Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1407/09.3TBAMT.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: EMPREITEIRO
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / DIREITO DE RETENÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 342 e seguintes.
- Ferrer Correia e Sousa Ribeiro, Direito de Retenção, CJ XIII, I, 16 e seguintes.
- Galvão Telles, O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, em O Direito, 106.º-119.º, páginas 13 e seguintes.
- Manuel Rodrigues, A Posse, 2.ª ed., 187.
- Pedro Albuquerque e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, II, 299.
- Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª edição, 361 e seguintes.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, 3.ª edição, II, 799 e seguintes.
- Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial (Contratos), 2.ª edição, 376 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 754.º, 756.º, 1207.º, 1212.º.
DECRETO-LEI N.º 201/98, DE 10.7: - PREÂMBULO E ARTIGO 25.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19.11.1971, NO BMJ N.º211, P. 297, DE 5.5.2005, PROCESSO N.º 05B865, DE 3.6.2008, PROCESSO N.º 08A1470 E DE 10.5.2011, PROCESSO N.º 661/07.0TBVCT-A.G1.S1, ESTES TRÊS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1. O empreiteiro goza do direito de retenção para pagamento do preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não.

2 . Ressalvam-se apenas os casos de empreitada de construção de coisa móvel, com materiais fornecidos no todo ou maior parte por ele, uma vez que, neste caso, é proprietário da coisa até à aceitação.

3. Relativamente ao preço referido em 1, não há que deduzir o lucro por ele obtido ou a obter.  

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 . AA - Construções  S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:

 BB - Construções, Limitada e

Banco CC S.A.

Alegou, em síntese, que:

Levou a cabo, num imóvel propriedade da primeira ré os trabalhos que discrimina;

Este encontra-se onerado com uma hipoteca a favor do segundo réu;

Na sequência desses trabalhos emitiu faturas correspondentes a autos de medição previamente aprovados pela primeira ré.

Em 15.12.2008, atenta a falta de pagamento das faturas e notas de débito, no montante global de € 333.682,00, procedeu à suspensão da obra e comunicou essa suspensão por escrito à ré.

Na sequência da suspensão dos trabalhos fechou o acesso ao prédio.

Pediu, em conformidade:

Que se condene a primeira ré a pagar-lhe tal quantia acrescida de juros já vencidos no montante global de € 348.690,96, acrescida dos juros, sobre o capital, que entretanto se forem vencendo;

Que se condenem ambas as rés a reconhecerem o direito de retenção a favor dela, autora sobre o prédio urbano onde foram efetuadas as obras, declarando-se que tal direito prefere ao garantido por hipoteca, nos termos do artigo 759.º, n.º2 do Código Civil.

A ré BB foi citada editalmente e não contestou.

 

A ré Banco CC, S.A. contestou, negando que se verifiquem os requisitos do direito de retenção.

2 . A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença em que se:

 a) Condenou a ré BB – Construções, Limitada a pagar à autora a importância de € 329.848,19 (trezentos e vinte e nove mil oitocentos e quarenta e oito euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais vencidos e vincendos, calculados sobre os valores das faturas desde a data do respectivo vencimento;

b) Absolveu as rés do demais peticionado.

3. Apelou a autora com êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Évora decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto e em consequência revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando as Rés a reconhecer o direito de retenção a favor da Autora, sobre o prédio urbano situado em Peares, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão (que está arrestado nos autos apensos juntamente com outros prédios).

Na circunstância, a Senhora Relatora elaborou o seguinte sumário:

“- O empreiteiro goza do direito de retenção relativamente ao preço de construção da coisa retida.

- A detenção da coisa (requisito do direito de retenção) corresponde a uma atitude possessória, não pode depender da eficácia dos dispositivos materiais destinados a impedir o acesso à coisa (Se tem apenas uma vedação ou se tem um muro de muitos metros de altura, o grau de segurança, etc. não podem ser critérios para concluir se existe ou não o direito), pelo que fechar o prédio com uma vedação é sem dúvida um acto de detenção da posse (ainda que precária) sobre o prédio em causa, pelo que, se entende verificado o requisito do direito de retenção.

