Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TIBÉRIO NUNES DA SILVA | ||
Descritores: | LIVRANÇA EM BRANCO PACTO DE PREENCHIMENTO PREENCHIMENTO ABUSIVO OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE INÍCIO DA PRESCRIÇÃO DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA VENCIMENTO ANTECIPADO AÇÃO EXECUTIVA AVALISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A lei não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, importando ter em conta, nessa matéria, o que se tenha acordado no pacto de preenchimento subjacente à respectiva emissão. II. A declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art. 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que emergia da relação subjacente, mas daí não se retira que tal declaração constitua o termo inicial do prazo de prescrição da livrança (3 anos, nos termos do art.70º da LULL). III. Tendo ficado acordado que a data de vencimento seria fixada pela credora quando, em caso de incumprimento pela cliente das obrigações assumidas, decidisse preencher a livrança, não há que tomar como ponto de partida a data de declaração de insolvência da devedora, subscritora da livrança, para aferir da existência de prescrição relativamente à instauração de execução contra o avalista, mas a data de vencimento aposta pela credora nessa livrança. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I AA, por apenso à execução que lhe move Caixa Geral de Depósitos, S.A., veio deduzir embargos de executado, alegando que: A livrança que serve de base à execução foi subscrita há 12 anos. Em 19/08/2009, foi assinado um contrato com a Caixa Geral de Depósitos e avalizada a livrança exequenda. A subscritora da livrança foi declarada insolvente em 2012, pelo que a dívida nunca se venceria em data posterior. Independentemente das diligências eventualmente efectuadas no âmbito da insolvência da subscritora, o crédito sempre estaria prescrito, pois decorreram 11 anos desde a prestação do aval e 9 anos desde a declaração de insolvência da subscritora. Quando a Exequente preencheu a livrança, já o seu crédito estava prescrito, como estipula o artigo 310º do Código Civil, por terem decorridos mais de 5 anos desde o vencimento da dívida, ou pelo que resulta do artigo 70º da LULL. Na liquidação da obrigação exequenda, faz-se referência a uma dívida de 110.174,00€, enquanto o próprio contrato de financiamento, a que se reporta a livrança subscrita e que limita a responsabilidade do avalista, se refere a um crédito de 50.000,00€ euros. A Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos. Foi proferido saneador-sentença que julgou os embargos procedentes, por prescrição do crédito exequendo. Inconformada, recorreu a Exequente para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde foi proferido acórdão que revogou a decisão e julgou improcedentes os embargos, ordenando o prosseguimento da execução. Recorreu o Executado para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «1. A livrança dada à execução, foi entregue em branco ao exequente e serviu de garantia a um contrato de crédito celebrado em 19/08/2009; 2. A agora recorrente deu o aval seu à subscritora, mutuária do crédito, L... Ldª 3. A mutuária e subscritora da Livrança foi declara insolvente em 2012. 4. A declaração de insolvência da mutuária/subscritora da livrança, determinou nessa data o vencimento automático da obrigação. 5. Podendo a exequente preencher a Livrança quando bem entender, a data do seu vencimento tem de corresponder à data da declaração da insolvência da mutuária/subscritora. 6. Tendo a mutuária/subscritora da Livrança sido declarada insolvente em 2012, a obrigação cartular prescreve no prazo de 3 anos a partir de tal declaração. 7. Quando a exequente apôs a data de vencimento na livrança ...20 - já a mesma se encontrava prescrita atento o decurso do prazo de 3 anos previsto no artigo 70º da LULL. 8. A executada na qualidade de avalista, responde perante a exequente nos mesmos termos que a sociedade avalizada. 9. Na livrança dada à execução, todos os intervenientes são os originários. 10. A executada, porque teve intervenção no pacto de preenchimento e mesmo no contrato que constituiu a relação subjacente, é lhe permitido prevalecer-se das exceções peremptórias provenientes da relação subjacente entre a exequente e a mutuária/subscritora da livrança. 11. Não saindo o título das relações dos primitivos intervenientes, a avalista da subscritora(que é responsável da mesma maneira que o afiançado, nos termos do art. 32.º-1.ª parte da LULL), pode opor ao primitivo credor qualquer excepção de direito material, fundada sobre as relações pessoais que este pudesse opor no negócio subjacente. 12. Todos os intervenientes originários num título de crédito podem opor entre si qualquer excepção que tenha como suporte a relação jurídica subjacente. 13. A defesa do presente entendimento, encontra respaldo no acórdão Ac. STJ de 13/04/2011 (proc. 2093/04.2TBSTB-A L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, que decidiu que “Tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento, pode ele opor ao portador as exceções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio das relações imediatas”]. 14. A livrança dada à execução não entrou em circulação, está no domínio das relações imediatas, uma vez que os sujeitos cambiários são igualmente os sujeitos das convenções extra-cartulares, designadamente, a avalista porquanto presente no pacto de preenchimento. 15. A avalista/executada, porque interveniente no pacto de preenchimento e no contrato de crédito, pode validamente opor à exequente a prescrição do crédito da relação subjacente à emissão da livrança, 16. A sociedade L..., Ldª, mutuária/avalista, foi declarada insolvente em 2012, e um dos efeitos da declaração de insolvência é o vencimento antecipado das obrigações, nos termos do artigo 91º do CIRE. 17. O artigo 43º da LULL determina que o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de ação contra os obrigados cambiários, a partir da declaração de insolvência do devedor da obrigação garantida e o artigo 44º da LULL prevê que a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de ação. 18. A partir da data em que a L..., ldª, foi declarada insolvente, que ocorreu em 2012, o exequente passou a poder acionar a sua garantia, devido ao incumprimento da obrigação extracartular subjacente, podendo então preencher a livrança contra a agora recorrente, com data de vencimento que deveria corresponder à data de declaração da insolvência, contando-se a partir de tal momento o prazo de prescrição de 3 anos previsto no artigo 70º da LULL, 19. A data de vencimento que a exequente apôs na livrança, nunca poderia ser 2020-08-18, conforme fez, mas antes a data de declaração de insolvência da mutuária, subscritora da livrança. 