação de qual o crime, ou crimes, imputados à ora recorrente”, em violação do disposto no art. 3.º, n.º 1, als. d) e  e), da LMDE; entende também que não constam do MDE “quaisquer factos juridicamente relevantes, e muito menos criminalmente puníveis”;

- entende que o acórdão recorrido é nulo, baseando-se em factos não constantes do MDE como acima transcrito no ponto b.2. e em parte do transcrito no ponto b.1. — “vindo, juntamente com os dois menores, para Portugal, em data não apurada, mas posterior a 3 de Junho de 2019, residindo, actualmente, na Rua ..., ..., ..., ...”;

- refere ainda que não foi notificada de qualquer decisão das autoridades francesas, nem resulta provado que a arguida tivesse conhecimento da decisão que determinou a entrega do menor a uma instituição; refere também que nunca foi ouvida pelas autoridades francesas;

- entende que os factos descritos no MDE, subsumidos, segundo o MDE, nos arts. 227.º-5 e 227.º-9, do Código Penal da República Francesa, não constituem a prática de crime punível com pena de prisão de duração máxima superior a 3 anos, não se enquadrando nas infrações constantes do art. 2.º, n.º 2, da LMDE;

- entende que a decisão referida no MDE não constitui uma decisão de regulação de responsabilidades parentais, mas uma decisão de promoção de aplicação de medidas de proteção de menores, pelo que não se pode considerar que os factos pudessem ser puníveis, à luz da lei penal portuguesa, pelo disposto no art. 249.º, do Código Penal (doravante, CP); não só os factos não se integram em nenhuma das alíneas daquele dispositivo, como o procedimento criminal depende de queixa, não resultando do MDE que alguma vez tenha sido exercido o direito de queixa; questiona ainda, atenta a falta de indicação, segundo a recorrente, do momento da prática dos factos, a possibilidade de ocorrência de prescrição do procedimento criminal, considerando, por fim, poderem ser os tribunais portugueses os competentes para julgar os factos;

- entende ainda que o deferimento do MDE constituirá uma limitação dos direitos, liberdades e garantias da recorrente por não haver limite de duração da medida de prisão preventiva na República Francesa, considerando que, uma vez entregue, poderá ser-lhe aplicada esta medida de coação;

- invoca ainda a inconstitucionalidade do disposto no art. 33.º, da CRP, e nos arts. 1.º a 40.º, da LMD, em violação do disposto no art. 18.º, da CRP, por se admitir a entrega de cidadãos nacionais.

Cumpre decidir.

C. II.

1. Os presentes autos foram iniciados pelo Ministério Público requerendo a execução do MDE, ao abrigo do disposto no art. 16.º, n.º 1, da LMDE (requerimento entrado a 03.02.2023, às 14:13:50). Ao pedido foi junto o MDE — Mandat d’arret du juge d’instruction — em língua francesa (e não se esqueça que a recorrente possui dupla nacionalidade), onde de forma clara resulta que o MDE tem origem numa decisão do juiz de instrução, de 12.06.2020, indicando que poderá ser aplicada uma pena privativa da liberdade de 3 anos, tendo como fundamento 2 infrações, resultantes do facto de, em julgamento de 03.06.2019, o juiz de menores ter decidido colocar o menor BB (nascido a .../.../2012) sob o serviço de proteção de infância numa instituição. Todavia, tal não pode ser executado em virtude de AA ter abandonado o seu domicílio com o menor, com vista a obstar ao cumprimento da medida referida. Sendo que o pai do menor não tem notícias deste. Durante o inquérito não se soube onde a mãe, aqui recorrente, se encontrava, embora tivessem informação de que poderia estar em Portugal. Refere-se ainda que, por decisão de 29.11.2918, foi concedido ao pai do menor o direito de visita, cujo exercício tem sido impedido pela requerida. Os dois factos fundamentadores do MDE são o “rapto de crianças” e a “não restituição prévia de crianças” (de acordo com a tradução em língua portuguesa do formulário A do Sistema de Informação Schengen). O MDE foi emitido a 12.06.2020. Os factos foram tipificados como “rapto de uma criança por um pai por mais de cinco dias para parte desconhecida dos progenitores que detêm a guarda da criança” e “não restituição de uma criança à pessoa com direito a exigir essa restituição” (de acordo com a tradução em língua portuguesa do formulário A do Sistema de Informação Schengen). Na versão francesa do MDE (e note-se a recorrente tem nacionalidade francesa) refere-se, quanto ao rapto, que terá ocorrido “entre le 3 juin 2019 et le 3 juin 2020”, indicando-se ainda as disposições relevantes: arts. 227.º-9, 1.º e 227-29, do Código Penal Francês, e arts. 378 e 379-1, do Código Civil Francês; e refere, quanto à não apresentação da criança a quem a reclamou, que terá ocorrido “entre le 14 décembre 2018 et le 3 juin 2019”, indicando-se o disposto nos arts. 227-5 e 227-29, do Código Penal francês.

Neste momento inicial, aquando do pedido de execução do MDE pelo Ministério Público, junto com o MDE em língua francesa encontravam-se também os formulários A do Sistema de informação Schengen, onde os factos se encontram redigidos em língua portuguesa e inglesa.

No pedido formulado pelo Ministério Público, embora sem indicação precisa da data do cometimento dos factos, refere-se apenas que foram cometidos “entre os anos de 2019/2020”.

Por requerimento de 07.02.2023, o defensor da arguida solicitou a disponibilização dos originais do MDE traduzidos para a preparação da oposição. Por despacho de 08.02.2023, decidiu-se que todos os elementos se encontravam junto aos autos, consultáveis através da plataforma Citius, incluindo o próprio original do MDE, pelo que foi decidido que “carece de fundamento a requerida disponibilização de tal original”, assim como “a pretendida suspensão do decurso do prazo para apresentação da oposição”.

Contra esta decisão não houve qualquer oposição, sendo certo que perante o disposto no art. 24.º, da LMDE, não há possibilidade de recurso.

Mas o certo é que os elementos constavam dos autos de forma clara e estavam acessíveis, pelo que não se pode considerar que não havia conhecimento do fundamento do MDE, ou que de algum modo estava limitado o direito de defesa da recorrente. Compulsados os autos, a recorrente teria tido conhecimento de tudo a que agora este coletivo também tem acesso, sendo certo que, mesmo do documento traduzido (o formulário A do Sistema de Informação Schengen), se poderiam retirar todos os elementos impostos pelo disposto no art. 3.º, n.º 1, da LMDE. Acresce referir que o formulário A encontra-se traduzido para a língua portuguesa, com indicação expressa dos factos e do período temporal relevante: “data da ocorrência: 2019-2020”.

