Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1161/20.8PBSNT.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
TENTATIVA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Nos termos do art. 71.º, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele;
II - No concurso de crimes a pena única será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, de acordo com os critérios gerais de medida da pena contidos nos arts. 40.º, 71.º, n.º 1 e 77.º, do CP, como resulta do n.º 1, desta última disposição legal;
III - Tendo presentes as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude do facto (muito elevado), o modo de execução dos crimes (em co-autoria e invasão da casa da vítima), a gravidade das suas consequências e a culpa do arguido, impõe-se concluir que a pena concretamente aplicada de 15 anos e 4 meses de prisão não é excessiva e teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos (a vida) e as consequências efectivas resultantes da sua actividade criminosa (a morte).
IV - No seu recurso, o que recorrente faz é a impugnação à fixação da matéria de facto, discutindo a apreciação que a Relação efectuou sobre os factos e que, no seu entender foi errada. É irrelevante o facto de o recorrente não concordar com a avaliação feita pela Relação das provas que a convenceram (explicadas na motivação), nomeadamente, quanto à factualidade apurada.
V - Atendendo aos poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º, do CPP, o erro notório tem de resultar do próprio acórdão recorrido, sendo certo que a violação do princípio in dubio pro reo pode ser tratada como erro notório na apreciação da prova – art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP –, mas, para o efeito, é necessário que se verifique que, do texto da decisão decorra que o tribunal na dúvida decidiu contra o arguido.
VI - Tendo presente a ação concreta, nada há a apontar à decisão recorrida, porquanto se tem como muito elevado o grau de ilicitude na prática dos factos e da culpa com que agiu o arguido que, actuando em grupo familiar e com comunhão de esforços e intenções, não foi capaz de conter o seu comportamento de modo ajustado e socialmente aceite, sendo de elevada gravidade as consequências da sua conduta, vistas as lesões sofridas pela vítima que lhe causaram a morte.
Decisão Texto Integral:


Recurso Penal

Processo: 1161/20.8PBSNT.L1.S1

5ª Secção Criminal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. AA (doravante AA) e BB (doravante BB) interpuseram o presente recurso penal do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, doravante TRL, de 12/01/2023 que, concedendo provimento parcial aos recursos por eles interpostos, decidiu nos seguintes termos:

“(…) revogar o acórdão recorrido na parte relativa à medida das penas parcelares aplicadas aos Recorrentes relativamente ao crime de homicídio qualificado em que foram condenados e à medida da pena única dos cúmulos aplicada, condenando-se os mesmos, em substituição, nos seguintes termos:

- O arguido AA (CC) pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

Em concurso efetivo com a prática de um crime de detenção de arma proibida, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2º, n.º 1, als. p) e s), 2º, n.º 3, al. p), 3º, n.º 6, e 8º, n.º 2, al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, pela Lei n.º 50/2013, de 24 de julho, e pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, em cúmulo jurídico, na pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

(…)

- O arguido BB (DD) pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

Em concurso efetivo com a prática de um crime de detenção de arma proibida, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2º, n.º 1, als. p) e s), 2º, n.º 3, al. p), 3º, n.º 6, e 8º, n.º 2, al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, pela Lei n.º 50/2013, de 24 de julho, e pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, em cúmulo jurídico, na pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.”.

2. O Recorrente AA cingiu o objecto do seu recurso à medida concreta da pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, que lhe foi aplicada pela prática de um  crime de homicídio qualificado, p.e p. pelos arts.ºs 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2 al. h), do Código Penal (CP), em concurso efetivo com a prática de um crime de detenção de arma proibida, em co-autoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2º, n.º 1, als. p) e s), 2º, n.º 3, al. p), 3º, n.º 6, e 8º, n.º 2, al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e apresentou alegações com as conclusões seguintes:

1. Vem o Arguido/ Recorrente AA, interpor o presente recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que julgou a Acusação Pública procedente por provada e, consequentemente decidiu:

“Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, de:

Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2 al. h) do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;

Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 al. c), com referência aos arts. 2º, n.º 1 als. p) e s), 2º, n.º 3 al. p), 3º, n.º 6 e 8º, n.º 2 al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, pela Lei n.º 50/2013, de 24 de julho, e pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em 8.1.) e 8.2.), nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Absolver o arguido do demais que lhe vinha imputado.”

4. Certo é que, no seu entendimento, e salvo melhor entendimento por opinião diversa, o Arguido/Recorrente não se conforma com a medida da pena aplicada por violação de princípios e direitos fundamentais consagradas na Constituição da República Portuguesa e no Código de Processo Penal no que concerne a valoração dos critérios

de fixação da pena.

5. Por conseguinte, o presente recurso interposto pelo Arguido/Recorrente tem como finalidade a revogação da decisão recorrida no que concerne a medida da pena, porquanto quer a Sentença condenatória proferida em 1ª Instância, como aquela proferida pelo Tribunal a quo e do qual agora se recorre, configura-se desajustada em face dos elementos que se deviam ter sido tomados em conta.

6. O tribunal a quo, não avaliou devidamente a personalidade do agente, as suas condições socioeconómicas, bem como a sua contribuição e cooperação aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, o que se impunha.

7. Uma vez que tais circunstâncias, que diminuem de forma acentuada a culpa do agente, deveriam ter determinado a atenuação especial da pena.

8. Importa ter em consideração diversas passagens referentes ao relatório social do Arguido/Recorrente, no que concerne a sua personalidade e condicionalismos, visto tratar-se de um critério ponderante na fixação da pena aplicada.

Ora vejamos,

O arguido AA, natural de ..., é o quarto de uma fratria de quatro elementos. “

“Contudo, e na sequência de um período de instabilidade familiar, o arguido abandonou a casa de família, tendo construído o seu próprio alojamento.”

“O arguido AA começou a trabalhar na construção civil, sem vínculo laboral. Posteriormente, trabalhou como padeiro, soldador e na agricultura.”

“Aos 40 anos de idade o agregado familiar do arguido beneficiou de um programa de realojamento, passando, desde então, a residir numa habitação camarária, localizada em ...

No período que antecedeu a sua atual reclusão, o arguido AA encontrava-se a residir com a companheira, EE, e com dois filhos, FF e GG, num apartamento arrendado de tipologia T2, por um valor inferior a € 300 mensais, localizado na zona de ....”

“No plano laboral o arguido dedicava-se à área da construção civil há cerca de três anos, detendo um negócio próprio, com três trabalhadores a cargo, do qual obtinha proveitos satisfatórios. “

“Em meio livre o arguido AA pretende regressar para junto do agregado familiar, que se encontra a residir na zona do ..., e retomar a atividade desenvolvida na área da construção civil.”

“Continua a usufruir do apoio da família, nomeadamente da sua companheira, desempregada, auferindo o R.S.I..”

“Em meio prisional o arguido tem mantido um comportamento de acordo com as regras sociais, não se encontrando integrado nas atividades desenvolvidas no Estabelecimento Prisional ....

O arguido AA não tem antecedentes criminais registados.”

9. Atendendo à informação supraexposta, coloca-se em questão se será benéfico para o arguido, atendendo de igual modo as suas condições socioeconómicas e a sua idade aquando do término do período de reclusão em face da sua esperança média de vida, a aplicação de uma pena de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

10. Salvo melhor entendimento, somente uma resposta negativa se configura à questão acima exposta, porque as medidas que embora determinem a perda da liberdade, importam sempre uma determinação da condução de vida dos delinquentes, para que sejam alcançados os efeitos quanto á prognose social.

11. Concretamente ao abrigo do disposto no artigo 71º do Código Penal, a culpa do agente deverá ser ponderada atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra o arguido.

12. Pelo que o douto Tribunal valorizou excessivamente a intervenção do arguido, não tendo ponderado devidamente as suas condições pessoais de vida, o facto de o arguido se encontrar social, económica, familiarmente inserido e não ter antecedentes criminais.

13. Note-se que como para as agravantes se exige “um quid plus” que exceda a normalidade criminal, também para as atenuantes se exige “um quid minus” que se verifique abaixo do normal homem médio sendo certo que “a normalidade social exigível pelo Direito” é, necessariamente a ausência de antecedentes criminais e o bom comportamento anterior”, daí que, para que se dê especial relevância a esta atenuante se tenha de considerar provado que o agente teve, antes da sua criminosa atuação, um comportamento acentuadamente melhor do que a normalidade dos indivíduos em iguais condições de vida, idade, profissão e cultura, colocados em condições idênticas de agir criminalmente”. – Ac. do STJ 93.11.04, proc. n.º 45671, de 84.07.04, BMJ n.º 399, pág. 223, de 93.02.11.

14. Pelos motivos acima expostos, deverá a pena aplicada ao Arguido/Recorrente ser substancialmente reduzida.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão recorrida ser revogada, nos moldes acima mencionados, reduzido a pena aplicada ao Arguido/Recorrente, por um período mais próximo do mínimo, por se considerar que a mesma, ponderada todas as atenuantes, é excessiva e desproporcionada, em consequência, determine o cumprimento do disposto no artigo 414º do Código de Processo Penal, seguindo-se os ulteriores e legais trâmites previstos no referido Código do Processo Penal, com o que se fará serena, sã e objetiva

JUSTIÇA.” – sublinhado no original.

Por sua vez o Recorrente BB apresentou alegações com as conclusões seguintes:

1-O processo penal exige que toda a prova deva ser produzida em audiência de julgamento com observância do elementar princípio do contraditório, ora, da leitura atenta do Acordão de que se recorre, resulta à evidência que tribunal “a quo”, tal qual o tinha feito a 1ª. Instância, apenas e tão só fez valer como credível/aceitável meio de prova, as declarações para memória futura prestadas pela testemunha HH (reproduzidas em audiência de julgamento) e, não omitindo, o relatório da autópsia médico-legal, bem como, a “mui” vaga “... regras da vida e da experiência comum.”.~

2-Pese embora decorrido os actos processuais de audição em sede de julgamento das declarações para memória futura e posterior (re)inquirição da mencionada testemunha, tais declarações para memória futura estão totalmente feridas na sua legalidade e, por tal devem ser consideradas nulas, é que, de modo algum, à data estavam preenchidos os pressupostos/requisitos legais para a referida audição nos termos em que foi promovida, veja-se pois, que da leitura atenta do preceituado no Artº. 271 do C.P.P., resulta que a necessidade de tais declarações apenas se justificam em casos muito excepcionais não consentindo aplicação analógica, ora, são três os fundamentos ou requisitos da tomada de declarações para memória futura, doença grave que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento, deslocação para o estrangeiro que previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento e, os ali mencionados crimes/catálogo (contra a liberdade e autodeterminação sexual e tráfico de pessoas), sendo que, nenhuma é e/ou foi a situação prévia ás declarações para memória futura ocorridas nestes autos.

Sem prescindir,

3-O aqui recorrente apenas foi constituído arguido nos presentes autos em 6 de Maio de 2021 (cfr. fls. 1972), sendo que, quando a testemunha HH foi ouvida em declarações como testemunha (09/11/2020), pese embora não verificados os pressupostos para serem admitidas tais declarações (como atrás já se aflorou), naquela data, o aqui arguido/recorrente tão pouco estava constituído como arguido, pelo que, não estava representado por Advogado, resultando pois à evidência, que naquela data/momento tais declarações não teve oportunidade de contraditar, o que, por si se entende violado o princípio base do Contraditório, principio este, que tem consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa), significando que, nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar.

4-Respeitando especificamente à produção de provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial, tudo o que, “in casu”, não estando o aqui arguido constituído como tal, nem tão pouco nessa consequência, representado por qualquer defensor, não ocorreu, e não se diga, como entende o Acordão de que se recorre, que ao ter-se procedido a uma reinquirição daquela testemunha (HH), sublinhe-se, a pedido da defesa de um outro co-arguido, tal resolveu e/ou colmatou dúvidas existentes relativamente á violação dos princípios da imediação e do contraditório, pois que, também conforme se extraí da leitura atenta do referido Acordão, além de tal depoimento em sede de audiência de julgamento não ter merecido qualquer credibilidade por parte do Tribunal da primeira instância (em violação das melhores regras existentes), nem tão pouco do Acordão que ora se recorre, estas sim deveriam ter sido valoradas em detrimento daquelas prestadas para memória futura, para mais, quando, naquelas precedentes, pasme-se ter-se-á procedido a um inaudito “reconhecimento” através da apresentação de fotografias dos então “suspeitos”, desconhecendo-se o critério utilizado em tal apresentação e, se tal foi ou não consequência do que antes já aquela testemunha tinha sido apresentado na Polícia Judiciária, etc, etc..

5-Ao contrário do raciocínio seguido pelo Acordão de que se recorre, nem o(s) reconhecimento(s) nem a(s) reconstituição de facto(s) podem ser objecto de produção antecipada de prova ao abrigo do disposto no artigo 271.º do C.P.P., para mais, quando, pasme-se, tão pouco a referida reconstituição dos factos tomada em sede de audiência de julgamento foi “mui” díspar daquela resultante das declarações para memória futura, nomeadamente, concernante à actuação do aqui recorrente BB.