20. É contraria à ratio legis e violadora do princípio do boa fé, a conclusão que o exequente pode preencher a livrança, apenas porque é seu portador, quando assim o entender, suscetível de não prescrever, tornando-se assim um direito vitalício. 21. O direito do exequente acionar a avalista agora recorrente, encontra-se prescrito, uma vez que foram ultrapassados mais de 3 anos desde a data da declaração de insolvência da mutuária e subscritora da livrança dada à execução. 22. O vencimento automático dos créditos nos termos do artigo 91.º, n.º 1 do CIRE é um efeito automático da declaração de insolvência, que provoca de forma imediato, o vencimento de todos os créditos contraídos pela insolvente. 23. É a lei e não a vontade do credor que declara imperativamente o vencimento antecipado das dívidas dos insolventes (e necessariamente o seu incumprimento). 24. A dívida venceu-se no momento da declaração de insolvência da mutuária-2012 - razão pela qual a perda do benefício do prazo, também afetou a avalista, agora recorrente. 25. A interpelação que o exequente efetuou, em nada alterou o vencimento imediato da divida decorrente da declaração de insolvência da mutuária. 26. O vencimento antecipado da totalidade da dívida resulta da declaração de insolvência da devedora mutuária/subscritora, e o vencimento é automático e independente de qualquer interpelação (art.º 91 do CIRE), pelo que a avalista/embargante deixou de ter a possibilidade de se lhe opor e oferecer o pagamento para evitar posteriores vencimentos e mora. 27. Na data aposta como vencimento da livrança, já o crédito do exequente, subjacente à emissão a livranças se encontrava prescrito, por terem decorrido mais de 5 anos previstos no artigo 310º, alínea e) do CC. 28. A presente execução foi instaurada em 29-3-2021, com base numa livrança subscrita em 2009,a subscritora daquela livrança, foi declarada insolvente em 2012, a declaração de insolvência da subscritora/mutuária, determinou o vencimento imediato do crédito, pelo que, quando a exequente preencheu a livrança, com a data de vencimento de 18-8-2020, e quando instaurou em 29-3-2021 a execução a que se deduziram embargos, já haviam decorrido mais de 5 anos sobre a data de vencimento do alegado crédito, e como tal já a obrigação exequenda estava prescrita. 29. Nos termos das alíneas d) e e) do artº 310º, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. 30. Decorre dos autos, que a amortização do capital mutuado através do contrato junto aos autos, seria amortizado em prestações de capital e juros trimestrais e semestrais. 31. No presente contrato de abertura de crédito, existem dois tipos de prestações: juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que qualquer deles se enquadra na previsão do artº310º als. d) e e) do C.Civil, com um prazo de prescrição de cinco anos. 32. Encontrando-se o crédito vencido desde 2012, à data da instauração da presente execução, e mesmo quando a exequente preencheu a livrança com a data de vencimento de 18/08/2020, já haviam decorrido mais de 5 anos sobre a data de vencimento do mesmo, pelo que por aplicação do art.º 310º als d) e e) do CC, já a obrigação exequenda se encontrava prescrita, 33. O alegado crédito da exequente, composto pelo capital e juros, encontra-se prescrito, por aplicação ao caso dos autos do prazo estabelecido no art.º 310º do C. Civil, ou seja, prescrição de cinco anos. 34. Prescrição essa que se verifica igualmente em relação aos juros, desde logo porquanto prescrita a divida de capital a mesma não vence juros, e os vencidos até à prescrição do capital, uma vez que decorreram os mesmos 5 anos, também estes se encontram prescritos. 35. Tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular. 36. Extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia. 37. Pelo que o acórdão recorrido, viola o disposto no artigo 17º, 32º, 1ª parte, 43.º, nº2 , 44ºe 70º todos da LULL, assim como viola o principio geral da boa fé, o artigo 91º do CIRE e o artigo 310º do CC e deverá ser revogado, 38. Devendo ser proferido acórdão que declare a prescrição do crédito do exequente e em consequência, determine a procedência dos embargos de executados deduzidos, devendo ser determinada a extinção da execução. 39. Pelo que, revogando-se o acórdão recorrido e considerando-se procedentes os embargos de executado deduzidos, Se fará a Costumada JUSTIÇA!»
Contra-alegou a Exequente, concluindo o seguinte: «1. A Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebrou, a 03 de novembro de 2000, o contrato de abertura de crédito com a sociedade L..., Lda., destinado a apoio de tesouraria. 2. Para garantia do cumprimento do contrato celebrado, foi dada a subscrever à sociedade L..., Lda. uma livrança em branco, devidamente avalisada. 3. O contrato foi sofrendo alterações ao longo do tempo, esta última em 19 de agosto de 2009, mediante a qual foi subscrita livrança em branco pela sociedade L..., Lda. e avalisada pela Recorrente AA que, com o aval prestado, garantiu o cumprimento da obrigação da sociedade com o seu património pessoal. 4. A sociedade L..., Lda. foi declarada insolvente em 10/08/2012, no âmbito do processo n.º 962/12...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., ... juízo, motivo pelo qual não se move esta ação executiva contra a mesma. 5. Na sequência da declaração de insolvência a Caixa Geral de Depósitos, S.A. reclamou os seus créditos no âmbito do processo n.º 962/12...., nomeadamente a operação n.º ...92, garantida pela livrança aqui dada à execução, entre outras. 6. Com vista à satisfação do crédito proveniente da operação n.º ...92, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou a competente ação executiva contra a avalista AA, porquanto a mesma é solidariamente responsável pelo cumprimento da obrigação, na medida em que prestou o seu aval. 7. Inconformada com a Ação executiva que contra si foi instaurada, a Executada apresentou a sua petição de embargos de executado tendo alegado, em suma e entre outros argumentos, a prescrição do crédito exequendo. 8. Uma vez que entende que, quando a Caixa Geral de Depósitos preencheu a livrança exequenda, já haviam transatos 5 anos após o vencimento da obrigação e que, sendo o prazo de prescrição de 5 anos, de acordo com o artigo 310º do Código civil, o crédito encontrar-se-ia prescrito. 9. A Caixa Geral de Depósitos apresentou a sua defesa, tendo demonstrado que preencheu a livrança quando considerou totalmente vencida a obrigação garantida pela mesma, quando tal se mostrou necessário com vista à recuperação do crédito, com a data de vencimento e o valor em dívida por conta da operação executada a essa data, 10. Em pleno cumprimento do pacto de preenchimento que havia sido celebrado entre as partes, o que a Caixa Geral de Depósitos respeitou escrupulosamente. 11. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal “a quo” proferiu Decisão incorreta sobre a matéria de direito, tendo feito errada aplicação das normas de Direito ao caso em apreço, pelo que não podia, de forma alguma, a Caixa Geral de Depósitos conformar-se com a Decisão, tendo apresentado o seu Recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, aqui objeto de Recurso. 12. Veio o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra conceder razão à Caixa Geral de Depósitos, S.A., decidindo pela improcedência dos Embargos de Executado e determinando o prosseguimento dos autos para recuperação do montante em dívida. 13. Ora, insatisfeita com a Decisão contra si proferida, veio a Recorrente apresentar Recurso da mesma alegando, em suma, o vencimento imediato e automático da obrigação, a prescrição da obrigação cambiária e a prescrição do crédito exequendo quanto a si. 14. Veio a Recorrente, no Recurso por si apresentado, defender que a dívida em questão nos autos se venceu no momento da declaração de insolvência da sociedade subscritora da Livrança nos presentes autos acionada, o que ocorreu em 2012, socorrendo-se do disposto no artigo 91º do CIRE aplicando, à letra, o estatuído no normativo aí previsto, considerando que o mesmo a aproveita. 15. Ora, efetivamente a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança acionada nos autos determinou o vencimento imediato e automático das obrigações relativamente ao insolvente, mas só quanto a si! 16. O arguido pela Recorrente carece, em larga medida, de sentido jurídico, pois da leitura e interpretação conjunta do disposto nos artigos 780º e 782º do CC conclui-se que a perda do benefício do prazo, pode ocorrer em situações de insolvência do devedor, se por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias de satisfação do crédito, ou se não forem prestadas as garantias prometidas, sendo que do artigo 782º resulta que a perda do benefício do prazo não aproveita nem se estende os co-obrigados do devedor nem a terceiro que, a favor do crédito, tenha prestado qualquer garantia. 17. Quando a este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 15/01/2019, no âmbito do processo n.º 2757/15.5T8VIS-A.C1 (cujo Relator foi Maria João Areias) o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 04/11/2021, no âmbito do processo n.º 9509/15.0T8ALM-A.L1-6 e ainda Supremo Tribunal de Justiça ao afirmar, em Acórdão datado a 18/01/2018, proferido no âmbito do processo n.º 123/14.9TBSJM-A.P1.S2, cujo Relator foi Henrique Araújo, 18. Cujo entendimento é unânime relativamente ao não aproveitamento do vencimento antecipado da obrigação aos co-obrigados da obrigação, isto é, terceiros que tenham prestado qualquer garantia do cumprimento da mesma. 19. Ora, a Recorrente podia, querendo, ter considerado vencida a obrigação relativamente à co-obrigada AA. Contudo, a Caixa Geral de Depósitos não estava obrigada a considerar vencida a obrigação, com a consequente perda do benefício do prazo relativamente à co-obrigada / avalista, ou a preencher a livrança exequenda no momento da declaração de insolvência da sociedade subscritora nem nos três anos subsequentes, sob pena de prescrição da dívida. 20. Quando a este ponto andou bem o Tribunal de 1ª Instância ao Decidir que “o portador de livrança em branco cujo subscritor tenha sido declarado insolvente, pode apor no título como data de vencimento a da declaração de insolvência deste. Mas não tem que o fazer, como não tem que ter a preocupação de o fazer estritamente nos três subsequentes anos, sob pena de ver os seus direitos prescritos”. 21. Aqui chegados se conclui que é totalmente irrelevante a data de insolvência da sociedade subscritora da livrança, porquanto o vencimento da obrigação que decorre automaticamente da declaração de insolvência, jamais se estende a terceiros que tenham constituído, quando a favor do crédito, qualquer garantia! 22. Veja-se, quando a este ponto, o Acórdão da Relação de Guimarães, proferida a 17/12/2019, no âmbito do processo n.º 409/18.3T8MDL-A.G1. 23. Dúvidas não restam de que a Caixa Geral de Depósitos não preencheu a livrança ora dada à execução quando a dívida exequenda já se encontrava prescrita, porquanto o vencimento antecipado da obrigação, na sequência da insolvência da sociedade L..., Lda, ao abrigo do artigo 91º do CIRE, não aproveita nem se estende à sua co-obrigada / avalista / Recorrida AA. 24. Desta feita andaram muito bem o Tribunal de 1ª Instância – vide ponto 14 dos factos provados - e agora igualmente o douto Tribunal da Relação de Coimbra – vide pontos 14 dos factos provados, - ao considerar como facto provado que, no âmbito do Contrato celebrado, foi estipulado um pacto de preenchimento, nos termos do qual foram acordadas as circunstâncias em que a Caixa Geral de Depósitos poderia considerar vencida a obrigação e consequentemente preencher a livrança exequenda, 25. Vem a Recorrida alegar a prescrição da obrigação cambiária face à data de vencimento aposta na livrança exequenda, porquanto considera que a data de vencimento aposta na livrança deveria ser outra que não a que verdadeiramente consta. 26. Quanto a este ponto já o Tribunal de 1ª Instância havia decidido, e bem, pela improcedência da mesma em sede de Embargos de Executado ao determinar que a livrança acionada nos presentes autos foi preenchida pela Embargada Caixa Geral de Depósitos em plena harmonia com o Pacto de Preenchimento celebrado entre as Partes. 27. Posição que o Tribunal de Relação de Coimbra veio a acompanhar, sendo que a questão relativa à prescrição da obrigação cambiária não foi, EM MOMENTO ALGUM, suscitada por nenhuma das Partes em sede de Recurso, confirmando e aceitando a Decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância quanto à mesma para não mais ser colocada em causa! 28. Assim, e quanto à prescrição da obrigação cambiária, existe dupla conforme entre os dois Tribunais - o de 1ª Instância e o Tribunal da Relação de Coimbra, - pelo que, salvo o devido respeito, que é muito, não deve esta questão ser novamente apreciada. 29. Caso assim não se entenda, não assiste razão à Recorrente uma vez que a Livrança em apreço nos autos foi preenchida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. com data de vencimento de 18 de agosto de 2020, por nessa data assim o considerar necessário, em pleno cumprimento com o estatuído no Pacto de Preenchimento. 30. Veja-se, quando a este ponto, o Acórdão proferido a 14/12/2020, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 4161/18.4T8PBL-A.C1 que determina que “Se não há violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70º (ex vi do art.