É certo que, aquando do pedido de execução do MDE apresentado pelo Ministério Público, apenas consta o MDE em língua francesa — língua de uma das nacionalidades da recorrente. Porém, juntamente com o MDE encontra-se igualmente o formulário A do Sistema de Informação Schengen II do alerta do sistema Schengen, em inglês e em português, de onde já consta a indicação dos factos e as infrações, constantes do MDE (como já referimos). E a informação inserida neste sistema pela autoridade de emissão do MDE produz os mesmos efeitos daquele mandado (cf. art. 4.º, n.º 4, da LMDE), desde que contenha os elementos referidos no art. 3.º, n.º 1, da LMDE. Ora, as indicações ali constantes constam daquela informação inserida e, estando traduzido em português, não se vê que tenha havido qualquer limitação do direito de defesa. 

É certo que, apenas aquando da notificação, a 14.02.2023, da resposta do Ministério Público à oposição apresentada, foi enviado o MDE em língua portuguesa, bem como a decisão (traduzida para português; foi igualmente junto o original em língua francesa), de 06.05.2022, do Juiz de Menores do Tribunal da Relação de Paris. Todavia, não há discrepância relativamente ao que já antes estava nos autos, nomeadamente o original do MDE proveniente da República Francesa de onde a recorrente é natural. Não se pode, pois, concluir ter havido qualquer limitação do direito de defesa da interessada.

Quanto a estes novos elementos, vem ainda a recorrente alegar que há discrepância entre o ali relatado e o relatado no MDE, dado que destes elementos resulta que o menor tinha sido entregue à mãe. A informação consta da decisão do Tribunal da Relação de Paris, que referimos. Nesta é relatado, em súmula apertada, que:

- a 26.06.2018, o pai do menor havia informado que, após a separação, em fevereiro de 2018, da mãe do menor, não mais tinha conseguido ver o filho sozinho, nem recebê-lo;

- a 05.11.2018, foi ordenada uma “medida judicial de investigação educativa durante seis meses” de forma a aferir da capacidade de cada um dos pais para preservar o menor do conflito parental que se tinha gerado após a separação;

- paralelamente, a 29.11.2018, o juiz de menores “ordenou uma investigação social e fixou provisoriamente a residência do BB no domicílio materno concedendo ao pai um direito de visita e de alojamento «clássico»”;

- a 20.02.2020, “o Juiz dos assuntos familiares confiava ao pai o exercício exclusivo da autoridade parental” e “a residência da criança foi fixada no domicílio do pai qualquer direito de visita e alojamento foi negado à mãe”;

- a medida foi sendo sucessivamente renovada, permanecendo aberta a instrução junto do juiz de instrução;

- é ainda referido que “A Senhora AA não compareceu, está em fuga com o BB”. E que desde a decisão de “colocação da criança” que a “a Senhora AA fugiu com o filho sem dar notícias”.

Comparando o aqui descrito com o que consta do MDE e foi dado como provado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não se verifica qualquer discrepância.

Na verdade, a recorrente teve a confiança provisória do menor a 29.11.2018, todavia tal decisão foi alterada em fevereiro de 2020, e o MDE é de junho de 2020 no seguimento desta última decisão. Além disso, naquela decisão de novembro de 2018 foi atribuído o direito de visita ao pai. Ainda que se possa admitir que, estando a recorrente em Portugal desde 2019, como alega, não terá tido conhecimento daquela última decisão (de fevereiro de 2020), e nem mesmo daquela outra, de 03.06.2019, onde se decidiu a entrega do menor a uma instituição, certo é que os factos que estão na base do início do procedimento criminal e que determinaram a emissão do MDE, pelo Juiz de instrução, resultam, por um lado, de o menor não ter sido entregue pela mãe, após aquela primeira decisão de junho de 2019, assim se indiciando os factos ilícitos de subtração de menor por ascendente por um período superior a 5 dias e para lugar desconhecido pela pessoas encarregadas da sua guarda; e outro lado, resultam de não ter permitido o exercício do direito de visita pelo pai (que lhe foi atribuído na decisão de novembro de 2018), assim integrando o ilícito  decorrente da não apresentação o menor a pessoa que o podia reclamar. A discrepância que a recorrente pretende afirmar realçando o facto de o menor ter sido confiado à mãe, pretendendo com isto afirmar implicitamente que, tendo-lhe sido entregue o menor, não se pode afirmar a subtração ou não apresentação do menor, não é relevante dado que os crimes que lhe vêm imputados no MDE resultam, por um lado, de decisões posteriores àquela de novembro de 2018 e, por outro lado, desta mesma decisão por se indiciar o seu não cumprimento quanto ao exercício do direito de visita pelo pai.

Improcede, pois, o alegado no recurso, nesta parte.

Ponto é saber se os factos constantes do MDE podem ser considerados puníveis pela legislação portuguesa. Do MDE consta que:

«O presente mandado de detenção refere-se a um total de: 2 infrações.

Descrição das circunstâncias em que a(s) infracção/infracções foi/foram cometida(s), incluindo o momento (a data e a hora), o local e o grau de participação da pessoa procurada na infração/nas infracções:

Pela decisão de 03 de Junho de 2019, o juiz de menores do Tribunal Judicial ... confiou o menor BB nascido em .../.../2012 ao serviço da proteção da infância de ....

A colocação não podia ser execuda porque a mãe tinha deixado o domicílio com BB e um outro filho pequeno, para impedir a medida de colocação. O pai, CC estava sem notícias do filho.

O inquérito estabeleceu que a DD, mãe da AA tinha fugido e era cúmplice da subtração de menor.

O inquérito não permitiu levar a descoberta da criança. Vários elementos sugeriram que AA podia encontrar-se em PORTUGAL.

O Juiz de instrução foi chamado a pronunciar-se em 3 de junho 2020 para os factos de subtração e pelos factos de não representação de filhos anteriores.

Um mandado de detenção europeu era emitido pelo Juiz de instrução em 12 de junho de 2020 contra a AA.

As primeiras investigações realizadas confirmaram que a AA e a sua cúmplice podiam encontrar-se em Portugal onde detinham a criança, cuja a colocação foi mantida pelo Juiz. de menores.

Natureza e qualificação jurídica da(s) infracção/infracções e disposição legal/código aplicável:

A SUBTRAÇÃO DE UMA CRIANCA POR UM ASCENDENTE DURANTE MAIS DE 5 DIAS NUM LUGAR DESCONHECIDO PELAS PESSOAS ENCARREGADAS DA SUA GUARDA entre o 3 de junho 2019 e o 3 de junho 2020

Artigos 227- 9 1°, 227-29 do CÓDIGO PENAL e artigo 378, 379-1 do CÓDIGO CIVIL

NÃO REPRESENTAÇÃO DE UMA CRIANCA A UMA PESSOA COM O DIREITO DE A RECLAMAR entre o 14 de dezembro 2018 e o 3 de junho de 2019

Artigo 227-5,227-29 do CÓDIGO PENAL (...)».