6-Esta tomada de declarações para memória futura conforme dispõe o nosso Código de Processo Penal: “não prejudica a prestação do depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”, tudo o que, e conforme ocorreu nos presentes autos, é susceptível de colocar algumas melindrosas questões, quando, as mesmas são, como o foram completamente dispares.

7-Mal andou pois o Acordão de que se recorre, sufragando a primeira instância, quando esta, desde logo valorou as declarações precedentes como prova reconstrutiva dos factos, pois que, tendo a referida testemunha vindo prestar declarações em Audiência de Julgamento, as declarações anteriores, apenas poderiam valer para provocar uma explicação por parte das discrepâncias da testemunha,          ou, alternativamente, constituindo um elemento para a valoração do que foi afirmado em julgamento e só isso, pois atente-se, “in casu”, a tudo mais acresce, como atrás já se aflorou, o facto de tais declarações para memória futura terem sido prévias à constituição de arguido do aqui recorrente, e que, tal aquisição antecipada da prova deveria respeitar o princípio do contraditório, o que não ocorreu.

8-Nestes autos, a necessidade de assegurar as declarações para memória futura, colidiram frontalmente com a estrutura acusatória que subjaz ao processo penal, pois quem tão pouco se obrigou ao rigoroso cumprimento dos requisitos a que se alude no artigo 271º. do Código de Processo Penal, em suma, em face da disciplina traçada no normativo processual que sustenta tal possibilidade, as declarações para memória futura são tramitadas em ambiente com as regras de um autêntico julgamento, ora, não há julgamento sem acusação e arguido. Daí que, em face do regime vigente, não é defensável a possibilidade aceite no Acordão de que se recorre.

9-Quebrado este essencial principio da lealdade processual, sempre o Ministério Público ou qualquer órgão de polícia criminal, poderiam facilmente cair na tentação de omitir a constituição de arguido, retardando-a com o único propósito ou objectivo de, por este meio ardiloso, o arguido e o seu defensor (que aquele tem o direito de escolher -art. 32.º, n.º3 da Constituição da República) serem afastados da produção antecipada de prova, tudo o que, se revelaria no futuro, profundamente nefasto para os mais elementares direitos de defesa dos arguidos e, sublinhe-se, para a descoberta da verdade material.

10-“In casu”, todas as declarações para memória futura prestadas pela testemunha HH, devem ser consideradas nulas, por ilegais, tudo, quer pela razão de não terem respeitado “ab initio” os pressupostos/excepções de aplicação previstas no Artº. 271º. do Código de Processo Penal, quer por violação de um verdadeiro/eficaz contraditório, mormente, concernante aos “inarráveis” reconhecimentos / reconstituição efectuados em produção antecipada de prova (o que é nulo e inconstitucional), sem que, o aqui recorrente fosse tão pouco então arguido e, como tal não estivesse representado por todo e/ou qualquer defensor, violado que também foi, nesta parte, o Principio do Contraditório, consagrado constitucionalmente no Artº. 32º. nº. 5 da Constituição da República Portuguesa, tudo, com as necessárias consequências legais relativamente ao aqui recorrente.

11-Salvo o devido respeito, que é muito, apenas e tão só se procurou dar alguma lógica e/ou sentido, à construção dos factos elaborada pela acusação pública, desde logo, o inaudito de um dos co-arguidos (FF), conforme resulta da leitura do Acordão produzido pela 1ª. Instância (a fls.51), ter sido absolvido dos factos de que estava acusado, após confessar (em audiência de Julgamento) a sua presença na habitação onde ocorreram os factos, tendo inclusivé, pasme-se, admitido ter sido ele a disparar uma das armas, tudo o que, conjugado com teor do depoimento da testemunha HH prestado em Audiência de Julgamento, faz naturalmente perceber quais dos arguidos efectivamente se dirigiram a casa da vítima, quem efectivamente terá chegado a entrar e/ou ficado na entrada dessa habitação (caso do aqui recorrente) naquela noite. E, tudo isso, nesses termos confirmaram todos os outros co-arguidos que nos autos prestaram declarações, não existindo toda e/ou qualquer justificação/explicação razoável (por maior esforço que se tente), para que um desses co-arguidos tenha inclusivé confessado a sua participação nos factos de que se encontrava acusado, não bastando para o afastamento de tal prova, como o fez a primeira instância no Acórdão de que se recorreu, dissertando que: “… não descura a estranheza de o arguido II vir assumir – apenas em Julgamento – uma factualidade em que não terá participado ou que não terá mesmo assistido, com as implicações daí decorrentes em termos de privação da liberdade ultrassónicamente resolvido, através da credibilidade atribuída ao depoimento para memória futura prestado pela testemunha HH, a mesma, pasme-se, que em Audiência de Julgamento prestou declarações diferentes e em alguns aspectos relevantes da contenda até antagónicas, àquelas que antes tinha prestado.

12-Questiona-se pois, a que título e com que indícios foi aquele arguido II nestes autos constituído Arguido e cumprido prisão preventiva? Trata-se de facto de uma equação impossível de perceber ao homem médio/comum, quanto mais ao profissional do Direito, para o que, nem o próprio Acordão de que ora se recorre consegue justificar e/ou esclarecer a bem da descoberta da verdade material, tudo sendo ultrassónicamente resolvido, através da credibilidade atribuída ao depoimento para memória futura prestado pela testemunha HH, a mesma, pasme-se, que em Audiência de Julgamento prestou declarações diferentes e em alguns aspectos relevantes da contenda até antagónicas, àquelas que antes tinha prestado.

13-“In casu”, a prova produzida não têm efectiva correspondência com os depoimentos produzidos em Audiência de Julgamento, os quais, se devem julgar determinantes para este formar da sua convicção, bem sabe o aqui recorrente, que este é um dos processos típicos em que a convicção do julgador é formada por um conjunto diversificados de pormenores, não obstante, a decisão de condenar alguém a tão pesada pena tem de encontrar suporte válido na prova.

14-É flagrante a insuficiência de prova produzida nos autos e em Audiência de Discussão e Julgamento para a condenação do aqui recorrente nos termos em que ela teve lugar e, apenas uma a errada interpretação da dinâmica dos factos pôde toldar o raciocínio lógico do Tribunal. Trata-se na sua essência de um erro de base, erro esse que levou o Tribunal a “construir” e a narrar a “história” dos acontecimentos colidindo com a própria prova produzida em Audiência de Julgamento.

15-Questiona-se o aqui recorrente, em que provas se baseou o Tribunal da primeira instância para alicerçar a “ideia” de que o mesmo esteve presente no interior da habitação? O Acordão ora recorrido, por sua vez, também não responde a tal permissa. Em que provas se basearam a primeira instância e a Relação de Lisboa para aferir que o aqui recorrente é co-autor no crime ocorrido? Efectivamente, de todo se percebe a relevância dada ao único elemento de suporte em que o Tribunal “a quo” se “agarrou” de forma tão pouco assertiva, as já aqui mencionadas declarações para memória futura, data em que o aqui recorrente ainda não estava sequer constituído arguido e, não confirmadas em Audiência de Julgamento, onde, inclusivé, no seu depoimento prestado aos15/6/2022, depoimento gravado através do sistema Habilus Média Studio, registado em Cd áudio aos minutos 00:11:34, afirmou que algumas daquelas anteriores declarações resultaram de “…coisas que lhe foram contando… ouvindo conversas …”.

16-Facilmente se perceciona em que condições ou falta delas, terá aquela testemunha (companheira do falecido) procedido nessa data e/ou mesmo anteriormente á identificação de alguns dos aqui arguidos e/ou o seu exacto ”posicionamente” no dia dos fatídicos factos, não fosse já a falta de um competente e obrigatório contraditório, então não existente.

17-Os factos        apontados como provados de todo encontram fundamentação na exposição da motivação apresentada pelo Tribunal da primeira instância, o que, o Acordão ora recorrido tão pouco também “constrói”, designadamente, omitindo a(s) circunstância(s) concreta(s) que levaram à formação da sua convicção.

18-Fica, assim, a descoberto uma omissão do acórdão que, por conseguinte, também aqui enferma de nulidade por violar o disposto no artigo 374.º n.º 2 do C.P.P., conforme vem descrito no art. 379.º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal, e que nesta sede também se invoca.

19-Reverte a consideração final inequívoca de que o recorrente foi condenado sem que do decorrer da Audiência de Discussão e Julgamento se tivesse feito prova segura da factualidade descrita nos pontos supra referidos.

20-No caso “sub judice” os factos dados como provados no acórdão não têm correspondência com o(s) depoimento(s) que o Tribunal “a quo” reputou como determinante(s) para a formação da sua convicção, da análise do(s) referido(s) depoimento(s), o recorrente concluiu que a fixação da matéria probatória que conduziu à sua condenação, se encontra irremediavelmente ferida do vício previsto na al. a) e c) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P., pelo que, impõe-se que o Tribunal “ad quem” afira desta arbitrariedade, claramente violadora dos critérios legais impostos ao julgador na valoração da prova.

20-Ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados e a prova efectivamente produzida, o Acordão de que se recorre ultrapassou os limites impostos pela Lei Penal na valoração da prova, violando assim disposto no art. 127.º do C. P. Penal, “In casu”, é flagrante a insuficiência de prova produzida nos autos e em Audiência de Discussão e Julgamento para a condenação do recorrente nos termos em que ela teve lugar.

21-Uma decisão condenatória carecerá sempre que o Tribunal acredite ter atingido a verdade material procurada, para além de toda a dúvida razoável, com vista à realização da justiça, e convença os destinatários da decisão judicial disso mesmo, sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à verificação ou não de determinado facto deverá decidir no sentido mais favorável ao arguido, homenageando o princípio in “dubio pro reo”, trata-se de um princípio que decorre da presunção de inocência do arguido e impõe que o julgador valore sempre um “non liquet” em seu favor, o que, no caso em apreço de todo foi realizado.

Noutra confluência,

22-Diga-se que, andou mal o “douto” Acordão da Relação de Lisboa, quando reiterou a condenação do aqui recorrente, em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado, p. e p., pelos Art(s), 131 e 132, nº.(s) 1 e 2 alínea h) do Código Penal Português, e, 1(um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 al. c), com referência aos Art(s) 2º, n.º 1 alíneas p) e s), 2º, n.º 3 alínea p), 3º, n.º 6 e 8º, n.º 2 al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com a redação introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, pela Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, pela Lei n.º 50/2013, de 24 de julho, e pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho.

23-O recorrente não se conforma com tal imputação, não podendo por esta via de recurso, deixar de exarar a sua visão jurídica sobre o que no Acordão ficou consagrado e, pelo qual considera ter sido erradamente condenado, pois que, ao contrário do fugaz entendimento extraído do Acordão de que se recorre, e de tudo quanto ficou já atrás exposto, resulta até à exaustão, desde logo, que apenas uma errada interpretação da dinâmica dos factos pôde toldar o raciocínio lógico dos antecedentes Tribunais, trata-se na sua essência de um erro de base, erro esse que levou o Tribunal da primeira instância e a Relação de Lisboa, a “construir” e a narrar a “história” dos acontecimentos colidindo com a própria prova produzida em Audiência de Julgamento.

24-Da prova produzida, o Acordão de que se recorre não pode de modo algum aferir que o aqui recorrente é co-autor nos crimes de que se encontrava acusado, ora condenado, em consonância, é unicamente admissível considerar que esta tenha auxiliado os outros arguidos de comum e prévio acordo e, cooperando em tais intentos, sublinhe-se, no máximo das possibilidades razoáveis.

25-De todo se percebe a relevância dada ao único elemento de suporte em que o Tribunal “a quo” se “agarrou” de forma tão pouco assertiva, as já aqui mencionadas declarações para memória futura, data em que o aqui recorrente ainda não estava sequer constituído arguido e, não confirmadas em Audiência de Julgamento, onde, inclusivé, no seu depoimento prestado aos15/6/2022, depoimento gravado através do sistema Habilus Média Studio, registado em Cd áudio aos minutos 00:11:34, afirmou que algumas daquelas anteriores declarações resultaram de “…coisas que lhe foram contando… ouvindo conversas …”.

26-Facilmente se percecionando em que condições ou falta delas, terá procedido nessa data e/ou mesmo anteriormente á identificação de alguns dos aqui arguidos e/ou o seu exacto ”posicionamente” no dia dos fatídicos factos, não fosse já a falta de um competente e obrigatório contraditório, então não existente.

27-“In casu” apenas parece admissível uma condenação do mesmo pelos referidos crimes sob a forma da cumplicidade com todos os efeitos legais daí decorrentes, não descurando, a possibilidade da pena em concreto fixada ser passível de suspensão, nos termos gerais, tudo, cfr. o nº. 2 do Artº. 73º. do C.P., isto, já em sede de novo cúmulo jurídico a eventualmente operar.

28-Deverão Vª. Excª.(s) dar provimento à questão em apreço, reduzindo-se a pena aplicada ao aqui recorrente, aplicando-se-lhe apenas a pena aplicável à figura da cumplicidade.

Não prescindindo,

29-Se tal não for assim entendido, sempre se também se sublinhe que o crime em causa que se considera mais ajustado ao caso em apreço, 25-De todo se percebe a relevância dada ao único elemento de suporte em que o Tribunal “a quo” se “agarrou” de forma tão pouco assertiva, as já aqui mencionadas declarações para memória futura, data em que o aqui recorrente ainda não estava sequer constituído arguido e, não confirmadas em Audiência de Julgamento, onde, inclusivé, no seu depoimento prestado aos15/6/2022, depoimento gravado através do sistema Habilus Média Studio, registado em Cd áudio aos minutos 00:11:34, afirmou que algumas daquelas anteriores declarações resultaram de “…coisas que lhe foram contando… ouvindo conversas …”.

26-Facilmente se percecionando em que condições ou falta delas, terá procedido nessa data e/ou mesmo anteriormente á identificação de alguns dos aqui arguidos e/ou o seu exacto ”posicionamente” no dia dos fatídicos factos, não fosse já a falta de um competente e obrigatório contraditório, então não existente.

27-“In casu” apenas parece admissível uma condenação do mesmo pelos referidos crimes sob a forma da cumplicidade com todos os efeitos legais daí decorrentes, não descurando, a possibilidade da pena em concreto fixada ser passível de suspensão, nos termos gerais, tudo, cfr. o nº. 2 do Artº. 73º. do C.P., isto, já em sede de novo cúmulo jurídico a eventualmente operar.

28-Deverão Vª. Excª.(s) dar provimento à questão em apreço, reduzindo-se a pena aplicada ao aqui recorrente, aplicando-se-lhe apenas a pena aplicável à figura da cumplicidade.

Não prescindindo,

29-Se tal não for assim entendido, sempre se também se sublinhe que o crime em causa que se considera mais ajustado ao caso em apreço, sempre seria o crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado e qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Art(s) 144.º, al. d), 145.º, n.º 1, al. b), e 146.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao Artº. 132.º, n.º 2, al. g), do C.P. vigente à data dos factos (ou dos arts. 144.º, al. d), 145.º, n.ºs 1, al. b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. h), e 147.º, n.º1, todos do C.P., vejamos pois, que o crime de homicídio pressupõe a intenção de matar ou a admissão dessa possibilidade ou ainda a conformação com essa possibilidade de morte, enquanto o crime de ofensa à integridade física não pressupõe nem intenção, nem previsão de matar.

30-O aqui recorrente, como já atrás se explanou, não agiu com intenção de matar e, no momento dos factos não previu sequer esse resultado, a prova produzida relativamente ao mesmo, não permite de todo concluir que tenha atuado com o propósito de tirar a vida ao falecido ou, sequer que tenha figurado esse desfecho e com ele se tenha conformado, em concreto, temos sim, uma vez feita a análise crítica da prova produzida sobre o facto em discussão, uma hipótese factual, mais favorável ao arguido, que configura uma dúvida razoável e insanável sobre a realidade do facto em causa, mais uma vez, justificativa do acionamento do princípio “in dubio pro reo”.

31-Resulta pois evidente, aqui chegados, que o aqui recorrente não agiu com intenção de matar e, não previu a morte como resultado da sua acção directa, tudo o que, resulta da prova produzida, das suas próprias declarações, mas, antes de tudo o mais, da sua própria conduta, dentro desta confluência, também se atente, que não se encontra de todo preenchido o elemento subjectivo do dolo directo relativamente ao aqui recorrente BB.

32-Não se consegue pois acompanhar o Acordão de que se recorre, na verificação deste elemento subjectivo (dolo directo), que, como é amplamente reconhecido, não é automático face à verificação dos elementos objectivos, quanto muito, terá agido o aqui recorrente com dolo na modalidade de dolo eventual, no qual, cabem os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, leva a cabo tal conduta, conformando-se com o respectivo resultado.

33-Em concreto o que veio a ocorrer, foi um súbito descambar de uma situação de enorme tensão, em que alguns dos intervenientes já se encontravam embriagados, agindo de forma impulsiva e irrefletida.

34-Em consonância, á luz do que se aqui se explanou, sempre deverá o arguido/recorrente ser condenado nos termos da Lei por crime diverso daquele em que se encontra ainda condenado, designadamente, pelo crime de ofensa á integridade física agravada pelo resultado.

35-No caso “sub-judice”, o “quantum” das medidas concretas das 2 penas parcelares aplicadas,              são, exageradamente penalizantes, desconsiderando o Tribunal “a quo”, o respeito pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacentes à aplicação de qualquer sanção penal e, apenas valorizando a gravidade dos crimes praticados.

36-No caso do crime de detenção de arma proibida e, não descurando a condenação como co-autor, tão pouco em momento algum resulta provado e/ou o mesmo acusado de alguma fazer-se directamente transportar e/ou utilizar, tudo o que, também não relevou no Acordão produzido pela Relação de Lisboa.

37-Veja-se pois, que mesmo não tendo “…antecedentes criminais registados …”, estando perfeitamente inserido laboral e socialmente, ser ”…bom funcionário e pessoa respeitada no seu meio residencial…”, “…figura presente… de proximidade afetiva”,”…com percurso prisional adequado…” e, “…com capacidade para pensar criticamente… com forte sentido de pertença à família”, este, em cada um dos dois crimes em que foi condenado, foi-o, em penas demasiado superiores ao mínimo legal judicialmente enquadrável (sublinhado meu).

38-Entende pois o aqui recorrente, que o Tribunal “a quo”, terá excessivamente valorizado a natureza da gravidade dos crimes praticados e, tomando em consideração o atrás já exposto, o Tribunal recorrido deveria ter considerado na determinação destas penas parcelares, penas perto do seu o mínimo legalmente estabelecido.

39-Somos pois convictos, que também face ao circunstancialismo “mui” concreto da sua actuação (atrás já explanado), do relatório social anexo aos autos, da matéria de facto dada como provada nos pontos 120, 122, 124, 126, 127 e 128 do Acordão da primeira instância, não alterado neste Acordão de que ora se recorre e, a total ausência de antecedentes criminais conhecidos em juízo, tal o deveria obrigatoriamente determinar.

40-Discorda-se pois, do “quantum” da 2 penas efectivada pelo Tribunal “a quo”, tudo o que, impossibilita eventual “correcção/ajustamento” aquando da aplicação da pena única, o que efectivamente não veio a ocorrer, conforme adiante neste recurso também se revelará, tendo pois, tudo resultado em graves reflexos, espelhados na medida concreta da pena unitária que lhe veio a ser ora aplicada (15 anos e 4 meses de prisão).

41-Entende o aqui recorrente, que uma pena perto do mínimo para cada um dos crimes de que se encontra condenado (12 anos para o homicídio e 1 ano ou multa até 600 dias para a detenção de arma proibida) já constitui censura suficiente para os factos criminológicos em apreço, melhor se obedecendo assim aos critérios de prevenção geral e especial, violado que foi desta forma os critérios estabelecidos no Art.º 71º., do Código Penal, na determinação das penas para cada um dos crimes individualmente considerados.

42-Entende a aqui recorrente, que as penas que lhe foram aplicadas por cada um dos crimes em que foi condenado, foram desajustadas face à realidade em concreto apurada, devendo ser-lhe reduzidas aquelas para outras, “coladas” ao mínimo legal previsto, tudo se afigurando assim mais justo e adequado com os factos e a personalidade do arguido/recorrente, sem que daí, sejam prejudicadas as elevadas exigências de prevenção, particularmente ao nível da prevenção geral de integração.

43-Como atrás foi já exposto, as exigências de prevenção especial positiva, justificam que as penas a aplicar-lhe se situem abaixo do estabelecido no douto Acordão, pugnando-se pois, pela diminuição das medidas das 2 penas parcelares que lhe foram aplicadas, é que, não obstante a factualidade provada, volte-se a sublinhar, a pena única aplicada ao ora recorrente continua extrema e demasiadamente penalizante.

44-Não duvida o ora recorrente, que por certo que será necessário ter em conta que do outro lado da balança estão os interesses fundamentais de uma comunidade, mas com facilidade essa mesma comunidade entenderia, que mesmo sendo prevista a pena de prisão, esta na sua aplicação/medida, poderia, como já atrás se demonstrou, ter sido bem menos pesada, evitando a existência de uma desproporcionalidade entre dois pontos essenciais que o regime penal Português pretende assegurar (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), sendo que, mais uma vez sublinhe-se, o Acordão recorrido foi “cego” perante a importância da reintegração do agente na sociedade.

45-Esteve pois mal o Tribunal “a quo”, ao não avaliar em conjunto, o grau da sua ilicitude, a intensidade do seu dolo e, as suas condições pessoais e económicas, conduta anterior e posterior aos factos, etc., ou seja, uma verdadeira determinação da medida da pena em função da culpa e das exigências de prevenção, ademais, e tendo como perspectiva a ressocialização do recorrente, tratava-se de um dever a que o tribunal não deveria nunca subtrair-se, também desconsiderando, o respeito pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacentes à aplicação de qualquer sanção penal.

46-O Tribunal “a quo”, terá excessivamente valorizado a natureza dos crimes praticados, ou seja, sobrevalorizou-se a natureza do(s) crime(s) (cuja gravidade não se discute) e, acentuando a tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, o Acórdão em apreço não atentou, como podia e devia, nos demais parâmetros a considerar.

Assim,

47-E no que diz respeito em particular à medida concreta da pena unitária aplicada (15 anos e 4 meses de prisão), refira-se, que no caso “sub judice”, (ultrapassando a hipótese da condenação por cumplicidade e/ou por homicídio simples do que não se prescinde) mesmo pelo(s) crime(s) de que se encontra em recurso, se concluiu que o douto Acórdão, haveria de determinar uma pena única do máximo de 13 anos de prisão.

48-Não fosse desde logo, a discordância da qualificação jurídica dos factos como homicídio qualificado, do não preenchimento do elemento subjectivo do dolo directo e, a peticionada condenação apenas como cúmplice, bem como, do próprio “quantum” das 2 penas efectivadas pelo Tribunal da Relação, tudo o que, tendo o desejado provimento, possibilita a eventual e ora requerida “correcção/ajustamento” aquando da aplicação da pena única para um limite máximo abaixo dos 13 anos atrás referenciados.

48-Percebe-se pois, que o tribunal “a quo” não teve em conta todas estas permissas, de forma a evitar prejudicar, como prejudicou, o recorrente, que viu assim “aumentada” uma pena de prisão já de si alongada, não colhendo, salvo o devido respeito por opinião contrária, os argumentos utilizados no douto Acordão, para optar pela pena única de 15 anos e 4 meses de prisão.

49-Diga-se desde já que a determinação da pena deve fazer-se com base na culpa e na prevenção, afastando-se assim definitivamente a ideia que o Juiz deve partir do meio da moldura penal do crime para encontrar a pena concreta, quer atenuantes e agravantes gerais para encontrar a medida concreta da pena depois de determinado o seu “quantum” em função do critério geral da medida fornecida por lei.

50-A pena deverá assim ser medida, pela necessidade de evitar a produção de lesões futuras semelhantes por qualquer outro membro da comunidade ou mais exactamente de acordo com as necessidades de estabilização das expectativas na validade do direito por parte da comunidade em face da lesão dos bens jurídicos.

51-Por outro lado, a medida de pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que ter em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente (neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 231).

52-Terá ainda o julgador na determinação a medida da pena que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor do agente ou contra ele, art. 71º, nº 2 C.P, citando Rodrigues Devesa, poder-se-á dizer que a ilicitude e a culpa são susceptíveis de variação consoante as circunstâncias que ocorram no caso concreto no crime cometido, quer dizer que, são capazes de uma graduação maior ou menor que repercute sobre a gravidade.

53-Quando se trata de fixar a pena de harmonia com o disposto no art. 71º do C.P., revelam fundamentalmente da culpa do agente a ilicitude e as necessidades de prevenção (Ac. S.T.J. 10.04.91, proferido no processo nº 41746/3ª).

54-O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios da prevenção geral segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentido de justiça e de confiança na validade das normas violadas além de constituir um elemento dissuasor.

55-A medida da pena tem pois de corresponder às expectativas da comunidade, daí para cima a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial, e a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando só o mal necessário, dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integra-lo nos princípios dominantes na comunidade.

56-Face a tais critérios, e salvo o devido respeito, por opinião contrária, a pena única aplicada ao arguido aqui recorrente é ainda manifestamente exagerada.

