Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3002/18.7T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE TRABALHO
MEDIDAS DE SEGURANÇA
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
TRABALHADOR INDEPENDENTE
CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2025
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A Autora, trabalhadora independente, mas na dependência económica de uma empresa, foi vítima de acidente de trabalho quando atravessou uma área onde circulavam máquinas, nomeadamente empilhadoras. Tinha sido informada do local para circulação segura de peões, que não utilizou para encurtar caminho, e, não demonstrou que não podia utilizar pelo que não prova de existência de sinais de proibição de travessia de peões no local onde circulavam as máquinas, em concreto não pode ser tida como determinante do sinistro por ser grande a probabilidade de os mesmos serem ignorados pela Autora, como foi a indicação de dever atravessar por outro local.
Decisão Texto Integral:

*


I – Relatório

I.1 –

AA, autora, apresentou recurso de revista excepcional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 8 de Janeiro de 2024, que julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida que absolvera as Rés RLS Representations and Liason Services – Representação para a Indústria Automóvel, Ldª, X...SE e K...., S.A. de todos os pedidos.

A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

I - Qualquer decisão judicial deve providenciar a tutela efectiva dos direitos dos cidadãos, dizendo o Direito e a Justiça, assim consagrando a certeza e a segurança das relações jurídicas, sobretudo quando estamos perante uma prestadora de trabalho, que celebrou um contrato verbal de prestação de serviços e, para o efeito, subscreveu uma apólice de seguro para trabalhadores independentes, desconhecendo, nessa altura, qual o vínculo existente entre a recorrida RLS, que a contratou, e a recorrida K...., S.A., que beneficiou do seu trabalho de controlo de qualidade de peças automóveis, e se ambas cumpriam com as todas as regras de segurança e de saúde, para que a recorrente pudesse prestar o seu trabalho em segurança, como era seu elementar direito, o que não aconteceu.

1. Mostram-se violados o art. 59.º, n.º 1, alíneas c) e f), da Constituição da República Portuguesa que consagra que a recorrente tinha o direito “A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” e “A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”, mas também o art. 31º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sob a epígrafe “Condições de trabalho justas e equitativas”:“Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas.”.

1.2. Mostra-se violado o disposto no art. 20º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como seu correspondente art. 2º do CPC, a saber, o princípio constitucional da tutela da confiança, enquanto princípio imanente ao Estado de Direito, quando o Tribunal da Relação decide absolver as recorridas, imputando a culpa exclusiva do acidente à recorrente por ter passado atrás do empilhador, enquanto existe nos autos prova documental que permite concluir que a recorrente não incumpriu regras de segurança que, à data do acidente, não existiam e/ou que desconhecia, por não lhe ter sido dada a devida e adequada (in)formação.

II – Não se verifica a dupla conforme quando, na primeira instância, apenas foram consideradas pela Exma. Senhora Juíza a quo as regras gerais em matéria de responsabilidade civil previstas no Código Civil, enquanto os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores prolatores do acórdão recorrido fundaram a sua decisão numa análise do regime legal, especial, relativo aos acidentes de trabalho, à sua reparação, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, mas também às regras de segurança e prevenção no trabalho, designadamente a Lei n.º 98/2009, de 04/09 (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, mais conhecida como nova Lei dos Acidentes de Trabalho ou LAT), a Lei n.º 102/2009, de 10/09 (que estabelece o regime jurídico aplicável à promoção da segurança e da saúde no trabalho, incluindo a prevenção), o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02 (que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho), mas também o Código do Trabalho.

2.1. Não foi confirmada na segunda instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância, requerendo-se, em conformidade a V. Exas., se dignem admitir o presente recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 671º, n.º 1, e numa leitura a contrario do disposto no n.º 3, ambos do CPC.

Sem prescindir, da revista excepcional,

2.2. Assume enorme relevância jurídica e social definir quem é ou são responsáveis pelo acidente que vitimou uma trabalhador independente, ocorrido a 16/09/2015, se a empresa de prestação de serviços que a contratou ou a empresa utilizadora do seu trabalho, proprietária da unidade fabril, ou as duas, pois apenas existe jurisprudência, nomeadamente deste Alto Tribunal, que determina a responsabilidade da empresa de trabalho temporário, por ser a “entidade empregadora” (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2013, de 06/12/2013, e acórdão de 16/09/2015, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, no Processo n.º 9119/08.9TMSNT.L1.S1), o que, salvo melhor e seguramente douta opinião de V. Exas., nos afigura constituírem motivos para a admissão de revista excepcional, nos termos do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 672º do CPC, o que aqui se requer.

2.3. Por último, verifica-se que o acórdão recorrido está em contradição com os vários acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal de Justiça (entre eles, o mais recente proferido a 03/11/2023, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Mário, no Processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1), no que refere à interpretação do art. 18º, n.º 1, da LAT, sendo desnecessária a prova de culpa do empregador em caso de violação de regras de segurança ou saúde no trabalho, o que determina que seja admitida revista excepcional, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 672º do CPC.

III – A Lei do Acidentes de Trabalho (LAT) estabelece no art. 7º a regra geral de que: “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.”; em consonância com o disposto no art. 59º da Constituição da República Portuguesa proclama, n.º 1, als. c) e f), já citado.

3.1. Essa regra geral sofre uma excepção, que constitui um facto impeditivo ou uma causa excludente do direito à reparação, através da descaracterização do acidente prevista no art. 14º, por ter sido “provocado por um comportamento particularmente censurável do próprio trabalhador, caso em que opera a chamada “descaracterização” do sinistro, arrimando-se aos fundamentos taxativamente enunciados no art.º 7º n.º 1 daquele diploma.” (actual art. 14º) – acórdão deste Alto Tribunal, datado de 17/05/2007, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Sousa Grandão (Processo n.º 07S053).

3.2. In casu, tanto o Tribunal de Trabalho, como, nos presentes autos, a primeira e a segunda instâncias, não descaracterizaram o acidente enquanto acidente de trabalho.

3.3. Mostra-se, contudo, violado o disposto no art. 7º da LAT, pois embora o Tribunal da Relação tenha considerado “No caso em apreço, o acidente não foi descaracterizado enquanto acidente de trabalho nos termos do citado art.º 14.º da L.A.T.” (pág. 67), nega à recorrente a reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho.

3.4. Mostra-se violado o disposto no art. 342º, n.º 2, do Código Civil, que determina que a prova de um facto impeditivo ou de uma causa excludente do direito à reparação do acidente caberia às recorridas, o que, in casu, não sucedeu, sendo imputada à recorrente uma mera actuação “imprevidente em seu próprio prejuízo” (cfr. acórdão recorrido, pág. 69, 1º parágrafo), o que não integra nenhum dos comportamentos censuráveis pela sua gravidade, taxativamente enunciados no art. 14º do dito normativo legal.

IV - O art. 18º da LAT determina, sob a epígrafe “Actuação culposa do empregador”, n.º 1: “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”.

4.1. A responsabilidade agravada do empregador tem dois fundamentos: primeiro, uma actuação culposa do empregador, em sentido lato, ou, segundo, a violação pelo empregador, em sentido lato também, de regras sobre segurança e saúde no trabalho; ambos alegados na petição inicial.

4.2. Mostra-se violado o disposto no art. 18º, n.º 1, da LAT quando o Tribunal da Relação do Porto determina de forma errada, como se depreende do próprio sumário do acórdão recorrido, sob “I - O direito de indemnização pela totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes de acidente de trabalho só se verifica, nos termos do art.º 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, se existir atuação culposa do empregador.”. - vide, Acórdãos, supra citados, deste Alto Tribunal, de 01/03/2018 (relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Ferreira Pinto, no Processo n.º 750/15.7T8MTS.P1.S1) e de 03/11/2023 (relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Mário, no Processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1; ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

V – O art. 281º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho” determina que: “2. O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.”, sendo que “3. Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.”; e, como é o caso dos autos:“4. Os empregadores que desenvolvam simultaneamente actividades no mesmo local de trabalho devem cooperar na protecção da segurança e da saúde dos respectivos trabalhadores, tendo em conta a natureza das actividades de cada um.”.

5.1. Mostra-se violado o disposto no art. 20º da Lei n.º 102/2009, de 10/09, “os trabalhadores devem receber formação sobre a sinalização de segurança e de saúde adequada às características dos locais de trabalho, em especial sobre o seu significado e sobre os comportamentos gerais e específicos a adoptar.”.

5.2. Em conjugação, mostra-se violado o disposto no Decreto-Lei n.º 141/95, de 14/06, relativo às prescrições mínimas para a sinalização de segurança e de saúde no trabalho, que não foi sequer mencionado no acórdão recorrido, muito menos analisado e aplicado, que determina no art. 9º, n.º 1: “os trabalhadores devem receber formação sobre a sinalização de segurança e de saúde adequada às características dos locais de trabalho, em especial sobre o seu significado e sobre os comportamentos gerais e específicos a adoptar.”; e no art. 5º, sob a epígrafe “Obrigações do empregador”: “1 - O empregador deve garantir a existência de sinalização de segurança e de saúde no trabalho adequada, de acordo com as prescrições deste diploma, sempre que esses riscos não puderem ser evitados ou suficientemente diminuídos com meios técnicos de protecção colectiva ou com medidas, métodos ou processos de organização do trabalho.”.