II Descrição completa da(s) infracção/infracções que não se encontrem previstas no

ponto:

A SUBTRAÇÃO DE UMA CRIANÇA POR ASCENDENTE DURANTE MAIS DE CINCO DIAS NUM LOCAL DESCONHECIDO DAS PESSOAS ENCARREGADAS DA SUA GUARDA

E o facto, por qualquer ascendente de subtrair uma criança menor das mãos daqueles que exercem a autoridade parental ou a quem foi confiada ou em casa da pessoa onde tem a sua residência habitual. Este fato é agravado quando a criança foi detida durante mais de 5 dias num lugar desconhecido da pessoa encarregada da sua guarda.

Resulta da investigação que a AA, mãe do BB fugiu com o filho quando tinha sido confiado por uma decisão judicial ao serviço de Proteção da infância da ... (77).

NÃO REPRESENTAÇÃO DE UMA CRIANÇA A UMA PESSOA COM O DIREITO DE A RECLAMAR

E o facto de recusar indevidamente representar uma criança menor a pessoa que tem o direito de a reclamar.

Resulta da investigação que por decisão do Juiz dos assuntos familiares do Tribunal Judicial ... em 29 de Novembro 2018 o pai da criança, CC, tinha o direito de a ver e que a AA criou um obstaculo a esse direito.»

E, aquando do pedido de execução do MDE pelo Ministério Público é referido que:

«1º — Pelas autoridades judiciárias francesas competentes juíza de instrução do Tribunal Judicial .../processo 5/20... - foi, em 12/06/2020, emitido um mandado de detenção europeu com as referências constantes do expediente/documentação que se junta ...05 EE - e inserido no Sistema de Informação Schengen a indicação (SIS) 0006.02... - nos termos do disposto no artigo 95o da Convenção do Acordo Schengen, de 14/06/1985.

2º — Esse mandado e respectiva inserção foram emitidos pela circunstância de a requerida estar fortemente indiciada, pelas autoridades judiciárias francesas competentes, da autoria de um crime de subtracção do menor, seu filho, BB, nascido a .../.../2012 - confiado pelo Tribunal Judicial de Menores ao Serviço de Protecção de ... -, da custódia judicialmente decidida, crime esse previsto nos artigos 227o-9, 1o, 227o-29 do código penal (e 378o e 379, 1, do código civil) franceses e punível com pena de prisão até 3 (três) anos.

3º — O crime foi cometido entre os anos de 2019/2020, em França, em circunstâncias ainda não concretamente conhecidas, e consistiu no facto de o menor ter sido colocado ao cuidado do Serviço de Protecção de Crianças em ..., por decisão do juiz de menores do Tribunal Judicial ..., de 3/06/2019, decisão que não foi executada porque a requerida saiu de casa com esse filho, e com outro de idade inferior, e veio viver com eles para Portugal, sem o conhecimento do pai de BB, CC, que do filho não tem notícias.» (sublinhados nossos).

Acresce notar que a requerida não renunciou ao princípio da especialidade.

2. A recorrente entende que foi violado o disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP, por ter sido indeferida a realização das diligências probatórias — a sua inquirição e de outras testemunhas que apresentou aquando da oposição ao MDE, bem como a solicitação de diversos outros documentos. Dado o contraditório ao Ministério Público, este pronunciou-se pelo indeferimento das diligências de prova requeridas.

Por despacho de 20.02.2023, considerou-se que “MDE cuja execução é pedida nos autos, define com meridiana clareza o seu objecto, a entrega da requerida para efeitos de procedimento criminal”, e tendo sido indeferida a realização de tais diligências por se considerarem “actos inúteis”. Na verdade, as razões invocadas pela recorrente[1], e tal como refere o Tribunal a quo, “respeitam, exclusivamente, ao bem-estar familiar e às condições de inserção escolar e social do BB, sendo, nessa medida, irrelevantes para a decisão a proferir nos autos.

As provas arroladas pela requerida visam, como claramente evidencia a sua identificação, provar factos que sustentem estes argumentos e não, até pela sua inaptidão para tal efeito, provar factos que sustentem as causas admissíveis de oposição relevantes, as mencionadas nas alíneas viii) e x).”

Aliás, nos termos do art. 24.º, da LMDE, apenas são recorríveis as decisões que mantenham a detenção e a substituam por medida de coação, e a decisão final sobre a execução do MDE; não constituindo, a decisão agora em observação, nenhuma destas decisões cujo recurso é admissível. Mas, não pode ainda deixar de se referir que, atendendo ao princípio do reconhecimento mútuo, não cabe ao Estado português produzir qualquer prova sobre os factos que fundamentam o MDE, devendo apenas recusar a sua execução nos casos admissíveis de recusa obrigatória (art. 11.º da LMDE) e de recusa facultativa (art. 12.º, da LMDE), bem como no caso de execução de MDE para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas das liberdades na sequência de julgamento na ausência do arguido (art. 12.º-A, da LMDE). Para tanto, os elementos constantes dos autos são suficientes para esta decisão, sem que se possa dizer que não foram assegurados os direitos de defesa da recorrente; aliás, foram exercidos de forma clara e exaustiva na apresentação de uma peça recursória com 257 artigos, e 58 páginas.

Por fim, necessariamente se impõe referir que, nos termos do art. 34.º, da LMDE, é subsidiariamente aplicado ao processo de execução do MDE o disposto no Código de Processo Penal (doravante, CPP). Ora, nos termos do art. 340.º, n.º 4, do CPP, “[o]s requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: (...) b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas”. Ora, sabendo que esta decisão deve balancear as exigências de “necessidade de prova, lealdade, contraditório, celeridade, existindo uma margem de apreciação judicial”[2], afigura-se-nos que outra não podia ser a decisão, atendendo ao que era invocado, à necessária celeridade do processo, e à não essencialidade das diligências requeridas.

Improcede, pois, o recurso interposto nesta parte.

3. A recorrente vem arguir, em súmula apertada, a invalidade do MDE por não conter elementos como o momento da prática do facto que o fundamenta, o local da prática do facto, bem como a qualificação jurídica das infrações, concluindo que não constam do MDE factos juridicamente relevantes e criminalmente puníveis.

Compulsado o texto do MDE, verificamos que a recorrente não tem razão.

Na verdade, constam expressamente do MDE os factos relevantes:

«Descrição das circunstâncias em que a(s) infracção/infracções foi/foram cometida(s), incluindo o momento (a data e a hora), o local e o grau de participação da pessoa procurada na infração/nas infracções:

Pela decisão de 03 de Junho de 2019, o juiz de menores do Tribunal Judicial ... confiou o menor BB nascido em .../.../2012 ao serviço da proteção da infância de ....

A colocação não podia ser execuda porque a mãe tinha deixado o domicílio com BB e um outro filho pequeno, para impedir a medida de colocação. O pai, CC estava sem notícias do filho.

