Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO CAMEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES BOA FÉ DEVER DE INFORMAÇÃO DEVER DE LEALDADE DEVERES DE ESCLARECEIMENTO PRÉVIO CULPA IN CONTRAHENDO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS PEDIDO GENÉRICO LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/06/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS - SENTENÇA - RECURSOS | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, III, pág. 174. - António Menezes Cordeiro, Da Boa fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 650-651. - Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I – Conceito, Fontes, Formação – 2ª edição, págs. 176, 178-179. - Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 355-358. - Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, vol. II, Coimbra Editora, 2008, págs. 1381, 1385 e segs.. - Sónia Moreira da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual Por Violação dos Deveres de Informação, págs. 113, 122, 145, 204. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, N.º1, 341.º, 356.º, N.º 2, 392.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 467º, Nº 1, D), 471.º, N.º 1, ALÍNEA B), 659º, Nº 3, 660º, Nº 2, 661.º, N.º 2, 664.º, 668.º, N.º 1, AL. D), 684.º, N.º4, 690.º-A, 690.º, N.º 2 ALÍNEAS A) E B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19/5/09, PROCESSO N.º 2684/04.1TBTVD.S1, EM WWW.DGSI.PT -DE 2/7/09, PROCESSO N.º 1122/2002.S1; 2/7/09, PROCESSO N.º 1069/05.9TVLSB.S1; 26/5/09, PROCESSO N.º 3104/03.4TBVFX.S1; 31/3/09, PROCESSO N.º 335/09; 19/2/09, PROCESSO N.º 3652/08; 12/2/09, PROCESSO N.º 14/09; 27/1/09, PROCESSO N.º 3993/08; 27/11/08, PROCESSO N.º 3603/08. | ||
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Sumário : | I - Ao impor a boa fé como regra de conduta o art. 227º, n.º 1, do CC, respeitante à culpa na formação dos contratos, estabelece como pressuposto da responsabilidade pelos danos culposamente causados à outra parte, isto é, da obrigação de indemnizar, uma actuação violadora de tal regra, a qual abarca um conjunto de deveres que inclui, entre vários outros, os de informação, de protecção e de lealdade. II - Na previsão desta norma incluem-se, quer a ruptura de negociações, quer a conclusão dum contrato ineficaz, quer ainda protecção face a contratos “indesejados”, designadamente a celebração de um contrato não correspondente às expectativas devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão do esclarecimento devido. III - A aferição da existência de culpa na formação do contrato por violação dos indicados deveres de informação e de lealdade impõe que se determinem, em concreto, os limites de tais deveres, procurando para esse efeito estabelecer um critério jurídico que simultaneamente tenha em conta, não apenas o princípio da boa fé, mas também os princípios fundamentais da autonomia privada e do equilíbrio das prestações que regem o direito privado dos contratos. IV - Em concreto, a responsabilização dos réus com fundamento, quer na culpa in contrahendo, quer no cumprimento defeituoso do contrato-promessa que antecedeu a constituição da sociedade, foi correctamente afastada pelo acórdão recorrido porquanto não se fez prova, por um lado, de que os autores tenham celebrado um contrato desvantajoso em consequência da violação de deveres de esclarecimento, de informação e de lealdade imputável aos réus, e, por outro, que os autores tenham sofrido prejuízos na sua esfera jurídica que sejam consequência juridicamente adequada de actuação dos réus contrária à boa fé no decurso da fase pré-contratual. V - Da conjugação dos arts. 471.º, n.º 1, al. b), e 661.º, n.º 2, do CPC, extrai-se que a apresentação de um pedido genérico, nos casos em que se não mostra possível determinar as consequências do acto ilícito, não dispensa o autor de especificar os danos sofridos em resultado de tal conduta, apenas lhe permitindo que deixe para momento posterior a respectiva quantificação. VI - Assente a verificação de danos – sejam eles danos emergentes ou lucros cessantes - mas não havendo no processo elementos que permitam quantificar a indemnização devida, impõe-se o recurso à norma do artº 661º, nº 2, do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG propuseram uma acção ordinária contra HH e II, pedindo que os réus fossem condenados a indemnizar os autores pelos prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato-promessa identificado na petição inicial, resultantes dos lucros cessantes que se vierem a liquidar, bem como a restituir-lhes a quantia de 173.392,00 € com que injustificadamente se locupletaram, tudo acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal. Em resumo, alegaram que tendo contactado os réus na sequência de um anúncio que estes fizeram publicar num jornal, informando que procuravam investidores para um projecto no Brasil consistente na compra de propriedades para a instalação de viveiros de camarão, acordaram participar no capital social de uma sociedade a constituir, na sequência do que celebraram com os réus um contrato-promessa de constituição de sociedade e lhes entregaram as quantias nele previstas, relativas à entrada no capital social, na proporção das suas quotas, tendo sido constituída uma sociedade comercial com sede no Brasil. Os réus não cumpriram as obrigações, assumidas no contrato celebrado, de diligenciar em representação da sociedade pela aquisição e colocação em funcionamento das estruturas e equipamentos necessários à produção de camarão, não obstante terem adquirido uma fazenda no Brasil, não a dotando das condições necessárias àquela produção. Por outro lado, a sociedade contraiu diversas dívidas, não tem a contabilidade organizada e os réus gastaram parte do dinheiro que receberam dos autores, designadamente a quantia de € 173.392,00 €, em proveito próprio. Os réus contestaram, admitindo ter recebido dos autores a quantia global de 142.598,40 €, impugnando parte da factualidade alegada e invocando factos tendentes a demonstrar que não faltaram ao cumprimento das obrigações assumidas. Sustentaram que nenhum fundamento existe para indemnizarem os autores ou lhes restituírem a quantia recebida, concluindo pela improcedência da acção também porque, a existir incumprimento, este daria aos autores o direito de rescindir os contratos-promessa, coisa que nunca pediram (mantendo-se, pelo contrário, como sócios da sociedade constituída). Houve réplica, articulado cujo desentranhamento foi ordenado por despacho de fls 539 e seguintes. Realizado o julgamento e estabelecidos os factos, foi proferido despacho ao abrigo do artº 266º, nºs 1 e 2, do CPC (fls 1132) convidando as partes a pronunciar-se sobre “o enquadramento legal em que os autores fundamentam os pedidos formulados”, bem como sobre a aplicabilidade do disposto no art. 227º, nº 1, do Código Civil, na sequência do que os autores apresentaram a alegação de fls 1144 e seguintes e os réus a resposta de fls 1171. Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus “a indemnizar os autores, no valor a apurar em liquidação ulterior, pelos prejuízos que os mesmos sofreram em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras da boa fé (artigo 227º, nº 1, do Código Civil), acrescido de juros de mora à taxa legal, a partir da citação até ao pagamento”. Os réus apelaram e a Relação, por acórdão de 1/2/2012 (fls 1278/1295 verso), concedeu parcial provimento à apelação, em consequência do que revogou a sentença recorrida e decidiu: a) Absolver os réus do pedido no tocante à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos autores na relação que com eles mantiveram anterior a Janeiro de 2004; b) Absolver os réus do pedido no tocante à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos autores na relação que com eles mantiveram subsequente a 7/3/05; c) Absolver os réus do pedido no tocante à restituição da quantia de 173.392,00 € que receberam dos autores para o funcionamento da sociedade; d) Absolver os réus da instância relativamente à sua responsabilização pelos lucros cessantes sofridos pelos autores na relação que com eles mantiveram entre Janeiro de 2004 e 7/3/05, por não resultarem especificados os danos cuja indemnização estaria em causa e se entender consubstanciar tal falta de especificação formulação indevida de pedido genérico. Inconformados, os autores recorreram de revista, concluindo, resumidamente e de útil, o seguinte: 1.ª) O acórdão recorrido não apreciou as questões do não cumprimento pelos apelantes, na impugnação da matéria de facto, das especificações impostas pelo artigo 690.º-A e, na impugnação da matéria de direito, das especificações a que aludem as als. a) e b) do n.º 2 do artigo 690.º, pelo que enferma da nulidade prevista na 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º, todos do Código de Processo Civil; 2.ª) O acórdão recorrido ampliou o objecto do recurso, conhecendo de questões não plasmadas nas conclusões das alegações da apelação, e decidiu o caso de novo, em vez de ter reapreciado a sentença proferida na 1.ª instância, o que consubstancia a nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do citado artigo 668.º; 3.ª) O Tribunal recorrido reapreciou a prova produzida, circunscrevendo tal reapreciação à análise do contrato-promessa, quando a prova produzida foi muito mais abrangente e significativa, assim violando o disposto no artigo 264.º do Código de Processo Civil e nos artigos 341.º, 356.º, n.º 2, e 392.º do Código Civil; 4.ª) Os réus prestaram informações incorrectas aos autores, as quais foram relevantes para a decisão de contratar, designadamente quanto à situação da fazenda a adquirir, à data do início da actividade e à dimensão dos viveiros, elementos estes necessários ao cálculo dos lucros, bem como quanto à assunção pelo réu HH da responsabilidade pela gestão local da exploração, assim não respeitando o princípio da boa fé, violando os deveres de protecção, esclarecimento e lealdade, como tal incorrendo em responsabilidade pré-contratual, nos termos previstos no artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil; 5.ª) Os réus facultaram documentação que alegadamente corroborava as informações que lhes prestaram sobre a fazenda e respectiva rentabilidade afecta à produção de camarão, pelo que não era exigível aos autores irem ao Brasil ou contratarem alguém que atestasse a veracidade das informações em causa, assim não devendo ser afastada a aplicabilidade do artigo 227.º do Código Civil; 6.ª) O pedido genérico deduzido pelos autores não foi formulado de forma indevida, dado que a conduta dos réus foi ilícita, culposa e geradora de danos, os quais deverão ser liquidados nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, assim não existindo fundamento para a absolvição da instância. Os recorridos não contra alegaram. Tudo visto, cumpre decidir.
II. Fundamentação a) Matéria de facto 1. Os autores e os réus são actualmente (com outros) sócios da sociedade comercial “N... – Aquicultura do Nordeste, Ldª” (que passa a ser referida como Sociedade), sociedade de responsabilidade limitada constituída e existente ao abrigo da lei brasileira, com sede na Fazenda ..., inscrita na CNPJ com o n.º 05.932.871/001-67 e arquivada na Junta Comercial do Estado do rio Grande do Norte sob o n.º 24200379879, com despacho de 16.10.2003. 2. Os autores entraram em contacto com os réus através de um anúncio por estes publicado num jornal, no qual os réus procuravam investidores para um projecto de investimento em Fortaleza, no Brasil. 3. Esse projecto consistia na compra e venda de propriedades para instalação de viveiros de camarão. 4. Convencidos da seriedade da proposta anunciada, foram encetadas negociações entre os autores e os réus, tendo em vista a participação daqueles no referido investimento. 5. Concluídas as negociações, os autores aceitaram participar no capital social da Sociedade, de acordo com os termos previstos no “contrato promessa de constituição de sociedade” que subscreveram. 6. De acordo com a cláusula primeira desse contrato, os réus prometeram proceder à constituição da Sociedade até ao dia 30 de Janeiro de 2004, nos seguintes termos: “1. A sociedade terá o capital de € 573.392,00, que será distribuído em 10 quotas sendo cada uma das quotas no valor de € 57.339,20. 2. O referido capital social será totalmente utilizado na aquisição de meios e instrumentalização da exploração, cuja infra-estrutura contará inicialmente com dois tanques de engorda de camarão. 3. Para o efeito, a Sociedade adquirirá o lote de terreno localizado na margem esquerda do Rio Apodi, no local denominado Fazenda..., junto da estrada municipal que dá acesso a Tibau/Mossoró, na zona rural com a área de 76,50 hectares, sobre o qual foi concedido pelo IDEMA – Instituto do Desenvolvimento Económico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte, a licença de operação n.º 879/02, actualmente propriedade de JJ. 4. A sede social será estabelecida na morada referida no ponto n.º 3. 5. O objecto social será a criação e comercialização de camarão. 6. O capital social, de € 573.392,00, será composto da seguinte forma: a) Terrenos, estudos e projectos: € 419.738,00. b) Obras civis, estruturas e instalações eléctricas, máquinas, aparelhos, equipamentos, móveis e utensílios: € 74.820,00. c) Veículos: € 10.000,00. d) Capital de giro: € 68.834,00. e) 24 aeradores, bomba para extrair água do rio com potência de 220L/s, 3 kayaks e os respectivos materiais para o bom funcionamento da propriedade, galpão, 2 escritórios, 2 suites, cozinha e área para funcionários. 7. A gerência da sociedade será nomeada pelos sócios assim como todos os funcionários que virão a fazer parte da mesma. 8. A sociedade se obrigará, em actos e contratos com a assinatura do gerente assim como dos restantes sócios. 9. A participação dos sócios nos resultados será realizada na proporção das suas participações no capital social.” 7. Em conformidade com o ponto nº 1 do artigo 6º supra, os autores entregaram aos réus as quantias acordadas. 8. Os autores realizaram, na proporção das suas quotas, a obrigação de entrada no capital social da sociedade. 9. As partes estabeleceram que a sociedade teria como objectivo único a produção e comercialização de camarões marinhos. 10. Para o efeito, os réus adquiriram, em nome da sociedade, 1) “uma parte de terra, desmembrada do imóvel “Santa Maria”, com 18,5 hectares, com os seguintes limites e dimensões: ao norte com vendedora, ao sul e oeste com LL, e ao leste com o Rio Mossoró”; 2) “um terreno de criar e plantar, situado no lugar denominado T...A..., com a área de 58,00 hectares.” 11. Ambos os imóveis, doravante designados por Fazenda, foram adquiridos em Janeiro de 2004. 