- O empreiteiro mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, deve assumir, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquirindo o direito de ser pago, preferencialmente, mesmo perante aqueles que possuam outra garantia real, de cariz mais formal, designadamente a hipoteca.

4 . Pede revista o  Banco CC, concluindo as alegações do seguinte modo:

“1) Para que exista direito de retenção ao abrigo do disposto no art. 754.º do Código Civil é necessário: a) que o respectivo titular detenha materialmente uma coisa que deva entregar a outrem; b) que esse mesmo titular, assim retentor, esteja obrigado já a entregar a coisa; c) que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deva entregar a coisa; d) que entre os dois créditos, o do retentor e o da pessoa a quem deve entregar a coisa, exista uma relação de conexão ("debitum com re junctum"); e) que esse crédito do retentor derive de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados.

2) A Autora aqui Recorrida não logrou fazer prova de que tivesse mantido a detenção material da coisa, do imóvel, e sem essa detenção material o direito de retenção reclamado não pode existir.

Realmente, o surgimento do direito de retenção pressupõe, além do mais, que o retentor tenha um poder directo e imediato sobre a coisa, firmado numa situação de facto de controlo material efectivo dela.

Neste processo só foi apurado que a Autora construiu uma vedação, tendo ela decaído a Autora, na sua alegação, única complementar daquela dita, de que assim tinha impedido o acesso de terceiros ao prédio em construção. E esta matéria de facto, assim reduzida e minguada, é insuficiente para consubstanciar a detenção material e directa que é pressuposto da existência do direito de retenção.

3) Recolhe consenso unânime que o direito de retenção só nasce quando alguém é encabeçado na obrigação de entregar uma coisa a outrem, estando, entretanto e ao tempo, apenas na detenção lícita dessa coisa.

Estando em causa, como está, na situação em apreço e em julgamento, um contrato de empreitada duma obra em curso de execução e ainda não concluída, uma vez que decorre claramente e sem discrepância do processo que a Autora empreiteira interrompeu as obras antes de as terminar (cfr. alínea M do conjunto dos factos provados), ao tempo dessa interrupção a dita Autora não se encontrava ainda obrigada a entregar a obra ao dono dela, obrigação que só nasceria a final, no termo do processo de execução do empreitada mesma.

4) O crédito do empreiteiro ao seu lucro e à sua remuneração não cabe no perímetro do art. 754.º do Código Civil, uma vez que o direito de retenção é nesse preceito atribuído apenas ao crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados. Ora o crédito reconhecido no processo à Autora AA, no montante de  € 333.682,00, não é proveniente, ou não é todo ele proveniente, de despesas efectuadas com a obra em construção, pelo que, também por esta razão o direito de retenção reclamado não pode ser concedido.

5) Assim, o douto acórdão recorrido infringiu o preceito do art. 754.º do Código Civil.

Termos em que se requer que o Acórdão da Relação de Évora de que se recorre seja revogado e substituído por decisão que, negando provimento ao recurso da autora…confirme a sentença do tribunal da 1.ª instância.”

Contra-alegou longamente a autora, batendo-se pela confirmação da decisão recorrida.

5 . Ante as conclusões das alegações, há que tomar posição sobre se não se verifica, a favor da autora, o direito de retenção que a Relação reconheceu.

6 . Vem provada a seguinte matéria de facto:

“A. A ré BB - Construções-, Lda. é proprietária de um prédio urbano situado em Peares, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o nº 05936/20050609, inscrito na matriz urbana no artigo 101°, estando tal aquisição registada a seu favor desde 31-01-2006 e tal imóvel onerado desde 23-06-2006 com uma hipoteca voluntária a favor do Réu Banco CC, S.A, para garantia do pagamento da quantia de € 4.912.506,00, tal como resulta de fls. 96 e 97 do apenso.