O inquérito estabeleceu que a DD, mãe da AA tinha fugido e era cúmplice da subtração de menor.

O inquérito não permitiu levar a descoberta da criança. Vários elementos sugeriram que AA podia encontrar-se em PORTUGAL.

O Juiz de instrução foi chamado a pronunciar-se em 3 de junho 2020 para os factos de subtração e pelos factos de não representação de filhos anteriores.

Um mandado de detenção europeu era emitido pelo Juiz de instrução em 12 de junho de 2020 contra a AA.

As primeiras investigações realizadas confirmaram que a AA e a sua cúmplice podiam encontrar-se em Portugal onde detinham a criança, cuja a colocação foi mantida pelo Juiz. de menores.»

É também indicado de forma precisa o período temporal:

«Natureza e qualificação jurídica da(s) infracção/infracções e disposição legal/código aplicável:

A SUBTRAÇÃO DE UMA CRIANCA POR UM ASCENDENTE DURANTE MAIS DE 5 DIAS NUM LUGAR DESCONHECIDO PELAS PESSOAS ENCARREGADAS DA SUA GUARDA entre o 3 de junho 2019 e o 3 de junho 2020

Artigos 227- 9 1°, 227-29 do CÓDIGO PENAL e artigo 378, 379-1 do CÓDIGO CIVIL

NÃO REPRESENTAÇÃO DE UMA CRIANCA A UMA PESSOA COM O DIREITO DE A RECLAMAR entre o 14 de dezembro 2018 e o 3 de junho de 2019

Artigo 227-5,227-29 do CÓDIGO PENAL»

É certo que esta indicação mais precisa apenas consta desde o início da versão original em língua francesa do MDE — a língua de uma das nacionalidades a recorrente — sendo que na tradução do Formulário A do Sistema de Informação de Schengen apenas se referia que os factos tinham sido praticados entre 2019/2020; uma indicação mais imprecisa, mas ainda assim uma indicação do momento da prática dos factos.

É também referida de forma expressa a qualificação jurídica dos factos à luz do Código Penal francês.

Assim sendo, as informações apresentadas pelo Estado de emissão afiguram-se-nos suficientes para se decidir sobre a entrega, tal como estipula o art. 22.º, n.º 2, da LMDE.

Além disto, a simples omissão de tradução do MDE não constitui uma causa de recusa da sua execução, podendo constituir uma irregularidade[3] que não foi arguida atempadamente (cf. art. 123.º, do CPP ex vi art. 34.º, da LMDE) (verifica-se que, por exemplo, aquando da oposição à execução do MDE nada foi referido).

Pelo que improcede o recurso nesta parte, não podendo concluir-se pela nulidade do acórdão recorrido, como pretende a recorrente, em razão do MDE não conter os elementos referidos.

4. Entende a recorrente que o acórdão recorrido é nulo porque se baseou em factos distintos dos que fazem parte integrante do MDE.

Os factos constantes do acórdão recorrido, e transcritos supra, referem que o MDE pretende a entrega da requerida para “efeitos de procedimento criminal”, referindo-se expressamente à decisão de 03.06.2019, que determinou a entrega do menor a um “serviço de proteção da infância”, afirmando que tal medida não pôde ser executada “porque a requerida deixou o seu domicílio, levando consigo o menor”.

Todavia, refere ainda que houve uma decisão, em novembro de 2018, que atribuiu o direito de visita ao pai do menor e que tal direito não foi exercido porque o seu exercício foi impedido pela requerida (facto b.2.). Tal facto não é referido aquando do pedido de execução do MDE pelo Ministério Público, todavia é referido expressamente no próprio MDE. Aquando da “Descrição completa da(s) infracção/infracções que não se encontrem previstas no ponto” que:

- “A SUBTRAÇÃO DE UMA CRIANÇA POR ASCENDENTE DURANTE MAIS DE CINCO DIAS NUM LOCAL DESCONHECIDO DAS PESSOAS ENCARREGADAS DA SUA GUARDA

E o fato, por qualquer ascendente de substrair uma criança menor das mãos daqueles que exercem a autoridade parental ou a quem foi confiada ou em casa da pessoa onde tem a sua residência habitual. Este fato é agravado quando a criança foi detida durante mais de 5 dias num lugar desconhecido da pessoa encarregada da sua guarda.

Resulta da investigação que a AA, mãe do BB fugiu com o filho quando tinha sido confiado por uma decisão judicial ao serviço de Proteção da infância da ... (77)”;

— “NÃO REPRESENTAÇÃO DE UMA CRIANÇA A UMA PESSOA COM O DIREITO DE A RECLAMAR

E o facto de de recusar indevidamente representar uma criança menor a pessoa que tem o direito de a reclamar.

Resulta da investigação que por decisão do Juiz dos assuntos familiares do Tribunal Judicial ... em 29 de Novembro 2018 o pai da criança, CC, tinha o direito de a ver e que a AA criou um obstáculo a esse direito.”

Assim se delimitando de forma expressa os factos indiciados. Refere-se ainda que logo no original, em língua francesa, língua de uma das nacionalidades da requerida, constava exatamente o transcrito.

Assim sendo, o MDE, refere-se expressamente à limitação ao exercício do direito de visita do pai, mas também ao facto de não se ter conseguido colocar o menor nos serviços de proteção da infância.

Sabe-se que a requerida não renunciou ao princípio da especialidade, e por força do disposto no art. 7.º, n.º 1, da LMD, “A pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção europeu não pode ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu.” Tal como se afirmou em anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (ac. de 02.11.2006, proc. n.º 06P4069, Relator: Cons. Arménio Sottomayor): “O princípio da especialidade traduz-se em “limitar os factos pelos quais o extraditando será julgado, após a entrega ao Estado requerente, àqueles que motivaram essa entrega” (Anna Zairi, Le Principe de la Spécialité de l’Extradition au Regard des Droits de l’Homme, pág. 30, apud José Manuel Cruz Bucho e outros, Cooperação Judiciária Internacional, I, pág. 40, n.º 71).”[4] Este princípio constitui uma “garantia da pessoa procurada e [um] limite da acção penal ou da execução da pena ou da medida de segurança e representa uma segurança jurídica de que não será julgada por crime diverso fundamento do MDE ou não cumprirá sanção diversa da que consta do MDE”[5].

Assim, atento o princípio da especialidade, e a execução do MDE deverá restringir-se ao âmbito do objeto delimitado por aquele MDE sem que se possa estender a outros factos.

E os factos referidos, como já salientámos, restringem-se ao impedimento de entrega do menor aos serviços de proteção, dado que a mãe já tinha saído de França com o menor, e à limitação do exercício do direito de visita pelo pai.