5.3. Também se mostram violadas as disposições desse mesmo normativo legal, art. 6º: “Têm carácter permanente: a) As placas de proibição, aviso e obrigação;” e “f) A marcação, com uma cor de segurança, de vias de circulação.”; art. 8º, sob a epígrafe “Eficiência da sinalização”, n.º 1: “O empregador deve garantir que a acessibilidade e a clareza da mensagem da sinalização de segurança e de saúde no trabalho não sejam afectadas pela sua má concepção, pelo número insuficiente, pela localização inadequada, pelo mau estado de conservação”, regulamentado pela Portaria n.º 1456-A/95, de 11/12, art. 4º, n.º 1: “Os meios e os dispositivos de sinalização devem ser regularmente limpos, conservados, verificados e, se necessário, reparados ou substituídos.”; e n.º 3: “O número e a localização dos meios ou dispositivos de sinalização dependem da importância dos riscos, dos perigos e da extensão da zona a cobrir.”; e, no art. 10º, no que refere à localização das vias/faixas de circulação, nº 2: “deve ter em conta as distâncias de segurança necessárias, quer entre veículos e trabalhadores, quer entre ambos e os objectos ou instalações que possam encontrar-se na sua vizinhança.”.

5.4. Ficou definitivamente provado nos autos: “21. O espaço fabril era composto por um espaço amplo partilhado por pessoas e máquinas/empilhadores, que nele circulam e transitam, estando demarcadas no solo, com linhas e marcas de pés pintadas, as zonas, separadas, destinadas à circulação de peões, de máquinas e de descarga.”; “9. Pelo meio do pavilhão circulam máquinas industriais, nomeadamente empilhadores, que faziam o transporte de cargas e de paletes.”; “6. A Autora decidiu atravessar o pavilhão fabril pelo meio, para encurtar distância para a área de pintura, do lado oposto ao seu posto de trabalho.”; “7. Tal percurso podia ter sido feito por corredor atrás de prateleiras que circundam a área de trabalho e depois por área demarcada a tinta, no chão, destinada à passagem de peões.”.

5.5. Mas, fazendo uma análise dos documentos juntos aos autos, nas fotografias constantes do relatório de averiguação da Fidelidade tiradas 20 dias após o acidente, em 06/10/2015, assim como nas fotografias facultadas pela recorrida K...., S.A., embora não datadas, todas juntas aos autos em 16/03/2020, não se vê nenhuma placa de “Passagem proibida a peões”, de “Proibida a entrada a pessoas não autorizadas” e sobretudo de “Passagem obrigatória para peões”.

5.6. E, no que refere às marcas no chão, não podemos ignorar a conclusão tirada pela Exma. Senhora a quo, como se depreende da motivação da decisão sobre a matéria de facto, a págs. 30 e 31 da sentença: “É notória a alteração da pigmentação das marcações no solo entre as fotos juntas a tal relatório, tiradas a 06-10-2015 (e onde são muito mais nítidas) e as juntas pela K...., S.A. em 16-03-2020, que não estão datadas, mas revelam, ainda que com muito menor nitidez, ou se se quiser, menor desgaste, as mesmas marcas, ou semelhantes.

Aliás, mesmo as fotos juntas ao relatório de averiguação Fidelidade Companhia de Seguros, SA, quando visionadas a cores no seu original constante do citius, revelam claramente que outras, mais antigas e desgastadas ali existiam, em locais próximos.”.

5.7. Ora, caso a recorrida K...., S.A. tivesse, como era sua obrigação legal, um plano de organização e de prevenção de riscos de atropelamento com empilhadores na data do acidente, em 16/09/2015, e na zona do espaço fabril em que ocorreu, colocando sinais/placas de aviso de “Passagem proibida a peões”, de “Proibida a entrada a pessoas não autorizadas”, na zona partilhada por peões e empilhadores, e de “Passagem obrigatória para peões”, além de nela manter marcas no chão em bom estado de conservação, não duplicadas, nem degastadas ou mesmo inexistentes, e caso a recorrida RLS tivesse prestado uma completa e adequada (in)formação sobre os locais de passagem e de trânsito à recorrente, o que, em ambos os casos, não aconteceu, a recorrente não teria passado nesse local, evitando-se, assim, a ocorrência do acidente, o que determina a responsabilidade agravada da recorrida RLS e/ou da recorrida K...., S.A., à luz do disposto no art. 18º, n.º 1, da LAT.

5.8. Mostra-se violado o art. 18º, n.º 1, da LAT quando, no acórdão recorrido, pode ler-se: “No caso em apreço a vítima desatendeu as indicações de segurança ministradas e a sinalética existente no local. Atuou de forma imprevidente em seu próprio prejuízo, não sendo, por conseguinte, o acidente de imputar à violação de regras de segurança pela 1.ª R. - ou, diga-se, qualquer outro interveniente nos autos.” - cfr. acórdão recorrido, pág. 69, 1º parágrafo; quando, in casu, ficou demonstrado que a recorrida K...., S.A. não fez o acolhimento da recorrente, nem lhe deu formação de segurança (facto não provado sob n), e, por outro lado, que a funcionária e supervisora da recorrida RLS apenas, a testemunha BB: “Esta testemunha afirmou ter sido quem contratou a Autora e ter ido com a mesma à K...., S.A., onde lhe deu o que descreveu como “breve explicação” sobre a planta da fábrica, a localização da casa de banho e locais de refeição e lhe ensinou os locais por onde circular.” (cfr. motivação da decisão de facto da sentença da primeira instância, a pág. 31, 4º parágrafo); além de que, nos vários documentos, e-mails, relatório ou depoimentos, elaborados no dia ou logo após o acidente, em nenhum deles é mencionado que a recorrente desrespeitou uma regra de segurança ou uma marca/corredor de circulação, antes sendo dada como causa do acidente a desatenção de ambos os intervenientes, a recorrente e o condutor do empilhador (vide, “auto de ocorrência n.º 126/15” junto como doc. n.º 8 com a pi, elaborado pela Guarda Nacional que foi chamado ao local no dia do acidente; “Relatório de Acidente de Trabalho” datado de 16/09/2015, enviado em 14/10/2015 pelos Recursos Humanos da recorrida RLS ao perito averiguador da Fidelidade; “Depoimento testemunhal” do condutor do empilhador, CC: “Encontrava-me a colocar uma palete na linha de pintura e ao fazer marcha atrás não me apercebi que tinha uma colega atrás do empilhador.”; e e-mail enviado pela testemunha e Técnica Superior de Segurança da recorrida K...., S.A., DD, ao perito averiguador da Fidelidade, em 06/10/2015, com uma “Descrição sumária do Acidente:” “Por distração de ambas as partes, o choque terá ocorrido tendo a roda do equipamento prensado o sapato (de segurança) da sinistrada e levando ao desequilíbrio da mesma. A AA terá, entretanto, caído lesionando o seu pulso ao amparar-se da queda.”).

VI – A culpa da empregadora na pessoa do condutor do empilhador que, a mando e no interesse dessa, iniciou uma manobra de marcha-atrás em antes verificar que não estava nada (outro empilhador ou outra máquina), nem ninguém (a recorrente), atrás, também é fundamento da responsabilidade agravada do empregador, em lato sensu, nos termos e para os efeitos previstos no art. 18º, n.º 1, da LAT.

6.1. É nulo o acórdão na parte em que os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores deixaram de se pronunciar sobre o pedido de modificação ou de ampliação da decisão sobre a matéria de facto, para que fique a constar como facto provado que o condutor do empilhador não olhou, logo não verificou no retrovisor/espelho central existente no empilhador antes de iniciar a marcha-atrás – cfr. art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPC.

VII – O art. 498º, n.º 1, do C. Civil estabelece: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”; mas determina o n.º 3: “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”.

7.1. É nulo o acórdão recorrido na parte em que determina, sem mais: “Os factos alegados não integram crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (art.º 498.º/3 do C.C.).”, sem qualquer fundamentação de facto e de direito para tal decisão, à luz do disposto no art. 607º, n.º 3, e 615º, n.º 1, al b), ambos do CPC.

7.2. Constitui um crime de violação de regras de segurança, previsto no art. 152º-B do Código Penal, n.º 1: “Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”; mais constitui um crime de omissão de instalação de meios, previsto no art. 277º, n.º 1, al. b), 2ª parte: “Quem” “infringindo regras legais, regulamentares ou técnicas, omitir a instalação de tais meios” “E criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem (…), é punido com pena de prisão de um a oito anos.”.