12. No acto de aquisição, os réus representaram também a entidade vendedora, a sociedade ...– Aquicultura do Nordeste, Ldª. 13. Os réus ficaram também obrigados a i) contratar trabalhadores e ii) a assegurar o funcionamento da Fazenda, designadamente no que diz respeito a instalações eléctricas, aquisição de máquinas, aparelhos, equipamentos e outros utensílios necessários ao início da cultura do camarão. 14. Apesar dos meios financeiros e poderes concedidos aos réus, a produção não teve início em Setembro de 2003. 15. A primeira produção de camarão ocorreu em Maio de 2004 e a segunda em Junho de 2004. 16. Tendo em vista a melhoria das condições da Fazenda, foi acordado entre as partes que os lucros obtidos com as produções de camarão referidas seriam utilizados para a construção de furos e outros melhoramentos. 17. Com vista a terem um conhecimento completo sobre o estado da Fazenda e sobre a produção do camarão, os autores acordaram que dois dos sócios iriam ao Brasil para verificar a despesa, conferir a venda do camarão, conferir a contabilidade da empresa, efectuar o inventário da Fazenda, abrir uma conta bancária e estudar o valor da venda do camarão, entre outros assuntos. 18. A divisão e cessão das participações sociais da Sociedade aos autores não teve lugar até à data referida em 6), ou seja, 30 de Janeiro de 2004. 19. Os réus continuam a atrair terceiros para investimentos no Brasil, como aconteceu com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã do dia 5 de Agosto de 2005. 20. O autor AA entregou aos réus a quantia total de € 13.960,00, referente ao pagamento de ¼ da quota que prometeu adquirir, no valor de € 57.339,20, juntamente com MM, BB e NN, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 546. 21. O autor BB entregou aos réus a quantia total de € 13.960,00, referente ao pagamento de ¼ da mesma quota, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 547. 22. Os autores OO e GG, casados entre si, entregaram aos réus a quantia total de € 57.339,20, referente ao pagamento da quota que prometeram adquirir, o que fizeram através da entrega dos cheques indicados a fls. 548. 23. O autor DD entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referente ao pagamento de 1/3 da quota que prometeu adquirir, no valor de € 57.339,20, juntamente com EE e FF, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 549. 24. O autor EE entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referente ao pagamento de 1/3 da mesma quota, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls 549/550. 25. O autor FF entregou aos réus a quantia total de € 19.113,00, referente ao pagamento de 1/3 da mesma quota, o que fez através da entrega dos cheques indicados a fls. 550. 26. Os réus informaram os autores que a Fazenda reunia boas condições para a criação de camarão e que depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para esse efeito, usando a propósito a expressão de que bastava “carregar no botão”, ao mesmo tempo que, em relação a alguns autores, apontaram para o início da primeira criação ainda o mês de Setembro de 2003, tendo referido a outros autores os últimos meses desse ano, alegando o atraso em conseguirem o número previsto de sócios. 27. Na altura da celebração dos contratos dos autos os réus também diziam que o réu HH, que tinha mais ligações ao Brasil e à actividade em causa, ficaria directamente responsável pela gestão local da exploração, no que seria remunerado com 20% dos lucros, o que não aconteceu porque mais tarde o mesmo alegou falta de tempo. 28. Os réus comprometeram-se a assegurar a aquisição do terreno (Fazenda) e dos equipamentos descritos no “plano” então entregue aos autores e que consta a fls. 1064 dos autos, bem como a executar as infra-estruturas, os estudos, projectos e demais que fosse necessário para colocar a Fazenda em condições para dar início à actividade. 29. Sem incluir a quota de que QQ veio a desistir, o último participante no negócio dos autos apenas acordou na aquisição da última quota (de 10% ou de 15%, o que não se apurou) entre Maio a Julho de 2004. 30. Perante as insistências de alguns autores sobre a concretização do início da criação de camarão, os réus, em Dezembro de 2003, informaram que tal aconteceria em breve e que estaria a cargo de PP. 31. Este técnico informou depois o sócio QQ, na altura no Brasil, que apenas assumiria esse encargo se fossem feitas algumas obras que considerou indispensáveis, nomeadamente poços de profundidade para captação de água doce para responder aos riscos derivados do teor de salinidade da água usada na criação do camarão, algo que exigiria investimentos significativamente superiores àqueles que os réus haviam referido inicialmente aos autores. 32. Na sequência dessa exigência, os réus apresentaram aos autores a proposta de uma outra sociedade para assegurar a gestão da Fazenda - a HRA -, cuja idoneidade abonaram, e que não exigia os referidos investimentos, que os réus também disseram que não consideravam necessários, proposta que, em alternativa com a anterior, veio a ser aprovada pela maioria das pessoas ligadas ao negócio, por confiaram em tais informações e pelo valor daqueles investimentos. 33. Nessa altura, no mês de Dezembro de 2003, os réus diziam que a produção teria início em Janeiro de 2004. 34. O que também não veio a acontecer. 35. A HRA chegou a informar os autores que a produção se tinha iniciado em 10 de Fevereiro de 2004, acrescentando que isso tinha sido possível apenas em tal data devido ao excesso de chuvas. 36. Para prova desse facto, a HRA enviou ao Sr. QQ duas fotografias dos tanques de produção de camarão. 37. Por se lhe terem suscitado dúvidas, este contactou com a empresa que explora a Fazenda vizinha, tendo obtido informação de que a Fazenda dos autos estava com aspecto de abandonada, com inundações nos tanques e sem aeradores. 38. Os réus sabiam que as informações referidas nos n.ºs 35 e 42 não correspondiam à verdade. 39. Mais lhe foi dito que não havia nenhum sinal da presença de camarão. 40. Perante tal cenário, QQ, subscritor de uma participação social da Sociedade, optou por resolver o contrato promessa celebrado com os réus. 41. Uma vez informados dos factos descritos no n.º 39) os autores interpelaram os réus e a HRA para lhes prestarem esclarecimentos sobre o estado do investimento e a falta de veracidade das informações até então prestadas. 42. A HRA comunicou que tinha havido umas cheias, o que tinha impedido o início da criação de camarão, prometendo solucionar a situação. 43. Em meados de 2004, o sócio RR em contacto com a HRA recebeu desta a informação de que estava a precisar de dinheiro para continuar a actividade, esclarecendo-se que em certa altura, preocupados por não verem iniciada a produção, os sócios decidiram indicar dois deles para contacto mais estreito com a situação da Fazenda e com a HRA. 44. Confrontado com essa informação, o primeiro réu explicou aos autores que tinha transferido para a conta do segundo réu as verbas necessárias para que este fizesse face às despesas da Fazenda e que iria esclarecer o assunto com este. 45. Em meados de Agosto de 2005, a HRA dizia-se credora das quantias mencionadas a fls. 772. 46. Os autores nunca receberam dos réus informação detalhada sobre o destino que deram às quantias entregues, esclarecendo-se que os réus nunca tiveram disponível qualquer relação, com suporte documental, sobre esse destino. 