B. Do escrito de fls. 25 a 37 do apenso, com o título "Contrato de empreitada" resulta, em síntese que a autora AA - Construções-, S.A, na qualidade de empreiteira e a ré BB - Construções-, Lda., na qualidade de dona obra, acordaram "(...) O fornecimento e a execução pelo Empreiteiro dos trabalhos adiante designados na lista de preços unitários, para efeito deste contrato de "empreitada", que o Dono da Obra pretende mandar executar no prédio situado em Peares, freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o artigo 05936/20050609", no prazo de 10 meses a contar da data da consignação da obra e pelo preço de € 1.675.000,00, acrescido de IVA à taxa legal e que os pagamentos seriam efectuados, mensalmente, a 30 dias da data da factura do empreiteiro correctamente elaborada de acordo com às medições mensais aprovadas pelo dono da obra com base em Autos de Medição efectuados até ao dia 28 do mês a que os trabalhos respeitassem, aprovadas pelo dono da obra no prazo de cinco dias, proceder-se-ia à emissão da correspondente factura, a qual só poderia conter os materiais e elementos de construção adquiridos pelo Empreiteiro e que já se encontrassem devidamente aplicados em obra.

Mais resulta a exigência da prestação de garantia bancária, certidões de não dívida ao Estado e à Segurança Social, e a exigência de Seguro de Responsabilidade Civil e de acidentes de trabalho actualizado e em dia.

C. A autora e a ré BB - Construções - , Lda. celebraram esse acordo em 11-04-2008.

D. Do escrito de fls. 38 do apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e intitulado '''Auto de Consignação da Obra" resulta, em síntese, que em 03 de Junho de 2008 deveria proceder-se à execução dos trabalhos de construção.

E. Em 03-06-2008, a autora iniciou os trabalhos de construção civil a que respeita o acordo referido em B. e, em consequência dessa realização, foram produzidos autos de medição dos trabalhos em obra, os quais, depois de aprovados pela ré, originaram a emissão das facturas correspondentes aos trabalhos realizados.

F. Desde 03-06-2008 até à presente data foram emitidas facturas correspondentes a autos de medição previamente aprovados pela ré, e por isso correspondentes a obra de construção civil e mão-de-obra efectivamente realizada, no montante global de € 401.875,06.

G. A ré entregou à autora para pagamento uma letra de câmbio, emitida sobre a importância de € 72 026,87, sacada em 26/11/2008 e com vencimento para 10/02/2009 e 2 cheques, no valor de € 71.744,12 e de € 84.696,79 datados para 28-10-2008 e 10-11-2008, respectivamente, sacados sobre o Banco CC, S.A..

H. O cheque no valor de € 71.744,12 foi apresentado a pagamento por meio de depósito no Banco BPI, S.A. e devolvido por falta de provisão.

I. O cheque no valor de € 84.696,79 não foi apresentado a pagamento por solicitação da ré, por não dispor de quantia suficiente na conta bancária de onde o mesmo cheque foi sacado para que o pagamento viesse a ocorrer.

J. Em 09-12-2008, a autora comunicou à ré, por escrito, quais os valores ainda em dívida, bem como procedeu ao envio da Nota de Débito n.º 200800018 no valor de € 4.303,92, referente a juros de mora vencidos incidentes apenas sobre as facturas vencidas e não liquidadas.

K. E, na mesma comunicação, a autora referiu que o cheque no valor de € 71.744,12 tinha sido devolvido e que respeitou o pedido da ré para não apresentar a pagamento o cheque no valor de € 84.696,78, procedendo à emissão da Nota de Débito nº20080017 para a anulação do Recibo n° 2008091 e notificou a ré de que: "Deixaram de existir condições para dar continuidade à obra, sendo que não nos resta outra solução, a não ser suspender a obra a partir da data acima indicada, ou seja, 15 de Dezembro de 2008, inclusive, até ter o pagamento dos valores vencidos".

L. Em 04-08-2008, 11-09-2008, 15-09-2008,16-09-2009, 16-09-2009, 22-09-2008, 30-09-2008. 07-10-2008, 08-10-2008, 10-10-2008, 20-10-2008,06-11-2008 e 24-11-2008, a autora solicitou à ré o pagamento do valor das facturas que sucessivamente foram emitidas.