57-O Tribunal “a quo” não atendeu, assim, em nosso entender, como devia ao relatório social que se encontra junto aos autos, quer a toda a matéria de facto dada como provada nos pontos 120, 122, 124, 126, 127 e 128 pela 1ª. Instância e, não alterada em sede do Acordão que ora se recorre.

58-Em concreto a falta de “…antecedentes criminais registados …”, estando perfeitamente inserido laboral e socialmente, ser ”…bom funcionário e pessoa respeitada no seu meio residencial…”, “…figura presente… de proximidade afetiva”,”…com percurso prisional adequado…” e, “…com capacidade para pensar criticamente… com forte sentido de pertença à família”, tudo o que, apreciado conjuntamente, faz revelar alguma arbitrariedade na decisão tomada, quando se verifica ao longo da mesma, uma enorme disparidade de critérios utilizados, quase que como utilizando dois pesos e duas medidas.

59-Assim, pese embora as necessidades de prevenção geral, no caso em concreto, atendendo a todas as circunstâncias atrás aduzidas, que não foram na perspectiva do aqui recorrente suficientemente valoradas, violou com isso, tal decisão, os Artº.(s) 40º., 70º. e 71º. do Código Penal e o princípio da proporcionalidade.

60-Avoca pois o aqui recorrente o direito de esperar uma pena única justa e equivalente, o que, ponderando globalmente, e porque a reacção criminal não poderá ultrapassar a medida da culpa, deve, no entendimento da defesa, situar-se abaixo do atrás “fixado” limite dos 13 anos de prisão, o que, se julga ser suficiente para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial no caso em concreto.

Termos em que, nestes precisos termos atrás expostos/concluídos, se deverá revogar o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e, seguro de que V. Excª.(s), perdoarão a extensão das alegações, ante a delicadeza e complexidade das questões e a necessidade de as mesmas serem devidamente aprofundadas, fica o recorrente absolutamente confiante em que Vª. Excelências lhe farão, como vos compete,

JUSTIÇA!”.

3. O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, apresentou resposta aos recursos dos recorrentes, concluindo:

“A - No que concerne ao recurso interposto pelo arguido AA:

1. A decisão recorrida ponderou, criteriosamente, toda a matéria de facto declarada como provada relativa à personalidade do arguido, às condições da sua vida e aos seus antecedentes criminais no momento da determinação da medida da pena aplicável quer ao crime de homicídio qualificado quer à que resultou do cúmulo jurídico subsequentemente efetuado.

2. Não foram dadas como provadas quaisquer circunstâncias, previstas no artigo 72.º o Código Penal, que justificassem uma atenuação especial da pena relativa ao citado crime de homicídio qualificado.

3. As referidas penas, parcelares e única, aplicadas em 2.º Instância, mostram-se adequadas às elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial que no caso se impõem, à personalidade do arguido e ao seu grau de culpa, não se nos afigurando merecerem qualquer censura.

B - No que concerne ao recurso interposto pelo arguido BB:

4. No que se refere ao pedido de declaração de nulidade das declarações para memória futura prestadas pela testemunha HH e da sua valoração face ao que pela mesma testemunha terá sido dito em sede de audiência de julgamento, o recorrente limita-se a reproduzir a argumentação oferecida aquando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª Instância, não avançando qualquer argumento que contradite o que a tal propósito ficou consignado no acórdão recorrido.

5. As referidas declarações são perfeitamente válidas, devendo ser valoradas, como o foram, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127.º do Código de Processo Penal, pelas razões abundantemente aduzidas na decisão recorrida as quais, por razões de mera economia, nos limitamos a dar aqui por integralmente reproduzidas.

6. Encontrando-se a matéria de facto em apreciação fixada pelas instâncias e reservando-se a cognição do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, apenas a questões relativas a matéria de direito, a hipotética violação do princípio in dúbio pro reo só poderia vir a ser sindicada se esta resultasse do texto da decisão recorrida, em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.5, n.9 2, do Código de Processo Penal.

7. Circunstância que neste caso não ocorre, já que o julgador, em sede de apreciação da prova, declarou não ter sido colocado perante uma encruzilhada dubitativa sobre a autoria dos factos dados como provados, nem destes decorre dúvida ou contradição.

8. A matéria de facto fixada, bem como a fundamentação que lhe está subjacente, não enfermam de quaisquer vícios.

9. Essa matéria de facto não permite a convolação do crime de homicídio qualificado para o crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado, qualificado, ou a alteração da qualificação jurídica da atuação do recorrente, em sede de comparticipação criminosa, como mero cúmplice.

10. Todos os elementos relativos à personalidade do arguido, às condições da sua vida e ao facto de ser delinquente primário foram devidamente ponderados, de forma criteriosa, no momento da determinação da medida das penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico efetuado, mostrando-se adequadas às elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se impõem, ao grau de culpa do arguido e à sua personalidade, não se nos afigurando merecerem, por isso, qualquer censura.

Pelo que ambos os recursos não deverão ser credores de provimento.

Todavia, V. Exas. melhor decidirão, conforme for de LEI e JUSTIÇA. ”.

4. O Ministério Público junto deste STJ emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a posição do MP junto do tribunal recorrido, essencialmente referindo:

5. – Acompanham-se, pois, as considerações tecidas na resposta ao recurso do Ministério Público junto do V. TRL, as quais, pelo rigor, propriedade, clareza e acerto, suscitam a mais completa adesão, dispensando qualquer outra reflexão.

6. Assim, e por se prefigurar também terem sido devidamente pon-derados e valorados pelo Tribunal “a quo” o grau de culpa evidenciado pelo ar-guido, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a prática dos factos e as exigências de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir, o que se conclui é que a pena aplicada a cada recorrente é justa, por necessária, proporcional e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, 71.º e 77º, todos do Código Penal.

7. – Neste contexto, os propósitos preventivos de estabilização con-trafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e no contexto em que os factos ocorreram, reclamam uma intervenção forte do di-reito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena, no seu quantum, responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manu-tenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.

8. Afigura-se-nos, assim, que, e salvo melhor entendimento, a decisão recorrida mostra-se bem fundamentada, de forma lógica e conforme às regras da punição do concurso, sendo fruto de uma adequada e criteriosa apreciação de todos os factores reputados relevantes à luz do disposto nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do Código Penal, sendo, em função disso, aplicada uma pena de prisão efectiva justa e adequada, não merecendo qualquer censura., (…).”.

5. Os recorrentes foram notificados para se pronunciar, conforme art.º 417.º, n.º 2 do CPP, repetindo essencialmente as suas alegações de recurso e dizendo, respectivamente:

a. O arguido AA que “(…) a pena global única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão aplicada ao Arguido demonstra-se excessiva, salvo melhor entendimento (...) entende-se que o Tribunal Recorrido, violou o disposto nos artigo 70º e 71º do Código Penal, violando deste modo o reiterado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, que deveriam ter sido interpretados, mediante a aplicação ao arguido de uma diminuição da pena, considerando que o ora recorrente se encontra inserido socialmente, sendo que o mesmo relativamente a nível familiar e profissionalmente se encontra estável posto isto somente poderemos concluir que a diminuição da pena cumpre de forma adequada e suficiente as finalidades da pena.

Pelo que a pena aplicada, deverá ser substancialmente reduzida.”, justificando-se “(…) a alteração da pena global aplicada, por um período mais próximo do mínimo, por se considerar que a mesma, ponderada todas as atenuantes, é excessiva e desproporcionada.”;

b. O arguido BB que “(…) a tese por si apresentada e sintetizada nas suas conclusões, não ficou minimamente prejudicada pela argumentação expendida no Parecer do Ministério Público, reservando-se pois, para a peticionada Audiência outros considerandos.”.

Note-se que apesar de o arguido BB aludir no seu requerimento a uma “peticionada Audiência” a verdade é que o mesmo não requereu nestes autos a realização de audiência, sendo certo que tal se deve a mero equívoco do recorrente.

6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTOS

1. De facto

O objecto dos presentes recursos é o que o acórdão do TRL, de 12/01/2023, que fixou a matéria de facto dada como provada, relativamente à condenação de cada um dos ora recorrentes pela prática dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 132º, n.º 2 al. h), do CP, e de detenção de arma proibida, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2º, n.º 1, als. p) e s), 2º, n.º 3, al. p), 3º, n.º 6, e 8º, n.º 2, al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, em cúmulo jurídico, na pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

E, é a seguinte matéria de facto provada e fixada:

A) Factos provados

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: (Da acusação)

1. No dia 1 de novembro de 2020, diversos familiares e amigos de JJ, juntamente com este, reuniram-se num pátio em frente à sua residência, sita na Rua ..., em ... ..., onde todos estiveram a confraternizar, tendo ingerido bebidas alcoólicas desde a hora do almoço.

2. A mencionada confraternização prolongou-se pela tarde dentro, também noutro bairro próximo, nomeadamente em casa do arguido KK, para o qual se deslocaram, regressando mais tarde, novamente, para o pátio em frente da casa de JJ.

3. Durante essa confraternização, o arguido LL (também conhecido por “MM”) e JJ iniciaram uma discussão, no decurso da qual desferiram, um no outro, um número não concretamente apurado de murros e pontapés.

4. De seguida, ainda por causa do descrito em 3.), na noite de 1 de novembro de 2020, JJ deslocou-se para o interior da sua habitação, identificada em 1.), sendo seguido pelo arguido LL.

5. Nesta sequência, JJ muniu-se de uma espingarda caçadeira de calibre 12 mm e, com ela municiada, apontou-a na direção do arguido LL, premiu o gatilho e disparou-a, vindo a atingi-lo no direito.

6. Como consequência direta e necessária do disparo efetuado, JJ provocou no arguido LL ferimentos no direito, pelos quais recebeu tratamento no Serviço de Urgências do Hospital ..., na ....

7. O arguido LL deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital ... no dia 2 de novembro de 2020, pelas 00h58m, tendo tido alta pela 01h56m.

8. Na sequência dos factos descritos em 3.) a 6.), ainda antes de se ter deslocado ao Hospital ..., na ..., o arguido LL conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula ....-OC, além do mais, até à Rua ..., no Bairro ..., sito também em ... ..., onde residiam os demais arguidos.

9. O arguido LL conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros acima identificado em 8.), sem que fosse titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir.

10. O arguido LL sabia que não podia conduzir aquele veículo na via pública, por estar ciente de que não se encontrava legalmente habilitado a fazê-lo, tendo, não obstante, agido de forma voluntária, livre e consciente, com intenção de o conduzir, conforme fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

11. Em consequência do descrito em 3.), 5.) e 6.), conhecedores e sabedores desses factos, ainda que em circunstâncias não concretamente apuradas, os arguidos KK, BB, AA e NN formularam o propósito de vingar a agressão sofrida pelo arguido LL, causada por JJ, matando este último.

12. Mais combinaram os arguidos KK, BB, AA e NN que para tirarem a vida a JJ se deslocariam à residência deste, munidos de uma vara de madeira com um ferro na ponta, com, pelo menos, uma pedra, e com, pelo menos, uma espingarda caçadeira, deslocação que fizeram, tendo chegado pelas 23h41m do dia 1 de novembro de 2020, na companhia da arguida OO.

13. Os arguidos KK, BB, AA e NN sabiam que nas circunstâncias de espaço, modo, tempo e lugar descritas em 11.) e 12.), não podiam deter, guardar e levar consigo aquela espingarda caçadeira, por não serem possuidores de licença de uso e porte de arma, e por a mesma não se encontrar registada, nem manifestada a seu favor.

14. Ao terem atuado da forma descrita em 11.), 12.) e 13.), os arguidos KK, BB, AA, NN atuaram mediante decisão prévia por eles tomada e conhecida, mediante plano previamente elaborado, para cuja concretização vieram a conjugar esforços e intentos, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

15. Chegados à residência de JJ cerca das 23h41m horas do dia 1 de novembro de 2020, o arguido AA (também conhecido por “CC”) levou consigo uma vara de madeira com um ferro na ponta e, pelo menos, o arguido KK levou consigo uma espingarda caçadeira.

16. De seguida, no interior da residência do JJ, no seguimento dos propósitos referidos em 11.) e 12.), munido da vara de madeira com um ferro na ponta que havia levado para o efeito, o arguido AA desferiu com a mesma um número não concretamente apurado de golpes na cabeça, nos braços, no tronco, nas costas e nos membros superiores de JJ.

17. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e no seguimento de tais propósitos, munido de, pelo menos, uma pedra que havia levado para o efeito, o arguido NN (também conhecido por “CC”) desferiu com a mesma um número não concretamente apurado de pancadas na cabeça de JJ.

18. Por sua vez, o arguido KK, munido da espingarda caçadeira que consigo havia levado, levantou-a, apontou-a na direção de um dos pés de JJ e premiu o gatilho, disparando-a, disparo esse que não logrou atingi-lo, porquanto este levantou o do chão.

19. Em face do descrito em 18.), o arguido KK, munido da mesma espingarda caçadeira, voltou a apontá-la, desta feita na direção da perna esquerda de JJ, e premiu o gatilho, disparando-a.

20. Tal disparo veio a atingir a perna esquerda de JJ, junto ao joelho, após o que este caiu ao chão.

21. Ato contínuo, um dos arguidos que não foi possível identificar, de entre os arguidos AA, NN e BB, muniu-se de uma espingarda caçadeira que encontrou na casa, mais concretamente no quarto, de JJ, levantou-a, apontou-a em direção à perna direita de JJ e premiu o gatilho, disparando-a.

22. Tal disparo veio a atingir e perfurar a parte superior da coxa e a atingir a zona inguinal da perna direita de JJ, quando este se encontrava caído no chão.

23. Ato contínuo, os arguidos KK, AA, BB (também conhecido por “DD”) e NN abeiraram-se de JJ, após o que nele vieram, novamente, a deferir um número não concretamente apurado de golpes no corpo daquele, com a vara de madeira com um ferro na ponta e com a pedra que, para o efeito, haviam levado consigo, assim como com um vidro, de que último se munira em circunstâncias não concretamente apuradas.

24. Após, os arguidos KK, BB, AA e NN abandonaram o local, levando consigo a espingarda caçadeira pertencente a JJ.

25. Em consequência dos factos descritos, os arguidos KK, BB, AA e NN causaram lesões graves no corpo de JJ, designadamente:

25.1. No hábito externo

a) Na cabeça:

- Uma ferida contusa frontoparietal mediada, com 4 cm de comprimento sagital;

- Uma ferida contusa frontoparietal paramediana direita, posteriormente à anterior, oblíqua inferoposteriormente, com 2,5 cm de comprimento;

- Uma ferida contusa frontal à esquerda, oblíqua inferolateralmente, com 2,3 cm de comprimento, com equimose perifocal;

- Uma ferida contusa no terço lateral da região infero-ciliar esquerda, horizontal, com 3 cm de comprimento, com equimose perifocal;

- Uma equimose na região malar, zigomática e periorbitária direita, roxa, com ferida contusa na região malar, com 1 por 0,5 cm de maior eixo vertical;

- Uma escoriação no canto labial esquerdo, com 1 cm de diâmetro; -Uma ferida fusiforme superficial retroauricular esquerda, vertical, com 1 cm de comprimento.

b) No tórax:

- Uma equimose roxa no terço medial da clavícula direita, com 3 por 3 cm de maiores dimensões;

- Uma placa apergaminhada sobre o corpo do esterno, com 3 por 1,5 cm de maior eixo vertical;

- Duas escoriações vermelhas na região supraescapular, a superior com 1,5 cm de diâmetro, a inferior com 0,5 cm de diâmetro;

- Uma escoriação vermelha na região acrómio-clavicular, com 1,5 cm de diâmetro.

c) No membro superior direito:

- Uma escoriação na face ântero-lateral do terço distal do braço, com 3,5 cm por 1,5 cm de maior eixo horizontal;

- Uma escoriação na face posterior do terço médio do antebraço, com 2 por 0,5 cm de maior eixo vertical, com equimose perifocal;

- Uma ferida contusa na região interdigital do e dedos, ânteroposterior, com 3,5 cm de comprimento;

- Uma equimose roxa na face dorsal dos 3º, e dedos, com tumefação subjacente;

- O descolamento total da unha do dedo, com infiltrado hemorrágico do leito ungueal;

- O descolamento da matriz da unha do dedo. d) No membro superior esquerdo:

- Múltiplas equimoses roxas na face medial e posterior do antebraço, a maior com 7 por 4 cm, a menor com 1 cm de diâmetro;

- Uma equimose roxa na região tenar da mão;

- Uma quimose roxa no dorso da segunda falange dos e dedos;

- Uma equimose roxa no dorso da articulação metacarpofalângica dos e dedos.

e) No membro inferior direito e região genital:

- Uma ferida contusoperfurante principal, na face medial do terço proximal da coxa, ovalada, com 5 por 2 cm de maior eixo oblíquo inferomedialmente, com exposição do tecido celular subcutâneo e presença de fragmento de bucha visível; esta ferida apresenta bordos serreados e contundidos e em redor da mesma observam-se múltiplos orifícios satélite a envolver a coxa e bolsa escrotal direita, que apresentam bordos acinzentados com orla de contusão perifocal. Presença de área equimótica e tumefação subjacente regional;

- Uma ferida contusoperfurante na face pósterolateral do terço superior da coxa, ovalada, de bordos equimóticos, com 3 por 1 cm de maior eixo horizontal, com exposição de tecido celular subcutâneo;

- Uma escoriação na face lateral do terço superior da coxa, vertical, com 2 por 1 cm de comprimento;

- Uma escoriação na face lateral do terço médio da coxa, horizontal, com 1,5 cm de comprimento;

- Uma escoriação na face anterior do terço proximal da perna, oblíqua inferolateralmente, com 4 cm de comprimento;

- Múltiplas equimoses na face anterior da metade proximal da perna, numa área de 13 por 2,5 cm de maior eixo vertical.

f) No membro inferior esquerdo:

- Uma equimose roxa na face anterior do terço médio da perna, com 2,5 por 3 cm de maior eixo horizontal;

- Uma escoriação na face pósteromedial da metade proximal da pena, em “U” de concavidade inferior, com 13 por 6 cm de maior eixo vertical;

- Uma ferida contusoperfurante tangencial na face pósterolateral do terço proximal da perna, com 7 por 4 cm de maior eixo oblíquo, inferomedialmente, com exposição de tecido celular subcutâneo e músculo. Esta ferida apresenta bordos serreados e no seu bordo lateral uma área acinzentada (tatuagem de fumo). Em redor da ferida são observados múltiplos orifícios satélite e equimose roxa perifocal.

25.2. No hábito interno

a) Na cabeça:

a.1.) Partes moles - uma solução de continuidade do couro cabeludo na região parietal paramediana direita, em relação com a ferida contusa descrita no hábito externo. Infiltrações hemorrágicas na face interna do couro cabeludo na região frontal esquerda e parietal direita em relação com as feridas contusas descritas no hábito externo;

a.2.) Meninges - um foco de hemorragia subdural e subaracnoide na região parietal posterior esquerda.

b) No pescoço:

b.1.)Faringe e esófago - infiltração hemorrágica retroesofágica.

c) No Tórax:

c.1.) Paredes - infiltrações hemorrágicas dispersas no tecido celular subcutâneo, em relação com as fraturas costais;

c.2.) Clavícula, cartilagem e costelas direitas: fratura do arco médio da à costela, com infiltração hemorrágica, sem laceração pleural;

c.3.) Clavícula, cartilagem e costelas esquerdas - fratura do arco anterior da costela, com infiltração hemorrágica, sem laceração pleural.

d) No Abdómen:

d.1.) Órgãos genitais - soluções de continuidade milimétricas no folheto parietal da túnica do testículo direito, com presença de chumbos entre os folhetos; testículo com infiltração hemorrágica à direita.

          e) Nos membros:

e.1.) Membro inferior direito - solução de continuidade transfixante em relação com a ferida contusoperfurante na face medial do terço proximal da coxa (orifício de entrada) e com a ferida pósterolateral do terço superior da coxa (orifício de saída). Ao longo do seu trajeto observa-se laceração e infiltração hemorrágica do tecido celular subcutâneo, com presença de fragmento de bucha e de múltiplos chumbos; lacerações transfixiantes e infiltrações hemorrágicas dispersas da musculatura subjacente da coxa, com presença de múltiplos chumbos na sua espessura; atingimento da vasculatura femoral veia femoral e artéria femoral, esta apresentando íntima com múltiplas soluções de continuidade e presença de chumbos;

e.2.) Membro inferior esquerdo - solução de continuidade com infiltração hemorrágica do tecido celular subcutâneo com presença de múltiplos chumbos, em relação com a ferida contusoperfurante tangencial posterolateral do terço proximal da perna; laceração superficial do músculo gastrocnémio na sua porção lateral.

26. As lesões traumáticas do membro inferior direito com atingimento de vasculatura femoral, acima descritas, foram causa direta, adequada e necessária da morte de JJ, verificada no dia 2 de novembro de 2020, pela 01h35m, propósito esse que os arguidos KK, AA, NN e BB prosseguiram e conseguiram concretizar.

27. Os arguidos KK, BB, AA e NN sabiam que a vara de madeira, com um ferro na ponta, a pedra, o vidro e as duas espingardas caçadeiras que utilizaram, nos exatos termos supra descritos, para atingir JJ das formas igualmente referidas, eram adequadas a retirar-lhe a vida, bem sabendo que na cabeça, nas partes inferiores do tronco e da barriga e na parte superior das pernas, junto à zona inguinal, se encontravam, respetivamente, o cérebro, o coração, os pulmões, o baço, o fígado e os intestinos, bem como as artérias e veias que os irrigam, sendo todos vitais para o ser humano.

28. Ao atuarem das formas descritas, agiram ainda os arguidos KK, BB, AA e NN com a intenção, concretizada, de se fazerem valer da sua superioridade física e numérica relativamente a JJ, bem sabendo que a vara de madeira, com um ferro na ponta, a pedra, o vidro e as duas espingardas caçadeiras que utilizaram nos termos supra descritos, lhe cerceavam quaisquer hipóteses de defesa.

29. Ao atuarem das formas supra descritas, agiram ainda os arguidos KK, BB, AA e NN com intenção de vingar a agressão que JJ havia causado no arguido LL.

30. Agiram ainda os arguidos KK, BB, AA e NN de forma deliberada, livre e consciente, mediante plano previamente elaborado, para cuja concretização vieram a conjugar esforços e intentos, com o propósito concretizado, e representado por todos, de tirar a vida a JJ.

31. Ao assim atuarem, bem sabiam os arguidos KK, BB, AA e NN que todas as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

*

32. Durante o período temporal em que os arguidos KK, BB, AA e NN praticaram os factos acima descritos, no interior da residência de JJ descrita em 1.), a arguida OO (também conhecida por “PP”), que com eles se havia deslocado para o local, manteve-se sempre no exterior da residência.

33. Após, abandonou o local com os demais arguidos.

*

(Das condições pessoais dos arguidos)

(Arguido AA)

81. O arguido AA, natural de ..., é o quarto de uma fratria de quatro elementos. O seu processo de socialização decorreu dentro das normas e regras da comunidade cigana, tendo o agregado familiar habitado num bairro clandestino localizado na ....

82. A subsistência era assegurada com os rendimentos auferidos na venda ambulante, praticada pelos progenitores.

83. Quando o arguido tinha 7 anos, o progenitor faleceu. Desde então, o respetivo processo de socialização foi assegurado pela mãe, tendo a mesma estabelecido um novo relacionamento, do qual resultou o nascimento de quatro irmãos.

84. Contudo, e na sequência de um período de instabilidade familiar, o arguido abandonou a casa de família, tendo construído o seu próprio alojamento.

85. No que diz respeito ao percurso académico, o arguido iniciou a frequência escolar com 6 anos de idade, tendo concluído o ano de escolaridade. Não concluiu os estudos por falta de assiduidade e posterior abandono, atribuídos à necessidade de autonomização, nomeadamente pelo facto ter contraído matrimonio aos 13 anos de idade, relação da qual resultaram nove filhos.

86. O arguido AA começou a trabalhar na construção civil, sem vinculo laboral. Posteriormente, trabalhou como padeiro, soldador e na agricultura.

87. Aos 27 anos iniciou um novo relacionamento com EE, tendo tido, fruto desta relação, outros dois filhos.

88. Aos 40 anos de idade o agregado familiar do arguido beneficiou de um programa de realojamento, passando, desde então, a residir numa habitação camarária, localizada em ....

89. No período que antecedeu a sua atual reclusão, o arguido AA encontrava-se a residir com a companheira, EE, e com dois filhos, FF e GG, num apartamento arrendado de tipologia T2, por um valor inferior a 300 mensais, localizado na zona de ....

90. No plano laboral o arguido dedicava-se à área da construção civil cerca de três anos, detendo um negócio próprio, com três trabalhadores a cargo, do qual obtinha proveitos satisfatórios.

91. Em termos individuais denota ser um individuo com reduzida consciência crítica do reconhecimento da ilicitude e dos potenciais danos, não acautelando as eventuais consequências dos seus atos. A par, evidencia dificuldades em distanciar-se de situações menos normativas.

92. Em meio livre o arguido AA pretende regressar para junto do agregado familiar, que se encontra a residir na zona do ..., e retomar a atividade desenvolvida na área da construção civil.

93. Continua a usufruir do apoio da família, nomeadamente da sua companheira, desempregada, auferindo o R.S.I..

94. Em meio prisional o arguido tem mantido um comportamento de acordo com as regras sociais, não se encontrando integrado nas atividades desenvolvidas no Estabelecimento Prisional ....

95. O arguido AA não tem antecedentes criminais registados.

(…)

(Arguido BB)

112. O arguido BB é o mais velho de uma fratria de nove elementos, provindo de uma família de etnia cigana, cujos pais viriam a separar-se quando era pequeno, ficando cada um dos descendentes ao cuidado de familiares.

113. O arguido foi acolhido no agregado constituído de um tio paterno, em ..., num clima relacional descrito como adequado.

114. Com cerca de 15 anos regressou a Portugal, para integrar o agregado paterno, junto do pai e da madrasta, que viviam na ..., dando continuidade aos estudos no ensino noturno, na tentativa de prosseguir o ano, que tinha concluído naquele país.

115. O arguido começou a desenvolver atividade laboral na construção civil, aos 16 anos de idade, na mesma empresa onde o pai desenvolvia funções, atividade que foi mantendo de forma regular, por conta própria ou por conta de outrem, apresentando hábitos regulares de trabalho.

116. Aos 16 anos o arguido casou segundo a tradição cigana com a arguida OO, fruto do qual têm seis filhos, mudando-se o agregado para o Bairro ..., em ... ..., mais de duas décadas, num clima relacional afetivamente investido, com proximidade à família de origem, principalmente aos irmãos, mantendo um quotidiano organizado.

117. A economia do agregado registava estabilidade e dependia sobretudo dos rendimentos auferidos pelo arguido BB, que desenvolvia funções polivalentes na construção civil, a que acresciam o R.S.I. e os abonos dos menores.

118. Com um estilo de vida pouco enraizado nas tradições ciganas, o arguido assumia um papel parental significativo, sendo presente na vida dos descendentes e acompanhando-os nas suas atividades, nomeadamente na prática desportiva (boxe), numa academia no meio comunitário onde viviam a Escola ..., onde o próprio também treinou durante muitos anos.

119. À data dos factos, e desde 2015, o arguido BB vivia na localidade do .../..., integrado no agregado constituído de um dos irmãos (QQ), após a separação da companheira, na sequência de um relacionamento extraconjugal. Apesar da rutura conjugal, o arguido mantinha-se presente na vida dos filhos, encetando tentativas de reconciliação com a respetiva mãe e deslocando-se com frequência ao anterior meio comunitário.

120. Profissionalmente, desenvolvia atividade na área da construção civil, sobretudo na remodelação de habitações, funções executadas para um empregador (RR), proprietário da empresa “C...”, que o conhece mais de uma década, descrevendo-o como bom funcionário, com uma relação adequada com os colegas e com os clientes e como uma pessoa respeitada no seu meio residencial.

121. Após os factos em causa no âmbito dos presentes autos, o arguido BB deslocou-se com a ex-companheira e com os filhos, inicialmente para ..., para junto de familiares, emigrando o agregado posteriormente para .... Em Espanha prosseguiu atividade laboral na construção civil, único rendimento que assegurava a economia do agregado, reatando a relação conjugal com a mãe dos seus filhos.

122. O contexto intrafamiliar era caracterizado por proximidade afetiva, constituindo-se o arguido uma figura presente, que assumia a responsabilidade pela subsistência e pelo bem-estar da companheira e dos descendentes.

123. Em março de 2021 o arguido BB foi detido em Espanha, onde permaneceu até ser transferido para o Estabelecimento Prisional ..., a 6 de maio de 2021.

124. Em contexto prisional tem apresentado um percurso adequado, conforme às regras e sem registo de incidentes disciplinares, mantendo-se inativo em termos formativo-laborais e continuando a receber visitas regulares da família, nomeadamente da companheira, dos filhos e dos netos.

125. A atual situação de reclusão teve repercussões muito negativas nos      campos pessoal, sociofamiliar                  e profissional, impossibilitando o arguido de assegurar a subsistência da família através dos rendimentos provenientes do seu exercício profissional e afastando-o da companheira e dos filhos.

126. Em termos de saúde, o arguido BB sofreu dois acidentes vasculares cerebrais, aos 30 e aos 38 anos, que não deixaram sequelas, sendo acompanhado anteriormente devido a hipertensão.

127. O arguido apresentou-se adequado e correto na interação, com capacidade para pensar criticamente e posicionar-se segundo as regras, com forte sentido de pertença à família, sendo valorizado nos contextos em que interage.

128. O arguido BB não tem antecedentes criminais registados.”.


2. De direito
2.1. Recorrente AA

Relativamente a este recorrente, a questão que se discute consiste, na apreciação dos critérios utilizados no acórdão recorrido para a escolha e medida concreta da pena única aplicada, conforme o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do Código Penal.

Todavia importa fazer uma breve referência sobre a aplicação da medida concreta da pena e da pena única. Com efeito referir que nos termos do art.º 71.º, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente:

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.

Ou seja, a determinação da medida da pena é fixada dentro dos limites da moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.º 40.º, n.º 1, do CP. A culpa funciona como limite da medida da pena (n.º 2, do art.º 40.º, do CP), tal como se disse no Ac. do STJ, de 30/10/1996, Proc. n.º 96P725, em www.dgsi.pt, “A culpa jurídico penal vem a traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - Das Consequências Jurídicas do Crime", página 215), princípio este agora expressamente afirmado no n. 2 do artigo 40 do Código Penal de 1995.

Com o recurso à prevenção geral, procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.Com o recurso à prevenção especial, almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.”.

No concurso de crimes a pena única será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, de acordo com os critérios gerais de medida da pena contidos nos artigos 40.º, 71.º, n.º 1 e 77.º, do CP, como resulta do n.º 1, desta última disposição legal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Os crimes por que o arguido foi condenado estão em concurso e a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas singulares aplicadas aos vários crimes e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas, conforme dispõe o art.º 77.º, n.º 2, do CP.

 Assim sendo, a determinação da medida da pena terá de ser fixada dentro dos limites da  moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal. Tal como se disse no Ac. do STJ de 29/09/2022, Proc. n.º 6359/22.1T8PRT.S1, em www.dgsi.pt, “É dentro desta moldura, a moldura do concurso, que deve ser encontrada a pena única a aplicar, atendendo aos critérios gerais da culpa e prevenção (art. 71.º e 40.º, CP), e à regra específica da punição do concurso que manda atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido art. 77.º/1, CP). É ao conjunto dos factos que nos devemos ater para aquilatar da gravidade do comportamento ilícito do arguido. Impõe-se, agora, ao tribunal uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto e não como mera soma de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente (ac. STJ 16.05.2019, disponível em www.dgsi.pt).”.

Assim precisada a intervenção deste tribunal superior, importa apreciar os seus termos.


2.1.1 O ora recorrente, AA, funda a sua pretensão de ver reduzida a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, considerando que “(…)não se conforma com a medida da pena aplicada por violação de princípios e direitos fundamentais consagradas na  Constituição da República Portuguesa e no Código de Processo Penal no que concerne a valoração dos critérios de fixação da pena.”, pretendendo (…) a revogação da decisão recorrida no que concerne a medida da pena,” porquanto “(…)configura-se desajustada em face dos elementos que se deviam ter sido tomados em conta. O tribunal a quo, não avaliou devidamente a personalidade do agente, as suas condições socioeconómicas, bem como a sua contribuição e cooperação aquando da realização da audiência de discussão e julgamento, o que se impunha. Uma vez que tais circunstâncias, que diminuem de forma acentuada a culpa do agente, deveriam ter determinado a atenuação especial da pena.”, tendo o Tribunal valorizado “(…) excessivamente a intervenção do arguido, não tendo ponderado devidamente as suas condições pessoais de vida, o facto de o arguido se encontrar social, económica, familiarmente inserido e não ter antecedentes criminais.”, devendo a pena  “(…)  aplicada ao Arguido/Recorrente ser substancialmente reduzida.” – conclusões 4 a 7 e 12 e 14, das suas alegações de recurso, que aliás, já havia apresentado junto do tribunal recorrido.

Nos termos do acórdão recorrido, o mesmo foi condenado em cúmulo jurídico, na pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p nos termos dos arts.ºs 131.º, 132.º n.º 1 e 2, al. h) – Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; –, do CP, em concurso com um crime de detenção de arma proibida, em coautoria e na forma consumada, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2º, n.º 1, als. p) e s), 2º, n.º 3, al. p), 3º, n.º 6, e 8º, n.º 2, al. a), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

No caso concreto, tal como julgado pelo Tribunal recorrido,  a pena do concurso aplicável no seu limite mínimo é de 15 (quinze) anos de prisão e de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão no seu limite máximo.

Na determinação da pena única e perante as questões colocadas por este recorrente com argumentação praticamente igual à apresentada neste recurso para o STJ, decidiu-se no acórdão recorrido nos seguintes termos:

“Alega que o acórdão recorrido valorizou excessivamente a sua intervenção nos factos e não ponderou devidamente as suas condições vivenciais e o facto de estar social, económica e familiarmente inserido.

Quanto à invocada valorização excessiva da intervenção do arguido, não nos parece assistir razão ao Recorrente, porquanto de acordo com a materialidade dada como provada o Recorrente, além de ter atuado em coautoria e, portanto, em co- responsabilidade com os coarguidos/Recorrentes relativamente ao resultado morte produzido, teve, além do mais, uma participação individual assaz relevante na economia global dos factos.

Na verdade, foi o mesmo quem empunhou uma vara de madeira com um ferro na ponta, quem iniciou a agredir o JJ com a dita vara na cabeça, nos braços, no tronco, nas costas, nos membros inferiores, quem (após a vítima ter sido atingida por dois tiros de caçadeiras), juntamente com outros, ainda massacrou a vítima (é o termo) com mais golpes com a vara de madeira com ponta de ferro, uma pedra e um pedaço de vidro.

. Relativamente às suas condições pessoais, o acórdão recorrido, na fundamentação do doseamento das penas parcelares, fez alusão genérica à situação pessoal, económica e familiar do Recorrente.

Dos factos provados, com maior relevo, extrai-se que o Recorrente residia antes de ser preso em apartamento de tipologia T2 com a companheira e dois filhos, detinha um negócio próprio na área da construção civil, tinha 3 trabalhadores a seu cargo, tem o 4º ano de habilitações, está inserido em comunidade cigana e comunga dos hábitos inerentes à mesma.

Estas condições pessoais, a par da ausência de antecedentes criminais registados, funcionam como atenuantes a ter em conta, e que o foram. Porém, importa registar que esse aparente apoio familiar e inserção social, enquanto fatores de proteção, mostraram-se insuficientes para conter o comportamento do arguido dado como provado, tanto mais que o mesmo nasceu em .../.../1958 (tinha, portanto, 62 anos à data da prática dos factos), é pai e avó paterno dos restantes Recorrentes, com o que tal significa em termos de natural ascendente sobre os mesmos, não obstante, foi o primeiro a iniciar a agressão violentíssima à vítima, logo dirigida à cabeça.

Importa também realçar que a conduta da vítima antes da prática dos factos, nomeadamente a circunstância de o mesmo ter-se munido da sua caçadeira e ter desferido no coarguido LL um tiro num dos pés, o que lhe provocou lesões, não é inócua, valendo aqui, na mesma medida, as considerações já feitas a este propósito em relação ao arguido KK.

Também valem as realizadas a propósito da elevada ilicitude e necessidades de prevenção geral, que nos escusamos de repetir.

As necessidades de prevenção especial terão de levar em linha de conta a ausência de antecedentes criminais registados e até a idade do arguido, atualmente com 64 anos de idade.

Tudo visto e ponderado, atendendo à ponderação das variáveis agravantes e atenuantes, bem como o doseamento das necessidades de prevenção geral e especial realizados, entendemos que a pena concreta de prisão aplicada ao arguido no que respeita ao crime de homicídio deverá ser reduzida para 15 anos de prisão, sob pena de a sua condenação representar, na prática, uma prisão perpétua.

Já quanto à pena parcelar do crime de detenção de arma proibida, entendemos que a mesma é justa, proporcional e por isso também adequada, aliás fixada ligeiramente acima do mínimo legal da moldura abstrata.” – sublinhado nosso.

Aliás, sublinhe-se que o arguido não questiona a aplicação de pena de prisão, insurgindo-se somente contra a medida concreta da pena única. Porém, sem razão.

Assim é que, efectuando o cúmulo dessas penas, no acórdão recorrido refere-se o seguinte: “Verificada a existência de um concurso de crimes, é necessário estabelecer a moldura abstrata do concurso, que é construída a partir das penas singulares concretamente aplicadas aos vários crimes.

Tal moldura abstrata, tratando-se de pena de prisão, terá como limite mínimo a pena concreta mais elevada, de entre as penas concretas parcelares aplicadas, e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos (art.º 77.º, n.º 2 do CP). (…) temos por certo que os crimes em que cada Recorrente está condenado estão em concurso efetivo entre si, não só atendendo à sua pluralidade, como porque a condenação por cada qual não transitou em julgado.

As molduras abstratas do concurso, de acordo com os critérios supra mencionados, são agora:

(…)

- De 15 anos a 16 anos e 6 meses de prisão relativamente ao arguido AA (CC);

(…)

Considerando, por um lado, as circunstâncias concretas das condutas dos arguidos, que revelaram uma personalidade violenta no modo como o crime de homicídio foi executado, com maldade acentuada, indiferença ao sofrimento da vítima, que foi sendo agredida por diversos meios, com diversos instrumentos, em todas as partes do corpo e por diversas etapas, o que evidencia uma forte indiferença ao bem jurídico da vida humana e inculca uma culpa acentuada e uma ilicitude intensa.

Mas, por outro lado, que a vítima pouco antes havia desferido um tiro de caçadeira em familiar ou pessoa de proximidade afetiva, o facto de o crime de detenção de arma proibida ter sido um dos meios utilizados para a prática do crime capital, a idade do arguido AA (CC) - 64 anos -, a ausência de antecedentes criminais passíveis de valoração, a integração social e familiar dos arguidos, é possível realizar um juízo de prognose de que uma pena única mais próxima do limite mínimo da moldura penal abstrata do cúmulo será suficiente para os afastar futuramente da prática de novos ilícitos.

Assim, sendo, considera-se justo, proporcional e adequado aplicar, a título de penas únicas:

(…)Ao arguido AA (CC) 15 anos e 4 meses de prisão ” – sublinhado nosso.

Verifica-se, pois, que no acórdão recorrido se fez adequada e circunstanciada análise dos factos e se observaram os critérios legais de escolha e de determinação da medida concreta da pena a aplicar pela prática de cada um dos crimes perpetrados pelo arguido, respeitando nas considerações e ponderações efectuadas o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal, pelo que nada há a censurar ao decidido.

Com efeito, os fundamentos em que o tribunal recorrido se baseou para justificar a sua decisão, permitem considerar que aquele tribunal valorou as exigências da prevenção geral e, na apreciação da conduta do arguido foram ponderadas as circunstâncias do caso concreto que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente designadamente as suas condições de vida, social, laboral e familiar e a sua idade – conforme art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º, n.º 2, todos do Código Penal – sendo certo que, as circunstâncias apontadas quanto às exigências de prevenção especial relevam, com apreensão, para o juízo de prognose que o tribunal fez e com o qual se concorda.

Tendo presentes as exigências de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude do facto (muito elevado), o modo de execução dos crimes (em co-autoria e invasão da casa da vítima), a gravidade das suas consequências e a culpa do arguido, impõe-se concluir que a pena concretamente aplicada de 15 (quinze anos) anos e 4 (quatro) meses de prisão não é excessiva e teve em conta o exigido pela tutela dos bens jurídicos (a vida) e as consequências efectivas resultantes da sua actividade criminosa (a morte).

Com efeito, a  intensidade do dolo e o modo de violação do bem jurídico protegido, além da actuação em grupo e do desrespeito pela propriedade alheia, constitui motivo de alarme social e elevam as exigências de prevenção geral, tal como se valorou no acórdão recorrido, ao se referir às circunstâncias concretas das condutas dos arguidos, que no acórdão recorrido relativamente ao crime de homicídio foi salientado nos seguintes termos “(…) que revelaram uma personalidade violenta no modo como o crime de homicídio foi executado, com maldade acentuada, indiferença ao sofrimento da vítima, que foi sendo agredida por diversos meios, com diversos instrumentos, em todas as partes do corpo e por diversas etapas, o que evidencia uma forte indiferença ao bem jurídico da vida humana e inculca uma culpa acentuada e uma ilicitude intensa”. Estas circunstâncias juntamente com a culpa do arguido, e as suas circunstâncias pessoais, designadamente a personalidade revelada no modo concreto de actuação e a sua idade estabelecem um limite mínimo – o mínimo que a comunidade aceita para proteger estes bens jurídicos – e um máximo da pena, onde se encontrou a pena concreta aplicada tendo em conta as exigências de prevenção especial, que se mostra, justa, adequada e proporcional ao mal causado com a sua conduta.

Improcedem, pois, as alegações do recorrente AA.

2.2. Recorrente BB

2.2.1. O recorrente impugna, de novo, a medida concreta da pena única que lhe foi aplicada, considerando-a “(…) uma solução que viola os preceitos legais e princípios aplicáveis, afigurando-se como não rigorosa e irrazoável, devendo portanto, ser revogada…”, colocando as seguintes questões:

i) nulidade das declarações para memória futura prestadas pela testemunha HH – conclusões 1.ª a 16.ª, do recurso;

ii) nulidade do acórdão, com fundamento nos art.ºs 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a), ambos do CPP – conclusões 17.ª a 19.ª, do recurso;

iii) insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, com fundamento no disposto no art.º 410.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP e violação do princípio in dúbio pro reo – conclusões 20.ª, 20.ª (repetida a numeração) e 21.ª, do recurso;

iv) enquadramento jurídico-penal – conclusões  22.ª a 27.ª, 29.ª a 34.ª, do recurso;

v) medida concreta das penas parcelares e unitária aplicadas – conclusões 28.ª, 35.ª a 60.ª, do recurso.

Saliente-se que as questões apresentadas pelo recorrente e identificadas nos pontos i) a iv), são repetidas, por já terem sido apresentadas no recurso para o TRL e foram objecto de apreciação no acórdão recorrido, tal como bem referiu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto do TRL, na sua resposta ao recurso, pelo que, desde já se adianta que bem andou o acórdão recorrido na parte respeitante.

Com efeito, resulta do texto deste aresto, o acórdão de 12/01/2023, que – sobre as questões relativas às alegadas nulidades das declarações para memória futura prestadas pela testemunha HH, do acórdão, com fundamento nos art.ºs 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a), ambos do CPP, insuficiência da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, com fundamento no disposto no art.º 410.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP e da violação do princípio in dúbio pro reo e quanto ao alegado errado enquadramento jurídico-penal dos factos –o TRL fez exaustiva apreciação e análise dos fundamentos do recurso onde as mesmas haviam sido suscitadas, pronunciando-se sobre a matéria de facto apurada e concluindo não ter havido violação dos invocados princípios da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo e que não se verificavam as nulidades apontadas, pelo que, considerou não merecer censura a decisão da 1ª instância, nomeadamente no que se refere aos factos provados relativos ao dolo, os quais estavam devidamente sustentados na prova indicada na motivação do acórdão da 1ª instância impugnado.

Efectivamente, o que se constata é que o que recorrente faz, no seu recurso, é a impugnação à fixação da matéria de facto, discutindo a apreciação que a Relação efectuou sobre os factos e que, no seu entender foi errada, por o acórdão recorrido valorar de modo diferente a prova produzida em julgamento, designadamente a que resultou dos depoimentos efectuados pela  testemunha HH, ou a que resultou do apuramento sobre a matéria de facto, do dolo, ou da co-autoria e o respectivo enquadramento fáctico. Porém, é irrelevante o facto de o recorrente não concordar com a avaliação feita pela Relação das provas que a convenceram (explicadas na motivação), nomeadamente, quanto à factualidade apurada.

Nem lhe assiste razão no que concerne à invocada errada qualificação jurídica dos factos, tal como resulta da matéria de facto dada como provada e como bem foi esclarecido no acórdão recorrido, quando apreciou a mesma questão que fora colocada no recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido pela 1ª instância e, aqui, apresentada pelo arguido com igual argumentação – vd. a fundamentação do acórdão recorrido, sob os pontos 1 a 5, que aqui se dá por reproduzida.

As interrogações e suposições que o recorrente coloca em sede de recurso são inconsequentes, apenas revelando a tentativa de o mesmo querer impor a sua apreciação da prova, não sendo bastantes para integrar qualquer tipo de dúvidas que, aliás, a Relação não teve, pois, concordou com o decidido em 1ª instância, quando analisou imparcialmente toda a prova submetida à sua apreciação, tal como resulta quer do texto do acórdão da 1ª instância quer do da Relação, ora impugnado.

Na verdade, o recorrente, com as afirmações genéricas e abstratas que foi fazendo em sede de recurso, partindo nomeadamente de uma narrativa própria e de suposições e hipóteses que explana, mas que não encontram suporte no texto da decisão sob recurso, apenas revela que não concorda com a avaliação da prova que foi feita pelas instâncias, sendo certo que, as mesmas não são suficientemente fundamentadas e adequadas para infirmarem ou alterarem o que foi decidido.


2.2.2. No caso sob apreciação, o recorrente alega, de novo, erro notório na apreciação da prova, nos termos das als. a) e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, vício que, no seu entendimento importa uma decisão diferente sobre a matéria de facto, sem ter em conta que os poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 434.º, do CPP, apenas permitem apreciar, oficiosamente, os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, e não apreciar matéria de facto que ficou estabilizada com o acórdão da Relação e relativamente à qual já não é admissível recurso.

Como se notou no Ac. do STJ, de 09/03/2023, “Eventuais lacunas já não poderão ser colmatadas a não ser que haja alguma omissão de pronúncia sobre a qual aquele tribunal devesse ter sentenciado, ou quando tenha decidido com base em provas proibidas — o que de todo não é o caso”, e que, também, aqui não se verifica.

Não é o caso sob apreciação. Não obstante, perante o quadro normativo aplicável ao caso, apreciar-se-á, ainda que brevemente se, a partir do texto da decisão recorrida, se verifica os apontados vícios, violação do princípio in dubio pro reo e os previstos pelas als. a) e c), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, e se a matéria de facto considerada provada e não provada pela Relação “(…) atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, …” – acórdão de 09/03/2023, já citado.

Atendendo aos seus poderes de cognição, definidos no art.º 434.º, do CPP, o erro notório tem de resultar do próprio acórdão recorrido, sendo certo que a violação do princípio in dubio pro reo pode ser tratada como erro notório na apreciação da prova – art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP –, mas, para o efeito, é necessário que se verifique que, do texto da decisão decorra que o tribunal na dúvida decidiu contra o arguido.

Não é esse o caso presente, pois, do texto do acórdão recorrido aqui em análise não resulta que a Relação, na apreciação que fez, tivesse tido qualquer dúvida sobre o que, em matéria de facto, foi decidido pela 1ª instância, com a qual concordou, designadamente quanto à factualidade material dada como provada, quer quanto às circunstâncias concretas em que se verificou a ocorrência, quer quanto aos comparticipantes e ao modo como cada um agiu e se concertaram uns e outros, nem tão pouco que, da motivação apresentada, tivesse dúvidas quanto à conduta ou tivesse decidido contra o arguido – vd. ponto 3, da fundamentação e págs. 113 a 119, do acórdão recorrido.

Analisando o texto da decisão recorrida e, considerando a matéria de facto dada como provada, nos pontos 11 a 35 – particularmente, 11, 12, 15, 16, 21 e 23, quanto à localização do arguido e da vítima que se encontravas no interior da sua residência, onde foi atacada com violência pelo arguido e os seus acompanhantes co-arguidos, o seu modo de atuação disparando por duas vezes contra aquela vítima –, a decisão da Relação, não merece censura ao concluir como concluiu sobre a inexistência de erro na apreciação da prova e de violação dos princípios invocados pelo recorrente.

Aliás, do texto da decisão sob recurso, conjugado com as regras da experiência comum, não ressalta que outra pudesse ser a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente na parte que o recorrente impugna. Ao contrário do que pretende o recorrente, não foi de forma infundamentada, arbitrária, incongruente ou ilógica que o TRL se convenceu no sentido dos factos dados como provados, nomeadamente dos relativos ao modo como os factos foram praticados, de quem foram os seus autores e sobre a responsabilidade criminal de cada interveniente, bem como ao enquadramento jurídico dos factos.