47. Na sequência da deslocação referida no n.º 17, do sócio SS, ocorrida em Abril de 2005, os autores tiveram conhecimento de que: a) havia trabalhadores da Fazenda que não tinham sido pagos e que tinham intentado acções contra a N...; b) tinha sido aberta uma conta bancária da sociedade, mas sem que apresentasse qualquer depósito; c) a contabilidade da sociedade não estava organizada; d) havia um empreiteiro que exigia em tribunal o pagamento de obras executadas na Fazenda; e) a HRA considerava que os réus não lhe tinham pago as quantias acordadas e que por isso tinha sido autorizada pelo réu HH a contrair um empréstimo de 75.000,00 reais cuja amortização estaria a suportar; f) havia quem dissesse que os réus usaram o dinheiro recebido dos autores em negócios pessoais; g) a energia eléctrica estava cortada por falta de pagamento; h) havia a informação de não ter sido renovada a licença emitida pelo IDEMA, necessária para a cultura do camarão; i) a dimensão dos 2 tanques/viveiros rondava os 4,5 ha em vez dos 6 ha referidos pelos réus na altura da celebração dos contratos promessa; j) a exploração da Fazenda implicava riscos derivados do teor de salinidade das águas, algo que os réus não referiram aos autores na ocasião em que celebraram os contratos dos autos; k) havia quem dissesse que o camarão era regularmente furtado da Fazenda, com conhecimento do responsável da HRA. 48. Quando os réus celebraram a escritura referida nos n.ºs 10 e 11 - o que aconteceu em 29-01-2004 -, apenas eles eram sócios da N..., sociedade que constituíram em 16 de Outubro de 2003, conforme contrato de fls. 1076. 49. Foi o réu HH quem sempre fez os pagamentos à HRA e era quem permanecia no Brasil com mais frequência, comprometendo-se os réus perante os autores - sem prejuízo do que consta da parte final dos nºs 27 e 43 - a continuar a acompanhar a actividade da Fazenda, em particular através do HH. 50. Na altura da celebração dos contratos promessa dos autos, os réus diziam aos autores que eles não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da Fazenda e a criação do camarão, e que o negócio previa lucros da ordem dos indicados no "plano" acima referido, a fls. 1063 dos autos. 51. Os réus remeteram as mensagens que constam dos docs. n.ºs 20 e 21 da petição inicial, a procurar justificar a sua conduta e a atribuírem-se mutuamente responsabilidades. 52. A partir de certa altura, os réus passaram a estar dificilmente contactáveis. 53. Os réus e a sociedade dona da Fazenda subscreveram um escrito, datado de 14 de Julho de 2003, denominado de contrato promessa onde se refere a promessa da aquisição da Fazenda pelo preço de 700.000,00 reais, equivalente a € 257.334,02 considerando a cotação cambial de 1 € = 2.7202 reais. 54. Entre os dias 17 e 23 de Setembro de 2003, a sociedade dona da Fazenda emitiu o recibo junto com a contestação sob o n.º 3. 55. No dia 31 de Outubro de 2003, os réus entregaram à sociedade dona da Fazenda o restante preço acordado para a respectiva aquisição. 56. No dia 31 de Outubro de 2003, essa sociedade outorgou procuração a favor dos réus para celebrarem a escritura em sua representação, esclarecendo-se que nas escrituras celebradas apenas o réu HH representou a sociedade vendedora, fazendo uso de uma procuração que a mesma lhe outorgou em 29-09-2003. 57. Os réus subscreveram com a HRA o contrato junto com a contestação como doc. n.º 5, com data de 17-05-2004, cuja cópia não foi dada a conhecer aos autores, esclarecendo-se que, em finais de 2003, os réus já tinham dito aos autores que essa empresa tinha ficado a tratar da gestão da Fazenda. 58. Na cláusula quarta desse escrito consta que o primeiro ciclo de produção teria início em 17 de Maio de 2004. 59. Em 20 de Junho de 2005, não existiam quaisquer pendências entre a Sociedade N... e a HRA, nada devendo a primeira à segunda. 60. No início de Outubro de 2004, o sócio SS e TT, irmão de outro sócio, deslocaram-se ao Brasil para, entre outros assuntos, assistirem à despesca, que lhes tinha sido dito estar prevista para essa data. 61. Na altura, a Fazenda, na totalidade ou numa parte, estava a produzir camarão e tinha alguns acessos, energia eléctrica, água potável, tanques para a cultura do camarão, aeradores, entre outros equipamentos. 62. Na ocasião dessa visita, quando estava também presente um representante de uma empresa potencial compradora, depois de pesagem informou-se que o camarão pesava à volta de 9,5 g. 63. Esse representante informou da receita que poderia ser obtida com a venda do camarão tal como se encontrava. 64. Alguém sugeriu que se aguardasse mais uma semana para que o camarão atingisse o peso previsto, ao que aqueles (SS e TT) não se opuseram. 65. Pouco depois, os réus e a HRA informaram os autores que tinha sido feita uma despesca, que teria atingido quantidades inferiores às previstas, esclarecendo-se que os autores não foram previamente informados dessa alegada despesca, não obstante a HRA e os réus saberem que os mesmos estavam nisso interessados, conforme tinham pedido expressamente em escrito dirigido à HRA. 66. Os réus e a HRA alegaram que isso se ficou a dever a um aumento imprevisto do teor de salinidade da água. 67. Os réus pagaram o montante de 11.289,10 reais, equivalente a € 4.150,10, relativamente às despesas com o ITBI (Imposto de Transmissão Intervivos – 6.060,00 e 1.940,00 reais), e com emolumentos notariais da procuração e escritura (3.289,10 reais). 68. No dia da escritura os réus pagaram ainda ao legal representante da vendedora o montante de 1.820,00 reais, correspondente a € 669,09, respeitante a despesas havidas na Fazenda durante o mês de Outubro de 2003, em conformidade com o doc. n.º 13 junto com a contestação. 69. No dia 15/1/04, a HRA enviou ao réu HH o e-mail que constitui o doc. n.º 14 da contestação, tendo como “assunto: início da produção de Mossoró”, onde se enumeram diversas “despesas para início da produção em Mossoró”. 70. Os réus, em representação da N..., compraram 24 aeradores para a Fazenda. 71. E pagaram diversas quantias por obras aí executadas, como aquelas a que se referem os docs. n.ºs 17 a 22 da contestação. 72. Para além de quantias não apuradas com a produção de camarão, nomeadamente com rações, transportes, larvas, energia eléctrica, combustíveis, alimentação, compra de peças, e manutenção da Fazenda. 73. Os réus também entregaram diversas quantias à HRA referentes à administração da Fazenda. 74. Alguns dos cheques entregues pelos autores com data posterior foram antecipadamente recebidos pelos réus através de um contrato de gestão e cobrança de cheques celebrado com instituição bancária onde foram depositados, em conta bancária do réu II, sendo pelo menos parte desse dinheiro despendido com a aquisição da Fazenda e outras despesas ligadas à criação do camarão. 75. O réu procedeu ao depósito dos cheques mencionados no doc. n.º 88 junto com a contestação. 76. Para tanto, foram suportados juros pelas quantias antecipadamente disponibilizadas pelo banco. 77. Os réus pagaram ainda a quantia de € 1.323,43 de honorários da contabilista da sociedade, Andrea Rodrigues. 78. Posteriormente, o construtor UU reclamou um valor complementar, não previsto de início. 79. A Fazenda está em local onde é autorizada a cultura de camarão e teve a licença para operar emitida pela entidade competente. 80. A sua localização está voltada para a criação de camarão marinho de cativeiro, existindo, inclusive, fazendas destinadas à mesma actividade em ambos os seus limites. 81. As quantias entregues pelos autores aos réus para a aquisição das quotas foram depositadas nas contas pessoais dos réus. 82. Nos últimos meses de 2004, foram realizadas diversas reuniões entre autores e réus com vista a discutir hipóteses de continuar o negócio, que não tiveram resultados positivos. 83. Em finais de 2003, a Fazenda tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores, indispensáveis para a cultura em causa. 84. - No dia 16 de Outubro de 2003, em Mossoró, Brasil, os réus celebraram o contrato de sociedade junto a fls. 1076-8, referente à constituição de uma sociedade denominada N... Aquicultura do Nordeste Ldª, com o capital social de R$ 500.000,00, dividido em partes iguais entre ambos, aí constando que a administração ficaria a pertencer ao réu II . 85. No dia 22 de Outubro de 2003, os mesmos réus, acordaram no instrumento particular de fls. 1079-80 (denominado “1º Aditivo da empresa N... Aquicultura do Nordeste Ldª”), que a sociedade passaria a partir dessa data “a desenvolver as suas actividades na Fazenda T...A... ....” 86. No dia 04 de Março de 2004, os mesmos réus, os ora autores e outros, acordaram no instrumento particular de fls. 1081-7 (denominado “2º Aditivo da empresa N... Aquicultura do Nordeste Ldª”), nos termos do qual os réus acordaram em alterar o contrato social daquela sociedade e, todos, na entrada dos ora autores e outros como novos sócios. 87. Segundo esse instrumento, a sociedade aumentou o seu capital social para R$ 2.000.000,00, dividido em 2.000 quotas com o valor nominal de R$ 1.000,00, que ficaram distribuídas nos termos do mapa aí anexo. 88. Esse acordo foi inscrito no registo da Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Norte no dia 07-03-2005. b) Matéria de direito 1) Apreciação das conclusões 1ª, 2ª e 3ª Os autores começam por sustentar que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia uma vez que não apreciou as questões do não cumprimento pelos apelantes, na impugnação da matéria de facto, das especificações impostas pelo artigo 690.º-A, e, na impugnação da matéria de direito, das especificações a que aludem as als. a) e b) do n.º 2 do artigo 690.º, ambos do CPC. A nulidade em questão ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar e está prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, disposição esta que tem de ser interpretada e aplicada sem perder de vista a do artigo 660º, nº 2, 1.ª parte, do mesmo código, segundo a qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. É manifesto que não assiste razão aos recorrentes, desde logo porque na apelação dos réus a decisão de facto proferida pela 1.ª instância não foi impugnada, não tendo sido requerida a reapreciação de provas produzidas em ordem a alterar qualquer ponto incorrectamente julgado. E é claro que, na ausência de tal impugnação, a Relação ficou automaticamente dispensada de verificar se os ónus impostos pelo artigo 690.º-A do CPC foram ou não observados. Não se verifica, assim, a alegada omissão de pronúncia. Defendem ainda que, tendo a apelação versado sobre matéria de direito, e atendendo a que das conclusões não constava a indicação das normas jurídicas violadas nem o sentido com que tinham de ser interpretadas e aplicadas, como é exigido pelo artigo 690º, nº 2, a) e b), do CPC, a Relação deveria ter convidado os apelantes a aperfeiçoar as conclusões das suas alegações. Efectivamente, o nº 4 deste preceito dispõe que “Quando as conclusões faltem, sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada; os juízes-adjuntos podem sugerir esta diligência, submetendo-se a proposta a decisão da conferência”. No entanto, lendo-se as conclusões da apelação, vê-se que incorporam as especificações mencionadas pelos recorrentes, ainda que expressas de forma menos clara, delas resultando a interpretação que defendem para o artigo 227º, nº 1, do Código Civil e a indicação dos factos que consideram preencher a primeira parte do preceito e afastar a cominação prevista na segunda parte. E tais especificações foram compreendidas pelos apelados, que contra alegaram, expondo os motivos da sua discordância em relação à interpretação e aplicação da norma em causa. A falta do aludido convite, portanto, também não configura qualquer omissão de pronúncia. Os recorrentes alegam ainda que a Relação ampliou o objecto do recurso ao conhecer de questões não inseridas nas conclusões da apelação e ao decidir o caso de novo em lugar de reapreciar a sentença da 1.ª instância, o que conduz à nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668.º, nº 1, d), 2ª parte, do CPC. Não identificam com precisão, no entanto, que questões em concreto foram indevidamente apreciadas - por não estarem incluídas no objecto da apelação nem serem de conhecimento oficioso - o que nos impede de verificar se lhes assiste razão. De todo o modo, analisando o acórdão, constata-se que se limitou a apreciar a matéria de facto julgada provada, procedendo à sua qualificação jurídica na perspectiva da pretensão deduzida na acção, tudo em conjugação com a sentença da 1ª instância e respectiva impugnação no recurso de apelação; e essa qualificação jurídica não envolveu o conhecimento de qualquer questão vedada à apreciação do tribunal, que, como se sabe, não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 664º do CPC). Não há, assim, nulidade por excesso de pronúncia. Finalmente, os autores insurgem-se ainda contra a decisão recorrida com o argumento de que a Relação se limitou à análise do contrato-promessa ao reapreciar a prova, quando é certo que esta foi muito mais abrangente e significativa, tendo violado, assim, os artigos 264º do CPC e 341º, 356º, nº 2, e 392º do Código Civil. Mas não têm razão porque, conforme já se viu, a Relação não reapreciou as provas nem alterou a matéria de facto provada (desde logo porque os apelantes não impugnaram a decisão de facto), tendo julgado o recurso de apelação unicamente com base na qualificação jurídica dos factos considerados assentes na 1.ª instância, tarefa a que procedeu respeitando por inteiro as balizas traçadas pelo artº 659º, nº 3, do CPC (preceito este segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer). Improcedem, por consequência, estas conclusões. 2) Apreciação das conclusões 4ª, 5ª e 6ª Na sentença concluiu-se que houve cumprimento defeituoso do contrato-promessa imputável aos réus por violação de deveres acessórios de conduta destinados a preparar ou a assegurar a prestação principal respeitante à constituição da sociedade comercial; e concluiu-se ainda que os réus incorreram em responsabilidade pré-contratual por terem prestado aos autores informações incorrectas que se mostraram relevantes para a decisão de contratar. Daí a sua condenação numa indemnização a liquidar ulteriormente, pelos prejuízos sofridos em virtude do cumprimento defeituoso e da violação das regras da boa fé (artigo 227º, nº 1, do CC). A Relação, diversamente, distinguiu três períodos temporais no relacionamento negocial estabelecido entre as partes e decidiu: a) Absolver os réus do pedido de indemnização pelos lucros cessantes relativos ao período que antecedeu Janeiro de 2004 (anterior ao início do funcionamento da organização societária), por considerar não estarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual; b) Absolver os réus da instância no que respeita à indemnização pelos lucros cessantes no período que decorreu entre Janeiro de 2004 e 7/3/05 - reportado à relação de facto correspondente a uma sociedade irregular, finda com o registo definitivo da sociedade constituída pelos réus e já integrada pelos autores - por ter entendido que a formulação de pedido genérico se mostra, no caso, indevida, dado não resultarem especificados os danos cuja indemnização estaria em causa; c) Absolver os réus do pedido de indemnização pelos lucros cessantes relativos ao período subsequente 7/3/05 (posterior ao registo da sociedade integrada pelos autores), por ter considerado que a sociedade registada deu origem a uma nova entidade jurídica, existindo meios próprios para fazer valer a responsabilização entre os sócios; d) Por fim, absolver os réus do pedido de restituição do montante de 173. 392,00 € recebido para o funcionamento da sociedade. Como se vê das conclusões enunciadas, não se impugna no presente recurso a absolvição que a Relação decretou quanto aos pedidos indicados em c) e d), motivo pelo qual se tem de considerar essa matéria definitivamente julgada e insusceptível de reapreciação pelo STJ. Como objecto do recurso subsiste apenas, pois, a absolvição (do pedido e da instância) supra referidas em a) e b). Segundo os recorrentes, a Relação errou ao decidir que não estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, e ainda ao decretar a absolvição da instância no que respeita ao pedido genérico formulado na petição inicial. Vejamos. No que respeita à culpa na formação dos contratos, o n.º 1 do artigo 227.º do CC dispõe que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Ao impor a boa fé como regra de conduta, este preceito estabelece como pressuposto da responsabilidade pelos danos culposamente causados à outra parte, isto é, da obrigação de indemnizar, uma actuação violadora de tal regra, a qual abarca um conjunto de deveres que inclui, entre vários outros, os de informação, de protecção e de lealdade (em causa no caso presente), que visam no essencial proteger a confiança (Prof. António Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito civil, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 650-651). Na previsão desta norma incluem-se, quer a ruptura de negociações, quer a conclusão dum contrato ineficaz, quer ainda a protecção face a contratos “indesejados”, designadamente a celebração de um “contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão do esclarecimento devido” (Prof. Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 355). Neste recurso não se questiona a qualificação do tipo e da natureza do contrato celebrado entre cada um dos autores e os réus, que as instâncias convergentemente consideraram ser um contrato-promessa de constituição de sociedade incluindo, além da prestação principal e inerentes obrigações, a assunção de uma série de compromissos (vinculações) destinados a preparar e assegurar tal prestação. De igual modo, não se põe em dúvida a sua validade e eficácia, já que se reclama, não a sua anulação com base em vício decorrente da violação dos deveres de informação e de lealdade por parte dos réus (erro ou dolo, por exemplo), mas sim uma indemnização pelos danos resultantes da violação daqueles deveres pré-contratuais (culpa in contrahendo). Para o efeito, os autores não censuram a análise dos factos efectuada pela Relação, na parte em que concluiu o seguinte: “(…) sem dúvida que os RR., forneceram deliberadamente informações incorrectas aos investidores que lhes iam surgindo e que depois se comprometiam pelas promessa de sociedade, ao dizer-lhes que não tinham de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da “Fazenda” e a criação do camarão, e que esta, depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para esse efeito, referindo que bastava "carregar no botão", e dizendo-lhes que a primeira produção aconteceria logo em Setembro, ou nos finais do ano de 2003, quando, na verdade, as infra-estruturas necessárias à criação do camarão se achavam, todas ou praticamente todas, por alcançar, já que provado ficou que em finais de 2003 a “Fazenda” tinha acessos rudimentares e escassos equipamentos e não dispunha de aeradores indispensáveis para a cultura”. Discordam, porém, daquela apreciação na parte em que considerou: 1º) Não resultar assente que tais informações incorrectas tenham incidido sobre elementos essenciais à celebração do contrato e não se saber se os autores teriam ou não contratado, ou se o teriam feito noutros moldes, caso o dever de informação tivesse sido cumprido; 2º) Não haver dados objectivos que justificassem a confiança dos autores nas mencionadas informações, uma vez que do próprio contrato-promessa resulta que as infra-estruturas essenciais estavam por adquirir e que essa aquisição se faria em função do valor do capital entregue pelos investidores à medida que estes fossem aparecendo, angariados, possivelmente, como sucedeu com os próprios autores, por anúncios nos jornais. Segundo os recorrentes, as informações incorrectas prestadas pelos réus foram relevantes para a decisão de contratar, não podendo exigir-se-lhes que se deslocassem ao Brasil, onde se localiza a fazenda a adquirir, ou contratassem alguém que o fizesse, de forma a atestar a veracidade das informações fornecidas, dado que os réus facultaram documentação que alegadamente as corroborava. A aferição da existência de culpa na formação do contrato, por violação dos indicados deveres de informação e de lealdade - vale por dizer, da regra da boa fé - impõe que se determine, em concreto, os limites de tais deveres, procurando para esse efeito estabelecer um critério jurídico que tenha simultâneamente em conta, não apenas o princípio da boa fé, mas também os princípios fundamentais da autonomia privada e do equilíbrio das prestações que regem o direito privado dos contratos. A este propósito, o Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, vol. II, Coimbra Editora, 2008, pág. 1381) explica que “o alcance e a intensidade dos deveres de informação em causa podem variar segundo diversas circunstâncias, tais como, v.g., a forma e o custo de aquisição da informação, o objecto da informação e a situação relativa das partes (designadamente, a sua dimensão e experiência, e eventual “assimetria informativa”)”. E quanto à amplitude de tais deveres, afirma o Prof. Jorge Sinde Monteiro (ob. cit., pág. 356-358) “que um dever pré-contratual de fornecer à contraparte informação sobre todos os aspectos relevantes para a sua decisão, incluindo mesmo aqueles que a possam levar a afastar-se do projecto negocial, não pode ser afirmado com um carácter geral, resulta logo, em regra, da existência de interesses contrapostos. A cada qual cabe a oportunidade e o risco da escolha do parceiro contratual “certo” e do objecto da prestação mais apropriado aos seus interesses”. Este autor acrescenta que “fora das hipóteses em que exista uma obrigação de contratar, nas quais o dever de informar se compreende de per se, parece pois, tendo presente o princípio da liberdade contratual, que uma parte, mesmo solicitada, não está normalmente obrigada a fornecer dados à contraparte, à qual caberá tirar do facto as respectivas consequências – embora, se o fizer, deva proceder de acordo com a verdade –, e que, por outro lado, o dever de, espontaneamente, revelar elementos que possam influir a decisão do parceiro negocial, necessita de uma justificação particular”. O Prof. Carlos Ferreira de Almeida, por seu turno, ensina o seguinte (Contratos I – Conceito, Fontes, Formação – 2ª edição, pág. 176): “O lugar próprio do dever pré- contratual de informação situa-se algures entre as fronteiras de dois interesses antagónicos: o interesse dos potenciais contraentes em conhecer todos os factores relevantes para a negociação e o interesse em prevalecerem-se da informação como trunfo na negociação (“o segredo é a alma do negócio”)....O dever pré contratual de informar é certamente violado, por acção ou por omissão, quando uma das partes induz a outra em erro susceptível de ser invocado como fundamento de anulação do contrato.... (178)...Verificada alguma destas situações em que o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, a responsabilidade civil pré- contratual é compatível com qualquer uma das duas pretensões colocadas ao dispor do errante, enquanto titular do direito potestativo de anulação: ou cumular o pedido de indemnização com a anulação do contrato ou limitar-se à indemnização, mantendo o contrato em vigor(178/179)...os critérios de lealdade são tão fluidos como fluidas são as concepções de honestidade que lhes estão subjacentes. Os seus padrões podem encontrar-se na lei, em regulamento, em códigos de conduta, em práticas sociais reiteradas ou até na moral ou nos bons costumes. Mas nenhuma destas instâncias serve como fonte geral e decisiva. Para avaliar em concreto se o dever de lealdade foi infringido nas negociações contratuais é necessário inquirir se, naquelas circunstâncias, um observador, isento mas informado acerca das referidas fontes, as consideraria impróprias de um comportamento honesto”. Finalmente, Sónia Moreira da Silva, citada no acórdão recorrido, escreve (Da Responsabilidade Pré-Contratual Por Violação dos Deveres de Informação): “A regra geral será, então, a de que cada parte cuide dos seus próprios interesses, procurando as informações precisas sobre o negócio que vai realizar. Excepcionalmente, é que o princípio da boa fé poderá, de acordo com as circunstâncias, exigir que uma das partes informe a outra (113)...Deste modo, podemos afirmar que só poderá nascer um dever de informação na esfera jurídica da contraparte nas negociações quando a parte que poderia ser credora da prestação da informação cumpriu o seu ónus de auto-informação, ou seja, fez tudo o que se encontrava razoavelmente ao seu alcance para se auto-informar (122)....Só nascerá um dever de informação pré-contratual se as circunstâncias em causa forem de importância essencial para a parte não informada (essencialidade da informação) e, apenas, se esta as desconhece quando a contraparte ou as conhece ou deveria conhecê-las (assimetria informacional). Esta desigualdade põe em causa os interesses da parte não informada que se pode encontrar, assim, carente de protecção. Esta protecção só será merecida se a parte não informada tiver cumprido o seu ónus de auto-informação, ou seja, se tiver tentado, por todos os meios que, razoavelmente, se encontravam ao seu dispor, informar-se, sem conseguir (145)”. Ora, da matéria de facto apurada não se extraem elementos concretos e suficientemente precisos que fundamentem a alegada relevância das mencionadas informações no processo de formação do contrato, quer na fase negociatória - pois desconhece-se o peso que assumiram no contexto das conversações que terão antecedido a sua celebração - quer na fase decisória - pois não se vê que tenham sido determinantes para a aceitação da proposta contratual e da definição do conteúdo do contrato (matéria esta, aliás, não alegada pelos autores). É certo que, constatando as dificuldades que suscita a prova da causalidade, para a conduta do credor da informação (e portanto para o dano), da violação de deveres de informação, designadamente quanto a determinar se ele teria assumido um comportamento diverso se tais deveres tivessem sido observados, o Prof. Paulo Mota Pinto admite (ob. cit., págs. 1385 e segs.) “(…) que se justifica em geral uma inversão do ónus da prova da causalidade da violação do dever de informação em relação ao dano (…), admitindo uma (…) “presunção de conduta conforme à informação”. Será, pois, ao lesante que compete provar que, mesmo que tivesse cumprido os seus deveres, o lesado se teria comportado de igual modo, podendo aceitar-se uma fundamentação de tal presunção assente na diversidade dos encadeamentos causais (esclarecido e não esclarecido) ou na ideia do comportamento alternativo lícito”. Em sentido semelhante, segundo cremos, Sónia Moreira da Silva (obra citada, pág. 204) conclui que “o cumprimento do dever de informar há-de consubstanciar-se numa “obrigação positiva”. Ora, nas acções de cumprimento a distribuição do ónus da prova quanto às obrigações positivas é feita da seguinte forma: o credor tem de provar a existência da obrigação e ao devedor cabe provar o cumprimento ou a sua impossibilidade por factos que lhe não sejam imputáveis”. No caso presente, todavia, os factos coligidos, em particular a análise do conteúdo do próprio contrato-promessa celebrado entre cada um dos autores e os réus, afasta a presunção de causalidade entre a conduta destes ao prestarem informações deturpadas e a daqueles ao decidirem celebrar o negócio. Efectivamente, encontra-se assente – cfr. factos 2) a 6) e 9) - que os autores entraram em contacto com os réus através de um anúncio por estes publicado num jornal, procurando investidores para um projecto em Fortaleza, no Brasil, que consistia na compra e venda de propriedades para instalação de viveiros de camarão; convencidos da seriedade da proposta anunciada, encetaram negociações com os réus, tendo em vista a sua participação no referido investimento, concluídas as quais aceitaram participar no capital social de uma sociedade a constituir, de acordo com os termos previstos num “contrato promessa de constituição de sociedade” que subscreveram, no qual os réus prometeram constituir a sociedade até ao dia 30/1/04; ficou clausulado que o capital social seria totalmente utilizado na aquisição de meios e instrumentalização da exploração, adquirindo a sociedade o lote de terreno aí identificado, sobre o qual foi concedida pela entidade competente uma licença de operação; claramente definido ficou também o objecto social e o modo de distribuição e afectação do capital social; e estipulou-se ainda que “a gerência da sociedade será nomeada pelos sócios assim como todos os funcionários que virão a fazer parte da mesma” e que “a sociedade se obrigará, em actos e contratos com a assinatura do gerente assim como dos restantes sócios”. Perante tudo isto, entendemos que a Relação decidiu com ponderação e acerto ao considerar não existirem dados objectivos que justificassem a confiança dos investidores (e, portanto, dos autores) nas informações em causa, das quais resultava, em suma, que não teriam de se preocupar com os aspectos práticos relacionados com a preparação da “Fazenda” e a criação do camarão, e que esta, depois de pequenas obras de melhoramento, ficaria pronta para tal efeito, dizendo-se-lhes que a primeira produção aconteceria logo em Setembro, ou nos finais do ano de 2003 (factos 26 e 50). Na verdade, das cláusulas dos contratos-promessa extrai-se a segura conclusão de que na altura em que foram concluídos as infra-estruturas necessárias ao exercício da actividade económica que iria constituir o escopo da sociedade a criar ainda não existiam de todo; logo, não é possível sustentar-se logicamente que foram informações incorrectas prestadas pelos réus que determinaram os autores a contratar ou, mesmo, a contratar nos termos em que o fizeram. Por outro lado - cfr. facto 6), pontos 7 e 8 - constando do contrato que caberia aos sócios nomear a gerência e contratar os funcionários da sociedade a constituir, e que esta se obrigaria com a assinatura de todos, não se vê que os recorrentes possam alegar sem violação do princípio geral da boa fé que a sua participação na sociedade a constituir se resumiria, ao cabo e ao resto, à obtenção de lucros, na directa – e por assim dizer automática – proporção do capital investido, sem a contrapartida da assunção de deveres perante a sociedade e os demais sócios. Parece claro que o conjunto das cláusulas contratuais retratadas naquele ponto de facto evidencia que a conclusão do contrato prometido e as vicissitudes que depois o rodearam não traduziu o consumar duma vinculação negocial causalmente ligada a informações erradas ou falseadas culposamente prestadas pelos recorridos. É certo que os autores criaram expectativas quanto à aptidão da actividade económica a desenvolver pela sociedade gerar lucros a curto prazo, expectativas essas porventura alimentadas, ao menos em parte, pelo crédito que terão dado às projecções excessivamente optimistas e assentes em dados que sabiam ser incorrectos fornecidas pelos réus. De todo o modo, não resulta dos factos provados que estes tivessem dado qualquer garantia (certeza) quanto a tal aptidão e, sobretudo, que essa suposta garantia tivesse sido determinante para a resolução dos autores contratarem nos termos exarados no contrato promessa e, depois, no contrato de sociedade. A responsabilização dos recorridos com fundamento, quer na culpa in contrahendo, quer no cumprimento defeituoso do contrato promessa que antecedeu a constituição da sociedade registada em 7/3/05 foi, assim, correctamente afastada pelo acórdão recorrido; e isto porque, numa palavra, não se fez prova concreta de que: 1º) Os autores tenham celebrado um contrato desvantajoso em consequência da violação de deveres de esclarecimento, de informação e de lealdade imputável aos réus; 2º) Os autores tenham sofrido prejuízos na sua esfera jurídica que sejam uma consequência juridicamente “adequada” de actuação dos réus contrária à boa fé no decurso da fase pré-contratual. Deste modo, improcedem as conclusões 4ª e 5ª. A questão suscitada na conclusão 6ª reporta-se à absolvição dos réus da instância no que toca à indemnização reclamada pelos lucros cessantes no período decorrido entre Janeiro de 2004 e 7/3/05, no qual se desenrolou uma relação de facto correspondente a uma sociedade irregular, finda com o registo da sociedade constituída pelos réus e já integrada pelos autores. A Relação entendeu que a formulação de pedido genérico se mostra indevida, por não estarem especificados os danos de cuja reparação se trata. Os autores defendem que, tal como foi formulado, o pedido encontra fundamento legal no artigo 471.º, n.º 1, al. b), do CPC, pois a conduta dos réus foi ilícita, culposa e geradora de danos, sendo estes liquidáveis nos termos do artigo 661º, nº 2, do mesmo diploma. Aquele artº 471º, nº 1, dispõe que é permitido formular pedidos genéricos quando, entre outras situações sem aplicação ao caso presente, “não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do acto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil”; esta norma, por seu turno, dispõe o seguinte, na parte que interessa: “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”; por último, nos termos do já citado artigo 661.º, n.º 2, “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Da conjugação destes preceitos extrai-se que a apresentação de um pedido genérico, nos casos em que não se mostra possível determinar as consequências do acto ilícito, não dispensa o autor de especificar os danos sofridos em resultado de tal conduta, apenas lhe permitindo que deixe para momento posterior a respectiva quantificação. Isto é assim porque, como ensinou o Prof. Alberto dos Reis, “pedido genérico é o pedido indeterminado somente no seu quantitativo” (Comentário ao CPC, III, pág. 174). Portanto, assente a verificação de danos, mas não havendo no processo elementos que permitam fixar a indemnização devida, impõe-se o recurso à norma do citado artigo 661º, nº 2, conforme este STJ tem decidido em inúmeras ocasiões. Assim, por exemplo, no acórdão de 19/5/09 (Revª nº 2684/04.1TBTVD.S1) disponível em www.dgsi.pt), de cujo texto consta o seguinte: “Sempre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para execução de sentença. Mesmo que se tenha deduzido na acção um pedido líquido, se o tribunal não puder fixar o valor exacto dos danos (nem mesmo com recurso à equidade), deve relegar-se a fixação da indemnização, na parte que não se considerar ainda provada, para posterior liquidação – art. 661, n.º 2, do CPC (...)”. É neste sentido a jurisprudência maioritária do STJ (cfr., entre muitos outros, os acórdãos de 2/7/09-Revª 1122/2002.S1; 2/7/09-Revª 1069/05.9TVLSB.S1; 26/5/09 – Agrº 3104/03.4TBVFX.S1; 31/3/09 – Revª 335/09; 19/2/09 – Revª 3652/08; 12/2/09 – Revª 14/09; 27/1/09 – Revª 3993/08; 27/11/08 – Revª 3603/08). E esta doutrina vale tanto para o caso de danos emergentes, que se traduzem no prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes no património do lesado à data da lesão, como para a hipótese de lucros cessantes, que abrangem os benefícios que o lesado deixou de obter em virtude da lesão mas a que ainda não tinha direito à data em que esta ocorreu. Ora, lendo a petição inicial verifica-se que com referência ao pedido em apreço os autores não alegaram quaisquer factos dos quais possa concluir-se terem sofrido danos - isto é, lesões em interesses juridicamente tutelados de que sejam titulares - em virtude de conduta ilícita dos réus no período considerado. Na verdade, só ao formular o pedido genérico em análise aludem a “lucros cessantes” que, todavia, não identificam nem concretizam de nenhuma forma na exposição apresentada na petição inicial, como a lei impõe (artº 467º, nº 1, d), CPC). É discutível se a consequência de semelhante omissão deveria ser a absolvição do pedido, em lugar da absolvição da instância decretada pela Relação. No entanto, uma vez que os réus não impugnaram esta parte do acórdão da 2ª instância e a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida (proibição da reformatio in pejus - artº 684º, nº 4, CPC), torna-se desnecessário abordar e decidir esta questão, impondo-se tão somente dizer que em função do exposto também a conclusão 6ª da presente revista é de rejeitar.
III. Decisão Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista. Custas pelos recorrentes. Nuno Cameira (Relator)
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