M. Em 15-12-2008, a autora, atenta a falta de pagamento das facturas e notas de débito no montante global de € 333.682,00, procedeu à suspensão da obra referida em B e comunicou tal suspensão por escrito à ré, comunicação que esta recebeu.

N. E remeteu-lhe igualmente a factura n° 20080145 no montante de € 27.520,57 e a Nota de Débito 20080021 de € 2.970,03 relativa a juros de mora referentes ao atraso no pagamento das facturas números 20080092, 20080106, 20080110, 20080123, 20080131 e a nota de débito nº 200800013.

O. Em 08-01-2009, através de carta expedida com aviso de recepção, a autora exortou a ré a proceder ao pagamento dos valores vencidos e, reiterando a anterior comunicação da suspensão, comunicou que a suspensão da obra se manterá até os pagamentos se mostrarem regularizados.

P. Na sequência da suspensão dos trabalhos, a autora fechou o acesso ao prédio referido em A. e B., mediante uma vedação.”

7. O direito de retenção é visto pelo artigo 754.º do Código Civil como um direito global. No artigo seguinte a lei procede à enumeração de situações tipificadas, mas fá-lo com a prévia inclusão da palavra “ainda” de sorte que é indiscutível aquela globalidade.

Destes preceitos – sem prejuízo das exclusões constantes do artigo 756.º  - emerge que são pressupostos do direito de retenção:

A posse e obrigação de entrega duma coisa;

A existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor;

A existência de conexão causal entre este crédito e a coisa consistente em aquele ser preenchido com despesas feitas por causa dela ou com danos por ela causados.

8 . Neste quadro, têm surgido discussões sobre se o empreiteiro, sendo credor do preço da obra, goza do direito de retenção relativamente a esta.

Contra a posição negacionista de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 3.ª edição, II, 799 e seguintes) se tem manifestado, no entanto, a esmagadora maioria da doutrina:

Galvão Telles, O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, em O Direito, 106.º-119.º, páginas 13 e seguintes, Ferrer Correia e Sousa Ribeiro, Direito de Retenção, CJ  XIII, I, 16 e seguintes, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 342 e seguintes, Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial (Contratos), 2.ª edição, 376 e seguintes, Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª edição, 361 e seguintes e Pedro Albuquerque e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, II, 299.

Assim como a jurisprudência, mormente a deste Tribunal:

Ac.s de 19.11.1971, no BMJ n.º211, página 297, de 5.5.2005, processo n.º 05B865, de 3.6.2008, processo n.º 08A1470 e de 10.5.2011, processo n.º 661/07.0TBVCT-A.G1.S1, estes três disponíveis em www.dgsi.pt.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 201/98, de 10.7, escreveu o legislador que:

“Uniformiza-se igualmente…e regulam-se as principais questões relativas aos contratos de construção e reparação de navios, tomando-se como referência a disciplina do contrato de empreitada.”

Com tal referência, trouxe a lume o artigo 25.º, epigrafado de “Direito de retenção” com o seguinte teor:

O construtor goza do direito de retenção sobre o navio para garantia dos créditos emergentes da sua construção.

A construção do navio integra um contrato de empreitada, de sorte que podemos vislumbrar aqui indícios de interpretação autêntica no sentido de que o empreiteiro goza do direito de retenção.

Para além desta tomada de posição do próprio legislador, ainda que a propósito do contrato de empreitada de construção de navios, outro argumento se pode aduzir no sentido afirmativo:

De acordo com a definição do artigo 1207.º do mesmo código, a empreitada pressupõe a realização de “certa obra”. A intervenção do empreiteiro é, assim, mais profunda do que a vulgar situação em que se fazem despesas “por causa da coisa” ou de “danos por ela causados”. Merece, por aí, maior proteção garantística. Nomeadamente mal se compreenderia que assistisse ao que leva a cabo benfeitorias na coisa este direito e ele fosse recusado ao que a cria.

9 . E contra esta argumentação não colhe a ideia, veiculada pela recorrente, de que o empreiteiro não tem posse.

Já Manuel Rodrigues (A Posse, 2.ª ed., 187) afirmava que:

“Na verdade, há no direito de retenção um poder de facto sobre um objecto e esse direito exerce-se no interesse do detentor – os dois elementos que no sistema do direito português definem a posse.”