7.3. Mostra-se violado o disposto no art. 498º, n.º 3, do Código Civil, pois verifica-se que os actos e comissões das recorridas RLS mas sobretudo K...., S.A. são constitutivos dos crimes vindos de mencionar, pelo que o prazo de prescrição passou de 3 para 10 anos, à luz do disposto no art. 118º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

7.4. Sem prescindir, mostra-se violado o disposto no art. 498º, n.º 1, do Código Civil, pois a recorrente apenas podia exercer o seu direito após tomar conhecimento de que não iria ser ressarcida por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, por ela sofridos no processo especial de trabalho e que teria de iniciar a presente acção contra as aqui recorridas, o que aconteceu após a conciliação do Tribunal de Trabalho, realizada a 09/10/2017, e até a sua mandatária entrar em contacto, em 02/08/2018, com a seguradora XL para a qual a recorrida K...., S.A. havia transferido a responsabilidade civil, mas que declinou qualquer responsabilidade.

VIII - Estabelece o art. 283º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Acidentes de trabalho e doenças profissionais”, no seu n.º 1: “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.”; e, no n.º 10: “O empregador deve assegurar a trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação em funções compatíveis.”.

8.1. São esses os fundamentos da presente acção: a reparação dos danos, de todos os danos sofridos e que ainda irá sofrer a recorrente, a saber os danos morais e o dano biológico (à excepção das prestações já recebidas no processo laboral e que não foram peticionados nos presentes autos), em que se inclui a devida valoração pela não reintegração/ocupação em funções compatíveis por parte da recorrida RLS, pois a recorrente, como pessoa, como trabalhadora, não pode ser descartada porque já “não é apta”, já não está “a 100%”, já não serve, além dos lucros cessantes, correspondentes à diferença de valores que a recorrente recebeu da Fidelidade, com base no contrato de seguro de trabalhadores independentes durante o tempo em que estava impossibilitada de trabalhar, e o valor que teria recebido se estivesse a trabalhar.

8.2. Mostra-se violado o art. 7º da LAT, que, sob a epígrafe “Responsabilidade”, determina: “É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho, nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço.”.

8.3. Requer-se, em conformidade e por último, a V. Exas. se dignem revogar o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que reaprecie não só todo o quadro legal no âmbito do qual deve ser analisado o acidente que vitimou a recorrente, tendo em conta a prova dos autos, no seu conjunto e em simultâneo, o que determinará, assim o esperamos, que seja dado provimento às pretensões da recorrente.

Termos em que, admitindo-se a revista, deve a decisão recorrida ser revogada, por violação das normas legais aplicáveis, sendo dado provimento às pretensões da recorrente, atribuindo-lhe a peticionada indemnização por todos os prejuízos por ela sofridos e que irá sofrer em consequência das limitações e das incapacidades de que ficou padecer, com o que se verá realizado e ensinado o bom DIREITO e a JUSTIÇA que ao caso cabe.

A recorrida RLS – Representations and Liaison Services – Representação para a Indústria Automóvel, L.dª. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:

A. A dupla conforme, que impede o recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, visa racionalizar o uso dos meios processuais, valorizar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça e conferir segurança jurídica, potenciando correntes jurisprudenciais estáveis.

B. Da fundamentação da Sentença de 1.ª Instância e do Acórdão ora sob recurso retira-se que o quadro normativo (, i.e., o conjunto de leis, regulamentos e diretrizes que estabelecem as regras e normas que devem ser seguidas) é essencialmente idêntico e da sua aplicação não ficou demonstrado que a causa do acidente tenha resultado da violação, pela Recorrida, de normas que se lhe impunham, nem ficou demonstrado que esta estava obrigada a encontrar ocupação profissional para a Recorrente após o acidente.

C. Tendo presente que a Recorrente optou por nada alegar quanto ao fundamento de direito da sua pretensão, a 1.ª Instância procedeu ao correcto enquadramento jurídico da sua pretensão ao abrigo das diferentes fontes da responsabilidade civil aplicáveis: a responsabilidade contratual, tendo por base o contrato existente entre a Recorrente e a aqui Recorrida e a responsabilidade extracontratual, por via da alegada prática de facto ilícito ou de actividade geradora de responsabilidade objectiva ou pelo risco.

D. No âmbito da eventual responsabilidade contratual da ora Recorrida, por via do contrato de prestação de serviços que a Recorrente reconheceu e confessou ter celebrado, o Tribunal de 1.ª Instância analisou de forma cabal a verificação dos respectivos requisitos legais, não só face ao regime decorrente do disposto no artigo 1154º do Código Civil, como ainda ao abrigo de uma eventual e suposta violação do dever de “formação profissional adequada às suas funções” (da Recorrente) e de uma eventual e suposta violação do dever de implementar regras e procedimentos de segurança adequados à circulação no espaço em que a actividade era desenvolvida.

E. Nada mais era exigido, pois relativamente à Recorrida, a Recorrente limitou-se a alegar a celebração de um contrato de prestação de serviços e a imputar-lhe, por um lado, falta de formação profissional quanto a regras de segurança no trabalho referentes à circulação dentro do espaço fabril que, afirmava, terem sido causais do seu acidente e, por outro, uma suposta obrigação da Recorrida em manter a prestação de serviços da Recorrente após o acidente.

F. Tal enquadramento teve, é claro, em consideração a factualidade provada, em concreto, os factos provados nos pontos 1, 6 a 16, 21 e 40, bem como as alíneas a) a j) dos factos não provados.

G. Perante tal factualidade, não se impunha que o Tribunal de 1.ª Instância procedesse a uma análise exaustiva de todos os quadros normativos potencialmente aplicáveis à situação em causa apenas e só para chegar à conclusão de que, por via dos mesmos, não era possível confirmar a responsabilidade imputada pela Recorrente.

H. A razão lógica de a fixação da matéria de facto preceder a aplicação do direito prende-se com o facto de a mesma definir as soluções plausíveis da questão de direito.

I. Em sintonia com o decidido pela 1.ª Instância, o Tribunal a quo considerou que “A principal questão fáctica que se suscita consiste em saber se o evento que vitimou a sinistrada resultou da falta de observação de regras sobre segurança no trabalho ou se, ao invés, o acidente emergiu da violação de deveres de cuidado por banda da sinistrada.”

J. É claro que, o conhecimento do recurso de apelação interposto pela Recorrente implicou uma análise mais aprofundada do enquadramento jurídico que, pela primeira vez, a Recorrente trouxe ao processo – essa maior amplitude foi determinada pelo objecto do recurso interposto pela Recorrente ─ a alegada violação do artigos 10.º e 283.º do Código do Trabalho, na Lei dos Acidentes de Trabalho, no Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho e no Regime da Prescrições Mínimas de Segurança e Saúde dos Trabalhadores na Utilização de Equipamentos de Trabalho.

K. Mas isso não significa um enquadramento jurídico radicalmente diferenciado, como é exigido legalmente para a aceitação do recurso de revista.

L. O Tribunal a quo não enquadrou a factualidade apurada num quadro normativo substancialmente diverso daquele que foi aplicado pela 1.ª Instância, tendo analisado os factos ao abrigo dos institutos da responsabilidade contratual ou extracontratual, tomando em consideração a especificidade de se estar perante um acidente de trabalho e, por isso, procedendo previamente a uma breve explanação do regime atinente à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho.

M. É entendimento pacífico que não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão objecto de recurso, relativamente aos fundamentos seguidos na 1.ª Instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.

N. Para que não se verifique a dupla conforme é necessário que a fundamentação do acórdão objecto de recurso, comparado com a sentença que lhe precede, seja essencialmente diferente e, para isso, é necessário que se baseie, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a sentença apelada.

O. Ora, não se verifica nenhum enquadramento jurídico radicalmente diferenciado: tanto a 1.ª Instância como o Tribunal a quo concluíram que não se provou que a Recorrida tenha omitido formação profissional quanto a regras de segurança cuja violação tenha sido causal do acidente, nem que a Recorrida se tenha, estando obrigada a fazê-lo, recusado a encontrar ocupação profissional para a Recorrente e, com base nisso, concluíram pela ausência de responsabilidade imputada à Recorrida.

P. O eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias é o mesmo – a falta de verificação dos requisitos da responsabilidade civil imputada à Recorrida, pelo que está verificada a dupla, conforme prevista no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, o que faz com que não possa ser admitido o recurso de revista interposto pela Recorrente ao abrigo do citado preceito legal.

Q. Decorre da lei e é entendimento pacífico que a revista excepcional interposta ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC não se basta com afirmações vagas, genéricas e exclusivas ao caso sub iudice, competindo ao recorrente concretizar, com argumentos concretos e objetivos, o relevo jurídico e social das questões em causa.

R. Isso não ocorre ─ no ponto 2.2. das Conclusões do recurso da Recorrente, a mesma limita-se a afirmar a “enorme relevância jurídica e social”, mas sem concretizar, especificar ou justificar em que termos a mesma se concretiza.

