Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
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Data da Decisão Sumária: | 09/07/2021 | ||
Votação: | --- | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | DESPACHO
1. No âmbito dos presentes autos, foi proferida sentença em 11.10.2012, no Tribunal Judicial da Comarca ……., Juízo Local ……. - Juiz …., transitada em julgado em 6.11.2012, que condenou o arguido AA, pela prática, em autoria material, de: a). um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível (p.e p.) nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal (CP), na pena de 3 meses de prisão; b). um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n° 1 e 2 do DL 2/98, de 03.01, na pena de 1 ano de prisão. c). e na pena única de 1 ano e 1 mês de prisão, suspensa na execução por igual período de I ano e 1 mês, condicionada á obrigação se submeter às entrevistas c programas formativos que se encontrem disponíveis na DGRS da área da residência e a definir na sequência do respectivo plano de acompanhamento.
2. Em 20.01.2021, veio o arguido interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, alegando que não teve oportunidade de exercer o seu direito ao contraditório aquando da revogação da pena suspensa, nem à declaração de contumácia da sua pena, dado se encontrar ausente do país, aquando da prolação das referidas decisões, bem como invoca que, à data dos factos, a razão da sua conduta era motivada pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas, tendo se submetido voluntariamente a tratamento para tal dependência, juntando para o efeito documento datado de 19.08.2020, subscrito por diretor da Clínica “……..” em …….. .
3. O recurso foi admitido por despacho de 22.01.2021.
4. A Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de negar o presente recurso de revisão.
5. Na informação a que alude o artigo 454.º, do CPP, a Senhora Juíza entendeu que face à junção dos documentos anteriores e ao teor do recurso, em causa não são necessárias efetuar mais diligências, sendo o seu entendimento que o recurso extraordinário de revisão não merece provimento.
6. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde no seu Parecer o Senhor Procurador-Geral Adjunto, disse que relevando a pretensão do recorrente da manifesta improcedência, deve ser negada a revisão.
7. Foi dado conhecimento deste Parecer ao arguido.
8. O arguido através do seu Ilustre Mandatário veio desistir do recurso.
9. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da validade e eficácia da desistência apresentada pelo recorrente.
10. Vejamos. 11. O direito ao recurso está inscrito na Constituição da República Portuguesa (CRP) como direito fundamental (processual, garantia de defesa) inerente ao respectivo titular, que, como outro direito fundamental, obriga o Estado à criação de meios de concretização e efectivação processual, mas o respectivo exercício, como direito pessoal próprio, não é imposto ao titular: a construção do direito impõe a criação de condições de exercício, mas a efectivação em concreto não pode ser imposta ao respectivo titular. A definição processual do direito consta, também por este modo, do estatuto dos sujeitos processuais, sendo que, relativamente ao arguido, o direito ao recurso das decisões que lhe sejam desfavoráveis está inscrito no artigo 61.º, n.º 1, al. i), do CPP. Construído como direito, o seu exercício, uma vez verificados os pressupostos processuais de admissibilidade, depende inteiramente da vontade do respectivo titular, que avaliará as condições, meios, probabilidades, perspectivas, ou vantagens para decidir sobre se pretende exercer, ou não, o respectivo direito. Mas, na lógica da construção do direito com garantia inerente ao respectivo estatuto processual, a faculdade, livre e responsável, do exercício vai de par com a disponibilidade do direito e com a consequente possibilidade de não exercício, quer pelo esgotamento dos prazos, quer pela desistência se posterior juízo for mais conforme à vontade e à perspectiva do titular sobre o melhor modo de regular o exercício dos seus direitos. A faculdade de desistência, que está inscrita na construção conceptual do direito (quem pode exercer pode deixar de exercer), só terá que ceder perante disposição expressa que, perante outros interesses processuais, designadamente pela aquisição de estabilidade da fase do recurso com a intervenção de outros sujeitos processuais, limite o uso de tal faculdade. É apenas nesta perspectiva que se compreende e deve ser interpretado o disposto no artigo 415.º do CPP, quando estabelece um termo ad quem da admissibilidade da desistência. Inserida, porém, neste contexto, a disposição não pode ser entendida como concedendo um direito (o direito ao recurso existe como integrante do estatuto do sujeito processual, inerente à construção do próprio direito), mas como limitadora de uma faculdade, devendo, por isso, ser estritamente interpretada, sem alargamento a situações que não estejam directamente previstas. 12. No caso vertente, o artigo 415.º, do CPP prevê a possibilidade de desistência do recurso interposto “até ao momento de o processo ser concluso ao relator para exame preliminar”. Apesar de a parte relativa à disciplina do recurso extraordinário de revisão não conter norma semelhante, nem norma remissiva como a constante do artigo 448.º, no que respeita ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, tem vindo a entender-se que tal não obsta à possibilidade de desistência relevante no recurso de revisão[1]. Também Simas Santos e Leal Henriques sustentam a admissibilidade de desistência no recurso de revisão, por entenderem que as alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, nomeadamente ao artigo 465.º, modificaram os pressupostos subjacentes à posição anteriormente defendida no sentido da inadmissibilidade da desistência[2]. 13. O n.º 1, do artigo 415.º do CPP fixa o limite ad quem para a desistência relevante: “até ao momento de o processo ser concluso ao relator para o exame preliminar”. Ora, a disciplina do recurso de revisão não contém uma norma específica para o exame preliminar do recurso, equivalente à constante do artigo 417.º para os recursos ordinários; todavia esse exame preliminar não pode deixar de ser efectuado no despacho previsto na parte final do nº 1, do artigo 455.º, pelo que deve ser esse o marco a ter em consideração. 14. Nos presentes autos, a declaração de desistência do recurso foi apresentada quando os mesmos estavam conclusos à Relatora para os efeitos previstos naquela norma, mas antes de ter sido proferido qualquer despacho. Entendemos, deste modo, que face à literalidade do dispositivo poder-se-ia considerar que aquela desistência não deveria ser já admissível. Recordando o aresto indicado em rodapé, diz-se que o artigo 415.º do CPP não dispõe sobre o exercício do direito ou a consagração de uma faculdade de desistir, mas sobre limites processuais do exercício em face de estádio de desenvolvimento da instância de recurso e da estabilidade da instância e “os interesses que fundamentam a existência do recurso de revisão, vão no sentido da manutenção da estabilidade quando o interessado vem expressamente admitir, em fase prévia do recurso, após melhor ponderação, que não se verificam ou subsistem os pressupostos em que primeiro fundamentou a petição de recurso”. 15. Ainda sobre este tema, diremos que em relação à redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a única modificação operada no preceito, por este diploma, analisa a competência para julgar a desistência, que é presentemente atribuída ao relator e não à conferência, pelo n.º 2 do artigo. Cumpre, pois, decidir, no pressuposto de que a aplicação da lei nova não tem, no caso, por consequência, “agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa” ou “quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo”. A partir do momento em que o processo é concluso ao relator, é possível que o exame preliminar seja lavrado e daí a expressão usada pela lei. No entanto, os termos da norma não iludem o facto de o legislador ter querido estabelecer como barreira temporal, à desistência, a emanação do dito despacho preliminar. Porque, na verdade, é este despacho que constitui um marco do processamento que inicia outra fase, depois de se ter procedido a “uma espécie de saneamento do processo para efeitos de definir os termos do conhecimento do objecto do recurso" (Cf. Ac. do STJ de 19.10.2005 – Processo n.º 1932/05 – 3ª Secção). Não é evidentemente o acto de secretaria de abrir conclusão ao relator que preclude a possibilidade de desistência. Tal preclusão só pode estar dependente de uma decisão judicial que é o despacho de exame preliminar. Pelo que, não existe razão nenhuma para que, muito embora aberta conclusão, se o exame preliminar não teve lugar, a desistência seja de admitir. Esta a posição assumida no acórdão acima referido, e que se reporta a uma desistência, ainda que num acórdão de fixação de jurisprudência, ou ainda no acórdão do STJ de 12.1.2006 (Pº n.º 2024/04 – 5ª Secção). 16. Destarte, admito a desistência do presente recurso, julgando a mesma válida, interposta em tempo e por quem tinha legitimidade para desistir, declarando-se, em consequência, extinta a instância (artigo 277.º al. d), do CPC ex vi artigo 4.º, do CPP e artigo 448.º deste último Diploma). Baixem os autos ao Tribunal Judicial da Comarca ……, Juízo Local ……. - Juiz …. porque extinta a instância. 17. Sem custas.
7 de Setembro de 2021 Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP.
Margarida Blasco (Relatora)
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[1] Conforme o acórdão deste STJ, invocado pela Sra. PGA, de 28-05-2008- Proc. 08P1523, disponível em www.dgsi.pt., em cujo sumário se consignou o seguinte: “I - O direito ao recurso está inscrito na CRP como direito fundamental (processual, garantia de defesa) inerente ao respectivo titular, que, como outro direito fundamental, obriga o Estado à criação de meios de concretização e efectivação processual, mas o respectivo exercício, como direito pessoal próprio, não é imposto ao titular: a construção do direito impõe a criação de condições de exercício, mas a efectivação em concreto não pode ser imposta ao respectivo titular. II - A definição processual do direito consta, também por este modo, do estatuto dos sujeitos processuais, sendo que, relativamente ao arguido, o direito ao recurso das decisões que lhe sejam desfavoráveis está inscrito no art. 61.º, n.º 1, al. i), do CPP. III - Construído como direito, o seu exercício, uma vez verificados os pressupostos processuais de admissibilidade, depende inteiramente da vontade do respectivo titular, que avaliará as condições, meios, probabilidades, perspectivas, ou vantagens para decidir sobre se pretende exercer, ou não, o respectivo direito. IV - Mas, na lógica da construção do direito com garantia inerente ao respectivo estatuto processual, a faculdade, livre e responsável, do exercício vai de par com a disponibilidade do direito e com a consequente possibilidade de não exercício, quer pelo esgotamento dos prazos, quer pela desistência se posterior juízo for mais conforme à vontade e à perspectiva do titular sobre o melhor modo de regular o exercício dos seus direitos. V - A faculdade de desistência, que está inscrita na construção conceptual do direito (quem pode exercer pode deixar de exercer), só terá que ceder perante disposição expressa que, perante outros interesses processuais, designadamente pela aquisição de estabilidade da fase do recurso com a intervenção de outros sujeitos processuais, limite o uso de tal faculdade. VI - É apenas nesta perspectiva que se compreende e deve ser interpretado o disposto no art. 415.º do CPP, quando estabelece um termo ad quem da admissibilidade da desistência. Inserida, porém, neste contexto, a disposição não pode ser entendida como concedendo um direito (o direito ao recurso existe como integrante do estatuto do sujeito processual, inerente à construção do próprio direito), mas como limitadora de uma faculdade, devendo, por isso, ser estritamente interpretada, sem alargamento a situações que não estejam directamente previstas. VII - Por isso, a circunstância de a disciplina do recurso de revisão não conter disposição que remeta, em geral, para os recursos ordinários, incluindo o art. 415.º do CPP, não pode ter o sentido, amplificado, de retirar ao titular do direito ao recurso a faculdade de exercício negativo, incluindo a desistência. VIII - O art. 415.º do CPP não dispõe sobre o exercício do direito ou a consagração de uma faculdade de desistir, mas sobre limites processuais do exercício em face de estádio de desenvolvimento da instância de recurso e da estabilidade da instância. IX - Por outro lado, os interesses que fundamentam a existência do recurso de revisão, que está consagrado como direito constitucional individual (interesses da justiça, tendo em consideração, porém, a excepcionalidade da perturbação da estabilidade do caso julgado e da consequente segurança), vão no sentido da manutenção da estabilidade quando o interessado vem expressamente admitir, em fase prévia do recurso, após melhor ponderação, que não se verificam ou subsistem os pressupostos em que primeiro fundamentou a petição de recurso. X - A disponibilidade e lealdade processual do interessado e titular do direito de recorrer não poderá reverter contra este, obrigando ao prosseguimento do recurso que o titular do direito, em juízo actual, entende não ter fundamento”. |