Os indiciados factos, segundo o MDE, integram duas infrações criminais:

- a prevista no art. 277.º- 9, 1.º — livro II (dos crimes e delitos contra pessoas), título II (dos atentados à pessoa humana), capítulo VII (dos atentados aos menores e à família), secção 3 (dos atentados ao exercício da autoridade parental)[6], sendo punível com pena de prisão de 3 anos e multa até 45000 euros quem retém o menor por mais de 5 dias sem que aqueles que teriam direito de o reclamar saibam onde se encontra [7]; ou seja, tanto integra esta infração aquele que impede que o menor seja entregue aos serviços de assistência tal como determinado na decisão de novembro de 2018, como aquele que subtrai o menor a quem tem responsabilidades parentais, sendo que as responsabilidades parentais atribuídas ao menor decorrem de uma decisão de 20.02.2020, altura em que a requerida já não se encontrava em território francês, e sem que resulte do MDE se foi (ou não) notificada desta decisão; é ainda referido o art. 227-29 relativo a penas complementares a aplicar a pessoas singulares,  nomeadamente a interdição de direitos cívicos, civis e de família[8];

- a prevista no art. 227-5 que integra os casos em que alguém que recusa indevidamente o menor a alguém que tinha o direito de o reclamar, cuja pena é de prisão de 1 ano e multa de 15 000 euros; sendo também referido o art. 227-29 onde se estabelecem penas complementares.

Pese embora a abrangência dos normativos citados certo é que, segundo o MDE, as infrações que estão em causa são a subtração de um menor a um ascendente durante mais de 5 dias, por se encontrar em local desconhecido e a não apresentação do menor a pessoa que teria o direito de a reclamar, bem como a impossibilidade do exercício do direito de visita pelo pai. E por isto, como refere o MDE, a 03.06.2020, pronunciou-se o juiz de instrução sobre os factos referidos e foi emitido, a 12.06.2020, o MDE sob análise.

Assim, atento o princípio da especialidade, apenas nos podemos ater a estes factos e assim aferir da possibilidade ou não de execução o MDE, nomeadamente, tendo por base o estipulado no art. 2.º, da LMDE. Acresce referir que o âmbito do pedido limita igualmente o Estado requerente, dado que “restringe o poder do Estado requerente de processar, de julgar, deter ou sujeitar a restrição da liberdade da pessoa [...] entregue aos factos que fundamentaram o pedido”[9]. Na verdade, “a regra da especialidade funciona como uma espécie de imunidade por crimes que tenham sido praticados antes da entrega e diferentes do que a motivou”[10].

Tendo em conta o exposto, não podemos deixar de concluir que a factualidade descrita no MDE integra o facto b.2. — “b.2. Por decisão de 28 de Novembro de 2018, proferida pelo juiz de família do Tribunal Judicial ..., foi atribuído a CC, pai do menor BB, o direito de visita, direito este cujo exercício foi impedido pela requerida.”— constante do rol de factos elencados pelo acórdão recorrido.

Entende ainda a recorrente que, quanto à parte final do facto b.1, “vindo juntamente com os dois menores, para Portugal, em data não apurada, mas posterior a 3 de junho de 2019, residindo, actualmente, na Rua ..., ..., ..., ...”, estamos perante um outro facto não constante do MDE.

No MDE apenas se refere que “as primeiras investigações realizadas confirmaram que a AA e a sua cúmplice podiam encontrar-se em Portugal onde detinham a criança, cuja colocação foi mantida pelo Juiz de menores”. Ou seja, não há certeza quanto ao paradeiro da requerida, nem se indica a data a partir da qual estaria em Portugal. Certo é que, não se sabendo onde se encontrava a mãe e a criança, a requerida, em momento posterior à decisão, obstou à entrega da criança aos serviços de assistência e ao exercício do direito de visita pelo pai. É este o comportamento determinante da prática da infração (que ocorrerá tanto no caso de a requerida se ter ausentado da República Francesa em data posterior à decisão que determinou a entrega do menor aos serviços de assistência e concedeu ao pai o direito de visita, ou em data posterior à notificação dessa decisão — o que, dos dados contantes dos autos, não sabemos sequer se foi notificada de tal decisão, como também no caso de aquele comportamento impeditivo ter sido praticado ainda na República Francesa, mesmo que, porventura, não tivesse vindo para Portugal), e do momento do seu cometimento.

Sabendo que o MDE foi apresentado em vista de procedimento criminal, estando ainda em fase de investigação os factos subjacentes ao pedido, não deverá o Estado português sedimentar o facto, pelo que não se poderá considerar desde quando efetivamente a requerida se encontra em Portugal; sem prejuízo de se poder afirmar que, ao tempo da detenção, a requerida vivia com os dois menores em Portugal e no local referido.

Para além disto, é ainda referido pelo acórdão recorrido o seguinte facto: «f. O menor BB frequenta uma escola de futebol em ..., integra a banda filarmónica de ..., foi inscrito pela requerida no sistema de ensino oficial em Janeiro do corrente ano, após denúncia sobre a sua situação escolar, e encontra-se actualmente acolhido em instituição de ..., desde 6 de Fevereiro do corrente ano.»

Sabendo que o MDE apenas solicita a entrega da requerida, nada requerendo quanto ao menor, este facto mostra-se supérfluo, mas inócuo para a decisão a tomar.

Também neste ponto improcede o recurso interposto.

5. Refere a recorrente que nunca foi ouvida pelas autoridades francesas, não foi notificada da decisão que determinou a entrega do menor a uma instituição, nem conhece a decisão. Na verdade, do MDE não consta qualquer informação sobre estes aspetos. Porém, verifica-se que as exigências consagradas no art. 12.º-A, da LMDE, quanto a julgamento em que o arguido não tenha estado presente, referem-se apenas à execução de MDE “emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade”. No caso, estamos perante um MDE para efeitos de procedimento criminal, sem que ainda haja sequer factos indiciados constantes de uma acusação, ou factos provados e condenação em qualquer uma pena. Pelo que as exigências impostas pelo dispositivo citado não se aplicam nos presentes autos.

Mas, não pode deixar de se salientar que, quanto à decisão de novembro de 2018 que lhe atribuiu a confiança provisória do menor e concedeu um direito de visita ao pai, porque anterior à sua vinda para Portugal, desta teve conhecimento (aliás, nunca refere o contrário), o que constitui um facto relevante à luz da lei portuguesa.

6.1. Os factos pelos quais a requerida está indiciada e constituem fundamento do MDE, como vimos, são factos puníveis com pena de prisão de 3 anos e multa de 45 000 euros (art. 227-9) e pena de prisão de 1 anos e multa de 15 00 euros (art. 227-5). 