Esta citação é feita por Galvão Telles no ponto 10 do Estudo referido, discorrendo este Autor ali, longamente, sobre as razões por que entende que o empreiteiro tem posse.

Argumentação que é acolhida por Romano Martinez, ob. citada, 378 nos seguintes termos:

“É comum afirmar-se que o empreiteiro, se não é proprietário da obra, não tem posse da mesma, mas uma mera detenção. Esta tomada de posição parece ser, pelo menos discutível. Na realidade, o empreiteiro que exerce o direito de retenção não se torna proprietário da obra por usucapião, mas, nos termos do artigo 1251.º Código Civil, a posse também pode corresponder ao exercício de outros direitos reais, que não o de propriedade; por outro lado, aplicando-se ao titular do direito de retenção as regras do penhor (art.s 758.º e 759.º. n.º3 Código Civil), o empreiteiro pode usar as acções possessórias dos art.s  1276.º e seguintes Código Civil, mesmo contra o proprietário da obra.”

No caso presente, ao contrário do sustentado pela recorrente na conclusão 2.ª, resulta do ponto F do elenco factual, conjugado com o teor dos autos de medição e até do montante ali referido, que a autora não se limitou a construir a vedação em que traduziu materialmente o exercício do seu direito de retenção. Já antes construíra obra, ainda que inacabadamente.

10 . No caso de empreitada de construção de coisa móvel, em que o empreiteiro fornece, total ou parcialmente, os materiais, este mantendo-se proprietário até à aceitação da obra (artigo 1212.º, n.º1 do Código Civil), não tem direito de retenção porque lhe assiste o direito, mais profundo, de propriedade.

Mas, afora estes casos, entendemos, pelas apontadas razões, que ao empreiteiro assiste o direito de retenção que vimos abordando.

11.  Nem cremos que, para estes efeitos, ao valor do preço haja que subtrair o correspondente ao lucro dele. 

Logo à partida, porque o preço pode não conter qualquer lucro. Muitas empreitadas dão prejuízo, v.g. ou porque não corresponderam ao que o empreiteiro esperava delas ou mesmo, porque este, querendo impor-se no mercado ou evitar a falência iminente por falta de obras, pode ir intencionalmente para um contrato prejudicial.

Depois porque é muito difícil definir o que é lucro, para estes efeitos. Entre o que gastou e o que recebeu pode haver uma diferença, mas no vulgar foram utilizadas e desgastadas máquinas previamente existentes, foram realizados contratos de trabalho necessários e vinculantes para futuro de acordo com as leis laborais, etc.

Finalmente, importa sempre ter em conta a razão de ser garantística da figura do direito de retenção. Visando tutelar o interesse do credor, em ordem a compelir o devedor ao cumprimento e, concomitantemente, a considerar o crédito como privilegiado, ficaria sem se compreender que deste se excluísse o motor que, não obstante as ressalvas supra referidas, está na base da celebração dos contratos de empreitada. Não vemos razão para se distinguir, acolhendo-se, assim, o entendimento de Calvão da Silva (ob. citada, 33) e Pestana de Vasconcelos (ob. citada, 364).   

12 . Defende ainda a recorrente que, por a obra não estar acabada, inexiste obrigação de entrega ao proprietário.

Ressalvado o caso referido em que a obra pertence ao empreiteiro até à aceitação, vai ela pertencendo à contraparte, nos termos do dito artigo 1212.º.

Assistindo-lhe o direito de propriedade pode ele ir junto do empreiteiro em ordem a obter a entrega. Decerto que, se continuar a vigorar o contrato de empreitada, o direito à entrega terá de respeitar os direitos que, para o empreiteiro, emergem do contrato. Mas, ainda assim, este não fica, à partida, isento de a entregar.

Acolhemos, assim, aqui também o entendimento, neste sentido, de Galvão Telles (Estudo citado) e, bem assim, de Ferrer Correia e Sousa Ribeiro (Parecer também supra citado).

 

13 .  Face a todo o exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 29.1.2014

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista