Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
854/13.0TYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
ALÇADA
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 06/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- O art. 14.º do CIRE não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade dos recursos, entre elas a relação entre o valor da causa e a alçada.

II- Por isso, estando o valor da causa contido na alçada do tribunal da Relação, não é admissível o recurso de revista que foi interposto.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 854/13.0TYLSB-A.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

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Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

A Recorrente AA reclama para a conferência contra o despacho do relator de 29 de março de 2021, que julgou inadmissível o recurso de revista que interpôs.

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Não se mostra oferecida resposta.

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Cumpre apreciar e decidir.

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Os fundamentos do despacho do relator, por adesão a despacho preliminar de 3 de março de 2021, são os seguintes:

“Independentemente de ser ou não atendível no caso o art. 14.º do CIRE[1], a admissibilidade do presente recurso está necessariamente condicionada pela verificação dos requisitos gerais dos recursos, entre estes o de que a causa tenha um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Há toda uma jurisprudência firmada neste Supremo no sentido de que nem a revista à luz do art. 14.º do CIRE[2], nem a revista excecional prevista no art. 672.º do CPCivil[3], prescindem da verificação desses requisitos gerais.

Ocorre que o valor da presente causa é de €28.161,86, que foi, aliás, o valor que lhe foi atribuído pela própria Requerente.

Valor que, é certo, não foi objeto de controlo (v. art. 306.º do CPCivil) por parte do tribunal competente (o de 1.ª instância), mas as partes também não reagiram contra essa omissão, pelo que é o valor a atender definitivamente[4].

Tal valor está contido na alçada do tribunal recorrido, que é de €30.000,00 (art. 44.º da Lei n.º 62/2013 - Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Logo, não será admissível o recurso (v. n.º 1 do art. 629.º do CPCivil).

Acresce observar que, pese embora vir invocada uma oposição de julgados, não estamos aqui perante hipótese em que seja admissível recurso independentemente do valor da causa, isto com reporte à alínea d) do art. 629.º, n.º 2 do CPCivil[5]. A própria Recorrente subscreve necessariamente esse ponto de vista, como resulta da adesão (n.º 40 da alegação e na conclusão W) que faz ao acórdão deste Supremo de 13 de julho de 2017, aliás subscrito pelo autor do presente despacho.”

A Reclamante contesta este entendimento, porém apenas na parte em que se defende que a admissibilidade do recurso não independe do valor da causa.

Mas não se pode acompanhar a Reclamante.

Como se diz no despacho do relator, há toda uma jurisprudência firmada neste Supremo[6] no sentido de que a revista à luz do art. 14.º do CIRE (e o mesmo se poderia dizer da revista excecional) não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade dos recursos (v. art. 17.º do CIRE e art. 629.º, n.º 1 do CPCivil), entre eles o de o valor da causa exceder a alçada do tribunal de que se recorre.

Nem poderia deixar de ser assim, na medida em que quando a lei não estabelece expressamente o contrário valem para todo e qualquer recurso cível as condições gerais de admissibilidade dos recursos.

No caso vertente o valor da causa (€28.161,86), aliás atribuído pela própria Reclamante, está contido na alçada do tribunal de que se recorre (€30.000,00), pelo que o recurso de revista aqui em causa não é admissível.

Cabe apenas observar que o acórdão que a Reclamante cita no ponto 3 do seu requerimento nada decide em contrário do que fica dito, movendo-se num contexto totalmente diferente.

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Decisão

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação, julgando inadmissível o recurso, que se considera findo por não haver que conhecer do seu objeto.

Regime de custas

A Reclamante é responsável pelas custas do incidente de reclamação. Taxa de justiça: 3 Uc’s.

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Lisboa, 9 de junho de 2021

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José Rainho (Relator)

Graça Amaral (tem voto de conformidade, não assinando por razões de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

Maria Olinda Garcia (tem voto de conformidade, não assinando por razões de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).

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[1] A Recorrente supõe que é atendível, mas isso não corresponde à jurisprudência que está firmada neste Supremo Tribunal de Justiça. Aqui tem-se entendido reiteradamente que tal norma é de aplicação exclusiva ao processo de insolvência em si mesmo (e incidentes processados no seu seio) e embargos à sentença que declarou a insolvência, e não também aos processos que devam correr por apenso, como é precisamente o situação do presente processo. Os processos que corram por apenso estão sujeitos ao regime dos recursos tal como constante do CPCivil. Assim, no caso vertente, somente pela via da revista excecional poderia ser o recurso introduzido. Trata-se, porém, de um problema menor, na medida em que, tendo sido invocada uma oposição de julgados, sempre haveria que mandar seguir o recurso como revista excecional (art. 193.º, n.º 3 do CPCivil).
[2] V., por todos, o acórdão de 18 de setembro de 2014 (Processo nº 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt): o art. 14.º do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro – não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade dos recursos, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada.”
[3] V., por todos, os acórdãos deste Supremo de 28 de junho de 2018, revista excecional n.º 641/13.6TYVNG-B.P1.S2, e de 18 de setembro de 2018, revista excecional n.º 4562/15.0T8VIS.A.C1.S1 (com sumários disponíveis em www.stj/jurisprudência/revista excecional). Lê-se do sumário deste último que: “I - Como decorre do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, a revista excepcional só pode ter lugar nos casos em que seria admissível revista a título normal, só deixando de o ser por se verificar a dupla conforme. II - Se, em função do valor da acção, esta não admite recurso de revista normal, logo, também, não admite recurso de revista excepcional”. Concordantemente, v. Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 330) e Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., p. 232).
[4] V. a propósito, mutatis mutandis, os acórdãos deste Supremo de 2 de junho de 2015 (processo n.º 189/13.9TBCCH-B.E1.S1), de 11 de julho de 2019 (Processo n.º 3461/15.0T8VNF-E.G1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt); e de 11 de dezembro de 2018, processo n.º 7124/15.8T8VNG-F.P1-A.S1, com sumário em www.stj/jurisprudência/sumários).
[5] Efetivamente, a boa interpretação desta norma vai no sentido de que tem em vista exclusivamente aqueles processos em que a lei limita absolutamente o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (mas sem ser por causa da alçada), como sucede, por exemplo, nas hipóteses do n.º 2 do art. 370.º do CPCivil ou do n.º 5 do art. 66.º do Código das Expropriações (neste sentido, v. os acórdãos deste Supremo de 18 de setembro de 2014, processo n.º 1852/12.7TBLLE-C.E1.S1 (disponível em www.dgsi.pt); de 26 de novembro de 2019, processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1 (disponível em www.dgsi.pt); de 10 de dezembro de 2019, processo n.º 704/18.1T8AGH-A.L1.L1.S2 (disponível em www.dgsi.pt); de 11 de fevereiro de 2020, processo n.º 383/17.3T8BGC-B.P1.S2; de 27-02-2020, processo n.º 14021/17.0T8LSB.L1.S1, estes dois últimos sumariados em www.stj/jurisprudência/acórdãos/sumários). Não é o caso do processo aqui em questão.
[6] V., entre muitos outros, o recente acórdão de 02-03-2021, Revista n.º 1198/19.0T8AMT.P1.S1 - 6.ª Secção, com sumário em www.stj/jurisprudência/sumários: “A revista atípica e restrita contemplada pelo art. 14.º, n.º 1, do CIRE não pode ser admitida, independentemente dos seus requisitos e fundamentos respeitantes a uma oposição jurisprudencial relevante, se não estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade estatuídos no art. 629.º, n.º 1, do CPC, nomeadamente se o valor da causa fixado ao abrigo do art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC for igual ou inferior ao valor da alçada do tribunal recorrido.”
No mesmo sentido, o também recente acórdão de 23-02-2021, Revista n.º 5989/17.8T8STB-E.E1.S1 - 6.ª Secção, com sumário igualmente em www.stj/jurisprudência/sumários: “O art. 14.º do CIRE não prescinde do pressuposto geral do valor da causa, em conformidade com o art. 629.º, n.º 1, do CPC. Tendo o recurso o valor de € 5 000,01, a revista prevista no art. 14.º do CIRE não é admissível.”