Nos termos do art. 2.º, n.º 1, da LMDE, o MDE pode ser emitido por factos puníveis pelo Estado de emissão com pena privativa de duração máxima não inferior a 12 meses, o que é o caso. E não se exige a dupla incriminação (pelo Estado emissor e pelo Estado de execução do MDE) quando os factos na base do MDE integram algumas das infrações elencadas no art. 2.º, n.º 2, da LMDE, e sejam puníveis com privação da liberdade de máximo não inferior a 3 anos.  Compulsado o MDE, verifica-se que não se considerou que os factos integrassem alguma das infrações aqui referidas (aliás, nada foi assinalado no ponto II do formulário do MDE). Pelo que, consequentemente, o MDE apenas pode ser executado se concluirmos que se verifica a dupla incriminação, por força do disposto no art. 2.º, n.º 3, da LMDE.

6.2. Como já referimos, os factos na base do MDE são os resultantes da impossibilidade de entrega do menor aos serviços de assistência — e que integram, segundo o MDE, a infração prevista no art. 227-9, do Código Penal francês — e o obstáculo criado ao exercício do direito de visita pelo pai — que integra o disposto no art. 227-º5, do Código Penal francês, punível com uma pena privativa de liberdade de 1 ano. Este direito de visita foi logo estabelecido na decisão de novembro de 2018, onde foi determinado provisoriamente o domicílio do menor na residência materna (facto que a recorrente não contesta, afirmando mesmo na sua motivação de recurso que a guarda do menor estava confiada à mãe — art. 127 da motivação).

Se algumas dúvidas poderiam surgir da subsunção do primeiro facto ao disposto no art. 249.º, do CP português, por aí, nomeadamente, na alínea c), se referir expressamente ao não cumprimento do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, e por a decisão de entrega do menor a uma instituição parecer uma medida de proteção de menor em perigo, certo é que o MDE se baseia igualmente no facto de a requerida ter limitado, melhor dito, impedido o exercício do direito de visita pelo pai, o que constitui um facto punível à luz da lei portuguesa no dispositivo referido. É certo que, à luz da lei portuguesa, o procedimento criminal apenas se pode iniciar tendo havido queixa (cf art. 249.º, n.º 3, do CP). Trata-se, porém, de uma norma relativa ao início do procedimento criminal e não relativa à punibilidade do facto. Sabendo que o princípio da dupla incriminação exige que o facto seja punível (cf. art. 2.º, n.º 3, da LMDE[11]), e não que constitua facto que, apesar de punível, possa não ser punido por não verificação dos pressupostos de início do procedimento criminal, não se vê como negar a verificação desta dupla incriminação. Assim sendo, “o facto que motiva a emissão” do MDE constitui infração punível de acordo com a lei portuguesa.

Além disto, sabendo que no MDE se considera que os factos foram praticados em 2019/2020, atento o disposto no art. 118.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, do CP português, não se pode concluir pela prescrição do procedimento criminal.

Mas, ainda se poderá colocar a questão de saber se o crime foi praticado em Portugal, podendo haver recusa de execução do MDE à luz do disposto no art. 12.º, als. h)-i), da LMDE.

Na verdade, sabendo que a requerida, estando em Portugal, tem impedido a entrega do menor à instituição e tem impedido o exercício do direito de visita pelo pai, podemos dizer, com o Tribunal da Relação de Coimbra, que foram praticados parte dos factos em Portugal. Todavia, como ali se afirmou, “é meramente aparente, em nosso entender, a verificação dos pressupostos de aplicação da recusa facultativa em análise.

Com efeito, e como é entendimento uniforme do nosso mais Alto Tribunal, a aplicação de qualquer das causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu terá sempre ser justificada pela demonstração das reais vantagens que resultem para a investigação e conhecimento dos crimes objecto do mandado, da prevalência da jurisdição nacional sobre a jurisdição do Estado de emissão (cfr. acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2018, processo nº 29/18.2YRPRT.S1, in www.dgsi.pt, e de 9 de Maio de 2012, supra, identificado).” (p. 11 do ac. recorrido) Ora, aquando da resposta à oposição apresentada pela requerida, o Ministério Público afirmou que “para a prossecução do procedimento criminal em Portugal sempre haveria que justificar as vantagens da prevalência da jurisdição nacional.

Em qualquer caso, porém, o conhecimento do crime será evidentemente mais fácil e expedito se ficar a cargo das autoridades francesas, que dele tomaram conhecimento em primeira mão, sendo nesse país que reside o pai do menor e é nele que se conseguirá um profundo apuramento e conhecimento de toda a prova.”

Perante isto, no acórdão recorrido considerou-se que:

«No caso concreto, não só a requerida não trouxe aos autos quaisquer factos que, a provarem-se, e depois de devidamente ponderados, pudessem conduzir à justificação daquela prevalência [na verdade, a maior parte da oposição deduzida pela requerida visou demonstrar a actual situação do menor BB, concretamente, a sua integração a nível familiar, escolar e social, circunstancialismo este alheio à questão em apreço], como os factos mais relevantes para a investigação a desenvolver no âmbito do exercício do procedimento criminal tiveram lugar em França, estando em causa, como sabemos, o incumprimento, pela requerida, de duas decisões de tribunais franceses que tiveram por objecto a regulamentação das responsabilidades parentais relativas ao menor BB, sendo certo que aí viviam, a requerida, o menor e o pai deste, até à vinda da primeira e do segundo para Portugal. Aliás, a fixação de residência da requerida, e do menor, em Portugal, é o único facto que estabelece a conexão da ordem jurídica portuguesa.

Em suma, porque entendemos não estar demonstrada a existência de qualquer vantagem decorrente da atribuição de prevalência à jurisdição nacional sobre a jurisdição da República Francesa, e porque, como se pode ler no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2012, «O acto de recusa de execução do MDE não pode nem deve tratar-se de um acto meramente voluntarista, capaz de pôr em causa os sãos princípios de cooperação internacional a que a LMDE quis dar corpo e os valores que com essa cooperação se visam prosseguir, com destaque para a correcta administração da justiça penal.», não deve ser actuada a causa de recusa facultativa do mandado, prevista no art. 12º, nº 1, h), i) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.» (p. 11-12 do ac. recorrido).

Quais as finalidades que devem estar na base de uma recusa de execução do MDE quando se possa considerar que os factos foram também praticados em território português?

É certo que os eventuais transtornos de ordem familiar e pessoal que possam surgir para a requerida da sua entrega às autoridades francesas não devem constituir fundamento para impedir a cooperação judiciária entre os Estados membros. E os transtornos pessoais decorrentes da entrega da requerida à República Francesa para o menor decorrerão do afastamento da requerida/sua mãe. Verificamos, no entanto, que por decisão da República Francesa as responsabilidades parentais foram já atribuídas ao pai, e foi mesmo afastada a mãe destas responsabilidades e do contacto com o menor, uma vez que “qualquer direito de visita e de alojamento foi negado à mãe” (segundo informação disponibilizada pela República Francesa). Concordamos, pois, com a decisão recorrida quando expressamente referiu “não estar demonstrada a existência qualquer vantagem decorrente da atribuição de prevalência à jurisdição nacional sobre a jurisdição da República Francesa”, pelo que se conclui não existir qualquer obstáculo à execução do MDE.

7. O MDE foi apresentado para efeitos de procedimento criminal. Havendo aplicação de medidas de coação no Estado emissor, qualquer uma delas constituirá uma limitação de direitos, liberdades e garantias. Da lei não resulta qualquer possibilidade de recusa de execução do MDE em função da aplicação de medidas de coação. Nem dos autos resulta que irá ser aplicada à requerida uma qualquer medida privativa de liberdade de duração ilimitada ou que irá ser aplicada pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física[12]. Acresce referir que a República Francesa já prestou a garantia exigida no acórdão recorrido — “A execução da entrega referida em A) fica sujeita à condição de a autoridade judiciária da República Francesa, enquanto Estado de emissão, prestar garantia de que a requerida será devolvida a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenada em França.” E, nos termos dos arts. 145-1, 145-2 e 145-e, do Código de Processo Penal francês, existem limites à aplicação da “détention provisoire”[13].

8. Entende ainda a recorrente que a possibilidade de entrega de cidadãos nacionais para efeitos de procedimentos criminal, ainda que tal possibilidade esteja prevista no art. 33.º da CRP, constitui uma norma inconstitucional por violação do disposto no art. 18.º, da CRP, sendo neste seguimento inconstitucionais os arts. 1 a 40, da LMDE.

Nos termos do art. 33.º, da CRP, não é admitida a expulsão de cidadãos nacionais, só sendo admitida a extradição de nacionais nos casos previstos nos n.ºs 2[14] e 3[15] do mesmo dispositivo. Todavia, no art. 33.º, n.º 5, determina-se: “O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.” Admitindo-se, pois, a entrega da requerida, a limitação dos direitos, liberdades e garantias que decorra do procedimento criminal e da sua punição não constitui, atentos os factos constantes dos autos, lesões dos direitos fundamentais em violação das exigências de necessidade, proporcionalidade e adequação (impostas pelo art. 18.º, da CRP) que se possam considerar distintas das que ocorreriam caso o procedimento criminal decorresse em Portugal e caso viesse a ser condenada em Portugal. As limitações que ocorrerão são as normais limitações que ocorrem aquando do decurso de um procedimento criminal num Estado de Direito como o Estado emissor e o Estado de execução, não se augurando existir um risco de violação do direito fundamental a um processo equitativo[16].

Além disto, não podemos esquecer que a Lei n.º 65/2003, surge na sequência da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI e da Decisão-Quadro 2009/299/JAI.  Ora, as decisões quadros constituem direito europeu que, nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP “são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”. É certo que a decisão-quadro não tem efeito direto em Portugal, necessitando de ser integrada no sistema português. Porém, necessariamente teve de respeitar a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente, o direito à igualdade perante a lei, o direito de defesa, o direito à presunção de inocência, o princípio da legalidade e proporcionalidade dos delitos e das penas, e o direito a não ser julgado e punido mais do que uma vez pelo mesmo crime.

III Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto por AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de abril de 2022

                                                                                   Os Juízes Conselheiros,
Helena Moniz (Relatora)
António Gama
Orlando Gonçalves

____________________________________________________


[1] De acordo com a decisão referida: “Brevitatis causa, os argumentos constantes da oposição deduzida são:
i) A requerida não cometeu o crime de subtracção de menor, relativamente ao filho BB, nem foi notificada pelas autoridades francesas, nem conhece decisão para proceder à sua entrega;
ii) A requerida vive com o filho BB, nascido a .../.../2012, e com outra filha, de três anos de idade, na Rua ..., ..., ..., desde 2019, com plena integração na comunidade;
iii) O menor BB frequenta o 5º ano, na escola ..., em ..., frequenta a escola de futebol da associação ..., em ..., faz parte da banda filarmónica ..., de ...;
iv) A requerida actuou sempre no superior interesse do filho, não havendo qualquer processo tutelar cível ou sinalização ao mesmo respeitante;
v) O núcleo familiar do BB sempre foi a requerida e a irmã, o menor vive em Portugal há mais tempo do que viveu em França, o pai sempre soube que o mesmo se encontrava em Portugal, não se preocupando com ele;
vi) A requerida saiu de França para por cobro a um quadro de violência doméstica praticado pelo pai do BB, diante dos menores;
vii) A ser ordenada a execução do MDE, o bom relacionamento familiar do BB será afectado e, se simultaneamente, for obrigado a regressar a França, ficará comprometida a evolução do seu percurso formativo, tudo isto em manifesto prejuízo do superior interesse dos menores;
viii) O crime imputado à requerida é um crime de execução permanente, pelo que, encontrando-se já em Portugal – 2019 – quando a decisão do tribunal francês foi proferida, o crime ainda se encontra em execução, deste modo se verificando a causa de recusa facultativa de execução do MDE, prevista na alínea i), do no 1 do art. 12o da Lei no 65/2003, de 23 de Agosto;
ix) O crime imputado à requerida é punível, em Portugal, com prisão até dois anos ou multa, e é crime semi-público, enquanto em França é punível com prisão até três anos, sendo desconhecida a sua natureza, o que significa que a execução do MDE sujeitará a requerida a um regime punitivo mais grave e com menores garantias;
x) Dos autos não resulta informação clara e suficiente sobre se a República Francesa pretende a sua detenção e entrega ou apenas, a detenção e eventual aplicação de medidas de coacção/medidas de segurança, matéria que é relevante para aferir da possibilidade de aplicação da causa de recusa facultativa de execução do MDE, prevista na alínea g), do no 1 do art. 12o da Lei no 65/2003, de 23 de Agosto;
xi) Estando o BB já institucionalizado, por medida cautelar decidida pelo Tribunal ..., no seguimento da detenção da requerida, não se justifica a sua entrega às autoridades francesas;
xii) Corre no Tribunal ... o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do BB;
xiii) Na eventualidade de ser determinada a entrega da requerida à República Francesa, a mesma deve ser sujeita à condição prevista no art. 13º, nº 1, b) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.”
[2] António Gama, art. 340.º/ § 57, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, Coimbra: Almedina, 2022.
[3] Já neste sentido, ac. do STJ, de 09.08.2013, proc. n.º 750/13.1YRLSB.S1, Relator: Cons. Pires da Graça, in www.dgsi.pt.
[4] In www.dgsi.pt.
[5] Manuel Monteiro Guedes Valente, Do mandado de detenção europeu, Coimbra: Almedina,2006, p. 273.
[6] Tradução livre da Relatora; Código Penal francês consultado em https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000006070719/LEGISCTA000006165319/?anchor=LEGIARTI000006418036#LEGIARTI000006418036
[7]Les faits définis par les articles 227-5 et 227-7 sont punis de trois ans d'emprisonnement et de 45 000 euros d'amende : 1° Si l'enfant mineur est retenu au-delà de cinq jours sans que ceux qui ont le droit de réclamer qu'il leur soit représenté sachent où il se trouve “. Abrangendo o art. 227-5 os casos em que alguém que recusa indevidamente o menor a alguém que tinha o direito de o reclamar (“Le fait de refuser indûment de représenter un enfant mineur à la personne qui a le droit de le réclamer est puni d'un an d'emprisonnement et de 15 000 euros d'amende.”), e o art. 227-7 os casos em que um ascendente subtrai um filho menor a quem exerça as responsabilidades parentais, ou a quem o menor tenha sido confiado ou com quem o menor tenha residência habitual (“Le fait, par tout ascendant, de soustraire un enfant mineur des mains de ceux qui exercent l'autorité parentale ou auxquels il a été confié ou chez qui il a sa résidence habituelle, est puni d'un an d'emprisonnement et de 15 000 euros d'amende.”) (acesso ao Código Penal francês cit. supra).
[8] O dispositivo pode ser consultável aqui: https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000006070719/LEGISCTA000006165322/?anchor=LEGIARTI000038313134#LEGIARTI000038313134
[9] Manuel Guedes Valente, ob. cit. supra, p. 276; no mesmo sentido, p. 286.
[10] Manuel Guedes Valente, ob. cit. supra, p. 286-287.
[11] De salientar, que o disposto no art. 12.º, n.º 1, al. a), na redação original foi revogada pela lei n.º 115/2019, de 12.09.
[12] Casos em que seria admissível, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreitra, a recusa de cooperação — Constituição da República portuguesa, Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 4.ª ed., 2007, art. 33.º, nota IX, p. 534-535.
[13] Art. 145-1: En matière correctionnelle, la détention provisoire ne peut excéder quatre mois si la personne mise en examen n'a pas déjà été condamnée pour crime ou délit de droit commun soit à une peine criminelle, soit à une peine d'emprisonnement sans sursis d'une durée supérieure à un an et lorsqu'elle encourt une peine inférieure ou égale à cinq ans.
Dans les autres cas, à titre exceptionnel, le juge des libertés et de la détention peut décider de prolonger la détention provisoire pour une durée qui ne peut excéder quatre mois par une ordonnance motivée conformément aux dispositions de l'article 137-3 et rendue après un débat contradictoire organisé conformément aux dispositions du sixième alinéa de l'article 145, l'avocat ayant été convoqué selon les dispositions du deuxième alinéa de l'article 114. Cette décision peut être renouvelée selon la même procédure, sous réserve des dispositions de l'article 145-3, la durée totale de la détention ne pouvant excéder un an. Toutefois, cette durée est portée à deux ans lorsqu'un des faits constitutifs de l'infraction a été commis hors du territoire national ou lorsque la personne est poursuivie pour trafic de stupéfiants, association de malfaiteurs, proxénétisme, extorsion de fonds ou pour une infraction commise en bande organisée et qu'elle encourt une peine égale à dix ans d'emprisonnement.
A titre exceptionnel, lorsque les investigations du juge d'instruction doivent être poursuivies et que la mise en liberté de la personne mise en examen causerait pour la sécurité des personnes et des biens un risque d'une particulière gravité, la chambre de l'instruction peut prolonger pour une durée de quatre mois la durée de deux ans prévue au présent article. La chambre de l'instruction, devant laquelle la comparution personnelle du mis en examen est de droit, est saisie par ordonnance motivée du juge des libertés et de la détention selon les modalités prévues par le dernier alinéa de l'article 137-1, et elle statue conformément aux dispositions des articles 144,144-1,145-3,194,197,198,199,200,206 et 207.
Art. 145-2: En matière criminelle, la personne mise en examen ne peut être maintenue en détention au-delà d'un an. Toutefois, sous réserve des dispositions de l'article 145-3, le juge des libertés et de la détention peut, à l'expiration de ce délai, prolonger la détention pour une durée qui ne peut être supérieure à six mois par une ordonnance motivée conformément aux dispositions de l'article 137-3 et rendue après un débat contradictoire organisé conformément aux dispositions du sixième alinéa de l'article 145, l'avocat ayant été convoqué conformément aux dispositions du deuxième alinéa de l'article 114. Cette décision peut être renouvelée selon la même procédure.
La personne mise en examen ne peut être maintenue en détention provisoire au-delà de deux ans lorsque la peine encourue est inférieure à vingt ans de réclusion ou de détention criminelles et au-delà de trois ans dans les autres cas. Les délais sont portés respectivement à trois et quatre ans lorsque l'un des faits constitutifs de l'infraction a été commis hors du territoire national. Le délai est également de quatre ans lorsque la personne est poursuivie pour plusieurs crimes mentionnés aux livres II et IV du code pénal, ou pour trafic de stupéfiants, terrorisme, proxénétisme, extorsion de fonds ou pour un crime commis en bande organisée.
A titre exceptionnel, lorsque les investigations du juge d'instruction doivent être poursuivies et que la mise en liberté de la personne mise en examen causerait pour la sécurité des personnes et des biens un risque d'une particulière gravité, la chambre de l'instruction peut prolonger pour une durée de quatre mois les durées prévues au présent article. La chambre de l'instruction, devant laquelle la comparution personnelle du mis en examen est de droit, est saisie par ordonnance motivée du juge des libertés et de la détention selon les modalités prévues par le dernier alinéa de l'article 137-1, et elle statue conformément aux dispositions des articles 144,144-1,145-3,194,197,198,199,200,206 et 207. Cette décision peut être renouvelée une fois sous les mêmes conditions et selon les mêmes modalités.
Les dispositions du présent article sont applicables jusqu'à l'ordonnance de règlement.
Art. 145-3: Lorsque la durée de la détention provisoire excède un an en matière criminelle ou huit mois en matière délictuelle, les décisions ordonnant sa prolongation ou rejetant les demandes de mise en liberté doivent aussi comporter les indications particulières qui justifient en l'espèce la poursuite de l'information et le délai prévisible d'achèvement de la procédure.       
Il n'est toutefois pas nécessaire que l'ordonnance de prolongation indique la nature des investigations auxquelles le juge d'instruction a l'intention de procéder lorsque cette indication risque d'entraver l'accomplissement de ces investigations.
(Fonte: https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000006071154/LEGISCTA000006182890/?anchor=LEGIARTI000032654071#LEGIARTI000032654071).
[14] “A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.”
[15] “Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.”
[16] Cf. sobre isto Agostinho Soares Torres/ Fátima Pacheco, Entre o reconhecimento mútuo e os direitos fundamentais: a s respostas recentes do Tribunal de Justiça da União Europeia quanto À inexecução facultativa do mandado de detenção europeu — um novo e atribulado caminho na cooperação internacional?, Julgar, n.º 39, 2019, p. 13 e ss