S. Logo, ao não cumprir o exigido pelo n.º 2 do artigo 637.º do CPC, indicando nas conclusões do recurso o fundamento específico da recorribilidade, não pode ser admitido o recurso excepcional de revista pretendido pela Recorrente.

T. Mas mesmo centrando-nos na alegação da Recorrente, verifica-se que também ali a mesma continua sem justificar a razão pela qual apurar o responsável pelo acidente de trabalho por si sofrido assume relevância jurídica, merecedora de uma discussão e análise alargada de modo a ser transponível para outras situações, ou social, por não se abranger apenas o interesse da Recorrente mas, isso sim, interesses importantes da comunidade e transversais às partes do processo.

U. A admissão do recurso de revista excepcional visa salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito (e não a resolução do litígio entre as partes) e, do alegado pela Recorrente, não é possível apurar de que forma tais objectivos poderão ser alcançados, não estando reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a admissão do recurso interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC.

V. Também não se verifica o circunstancialismo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, não só porque a Recorrente não identifica em concreto o acórdão fundamento da oposição alegada, como não cumpre o ónus de identificar os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e o de juntar cópia ou certidão do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (cfr. ponto 2.3. das suas conclusões),

W. Como ainda porque, admitindo que o acórdão-fundamento seja o proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 03.11.2023, no âmbito do Processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1, verifica-se que o mesmo e os presentes autos não são constituídos por um núcleo factual similar.

X. A factualidade subjacente ao referido acórdão-fundamento tem subjacente uma acção emergente de acidente de trabalho onde ficou demonstrada a violação, pela empregadora, de uma regra de segurança específica; pelo contrário, nos presentes autos, não resultou demonstrada a violação, pela Recorrida, de qualquer regra de segurança específica (cfr. pontos 6 a 18, 21 e 22 dos factos provados e, por contraponto, alíneas a) a g) e j) dos factos não provados).

Y. Em sentido técnico, temos oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

Z. Da comparação de ambos os casos, o dos autos e o do acórdão-fundamento, resulta que não existe identidade do núcleo central da situação de facto, o que impõe que seja rejeitado o recurso de revista excepcional interposto pela Recorrente ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do referido artigo 672.º do CPC.

AA. A Recorrente imputa o acidente sofrido no dia 16/09/2015 à omissão, pela Recorrida, do dever de formação profissional quanto às “normas de segurança referentes ao trânsito dentro do espaço fabril onde se deu o acidente”.

BB. Ficou provado nos autos que, no dia 16.09.2015, dentro da unidade fabril da “K...., S.A.” em ..., a Recorrente se encontrava na sua área de trabalho, na área de desmontagem, a fazer controlo de qualidade, quando foi chamada para a linha de pintura, sita na outra extremidade da unidade fabril (ponto 5 dos factos provados), tendo decidido atravessar pelo meio do pavilhão fabril, onde circulavam máquinas industriais que faziam o transporte de cargas e de paletes, para encurtar distância, ao invés de fazer tal percurso pelas passagens destinadas aos peões, sitas no corredor por detrás de prateleiras que circundam a área de trabalho e por área demarcada a tinta, no chão (pontos 6, 7, 9 e 21 dos factos provados), apesar de saber, porque transmitido pela Recorrida, que a circulação deveria ser feita apenas pelas áreas destinadas à passagem com segurança de peões (ponto 8 dos factos provados).

CC. Ficou, igualmente, provado que, ao atravessar pelo meio do pavilhão fabril, a Recorrente apercebeu-se que um empilhador estava a transitar, tendo-o visto parar junto da linha de pintura a efectuar a manobra de descarga de paletes e, apesar de saber que a operação de descarga das paletes implicava que o referido empilhador iniciasse a manobra de marcha-atrás após ter pousado os garfos no chão, optou por passar por detrás do referido empilhador precisamente no momento em que o mesmo estava a efectuar tais manobras (pontos 10 a 15 dos factos provados).

DD. Desta factualidade resulta que a Recorrente desatendeu as indicações de segurança ministradas e a sinalética existente no local, actuando de forma imprevidente em seu próprio prejuízo, não sendo, por conseguinte, o acidente de imputar à violação de regras de segurança pela Recorrida, em concreto, à não transmissão das “normas de segurança referentes ao trânsito dentro do espaço fabril onde se deu o acidente.”.

EE. Face a tal factualidade, como bem decidiu o Tribunal a quo, “Não se entrevê, assim, que medidas de segurança pudessem ter sido adotadas na unidade fabril que pudessem ter prevenido o acidente, já que este emerge da conjugação do atravessamento pela A. de um local não destinado ao efeito e de esta, apesar de se ter apercebido do empilhador em funcionamento, sendo previsível que este se movimentasse, se ter colocado por detrás do mesmo.”.

FF. Pelos motivos acima expostos, não merece o Acórdão ora sob recurso as críticas que lhe são apontadas.

Nestes termos e demais de Direito:

a) Rejeitando a revista interposta ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3, interpretado à contrário, do CPC, por se verificar uma situação de dupla conforme;

b) Rejeitando a revista excepcional interposta ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1 e 2, por não se mostrarem cumpridos os requisitos de admissibilidade exigidos;

Ou, caso assim não se entenda,

c) Julgando totalmente improcedente o presente recurso e mantendo o Acórdão recorrido, farão V. Exas, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, o que é de inteira Justiça!.


*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso foi admitido por acórdão da Formação a que se refere o art.º 672.º do Código de Processo Civil.

*

I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Nulidade por omissão de pronúncia;

2. Nulidade por falta de fundamentação;

3. Responsabilidade civil da ré RLS perante a autora;

4. Prescrição do direito invocado pela autora em relação à ré K...., S.A..

I.4 - Os factos

O acórdão recorrido considerou provados e relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:

1. A Autora celebrou um contrato verbal de prestação de serviços com a 1ª D., RLS, Ldª., em Julho de 2015.

2. A Autora havia celebrado com a Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes titulado pela apólice n.º AC......08, com início em 18/07/2015 e até 18/07/2016, para as funções de “Técnico de controlo de processos industriais”.

3. Tal contrato de seguro foi celebrado com base numa retribuição anual de 7.070,00 €.

4. No âmbito do acordo referido em 1, a Autora prestou serviços como controladora de qualidade na unidade da empresa K...., S.A., sita na ..., em ....

5. No dia 16/09/2015, cerca das 13h30, dentro daquela unidade fabril sita em ..., a Autora encontrava-se na sua área de trabalho, que era uma bancada de trabalho na área de desmontagem, a fazer controlo de qualidade às peças quando foi chamada para a linha de pintura, sita na outra extremidade da unidade fabril, onde iria proceder à triagem de umas peças.

6. A Autora decidiu atravessar o pavilhão fabril pelo meio, para encurtar distância para a área de pintura, do lado oposto ao do seu posto de trabalho.

7. Tal percurso podia ter sido feito por corredor por detrás de prateleiras que circundam a área de trabalho e depois por área demarcada a tinta, no chão, destinada à passagem de peões.

8. Que eram zonas destinadas à passagem com segurança para os peões, o que a Autora bem sabia, por ter recebido informação da RLS sobre tais locais de passagem assinalados.

9. Pelo meio do pavilhão circulam máquinas industriais, nomeadamente empilhadores, que faziam o transporte de cargas e de paletes.

10. Quando se dirigiu para a linha de pintura, a Autora apercebeu-se que um empilhador estava a transitar dentro da unidade fabril.

11. Viu o mesmo parar junto da linha de pintura para descarregar paletes.

12. Vendo que os garfos do empilhador se encontravam em baixo, mas ainda prendendo as paletes, a Autora prosseguiu a marcha por detrás do mesmo.

13. Nesse preciso momento, o trabalhador que se encontrava a manobrar o empilhador, iniciou a marcha-atrás.

14. Tal manobra era manobra habitual e conhecida da Autora.

15. A Autora, não obstante, ter visto a manobra que o empilhador estava a efectuar, de descarga, posicionou-se precisamente atrás dele.

16. O condutor do empilhador não se apercebeu da presença da Autora na sua retaguarda.

17. Com essa manobra, a roda do empilhador prensou o sapato de segurança do pé direito da Autora, tendo esta de imediato gritado o que levou o trabalhador que estava a manobrar o empilhador a reiniciar a marcha para a frente.

18. O sapato ficou solto, a Autora desequilibrou-se, caiu para trás e, ao tentar amparar-se da queda, bateu com a mão esquerda no chão.

19. O manobrador do empilhador, CC, era e é trabalhador da empresa K...., S.A., conduzindo o empilhador no exercício das suas funções, a mando e no interesse da mesma.

20. O empilhador encontrava-se e era usado, à data do acidente, dentro daquela unidade fabril, a mando e no interesse da empresa K...., S.A.

21. O espaço fabril era composto por um espaço amplo partilhado por pessoas e máquinas/empilhadores, que nele circulam e transitam, estando demarcadas no solo, com linhas e marcas de pés pintadas, as zonas, separadas, destinadas à circulação de peões, de máquinas e de descarga.

22. A Autora usava à data do acidente sapatos de segurança com biqueira de aço.

23. Com o acidente, o seu sapato direito ficou completamente deformado.

24. A Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A solicitou o reembolso das despesas havidas com a Autora junto da empresa K...., S.A., em 09/08/2017.

25. Em consequência do acidente, a Autora foi transportada de ambulância pelos Bombeiros Voluntários de ... para o Hospital 1, em ....

26. A Autora foi admitida no serviço de urgência no dia 16/09/2015 às 14h48, tendo tido alta dada nesse mesmo dia, às 20H15.

27. Sofreu “fractura intra articular cominutiva do punho esquerdo com Fractura sem desvio no 1º Metatarso direito e Trombo embolismo

28. Fez plano em tala gessadas.

29. Foi-lhe aconselhado tratamento cirúrgico do punho e analgesia elevação do membro superior esquerdo.

30. A partir do dia seguinte, 17/09/2015, a Autora passou a ser acompanhada pela Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., tendo sido sujeita a inúmeras consultas médicas e tratamentos cirúrgicos.

31. Teve consulta e fez raio-x do punho esquerdo e do pé direito em 17-09-2015 na Clínica, Hospital Privado 2, S.A.

32. Onde regressou a 18/09/2015 para nova consulta e exames pré-operatórios.

33. Necessitou de ajuda de terceiro de 17-09-2015 até 30-11-2015.

34. Foi sujeita a cirurgia a 22-09-2015 tendo tido alta em 23/09/2015.

35. Voltou ao referido hospital no dia da alta com queixas de vómitos e dores e foi medicada.

36. Voltou a tal hospital nos dias 25 e 29 de Setembro, 2, 6 e 20 de Outubro, 3, 13 e 25 de Novembro e 23 de Dezembro, para tratamentos e consultas.

37. Nessas idas e vindas para e da Clínica a Autora deslocava-se cerca de 40 km por cada viagem, no que despendia cerca de 35 minutos tendo de ir acompanhada do seu marido pois não conduz.

38. A Autora iniciou fisioterapia ao punho esquerdo em Novembro de 2015 tendo realizado um total de 85 sessões.

39. Durante os tratamentos a Autora tentou retomar a actividade profissional nas instalações da K...., S.A. no início de Janeiro de 2016, o que não conseguiu.

40. A RLS enviou-lhe, em 7 de Janeiro carta do seguinte teor: “Verificamos que, após a retoma da sua prestação de serviços a esta empresa, continua sem estar fisicamente capaz de assegurar o cumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre nós. De facto, após a execução dos serviços contratados apenas pelo período de cerca de 1 (uma) hora, foi possível comprovar que V. Exa. não está, neste momento, capaz de cumprir com os trabalhos requeridos por parte do nosso cliente em Portugal. Assim, a prestação de serviços entre V. Exa. e a R...SL ficará imediatamente suspensa até que nos confirme a sua recuperação total.”.

41. A Autora deslocou-se no dia 08/01/2016, à Clínica, Hospital Privado 2, S.A., onde foi novamente observada por um médico ortopedista, com o seguinte diagnóstico: “doente vem por alguma dificuldade no local de trabalho. em função de utilizar a pronosupinação. opta-se para fazer um ciclo de mfr 10, volta para extracção de placa e parafusos, alta para ipp. volta com rx ita. 29.01.2016”.

42. Seguindo-se nova consulta e novo exame em 29/01/2016.

43. A Autora foi sujeita a nova intervenção cirúrgica na Clínica, Hospital Privado 2, S.A., onde ficou internada de 10/02/2016 a 11/02/2016, para realizar a “Libertação de aderência dos tendões flexores e extracção de material de osteossíntese”, e foi novamente medicada.

44. Posteriormente, a Autora deslocou-se à Clínica, Hospital Privado 2, S.A., e à Unidade de Cuidados Médicos Acidentes Porto da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.:

a. em 12/02/2016, 16/02/2016 e 19/02/2016 para mudar o penso;

b. em 23/02/2016, 29/03/2016, 22/04/2016, 02/05/2016 e 12/05/2016 para novas consultas e novos RX ao punho esquerdo e ao ombro esquerdo.

45. Em 05/05/2016, a Autora foi sujeita a uma electromiografia na C..., na Clínica ..., com a seguinte conclusão: “Exame dentro dos limites da normalidade – nomeadamente a nível do punho esquerdo.”

46. A 18/05/2016, a Autora foi sujeita a novo internamento, até 19/05/2016, para a realização de uma intervenção cirúrgica, uma “Osteotomia correcção deformidade radial (placa radio Medcomtech)”.

47. A Autora foi seguida por uma psiquiatra, o que fez através do Serviço Nacional de Saúde, a partir de Maio de 2016, pois manifestava alterações psicopatológicas dominados por elevados níveis de ansiedade e irritabilidade que atribuía a um acidente de trabalho ocorrido em 2015, do qual decorreu limitação funcional significativa.

48. Foi-lhe alterada a medicação que tomava por já sofrer de “perturbação depressiva recorrente”, medicação que a Autora mantém até hoje, passados mais de dois anos: “Por agravamento progressivo do seu estado e referência a comportamento mais explosivo em casa, foi ajustada a medicação, ficando medicada com antidepressivo e antipsicótico (venlafaxina 150mg/dia e quetiapina 25mg/dia), que ainda mantém.”

49. Seguiram-se novas consultas na Unidade de Cuidados Médicos Acidentes Porto da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., em 23/05/2016, 04/07, 04/08, 09/08 e 10/08/2016, a colocação de uma tala amovível, novos exames complementares de diagnóstico a 11/08 e nova consulta a 18/08 de 2016.

50. Durante esse período, de 11/07/2016 a 03/08/2016, a Autora foi sujeita a outros 15 tratamentos diários de fisioterapia.

51. Seguiu-se um novo internamento e uma nova intervenção cirúrgica a 24/08/2016, no Hospital 3, pelos seguintes motivos e com os resultados assim descritos: “Rotura extensor longo polegar à esquerda” “Tratamento” “Em 24/08/2016: Abordagem distal centrada na zona da rotura. Identificação topo distal extensor longo polegar. Não foi possível identificação coto proximal por retracção miotendinosa do mesmo. Abordagem MCF D2 mão esquerda com identificação e transferência tendão extensor próprio indicador e sutura intertendinosa ao extensor longo polegar. Imobilização gessada.” “Orientação” “Penso 2 x semana. Retira pontos ao 15º dia pós-op.. Fazer medicação prescrita. Mantém imobilização

52. Em 19/09/2016, a Autora teve nova consulta na Unidade de Cuidados Médicos Acidentes Porto da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.

53. Seguindo-se mais 20 tratamentos diários de fisioterapia de 26/10/2018 a 23/11/2016.

54. A 24/11/2016, foi-lhe determinada a “retoma trabalho com regime melhorado”, com uma “itp de 40%”.

55. Como a Autora sabia que não iria conseguir executar as suas funções de controlo de qualidade, não existindo outras funções que poderia desempenhar com tal limitação do uso da sua mão dominante, a Autora não regressou ao serviço.

56. Passado mais de um mês e sem melhorias, após nova consulta na Unidade de Cuidados Médicos Acidentes Porto da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a 05/01/2017, seguiu-se um novo internamento, de 20 a 21/01/2017, para ser sujeita a nova intervenção cirúrgica a 20/01/2017, no Hospital 3, pelos seguintes motivos: “Motivo(s) da Admissão” “Sequelas de fratura do punho esquerdo” “Tratamento” “Operada em 20/01/2017: EMOS placa volar do punho esquerdo (trimed) + tenólise de flexores do punho + libertação de n mediano esquerdo.” “Orientação” “Fazer medicação prescrita. Retira pontos ao 14º dia. Deve imobilizar dedos e punho esquerdo”.

57. Seguiram-se novas consultas na Unidade de Cuidados Médicos Acidentes Porto da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a 25/01/2017 e 03/02/2017.

58. Em 16/02/2017, a Autora foi sujeita a novo exame complementar de diagnóstico ao punho esquerdo, que motivou novos tratamentos diários de fisioterapia, 11 sessões no total, 17/02 a 07/03/2017.

59. Seguiu-se nova consulta a 22/03/2017 onde foi dada alta à Autora com uma ITP de 15%, constando do respectivo relatório médico: “lesões sofridas: fractura fechada da extremidade distal do rádio esquerdo e fractura do 1º metatarso do pé direito. rutura do extensor do polegar esquerdo (intercorrência)” “terapêuticas prescritas: imobilização gessada, analgesia e fisioterapia” “estado atual: - encontra-se atualmente com itp de 15%. tem alta hoje - apresenta-se consciente, com boa orientação e colaborante, sendo bom o estado geral. - queixas:

a) funcionais: sem dificuldade na marcha; sem dificuldade nas transferências. sem dificuldade para colocar a mão esquerda nos pontos mais elevados e posteriores do espaço; com dificuldades na preensão com a mão esquerda. dores residuais e impotência funcional do punho esq.

b) situacionais: autonomia e independência para os atos da vida diária. sem alterações relevantes nas actividades familiares, sociais, desportivas e de lazer. mantém a sua actividade laboral habitual, sem limitações qualitativas ou quantitativas da produtividade, referindo, no entanto, dificuldades relacionadas com as queixas atrás descritas. - exame objectivo: rigidez do punho esq. pé normal nexo de causalidade: - os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, uma vez que se confirmam os pressupostos para tal: (…) conclusão - face ao quadro clínico atrás descrito, e dado que a situação clínica se encontra estabilizada, atribui-se uma alta a partir de 2017/03/23 com incapacidade permanente.”.

60. Em 03/07/2017, a Autora foi sujeita a uma perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, por parte do Gabinete Médico-Legal e Forense ..., no âmbito do processo especial de acidente de trabalho que correu termos nos serviços do digna procuradora do Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de ... sob o número 3622/16.4..., onde, além de ser admitido “o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano” e “se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui pré-existência do dano corporal” e foi atribuído à A. um coeficiente de desvalorização a título de Incapacidade Permanente Parcial de 21,2668%.

61. A Autora e a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., acordaram em fixar o coeficiente de desvalorização a título de Incapacidade Permanente Parcial de 21,2668%, sendo paga à A. o capital de remição de 16.855,63 €.

62. Até hoje, a Autora mantém dores e limitações, continuando a ser-lhe prescrito e a tomar o “Exxiv 90mg” em comprimidos e a usar o “Reumon gel”.

63. Tornou-se designadamente muito penoso para a Autora fazer esforços, carregar pesos como, por exemplo, as compras de supermercado.

64. A Autora não consegue fazer certos movimentos com o braço esquerdo, nomeadamente não consegue rodar o pulso; também sente dificuldades em dormir quando faz mais esforços de tantas dores - sendo que a medicação não retira todas as dores -, ou, por vezes, acorda com o braço esquerdo dormente.

65. Com as mudanças de tempo, dói-lhe o hálux ou dedo grande do pé esquerdo.

66. A Autora ficou com cicatrizes no pé, no punho e na mão esquerdos, de, respectivamente, 1,5cm, 2cm, 8cm e 8,5 cm, estas duas últimas em forma de “S”.

67. A Autora viveu, em virtude do acidente que sofreu, momentos que ficarão para sempre marcados na sua memória sentindo angústia e medo no momento do acidente bem como no período que se lhe seguiu, com receio de não voltar a poder trabalhar.

68. A Autora sofreu défice funcional temporário total de 20 dias e défice funcional temporário parcial de 535 dias.

69. Bem como um período de repercussão total temporária na actividade profissional de 434 dias e parcial de 121 dias.

70. Por causa das sequelas de que ficou portadora tem défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 15 pontos que são compatíveis com a sua actividade profissional, implicando esforços acrescidos;

71. Sofreu dores quantificáveis no grau quadro de uma escala de 7 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil;

72. É portadora de dano estético de grau 2 numa escala de 7 de acordo com a mesma tabela.

73. Tem necessidade de medicação permanente.

74. Sofreu repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau um numa escala de 7 de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil.

75. A Autora além de trabalhar tratava da casa e das lides domésticas como a confecção das refeições.

76. Cuidava e brincava com a filha.

77. A Autora nasceu a 04/09/1980.

78. Sempre foi operária fabril, sendo o marido metalúrgico, funcionário da empresa K...., S.A., onde trabalha por turnos na unidade de ....

79. Na sua actividade profissional de operária fabril trabalha por longos períodos de pé, tendo necessidade de se deslocar a pé dentro das fábricas, mas também de rodar e apertar peças, pelo que em virtude da incapacidade de que ficou a padecer, sente dificuldades e dor exercer as referidas tarefas.

80. Até 22/03/2017, período durante o qual a Autora mantinha graves limitações na sua mão dominante, esquerda, sendo regularmente sujeita a intervenções cirúrgicas, com constantes idas ao ... ou a ... para ser observada e foi sujeita a sessões/tratamentos diários de fisioterapia por longos períodos, o que só por si dificultou arranjar ou manter um posto de trabalho como operária fabril.

81. Através de uma empresa de trabalho temporário, a K... Services, Lda, a Autora arranjou um emprego noutra empresa de 21/07/2017 até 20/09/2017, com um salário bruto mensal de 605,00 €.

82. Passou a trabalhar para a S..., Lda, a partir de 21/09/2017 auferindo um vencimento base de 615,00 € em Junho de 2018.

83. A Autora auferiu de 18/07 a 16/09/2015, 1.192,00 €, sendo 466 € em Agosto de 2015, e 672,00 €. em Setembro de 2015, até 16/09/2015.

84. Pelos 432 dias de ITA e os 121 dias de ITP, de 17/09/2015 a 22/03/2017, a Autora recebeu da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a quantia total de 6.414,73 €.

85. A partir do dia 23/03/2017, após alta e até ao dia 20/07/2017, a Autora esteve desempregada, não tendo auferido qualquer subsídio.

86. A Ré XL celebrou um contrato de seguro com a Sociedade K...., S.A., com cobertura da responsabilidade civil por Exploração, Produtos e Atentados ao ambiente cujo teor é o do documento número 1 junto com a respectiva contestação e aqui se dá por integralmente reproduzido.

87. Consta das Condições Particulares do referido contrato de seguro que pelo mesmo se exclui “a reparação de todo e qualquer dano, que esteja previamente incluído na cobertura de um seguro obrigatório (página 4 do referido documento).

88. A Autora já tinha trabalhado nas instalações da segurada da R. no período compreendido entre 10-09-2008 a 31-12-2008.

89. Desde 07.01.2016 e até à presente data, nunca a Autora comunicou à Ré que estava em condições de retomar a prestação de serviços e, por esse motivo, a Autora não voltou a executar quaisquer trabalhos para a Ré.

90. A suspensão da prestação de serviços constante da carta referida em 40) resultou de um consenso com a Autora que reconhecia a sua incapacidade para retomar os serviços prestados concordando em aguardar pela sua recuperação.

91. A Fidelidade Companhia de Seguros, SA procedeu ao pagamento dos seguintes valores à Autora:

a. Por incapacidade Temporária Absoluta e parcial de 17.09.2015 a 22.03.2017: 6.414,73 €;

b. De capital de remição pela incapacidade fixada: 16.855,63 €

c. De juros de mora da remição: 668,95 €.

92. A Fidelidade Companhia de Seguros, SA, suportou as seguintes despesas em pagamentos à sinistrada e/ou a entidades que lhe prestaram serviços hospitalares, médicos, de tratamento, de transportes para tratamentos:

a. Despesas médicas e cirurgias: 4.327,60 €

b. Despesas hospitalares e médicas: 10.514,26 €

c. Despesas com elementos auxiliares de diagnóstico: 212,90 €

d. Despesas com aparelhos e próteses: 253,90 €

e. Despesas com transportes para tratamentos: 697,87 €.

93. Teve, ainda, que suportar o pagamento de 132,60 € no processo especial de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis.

94. O último pagamento da Fidelidade Companhia de Seguros, SA à Autora foi efectuado em 14.05.2018.

95. A K...., S.A. contratou com a C..., S.A., com sede na ..., Espanha, o aluguer, sem condutor, do empilhador de marca Toyota referido em 10).

96. O contrato de aluguer previa a celebração de seguro de responsabilidade civil dessa máquina, que foi contraído junto da Mapfre Familiar – Compañia de Seguros y Reaseguros, SA, com sede na ..., titulado pela apólice ...........77.

97. O empilhador tinha declaração de conformidade CE e era objecto de verificações periódicas, estando em bom estado e em condições adequadas de funcionamento.

98. A Autora, através da sua mandatária, contactou com a seguradora R..., S.A. por email de 21 de Junho de 2018 com vista a averiguar a seguradora responsável pela apólice referida em 86 tendo sido informada em 2 de Agosto de 2018, nessa sequência, que a mesma declinava qualquer responsabilidade porque o seu cliente (a K...., S.A.) alegou desconhecer qualquer sinistro.


*


Factos considerados não provados:

a. Ao passar por trás do empilhador a Autora parou.

b. O empilhador não estava, à data do acidente, dotado de avisos sonoros e/ou luminosos para indicar o início da marcha.

c. No local do acidente, não existiam, à data do acidente, quaisquer marcas no solo ou sinais que regulassem o trânsito de máquinas e de pessoas.

d. A Autora não recebeu nenhuma formação por parte da 1ª D., RLS, Lda., ou por parte da empresa K...., S.A., quanto às normas de segurança referentes ao trânsito dentro do espaço fabril onde se deu o acidente.

e. A Autora foi informada, quando iniciou a sua actividade, pelos seus colegas, EE e BB, funcionários da 1ª D., RLS, Lda., e por outra colega de trabalho, de nome FF, que, quando o empilhador parava e pousava os garfos no chão, era sinal que se podia passar.

f. Era impossível à A. evitar passar atrás do empilhador, pois era o único caminho para aceder à linha de pintura.

g. Nada podia fazer prever que o empilhador recuasse, pois, na falta de sinais de aviso luminosos e/ou sonoros de início de marcha, a A. não tinha como saber que o empilhador ia iniciar a marcha-atrás.

h. Foi por causa dos tratamentos, médicos e cirúrgicos, que implicaram a sua imobilização, a sua dependência de terceiros e a toma de medicação ao longo de oito meses que a Autora necessitou de acompanhamento em consulta de psiquiatria.

i. Após 24-11-2016 a Autora não regressou ao serviço porque lhe tinha sido transmitido pela RLS que a Autora não deveria retomar o trabalho sem estar a 100% da sua capacidade.

j. No máximo 15 dias depois, após o acidente, ocorrido em 16/09/2015, a empresa K...., S.A., procedeu à marcação do solo da sua unidade fabril em ..., através de linhas brancas contínuas e tracejadas, delimitando as zonas de passagem e de trânsito, umas para veículos ou empilhadores e outras para peões estas identificadas com marcas de solas de sapatos.

k. A Fidelidade Companhia de Seguros, SA suportou por causa do sinistro dos autos o valor de 518, 67 € em Despesas diversas.

l. A Autora viu o seu estado de saúde mental piorar após o acidente, momento a partir do qual os seus níveis de ansiedade e de irritabilidade aumentaram e sofreu alterações do sono, estando desde então medicada com antidepressivo e antipsicótico.

m. Por dificuldades físicas, não consegue dar o devido acompanhamento à sua família.

n. A K...., S.A. faz o acolhimento dos trabalhadores externos e dá formação de segurança aos mesmos.


***


II – Fundamentação

1.Nulidade por omissão de pronúncia

Alega a recorrente que o acórdão recorrido deixou (…) de se pronunciar sobre o pedido de modificação ou de ampliação da decisão sobre a matéria de facto, para que fique a constar como facto provado que o condutor do empilhador não olhou, logo não verificou no retrovisor/espelho central existente no empilhador antes de iniciar a marcha-atrás » o que constitui nulidade nos termos do disposto no art.º art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.

Porém, sendo certo que o acórdão recorrido não deu como provado o facto que a recorrente pretendia, sobre tal matéria referiu que: «(…) A apelante requer a modificação da decisão sobre a matéria de facto para que sejam aditados os factos relatados pelo condutor do empilhador em julgamento, que só ele conhecia e nunca tinha declarado anteriormente, ao abrigo do disposto no art.º 662.º/1 do C.P.C., a saber: o empilhador estava munido de um retrovisor/espelho central; o condutor do empilhador não olhou pelo espelho central antes de iniciar a manobra de marcha-atrás.

Para efeitos de qualquer solução plausível de direito não carece de ser acrescentado que o condutor do empilhador não se apercebeu da presença da A.. A não ser assim, estaria em causa uma conduta dolosa, o que, manifestamente, não corresponde a qualquer alegação das partes. E, ao contrário do alegado pela apelante, não foi produzida prova de que o condutor do empilhador não olhou pelo espelho, já que este apenas considerou, o que é evidente, ter que estar atento ao que se passa ao seu redor e que, tendo que abarcar uma zona relativamente ampla e tudo se passar em frações de segundos, poder não ver alguém que surja nesse ângulo de visão, por poder estar a olhar para um lado e poderem estar a aparecer pessoas de outro. Já a recorrida depôs no sentido de se ter apercebido que estava a circular um empilhador, que parou, olhou para o empilhador e pensou que este estava parado, pois tinha pousado uma palete, e que, em seguida avançou, por lhe ter parecido que o condutor se tinha apercebido da sua presença. Tudo visto, não corresponde à realidade que só o condutor do empilhador soubesse que este estava munido de um retrovisor/espelho central e não foi produzida prova de que o condutor do empilhador não tenha olhado pelo espelho central antes de iniciar a manobra de marcha-atrás. Improcede, por conseguinte, a pretensão da recorrente.».

O Tribunal recorrido conheceu, pois, desta pretendida alteração da matéria de facto julgando-a improcedente e, nessa medida não se verifica qualquer nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Improcede o recurso com este fundamento.

2. Nulidade por falta de fundamentação

Alega a recorrente que : «(…) É nulo o acórdão recorrido na parte em que determina, sem mais: “Os factos alegados não integram crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (art.º 498.º/3 do C.C.).”, sem qualquer fundamentação de facto e de direito para tal decisão, à luz do disposto no art. 607º, n.º 3, e 615º, n.º 1, al b), ambos do CPC.».

No acórdão recorrido quando era analisada a questão da prescrição do direito da autora relativamente à interveniente do lado passivo K...., S.A. foi dito o seguinte:

«(…) Alega a recorrente que o tribunal de 1.ª instância podia e devia ter analisado as razões pelas quais iniciou a ação contra a recorrida XL/R..., S.A. em 07/09/2018, sendo esta citada em 13/09/2018, pronunciando-se, em consequência, sobre as causas de suspensão da prescrição previstas no art.º 321.º do C.C.. Teria sido confrontada com a defesa da seguradora R. X...SE, esteada na exclusão da sua responsabilidade em casos em que os danos estivessem cobertos por seguro obrigatório, que a A. deduziu incidente de intervenção principal provocada contra a K...., S.A., empresa onde estava a prestar funções no momento do acidente.

A “K...., S.A.” foi chamada à ação em 23-05-2019, data da sua citação, tendo o acidente ocorrido em 16-09-2015, ou seja, foi demandada para além do prazo de três anos previsto no art.º 498.º/1 do C.C..

Nos termos deste art.º, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Prevê o art.º 306.º/1 do C.C. que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

A apelante contrapõe que o prazo esteve suspenso nos termos do preceituado no art.º 321.º/1 do C.C.. Prevê este normativo que a prescrição se suspende durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.

Não foi invocada situação subsumível à previsão legal de força maior, que remete para situações de imprevisibilidade e de impossibilidade. Por outro lado, é o próprio art.º 498.º que consigna que o direito de indemnização prescreve ainda que se verifique o desconhecimento da pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.

Os factos alegados não integram crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (art.º 498.º/3 do C.C.).

A ausência de demanda do pretenso responsável civil no prazo previsto deve-se, pois, exclusivamente, a incúria da A., nada havendo a apontar à decisão recorrida relativamente à verificação da exceção de prescrição.».

Sem ser uma extensa fundamentação, ela diz o essencial para sustentar a decisão proferida, sobretudo por ela ter sido negativa face ao preenchimento de um tipo legal de crime. Na verdade, a expressão «Os factos alegados não integram crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo» faz a análise completa da questão.

Na perspectiva da Autora referida na conclusão 2.1 do recurso de apelação aquilo que a este propósito alegara na resposta nos pontos 9 a 11 não tinham sido considerados na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Nesse articulado a recorrente alegava que a prescrição se não verificara pelas seguintes razões:

« 9.º

Sem prescindir, a prescrição interrompeu-se, nos termos do n.º 1 do art. 323º do Código Civil “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o processo (…) ”, sendo que as Rés RLS, Lda., e X...SE, citadas em 14/09/2018, pelo que “ A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo ”, à luz do disposto no n.º 1 do art. 326º do Código Civil .

10.º

Sem prescindir, a Ré X...SE, veio alegar na contestação apresentada a 15/10/2018, que o contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a K...., S.A., não abrangia acidentes decorrentes da inobservância das disposições legais e regulamentares das regras de segurança; factos que a A. desconhecia, e não podia conhecer pois não tinha acesso à apólice em causa, o que levou a A. a requerer e a obter a intervenção principal provocada da K...., S.A., por douto despacho de 13/05/2019, e, nessa sequência, a K...., S.A., provocou a intervenção da seguradora Mapfre, S.A., na contestação apresentada em 18/06/2019, que foi doutamente admitida em 02/10/2019.

11.º

A prescrição de três anos suspendeu-se, nos termos previstos no art. 321º, n.º 1, do Código Civil “ durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decorrer dos últimos três meses do prazo ”, pois a A. desconhecia, nem tinha como saber, antes de iniciar a acção e até ao passado dia 15/10/2018, a eventual responsabilidade da K...., S.A., sendo, por isso, impedida, até aquela data, de requerer a sua intervenção, devendo, em conformidade, ser rejeitada a excepção de prescrição por ela deduzida.».

A recorrente nunca alegou em 1.ª instância que estivesse em causa qualquer ilícito criminal que tivesse como consequência o alargamento do prazo de prescrição. O Tribunal recorrido, apesar disso, indicou que tal alargamento do prazo não poderia sequer ocorrer nessas circunstâncias por os factos provados não preencherem qualquer tipo legal de crime, o que é uma formulação negativa que, em face dos dados dos autos é suficiente.

Improcede a revista com este fundamento.