º 77º), da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, coincida ou não com o incumprimento do contrato (vencimento da obrigação) subjacente (negrito e sublinhados nossos). 31. Ora, sendo a data de vencimento 18 de agosto de 2020 e não outra, porquanto foi aí que a Caixa Geral de Depósitos considerou o vencimento da obrigação – não aproveitando a Recorrente do estatuído no artigo 91º do CIRE que apenas só se aplica à sociedade insolvente - só pode improceder a alegação proferida pela Recorrente de prescrição da obrigação cambiária. 32. Vem a Recorrente alegar a prescrição do crédito exequendo, pois considera que a data de vencimento da obrigação corresponde à mesma data da declaração de insolvência da sociedade subscritora, o que já vimos não proceder por ordem e ao abrigo dos artigos 780º e 782º do Código Civil. 33. Ora, uma vez que a data de vencimento da totalidade da obrigação é a que consta aposta na livrança exequenda, isto é, 18 de agosto de 2020, nunca se poderá dizer que o crédito se encontra prescrito. 34. Veja-se, novamente, quanto a esta questão o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra a 15/01/2019, no âmbito do processo n.º 2757/15.5T8VIS-A.C1, que nos diz que “No primeiro caso a obrigação torna-se pura, podendo o credor exigi-la desde logo, mas ela não se vence enquanto o credor não interpelar o devedor, nos termos gerais” 35. Tanto o Tribunal de 1ª Instância como o Tribunal da Relação de Coimbra consideraram, e bem, como provada, a interpelação da Caixa Geral de Depósitos à Recorrida AA a informar que, face à situação de incumprimento da obrigação e nessa mesma data, foi considerada totalmente vencida a obrigação, sendo que, também nessa data, foi preenchida a livrança aqui executada por corresponder à data do vencimento da obrigação – vide ponto 15 da douta Sentença e pontos 15 e 16 do Acórdão agora em crise. 36. Sucede que, a Requerente passou a exigir à Recorrida o montante global da divida, na sequência do vencimento da globalidade da obrigação quanto a si, pelo decurso do prazo, conforme resulta das cartas de interpelação oportunamente juntas em sede de Requerimento Executivo, pelo que o prazo a aplicar não poderá ser o de 5 anos, mas sim o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º do CC. 37. Veja-se o que nos diz o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 12.06.2018 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 16/06/2017. 38. Sendo a data de vencimento da obrigação o dia 8 de Agosto de 2020, jamais se diga que existe prescrição do crédito exequendo, porquanto o prazo de 20 anos, aplicável por ordem do artigo 309º do CPC está longe de se encontrar ultrapassado, devendo assim improceder toda e qualquer alegação de prescrição do crédito cambiário. NESTES TERMOS, NOS DEMAIS DE DIREITO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. desde já se requer:
a) Que o Recurso apresentado pela Recorrente seja julgado totalmente improcedente, por não provado; b) Seja mantida a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por provada.
* Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a tratar a de saber se, diversamente do decidido, se verifica a invocada prescrição do crédito exequendo.
II Deram-se, nas instâncias, por provados os seguintes factos:
«1. Em 29-03-2021, a exequente “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” instaurou acção executiva a seguir a forma ordinária contra a executada, aqui embargante, AA para pagamento coercivo da quantia global de € 116.318,78 euros. 2. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que o título executivo é uma livrança e “nos factos”: “I – Dos Factos 1. A 03 de novembro de 2000 a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ora Exequente, celebrou com a sociedade L..., LDA. o Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente até ao limite máximo de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), destinado a apoio à tesouraria, que ora se junta como Doc. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 2. O cumprimento do contrato celebrado entre as partes ficou assegurado com a subscrição pela sociedade L..., LDA. de Livrança, a qual foi devidamente avalizada. 3. A 19 de Agosto de 2009 foi celebrada e aceite pelas Partes Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente, à qual foi atribuída a referência ...92, que ora se junta como Doc. n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 4. Nos termos da Alteração contratual celebrada, a sociedade L..., LDA. alterou o limite máximo do crédito concedido para € 50.000,00, com destinados a suportar necessidades temporárias de tesouraria, conforme resulta do Doc. n.º 2 já junto. 5. Nos termos da Alteração Contratual celebrada, e como forma de garantia do cumprimento do referido contrato, a sociedade L..., LDA., entretanto declarada insolvente no âmbito do processo n.º 962/12...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., subscreveu a Livrança com o N.º ...00, livrança ora dada à execução e que ora se junta como Doc. n.º 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 6. A Livrança ora dada à execução foi avalizada por BB, - entretanto declarado insolvente no âmbito do processo n.º 1573/14...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... – Juiz ... -, CC e DD – entretanto declarados insolventes no âmbito do processo n.º 861/14...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... – Juiz ..., e por AA, ora Executada nos presentes autos, a qual, através do aval prestado, garante o cumprimento do contrato celebrado. 7. Nos termos do artigo 88º, n.º 1 do CIRE, a declaração de insolvência obsta à instauração de qualquer ação executiva contra os insolventes, motivo pelo qual a presente ação não é movida contra a sociedade subscritora da Livrança e os avalistas entretanto declarados insolventes. 8. Face ao incumprimento do contrato celebrado e à existência de valores em dívida, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. procurou interpelar a avalista AA para pagamento do montante em dívida através de missiva datada a 18/08/2020 para a morada que Requerimento Executivo entregue por via electrónica na data e hora indicadas junto da assinatura electrónica do subscritor, aposta nos termos previstos na Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, celebrado. 9. Numa última tentativa de resolução extrajudicial, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. voltou a remeter missiva de interpelação para pagamento datada a 01/03/2021, conforme Carta que ora se junta como Doc. n.º 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, e respetivo aviso de receção, que se junta como Doc. n.º 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, à qual não obteve qualquer resposta. 10. Motivo pelo qual recorre a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. à presenteação executiva, com vista a ver satisfeito o crédito que detém proveniente do contrato celebrado. 11. Face ao supra exposto, a Executada AA é responsável, na qualidade de avalista, pela restituição à ora Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. do montante de € 110.174,06 (cento e dez mil cento e setenta e quatro euros e seis cêntimos) acrescido de juros de mora desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento, € 550,87 (quinhentos e cinquenta euros e oitenta e sete cêntimos) a titulo de imposto de selo, € 3.305,22 (três mil trezentos e cinco euros e vinte e dois cêntimos) devidos a titulo de despesas de cobrança. “. 3. A exequente, aqui embargada, apresentou, no processo principal, o original de uma livrança do seguinte teor: a) O valor de € 110.174,06 euros, referente a “PT ...92”; b) ..., como local de emissão, e 2009-08-19, como data de emissão; c) 18-08-2020, como data de vencimento; d) AA assinou como avalista da sociedade subscritora. 4. Tal livrança tinha subjacente o contrato celebrado em 3 de Novembro de 2000 e posteriormente alterado em 19 de Agosto de 2009, tendo sido a sociedade L..., LDA, quem subscreveu a referida livrança, e com o aval de DD, CC, BB e AA. 5. A sociedade L..., LDA., foi, entretanto, declarada insolvente em 2012 no âmbito do processo n.º 962/12...., que correu termos no Tribunal Judicial .... 6. O avalista BB também foi declarado insolvente no âmbito do processo n.º 1573/14...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz .... 7. A avalista CC e DD igualmente foram declarados insolventes no âmbito do processo n.º 861/14...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz .... 8. Efetivamente, entre a exequente e a Sociedade “L..., Ld.ª”, em 3 de Novembro de 2000, contrato de abertura de crédito em conta-corrente (v. Doc. n.º 2, junto com a contestação e com o requerimento executivo). 9. Como garantia do cumprimento do referido contrato ofereceu a aludida sociedade a livrança devidamente avalizada por DD, CC e BB. 10. Nos termos da Cláusula Décima Quarta do Contrato, ficou expressamente convencionada a exclusão da Novação, ou seja, foi acordado que, qualquer alteração da titulação ou da contabilização pelo então BNU do crédito ou dos respetivos juros, capitalizados ou não, constantes de acordo posterior não constituiria novação das obrigações resultantes daquele Contrato, mantendo-se sempre válidas as garantias prestadas. 11. Em 19 de Agosto de 2009 foi celebrada e aceite pelas Partes uma Alteração ao referido contrato de abertura de crédito em conta-corrente, à qual foi atribuída a referência ...92 (v. Doc. n.º 3, junto com a contestação e com o requerimento executivo). 12. Como garantia do cumprimento do contrato celebrado e depois alterado, subscreveu a mencionada sociedade a livrança dada à execução, avalizada por DD, CC, BB e AA. 13. Quando a livrança foi emitida, apenas a parte que diz respeito ao montante e à data de vencimento é que se encontrava por preencher – v. Cláusula I, n.º 24.1 da Alteração ao contrato supra referida. 14. No âmbito do referido contrato celebrado e alterado, foi estipulado um pacto de preenchimento nos termos do qual foi acordado: “(…) 24.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A CAIXA poderá inserir cláusula "sem protesto" e definir o local de pagamento. (…) 24.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias. (…)”. 15. A exequente enviou carta à avalista, aqui embargante, datada de 18-08-2020, comunicando-lhe que se encontram vencidas e não pagas as responsabilidades emergentes do contrato ...92, em que é mutuária “L..., Ldª” e que considera nessa data (18-08-2020) vencida a totalidade do crédito, tendo sido fixado para o dia 18 de Agosto de 2020, o vencimento da livrança, que preenchemos pelo valor de € 110.174,06 euros - v. documentos 4 e 5, juntos com o requerimento executivo). 16. A exequente voltou a remeter missiva de interpelação para pagamento datada a 01/03/2021 à executada, aqui embargante, e também novamente para, na qualidade de avalista, em 5 dias, proceder ao pagamento do valor em dívida de € 110.174,06 euros - v. documentos 6 e 7, juntos com o requerimento executivo.»
III No acórdão recorrido, exarou-se, quanto à matéria de direito, além do mais, o seguinte: «O despacho saneador, com valor de sentença, recorrido, perante os fundamentos da oposição à execução deduzidos pela Executada, decidiu, num primeiro momento, que os presentes embargos são julgados improcedentes por não se verificar a prescrição cambiária dos três anos, prevista no artigo 70º da LULL, mas, num segundo momento, decidiu que se encontrava prescrito o crédito subjacente àquela livrança, por se mostrar ultrapassado o prazo de 5 anos, previsto no art.º 310º, e), do C. Civil, quando a livrança foi preenchida, tendo daí concluído que a obrigação exequenda já se mostra prescrita no momento em que o processo executivo foi intentado, tendo, com esse fundamento, julgado procedentes os embargos. Esta conclusão resulta de um equívoco da decisão recorrida, uma vez que a obrigação exequenda respeita à obrigação de uma avalista perante um credor cambiário. Ora, conforme resulta do disposto no art.º 17º da LULL, não sendo a sociedade avalizada uma portadora anterior da livrança, está vedado à avalista prevalecer-se das excepções peremptórias provenientes das relações pessoais entre o credor e a avalizada no âmbito da relação subjacente à emissão da livrança, ou seja beneficiar das vicissitudes extracambiárias, como a prescrição, verificadas numa relação negocial à qual é estranha, valendo aqui o princípio geral res inter alios acta. É que o aval é uma obrigação autónoma que não se encontra dependente do que suceda nas obrigações subjacentes à subscrição da livrança, as quais não foram garantidas pela avalista. Ela apenas garantiu o pagamento da livrança e, conforme já concluiu a sentença recorrida, na parte que não foi objecto de recurso, a obrigação cambiária não se mostra prescrita. Não podendo a eventual prescrição do direito de crédito, que tem por fonte a relação subjacente à emissão da livrança, determinar a prescrição do crédito cambiário exequendo, o qual, a própria sentença recorrida considerou não se encontrar prescrito, deve o recurso ser julgado procedente quanto a esta questão.»
O objecto da análise feita pelo Tribunal a quo emergiu de um recurso interposto pela Exequente, face à segunda parte do saneador-sentença, que concluiu o seguinte: «Deste modo, visto que a execução foi instaurada em 29-03-2021, o prazo prescricional de 5 anos já tinha sido atingido em 2017 (a insolvência da mutuária e subscritora da livrança ocorreu em 2012), pelo que se conclui que a obrigação exequenda já se mostra prescrita no momento em que o processo executivo foi intentado (em março de 2021).»