Com efeito, no acórdão recorrido fundamentou-se nos seguintes termos:
i) Quanto ao enquadramento fáctico disse que “(…) resulta dos pontos 27 a 31 dos factos provados (e assentes), que os Recorrentes agiram com o propósito concretizado, e representado por todos, de tirar a vida ao JJ, de onde se extrai ter sido o seu propósito, a sua intenção direta, colocar termo à vida do JJ, o que afasta o enquadramento jurídico dos factos no crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado morte” ;
ii) Quanto à existência de dolo directo referiu que “(…) consta dos pontos 27 a 31 dos factos provados (e agora assentes), em especial dos pontos 30 e 31, que os Recorrentes agiram de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado, e representado por todos, de tirar a vida ao JJ, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Daqui resulta à saciedade a verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo na sua forma direta, dado que os arguidos previram e quiseram a morte da vítima.
Dito de outro modo, os factos dados como provados não permitem considerar que qualquer um dos Recorrentes não tivesse o propósito de provocar a morte da vítima JJ, apesar de ter previsto esse resultado como possível e da aceitação do mesmo, o que afasta a verificação do dolo na forma eventual.”;
iii) Quanto à co-autoria, justificou-se que (…) consta dos factos dados como provados que quer o arguido NN, quer o arguido BB, assim como os restantes Recorrentes, além de terem intervenção direta na prática do crime, celebraram previamente um plano, para cuja concretização conjugaram esforços e intentos, com o propósito de tirar a vida a JJ, mostrando-se preenchidos, consequentemente, os elementos objetivos e subjetivos da coautoria. Acresce que todos os coarguidos/Recorrentes, nomeadamente o NN (CC) e o BB (DD), tinham o domínio do facto típico, cada um dominou o facto global, em colaboração com os outros, mediante divisão de tarefas e de acordo com um plano estabelecido, todos contribuíram para o desenrolar da ação típica, sem que nenhum deles tivesse procurado parar ou interromper essa ação.
Dito de outro modo, resultou provado que os Recorrentes, motivados por vingança, formaram um projeto criminoso com vista a pôr termo à vida da vítima, distribuíram tarefas entre si, o arguido SS usou uma pedra, que desferiu na cabeça da vítima, este mesmo arguido, juntamente com o arguido BB e outro, muniram-se de uma espingarda caçadeira que se encontrava na casa da vítima, que um deles disparou na direção da vítima, por fim, os referidos dois arguidos, juntamente com os outros dois Recorrentes, desferiram novo número indeterminado de golpes no corpo da vítima, com vara de madeira, pedra e vidro, acabando por matar a vítima, como era seu propósito.
A participação dos arguidos NN (CC) e BB (DD) é idêntica à dos coarguidos/Recorrentes, todas com relevância para a consumação do crime, todas contribuindo para a ação típica, cada qual querendo e prevendo o resultado típico.

tudo conforme os pontos 5, 6 e 7, da fundamentação e páginas 131 a 135, do acórdão recorrido.

Por isso, sem qualquer margem para dúvidas, não se justifica recorrer ao princípio in dubio pro reo, que não é aplicável ao caso concreto e nem sequer se mostra violado. E, ao contrário do pretendido, em face dos factos provados, o arguido recorrente não agiu como mero cúmplice, designadamente prestando auxílio material ou moral aos restantes comparticipantes, antes, resulta provado que, desde a tomada de decisão do grupo que se dirigiu à casa da vítima, o mesmo integrou-o activamente, participando e agindo em conjunto com os outros nas agressões que a mesma sofreu e em consequência das quais veio a falecer.

Assim, mostrando-se confirmado que o juízo de facto efectuado pela decisão da 1.ª instância está sustentado na prova indicada e produzida em julgamento que, por essa via, obteve a infirmação dos factos dados como provados, apenas se pode concluir que também não foi afrontado o princípio da presunção de inocência, nem tão pouco o disposto no art.º 32.º, da CRP.  Assim “As provas indicadas pelo tribunal da 1ª instância, com as quais a Relação concordou são suficientes para sustentar, de forma objetiva, racional e com a necessária segurança, os factos que foram dados como provados.” – neste sentido vd. Ac. do STJ, de 06/10/2022, Proc. 103/21.8PCSTB.E1.S1, em www.dgsi.pt .

Por isso se concorda com o decidido no acórdão recorrido, assim se entendendo que, na parte respeitante, improcedem as alegações do recorrente BB.


3. Alega ainda o recorrente BB que a medida concreta das penas parcelares e unitária aplicadas são “ (…) exageradamente penalizantes, desconsiderando o Tribunal “a quo”, o respeito pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacentes à aplicação de qualquer sanção penal e, apenas valorizando a gravidade dos crimes praticados” – conclusões 28.ª, 35.ª, do recurso.

Valem aqui as considerações sobre a medida da pena efectuadas no ponto 2.1. relativamente ao recurso do arguido AA.

Acrescente-se que como se disse no Ac. de 30/10/2014, Proc. n.º 32/13.9JDLSB.E1.S1, em www.dgsi.pt, “(…) a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha sido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).”.

Na aplicação concreta da pena atende-se ao grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito, revelada no modo da sua execução, persistência de prosseguimento da acção e intensidade do propósito de concretizar o desígnio criminoso, circunstâncias estas apuradas em sede de audiência de julgamento.


3.1. No que a este arguido e a esta questão concerne, o TRL disse:

“O arguido BB (DD) foi condenado nas penas de prisão de 17 (dezassete) anos pela coautoria do crime de homicídio qualificado e 1 (um) ano e 6 (seis) meses pela coautoria do crime de detenção de arma proibida.

Alega que o tribunal valorizou excessivamente a natureza da gravidade dos crimes praticados e que as penas parcelares deveriam estar coladas aos mínimos legais, considerando:

- A ausência de antecedentes criminais registados;

- Estar inserido laboral e socialmente;

- Ter forte sentido de pertença à família;

- Ser bom funcionário e pessoa respeitada;

- Ser figura presente e de proximidade afetiva; - Ter um percurso prisional adequado; e

-Ter capacidade para pensar criticamente.

. Quanto à invocada valorização excessiva da natureza e gravidade dos crimes praticados, repete-se o que já se deixou exarado a tal propósito, isto é, que o crime de homicídio, ademais cometido com extrema violência e até barbárie, atendendo à forma repetida como 4 pessoas agrediram, com diversos instrumentos, a vítima JJ por todo o corpo, na própria residência deste, pela calada da noite, atenta contra o bem jurídico supremo da vida, não se percebendo, por isso, como é que o tribunal pode ter valorado excessivamente a natureza do crime e a sua gravidade.

.Relativamente ao facto de o arguido estar inserido laboral e socialmente, ter forte sentido de pertença à família, ser bom funcionário, pessoa respeitada, figura presente na vida dos filhos e pessoa de proximidade afetiva, o acórdão recorrido faz menção, na fundamentação do doseamento das penas parcelares, à situação pessoal, económica e familiar do Recorrente.

Dos factos provados, com maior relevo, extrai-se que o Recorrente trabalha desde os 16 anos de idade na área da construção civil, tem 6 filhos, tem boa relação com os demais elementos da família alargada, assumia papel significativo na vida dos filhos, acompanhava-os às atividades, nomeadamente à prática de boxe, onde o próprio também treinou largos anos, é tido como bom funcionário e colega de trabalho, é uma pessoa respeitada no meio onde vive, após os factos fugiu para ... e depois para Espanha, onde foi detido em março de 2021, desde que está em prisão preventiva tem apresentado um percurso adequado no EP, sem incidentes disciplinares, em sede de audiência de julgamento apresentou-se como adequado e correto, com capacidade para pensar criticamente e posicionar-se segundo as regras.

Estas condições pessoais, a par da ausência de antecedentes criminais registados, funcionam como atenuantes a ter em conta, e que o foram, de acordo com o acórdão recorrido.

Sem prejuízo, impõe-se registar também quanto a este arguido que esse apoio familiar e inserção social e profissional, enquanto fatores de proteção, mostraram-se insuficientes para conter o comportamento do arguido dado como provado, na presença, aliás, do filho menor de idade aqui arguido conhecido por “CC”, não tendo sido capaz de se constituir como figura de proteção do referido filho, apesar do forte sentimento de ligação familiar evidenciado e de ser figura de retaguarda significativa na vida dos filhos.

Importa também considerar a conduta da vítima antes da prática dos factos, valendo aqui as considerações já expendidas a este propósito em relação ao arguido KK.

Também valem as realizadas a propósito da elevada ilicitude e necessidades de prevenção geral, que nos escusamos de repetir.

As necessidades de prevenção especial deverão ter em conta a ausência de antecedentes criminais registados e a imagem global positiva que rodeia o arguido em termos sociais e familiares.

Tudo visto e sopesado, atendendo às variáveis agravantes e atenuantes, bem como o doseamento das necessidades de prevenção geral e especial realizados, entendemos que a pena concreta de prisão aplicada ao arguido no que respeita ao crime de homicídio deverá ser reduzida para 15 anos de prisão.

Já quanto à pena parcelar do crime de detenção de arma proibida, entendemos que a mesma é justa, proporcional e por isso também adequada, aliás fixada ligeiramente acima do mínimo legal da moldura abstrata.”.

Adianta-se que, no aspecto questionado no presente recurso nada há a apontar à decisão recorrida, porquanto se tem como muito elevado o grau de ilicitude na prática dos factos e da culpa com que agiu o ora recorrente, actuando em grupo familiar e com comunhão de esforços e intenções, tendo presente a ação concreta, impondo-se que tivesse agido de outro modo, com sentido de responsabilidade, sendo de elevada gravidade as consequências da sua conduta, vistas as lesões sofridas pela vítima que lhe causaram a morte.

E, apesar de não possuir antecedentes criminais, a verdade é que, como se salientou na decisão recorrida, o arguido não foi capaz de conter o seu comportamento de modo ajustado e socialmente aceite, designadamente a constituir um exemplo para o seu filho, também, participante nos factos.

No caso, o tipo de crime cometido revela bem as carências de socialização do recorrente, verificando-se que no acórdão recorrido, o TRL foi sensível ao que se apurou em relação às suas condições pessoais e familiares e profissionais (antes e após o cometimento dos factos) e à sua situação económica, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.

3.2. De salientar que as únicas circunstâncias atenuantes apontadas pelo ora recorrente foram, precisamente, as salientadas pelo tribunal recorrido na sua fundamentação – “(…) a falta de “…antecedentes criminais registados …”, estando perfeitamente inserido laboral e socialmente, ser ””…bom funcionário e pessoa respeitada no seu meio residencial…”, “…figura presente… de proximidade afetiva”,…com percurso prisional adequado…” e, “ “…com capacidade para pensar criticamente… com forte sentido de pertença à família…”, conclusão 58, das alegações de recurso.

Com efeito, não se vislumbra em que medida as ora apontadas condições diferem das que foram devidamente ponderadas pelo tribunal recorrido, sendo manifestamente impertinente e gratuita a afirmação de que a decisão revela “ (…) alguma arbitrariedade na decisão tomada, quando se verifica ao longo da mesma, uma enorme disparidade d e critérios utilizados, quase que como utilizando dois pesos e duas medidas.”, e que apenas se aceita considerando o calor empregue na sua defesa.

Porém, tais factos não são reveladores de que o mesmo tenha um comportamento ético de acordo com a vivência em família e em sociedade, pois, os factos provados denotam um grau baixíssimo de autocensura e de pouco reconhecimento dos valores sociais de respeito e consideração pelo outro, tendo agido com manifesto desprezo pelo bem jurídico protegido (a vida humana).

Por isso, as exigências de prevenção geral e especial,  no caso, exigem uma atenção particular porquanto é elevado o grau de censurabilidade do seu comportamento e são muito elevadas as exigências de reafirmação de que esses comportamentos não são socialmente aceitáveis, sendo certo que a sua modesta modesta condição social não é qualificativo pessoal que atenue especialmente a pena a aplicar, uma vez que, todos os cidadãos estão obrigados a não cometerem crimes, e vista a necessidade de defesa comunitária deste tipo de comportamento criminal, quer pela violência associada ao seu modo de actuação, quer pela objectiva gravidade do crime cometido com forte intenção (e persistência manifestada nas agressões que 4 pessoas infligiram a uma pessoa indefesa) em retirar a vida a outra pessoa.

3.3. Deste modo, não merece censura a pena aplicada ao ora recorrente quanto ao crime pelo qual foi condenado, crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 2, al. h), do CP – pena de quinze anos de prisão –, pois, se encontra suportada em adequada fundamentação. O mesmo se diga quanto à pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida.

Em concreto, o comportamento do arguido BB é de molde a impor, justa, objectiva e proporcionalmente uma pena graduada nos limites da culpa com que o mesmo actuou, atenta à gravidade do crime de homicídio, – cujo bem jurídico é a protecção da vida humana –, e a necessidade de prevenção geral e especial perante este tipo de criminalidade que, no caso, ainda se mostra mais exigível considerando que o mesmo teve origem em circunstâncias de vingança pessoal do agregado familiar do arguido sobre um episódio sem grande gravidade que envolveu um outro familiar,  e perpetuadas na sua conduta persecutória e vingativa, com tal alcance, que causou a morte da vítima, situação essa susceptível de causar alarme social, pelo que, a pena aplicada de modo algum, se pode considerar excessiva.

Confirmando-se a decisão  quanto à pena que é objecto da discordância do recorrente, também não há razão para alterar o decidido quanto à pena conjunta, que se mostra estabelecida com observância do disposto no art.º 77.º, do Código Penal. Aliás, neste aspecto, a sentença não vem questionada senão como decorrência da pretensão de redução da pena parcelar pelo homicídio.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:

a) Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, confirmando-se a sentença recorrida.

b) Fixar em 6 UC a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes.

Lisboa, 07 de Junho de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Agostinho Torres (Adjunto)

António Latas (Adjunto)