Na primeira parte desse saneador-sentença, depois de se citar o art. 70º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças (LULL), no qual se dispõe que todas as acções contra o aceitante relativas a letras [ou livranças, ex vi do art. 77º] prescrevem em três anos a contar do seu vencimento, ponderou-se em que: «No caso em análise, a livrança em causa venceu-se em 18 de agosto de 2020 e, inexistindo causas de suspensão ou interrupção, a prescrição ocorreria decorridos três anos após essa data, ou seja, no dia 18 de agosto de 2023. No entanto, tendo presente que a exequente instaurou a execução principal em 29 de março de 2021, pelo que nessa data (data da instauração da execução principal) ainda não tinha decorrido o período temporal dos 3 anos. A embargante veio ainda invocar que a livrança foi preenchida 11 anos depois da prestação do aval e 9 anos da declaração de insolvência da subscritora, o que ocorreu em 2012. Por isso, a dívida nunca se poderia vencer em data posterior à declaração de insolvência da subscritora da livrança, que ocorreu em 2012. Apreciando. De acordo com os factos provados, foi estipulado um pacto de preenchimento nos termos do qual foi estipulado: “(…) 24.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;”. A embargante assinou em 19 de Agosto de 2009 o contrato de alteração ao contrato de abertura de crédito em conta-corrente e respetivo pacto de preenchimento, assim como a livrança dada à execução, como avalista. Ora, estando em causa a responsabilidade da avalista da subscritora, como é o caso presente, o pacto de preenchimento da livrança terá de ter sido outorgado também pela mesma, como efetivamente sucedeu. O que o credor cambiário tem de fazer no preenchimento do vencimento da livrança em branco é respeitar, no que se reporta à exigibilidade da obrigação cambiária, o pactuado com o devedor aquando da respetiva emissão. Ou seja, o portador de livrança em branco cujo subscritor tenha sido declarado insolvente, pode apor no título como data de vencimento a da declaração de insolvência deste. Mas não tem que o fazer, como não tem que ter a preocupação de o fazer estritamente nos três subsequentes anos, sob pena de ver os seus direitos prescritos, até porque a circunstância de entretanto reclamar o seu crédito no processo de insolvência não o impede de posteriormente o vir a reclamar com o recurso à livrança, desde que não venha posteriormente a receber mais do que aquilo a que tem direito. Deste modo, verificando-se que do pacto consta que “A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança”, o preenchimento da livrança pode ocorrer, verificado o incumprimento, quando a exequente/credora assim o decidir, sem ter um prazo específico para esse efeito. De acordo com a jurisprudência maioritária, o início de contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70.º, n.º 1 da LULL (aplicável às livranças ex vi art.º 77.º da mesma) afere-se em função da data de vencimento inscrita na livrança, como reiteradamente tem sido afirmado pelo STJ. Pelo exposto, os presentes embargos são julgados improcedentes por não se verificar a prescrição cambiária dos três anos, prevista no art.º 70.º da LULL.»
Considerar-se-ia, porém, na segunda parte do saneador-sentença, que: «(…) a norma do art.º 91º do CIRE é a de antecipar, sem necessidade de interpelação, o vencimento das obrigações que apenas se vencessem em data posterior à da declaração de insolvência, estando em causa solução paralela à do art 780.º do Código Civil, referente à da perda do benefício do prazo, quando este seja estabelecido a favor do devedor e este se torne insolvente. O que se pretende, num e noutro dos casos, é evitar que o credor, por ter que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, venha a não conseguir a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor. Vencendo-se com a declaração de insolvência todas as obrigações do devedor (exceto as sujeitas a condição suspensiva), todas elas se tornam exigíveis em sentido forte, ou seja, sem necessidade de interpelação. E uma vez que a mutuária e subscritora da livrança foi declarada insolvente em 2012, a dívida em causa está automaticamente vencida na sua totalidade desde essa data (2012), pelo que no momento em que a execução foi instaurada, em 2021, e mesmo na data em que a 1.ª carta de interpelação foi enviada à avalista, em 2020, já tinham decorrido os 5 anos previstos na al. e) do art.º 310.º do Código Civil. Ou seja, quando a exequente veio cobrar judicialmente o montante do capital e acréscimos, encontrava-se já essa obrigação prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos previsto no artº. 310, alínea e), do Código Civil.»
Ora, tendo sido a Exequente a interpor recurso, o seu interesse incidia na apreciação da segunda parte da sentença, pois na primeira parte foi negada razão à Embargante, ao considerar-se que não se verificava a prescrição cambiária. Não se vê que a Embargante tenha alargado o objecto do recurso da apelação, de modo a questionar o decidido naquela primeira parte. Não estamos, em rigor, perante uma questão de dupla conforme, mas de caso julgado quanto a esse aspecto, tendo o Tribunal da Relação entendido que, face aos termos do recurso, apenas tinha de “apreciar se a obrigação assumida pela Executada como avalista da livrança apresentada à execução se encontra prescrita”, já não se discutindo, por exemplo, o problema de saber se a Exequente estava obrigada a apor a data de vencimento na livrança coincidente com a da declaração da insolvência, pois a 1ª Instância entendeu que, podendo a Exequente apor no título como data de vencimento a da declaração de insolvência, não tinha de o fazer, nem estava impedida de vir a reclamar o seu crédito com o recurso à livrança, sem prejuízo de não receber mais do que aquilo a que tenha direito (o mesmo é dizer, podendo reclamar aquilo que não esteja já pago). E mais considerou a 1ª Instância que, constando do pacto de preenchimento que “A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança”, o preenchimento da livrança poderia ocorrer, verificado o incumprimento, quando a exequente/credora assim o decidisse, sem ter um prazo específico para esse efeito, e o início de contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70.º, n.º 1 da LULL (aplicável às livranças ex vi art.º 77.º da mesma) afere-se em função da data de vencimento inscrita na livrança. Ou seja, de acordo com o entendimento vertido na primeira parte da decisão da 1ª Instância, a CGD não estava obrigada a preencher a livrança com uma data de vencimento coincidente com a da declaração da insolvência, permitindo o pacto de preenchimento a aposição da data que veio a colocar e, contando-se o prazo de três anos a partir de tal data, seria de concluir que execução foi instaurada dentro desse limite temporal. Sucede que, na segunda parte da sentença, embora sob o ponto de vista da prescrição do crédito subjacente à livrança, acabou por entender-se que a execução foi instaurada tardiamente, decisão que seria revogada pelo acórdão recorrido.
Vejamos. Foi dada à execução uma livrança, como título executivo, subscrita pela sociedade “L..., Lda.” e avalizada, entre outros, pela Executada. A livrança foi emitida em 19-08-2009 e tinha subjacente um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, celebrado, entre a Exequente e a Sociedade “L..., Ld.ª, em 3 de Novembro de 2000 e posteriormente alterado em 19 de Agosto de 2009. Quando a livrança foi emitida, apenas a parte que diz respeito ao montante e à data de vencimento se encontrava por preencher. No âmbito do referido contrato, foi estabelecido um pacto de preenchimento, convencionando-se, além do mais, que a Caixa ficava autorizada a preencher a livrança quando tal se mostrasse necessário, a juízo da própria Caixa, e a data de vencimento seria fixada por ela quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, decidisse preencher a livrança (cf. ponto 14 dos factos provados). A sociedade L..., LDA. foi, entretanto, declarada insolvente, em 2012. Defende a Recorrente que, sendo um dos efeitos da declaração de insolvência o vencimento antecipado das obrigações, nos termos do artigo 91º do CIRE, determina o artigo 43º da LULL que o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de acção contra os obrigados cambiários, a partir da declaração de insolvência do devedor da obrigação garantida, e o artigo 44º da LULL prevê que a apresentação da sentença de declaração de “falência” é suficiente para que o portador da livrança possa exercer o seu direito de acção. Assim, entende que a partir dessa data se conta o prazo de prescrição de 3 anos previsto no art. 70º da LULL e que a data de vencimento não poderia ser a aposta na livrança, ou seja, a de 18-08-2020, mas, antes, a da declaração de insolvência da mutuária, subscritora da livrança. Ora, foi definido pela 1ª Instância, conforme se referiu, que a CGD não estava obrigada a preencher a livrança com data de vencimento coincidente com a insolvência e que o prazo de três anos só começaria a contar desde o preenchimento, para o qual não havia prazo. O art. 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), aplicável à livrança, ex vi do art. 77º da mesma Lei, prevê a possibilidade de emissão de livrança em branco, a ser preenchida de acordo com um pacto (pacto de preenchimento), expresso ou tácito. Conforme se exarou no Ac. do STJ de 19-06-2019, Rel. Bernardo Domingos, Proc. nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, trata-se de prática usual da banca o recurso a uma livrança em branco, com pacto de preenchimento, subscrita pela sociedade creditada e avalizada, normalmente, pelos sócios desta, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas. Igualmente se considera neste aresto que: «(…) no que respeita ao pacto de preenchimento e sua eventual desconformidade (preenchimento abusivo), releva, desde já, referir que, conforme é hoje posição pacífica da jurisprudência, encontrando-se o título nas relações imediatas (sem entrar em circulação) e tendo o mesmo avalista outorgado no pacto de preenchimento (configurando-se, assim , uma relação tripartida, entre o portador, o subscritor/aceitante e o avalista) (…), ao avalista é reconhecida legitimidade para efeitos de arguição da excepção de preenchimento abusivo, ainda que lhe caiba, naturalmente, em conformidade com a regra geral prevista nos artigos 342º, n.º 2 e 378º, do Cód. Civil, a alegação e prova dos factos concretos que fundamentam esta excepção material contra o portador do título.»
Verificando-se, também nesse caso, uma situação de insolvência, estabeleceu-se a conjugação entre o art. 91, nº1, do CIRE (segundo o qual a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva) e o que se prevê nos arts. 43º e 44º da LULL, quanto ao exercício do direito de acção por parte do portador na sequência de uma tal declaração, explicando-se que: «Quanto às normas dos artigos 43º e 44º da LULL, o seu propósito é evidente: - permitir ao credor, confrontado com a insolvência do devedor ou com esse risco iminente, declarar vencida e exigível a dívida que, em circunstâncias normais, não estaria ainda em condições de ser exigida, por não se mostrar vencida; De facto, se o credor tivesse que aguardar o decurso do prazo de vencimento da obrigação, correria o risco de, vencida a dívida no devido tempo, não lograr a satisfação do seu crédito por falta de bens no património do devedor. Trata-se da consagração no domínio do direito cambiário do mesmo princípio que se mostra consagrado no domínio da responsabilidade contratual no artigo 780º, do Cód. Civil (perda do benefício do prazo). Por seu turno, o artigo 91º, n.º 1, do CIRE […], tem subjacente, não só as mesmas razões, mas, ainda, persegue um outro objectivo, qual seja o de permitir ao credor do devedor insolvente reclamar no próprio processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que, como é consabido, por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, que exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos no CIRE e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada (artigo 90º do CIRE).»
Referiu-se, em seguida, que o portador estaria legitimado, com a declaração da insolvência, a preencher a livrança com todos os elementos essenciais, mas observou-se que «é indiscutido que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, um limite temporal a esse preenchimento» e, ainda, que: «Perante este quadro, a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título […], tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime […], o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.»
No Ac. do STJ de 04-07-2019, Rel. Maria da Graça Trigo, Proc. nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, em www.dgsi.pt, exarou-se o seguinte: «II. A questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.»
No Ac. do STJ de 06-09-2022, Rel. José Raínho, Proc. 3940/20.7T8STB-A.E1.S1, em www.dgsi.pt, considerou-se que: «I - A LULL não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, tão pouco o fazendo qualquer outro dispositivo legal. Será normalmente o acordo de preenchimento subjacente à emissão da livrança em branco que define os termos do preenchimento. II - Nada tendo sido estabelecido diversamente em sede de acordo de preenchimento, é direito potestativo do portador preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento da subscritora. III – Ainda que em ambas as situações releve o decurso do tempo, não há que confundir entre prescrição da obrigação cartular e exercício abusivo, na modalidade da chamada supressio, do direito ao preenchimento da livrança em branco. IV – Mostrando-se que entre a data de vencimento aposta na livrança e o exercício do crédito cartular contra o avalista da subscritora não passaram mais de três anos, é quanto basta para se concluir pela improcedência da prescrição estabelecida no art. 70.º da LULL.»
No Ac. do STJ de 10-11-2022, Rel. Ferreira Lopes (e subscrito pelo ora relator como 2ª adjunto), Proc. 250/21.6T8OER-A.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, concluiu-se que (com destaque nosso): «I - A declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art. 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente ou fundamental; II - Não se segue daqui que a declaração de insolvência constitua o termo inicial da prescrição de livrança emitida pro solvendo, que é de 3 anos, nos termos do art.70º da LULL; III - Não tendo sido acordado diversamente, é direito potestativo do portador preencher a livrança com qualquer data posterior ao vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando o vencimento decorre da insolvência da subscritora; IV - E daí que o prazo de prescrição só comece a correr a partir do dia do vencimento aposto por quem devia preenchê-la; V - Não é abusivo o comportamento do portador que completa o preenchimento da livrança apondo-lhe como data de vencimento 24.07.2019, cerca de cinco anos e meio posterior ao da insolvência da subscritora do título cambiário.»
Na fundamentação deste acórdão, considerou-se (com destaque nosso a negrito): «É verdade que nos termos do nº1 do art. 91º do CIRE “a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.” Através deste preceito, as obrigações que se vencessem em data posterior à declaração de insolvência veem esse vencimento antecipado e sem necessidade de interpelação. Permite-se ao credor do insolvente reclamar no processo de insolvência o seu crédito ainda não vencido, sendo certo que por força do princípio da par conditio creditorum, os credores da insolvência terão, forçosamente, que exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos no CIRE. A obrigação que se venceu com a declaração de insolvência da sociedade A... é a que emerge da relação subjacente – o contrato de abertura de crédito – celebrado com o credor CGD. Sucede que o que aqui está em causa é uma obrigação cambiária resultante da emissão das livranças, subscritas pela insolvente e avalizadas pelos Embargantes. Com efeito, pela aposição do aval nas livranças que fundamentam a presente execução, os Embargantes assumiram a obrigação de pagar a quantia nela titulada, sendo responsáveis por tal pagamento nos mesmos termos que a pessoa por eles afiançada (o subscritor da livrança) – art. 32º da LULL. Constitui entendimento pacífico que, em regra, a emissão de uma letra ou livrança não importa novação, consubstanciando uma “datio pro solvendo” (art. 840º do CCivil), ficando a existir, para além da relação subjacente, uma relação jurídica cambiária destinada a tornar mais segura a satisfação dos interesses do credor. Os subscritores e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram (arts. 47º e 77º da LU). Segundo o art. 30º da LU, o pagamento de uma livrança pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts. 7º e 32º da LU).»
Ademais, conforme refere a Recorrida, a perda do benefício do prazo, pode, de acordo com o disposto no art. 780º do C. Civil, ocorrer numa situação de insolvência do devedor, mas não se estende aos co-obrigados nem a terceiro que a favor do crédito tenham constituído garantia (a propósito, veja-se Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pp. 55-56).
Não se pode olvidar que a execução foi instaurada contra a Embargante por ter avalizado a livrança dada aos autos como título executivo, sendo o dador do aval responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (art. 32º da LULL). A Recorrente não demonstra que tenha havido um preenchimento abusivo da livrança por parte da Exequente, contra o que fora convencionado no pacto de preenchimento. Ficou acordado que a data de vencimento seria fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decidisse preencher a livrança. Defende a Recorrente que é contrária à ratio legis e violadora do princípio do boa fé a conclusão de que o exequente pode preencher a livrança apenas porque é seu portador, quando assim o entender, com susceptibilidade de não haver prescrição, tornando-se um direito vitalício. Ora, importa ter em atenção o que as partes acordaram, deixando nas mãos da Recorrida, perante o incumprimento, a decisão de preencher a livrança, bem como o facto de a lei não fixar qualquer prazo para o preenchimento da livrança com vencimento em branco. Não se configura, por isso, uma conduta abusiva, tal como se entendeu nos citados Acórdãos do STJ de 06-09-2022 e de 10-11-2022, fazendo este último menção a jurisprudência nesse sentido, como é o caso do Ac. do STJ de 19-10-2017, Rel. Rosa Tching, Proc. 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, no qual se considerou que: «VI. O preenchimento de uma livrança, entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de doze anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de sete anos sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da ação executiva contra a avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil, na modalidade de “venire contra factum proprium”.»
Tendo a Exequente preenchido a livrança de acordo com o pacto de preenchimento, apondo-lhe a data de vencimento referida (18-08-2020), que, pelas razões expostas, não tinha de ser a data da declaração da insolvência, há que concluir que, tendo a execução, assente na dita livrança, sido intentada dentro dos três anos subsequentes à data do vencimento, foi-o em tempo, não se verificando a invocada prescrição, tal como se decidiu no acórdão recorrido, não havendo que convocar aqui o disposto no art. 310º, als. d) e e) do C. Civil. No acórdão impugnado, apreciou-se ainda, ao abrigo do disposto no art.º 665º, n.º 2, do C. P. Civil, a questão que fora suscitada nos embargos deduzidos pela Executada e que ficara prejudicada pela solução encontrada na sentença recorrida, relativa ao montante da livrança, nos seguintes termos: «Refere a Executada, nos embargos, que no contrato de financiamento a sua responsabilidade ficou limitada a €50.000,00, pelo que não se justifica que nesta execução o Exequente peticione o pagamento de €116.318,78. Reafirma-se que na presente execução apenas se reclama o pagamento de um crédito cambiário traduzido na livrança apresentada como título executivo. No contrato de mútuo, com o limite máximo de € 50.000,00, onde se clausulou a emissão desta livrança então em branco, pactuou-se que, relativamente ao preenchimento do montante da mesma o seguinte: a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança. Foi essa a livrança que a Embargante avalizou. Contrariamente ao afirmado pela Embargante a importância da livrança a preencher, em caso de incumprimento do contrato de mútuo, não estava limitado a €50.000,00, correspondendo este valor apenas ao limite máximo do capital mutuado. Podendo a importância a incluir na livrança abranger além do capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, não estava a Exequente impedida de preencher o montante da livrança com um valor superior a €50.000,00. Na contestação aos embargos foi esta precisamente a explicação dada pela Exequente, a qual referiu que, o valor de € 110.174,06€ por si inscrito na livrança, respeitava a 49.903,03 € de capital, 60.837,52 € de juros remuneratórios, 550,87 € de imposto de selo, e 3.305,22 €, a título de despesas de cobrança. Não se mostrando que o crédito cambiário avalizado tivesse um limite máximo de 50.000,00 €, também não procede este fundamento dos embargos, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada, julgando-se os embargos improcedentes e determinando-se o prosseguimento da execução.»
A Recorrente não se pronunciou sobre esta questão, não havendo, por isso, que abordá-la aqui.
Improcede a revista.
*
Sumário (da responsabilidade do relator) I - A lei não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, importando ter em conta, nessa matéria, o que se tenha acordado no pacto de preenchimento subjacente à respectiva emissão. II. A declaração de insolvência da subscritora da livrança determina, nos termos do nº1 do art. 91º do CIRE, o imediato vencimento da obrigação que emergia da relação subjacente, mas daí não se retira que tal declaração constitua o termo inicial do prazo de prescrição da livrança (3 anos, nos termos do art.70º da LULL). III. Tendo ficado acordado que a data de vencimento seria fixada pela credora quando, em caso de incumprimento pela cliente das obrigações assumidas, decidisse preencher a livrança, não há que tomar como ponto de partida a data de declaração de insolvência da devedora, subscritora da livrança, para aferir da existência de prescrição relativamente à instauração de execução contra o avalista, mas a data de vencimento aposta pela credora nessa livrança.
IV Pelo que se deixou exposto, nega-se provimento à revista.
- Custas pela Recorrente. * Lisboa, 30-03-2023
Tibério Nunes da Silva (Relator)
Nuno Ataíde das Neves
Sousa Pinto |