3. Responsabilidade civil da ré RLS perante a autora

A Autora é uma operária fabril que celebrou em Julho de 2015, um contrato verbal de prestação de serviços com a 1ª ré, RLS Representations and Liasons Services - Representação para a Indústria Automóvel, L.dª, em execução do qual no dia do acidente, 16/09/2015, cerca das 13h30, estava a trabalhar, como controladora de qualidade, na unidade da empresa K...., S.A..

Como trabalhadora independente tinha celebrado um contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho com a seguradora de quem obteve indemnização em sede de processo especial de acidentes do trabalho. Pretende nesta acção ser ressarcida de danos morais, dano biológico e lucros cessantes não indemnizados naquele processo.

Está em causa um acidente de trabalho, tal como foi considerado pelo Tribunal de trabalho, e este prestador de serviços, independente, nas concretas situações que emergem dos autos é presumido trabalhador na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços – art.º 3.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, presunção não ilidida nos autos.

O acidente ocorreu no tempo de trabalho, no local de trabalho e foi directo causador das lesões corporais que reduziram a capacidade de trabalho e de ganho da Autora.

A responsabilidade do empregador é objectiva, independente de culpa nos termos do art.º 7.º, podendo estender-se para uma responsabilidade subjectiva nas situações de actuação culposa do empregador previstas no art.º 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, abrangendo neste caso a empresa utilizadora da mão-de-obra, quando o acidente tiver sido provocado ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança no trabalho por parte da entidade empregadora que fica obrigada a indemnizar, também, os danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado.

A recorrente funda a sua pretensão de agravamento da responsabilidade da ré na omissão por parte desta do dever de proporcionar formação sobre a sinalização de segurança adequada às características do local onde ocorreu o sinistro.

Como indica a recorrente, este dever mostra-se consagrado legalmente n.º 1 do art. 20.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, relativa ao Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, segundo o qual «o trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de actividades de risco elevado» o que é aplicável à concreta situação em que ocorreu o sinistro tendo em conta a coexistência de pessoas e máquinas móveis, nomeadamente empilhadores que partilham um espaço comum, mas também o tipo de trabalho desenvolvido que implicava que a Autora exercesse a sua profissão usando sapatos de segurança com biqueira de aço.

A mesma imposição decorre do Decreto-Lei n.º 141/95, de 14 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/58/CEE, do Conselho, relativa às prescrições mínimas para a sinalização de segurança e de saúde no trabalho, preceitua que “os trabalhadores devem receber formação sobre a sinalização de segurança e de saúde adequada às características dos locais de trabalho, em especial sobre o seu significado e sobre os comportamentos gerais e específicos a adoptar” (art. 9.º/2), estipulando que “o empregador deve garantir a existência de sinalização de segurança e de saúde no trabalho adequada, de acordo com as prescrições deste diploma, sempre que esses riscos não puderem ser evitados ou suficientemente diminuídos com meios técnicos de protecção colectiva ou com medidas, métodos ou processos de organização do trabalho” (art. 5.º/1) e deverão ter carácter permanente as placas de proibição, aviso e obrigação, bem como a marcação, com uma cor de segurança, de vias de circulação (alíneas a) e f) do art. 6.º).

Como resulta da matéria provada o sinistro teve lugar no dia 16/09/2015, cerca das 13h30, a Autora encontrava-se na sua área de trabalho, que era uma bancada de trabalho na área de desmontagem, a fazer controlo de qualidade às peças dentro daquela unidade fabril sita em ..., quando foi chamada para a linha de pintura, sita na outra extremidade da unidade fabril, onde iria proceder à triagem de umas peças.

A Autora decidiu atravessar o pavilhão fabril pelo meio, para encurtar distância para a área de pintura, do lado oposto ao do seu posto de trabalho.

Tal percurso podia ter sido feito por corredor por detrás de prateleiras que circundam a área de trabalho e depois por área demarcada a tinta, no chão, destinada à passagem de peões.

Que eram zonas destinadas à passagem com segurança para os peões, o que a Autora bem sabia, por ter recebido informação da RLS sobre tais locais de passagem assinalados.

Pelo meio do pavilhão circulam máquinas industriais, nomeadamente empilhadores, que faziam o transporte de cargas e de paletes. O espaço fabril era composto por um espaço amplo partilhado por pessoas e máquinas/empilhadores, que nele circulam e transitam, estando demarcadas no solo, com linhas e marcas de pés pintadas, as zonas, separadas, destinadas à circulação de peões, de máquinas e de descarga.

Podemos concluir que na unidade fabril existia uma área destinada à passagem de peões, assinalada com linhas e marcas de pés pintadas, não se tendo provado que existissem placas de proibição de passagem de peões em qualquer local.

A prova destes factos não está, como parece pretender a recorrente, sujeita a qualquer particular espécie de prova e as instâncias, no uso do seu poder de livre apreciação da prova, insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, assim concluíram, pelo que a estes concretos factos, tais como definidos pelas instâncias, procede este tribunal à subsunção jurídica.

Do mesmo modo, a pretendida falta de formação sobre as regras de segurança que a recorrente considera como fundamento da responsabilidade agravada da entidade empregadora foi-lhe ministrada, pelo menos, tendo em conta que a ré RLS lhe havia dado informação sobre serem os locais de passagem assinalados as zonas destinadas à passagem com segurança para os peões.

Naturalmente que a formação sobre o local destinado à passagem de peões, que predominantemente consistirá em identificar essas zonas e tornar claro o seu fim, não é suficiente para garantir que o formando, neste caso a Autora, conforme o seu comportamento, a partir do recebimento dessa informação, às indicações recebidas, como veio a ocorrer.

Do mesmo modo, ainda que não existissem sinais de proibição de circulação pela área que a Autora atravessou no momento em que ocorreu o sinistro, nada permite concluir que a Autora cujo desígnio foi simplesmente encurtar caminho, naturalmente para diminuir o cansaço que o trabalho lhe aportava, ou, pelo menos para o executar mais rapidamente, houvesse adoptado um diverso comportamento, susceptível de evitar o sinistro se existisse, no local, um sinal de proibição de circulação de peões.

A situação é tão evidente que não podemos deixar de concluir que a Autora, sempre teria ignorado o sinal de proibição de circulação de peões, se ele existisse, como ignorou a informação que lhe tinha sido dada de qual a área segura para circulação de peões.

Uns e outros são elementos passivos que permitem a fácil desobediência, neste caso da Autora, mas a lei não impõe um sistema sofisticado que impossibilite fisicamente a circulação de peões por essa área, provavelmente o único que seria efectivamente eficiente.

A Autora decidiu atravessar a área onde circulavam máquinas, nomeadamente o empilhador, quando viu pelo menos um em funcionamento a transportar paletes, a pousar os garfos no chão, momento em que lhe pareceu seguro passar pela sua traseira. Esta avaliação do perigo efectuada pela Autora é completamente desconforme com a forte probabilidade de o empilhador, tendo pousado os garfos para deixar as paletes no local, iniciar a manobra de marcha atrás para retirar os garfos debaixo das paletes e se deslocar para outro local, como é a forma habitual de operar estas máquinas.

A Autora fê-lo pensando que o manobrador do empilhador a estava a ver, e se apercebeu de que a Autora considerava que a traseira desse empilhador em manobras era o caminho mais adequado para aceder à área de pintura a que pretendia chegar, e, pararia a sua manobra previsível de marcha atrás, mas, como vimos, pensou mal, e, não explicou porque razão pensou que o manobrador a tinha visto, quando a visão não depende só de estarmos a direccionar o olhar para um dado local mas também, senão sobretudo, para o local para onde está direccionada a mente.

Temos assim que a Autora sabia que a circulação de peões na unidade fabril deveria ser efectuada por local diverso daquele que entendeu utilizar, que havia uma passagem de peões assinalada no solo, mas inexistiam sinais de proibição de travessia de peões na área que atravessou. A falta destes sinais, nas condições relatadas, tendo em conta os motivos da Autora para atravessar aquela área de circulação de máquinas, não pode ser tida como determinante do sinistro por ser grande a probabilidade de os mesmos serem ignorados pela Autora, como foi a indicação de dever atravessar por outro local, por ser esta uma passagem segura para peões. Além disso, se a Autora tivesse seguido a informação que recebera de utilizar a passagem segura de peões, a existência ou inexistência de sinal de proibição na zona perigosa era completamente irrelevante e o acidente não teria ocorrido.

A Autora recebeu formação sobre as áreas seguras de travessia de peões. Essa formação tem em vista divulgar a informação, fim prosseguido, sem que se exija que garanta que os formandos seguirão a informação de segurança que lhe foi veiculada. A reforçar tal formação encontrava-se marcada no solo a área que correspondia a tal travessia segura que, ainda que tivesse a tinta mais ou menos esbatida, relembrava a informação sempre que era pisada, o que pretensamente terá sido efectuado muitas vezes pela Autora, reavivando a memória da informação inicial de que por ali poderia seguir em segurança. Os sinais de proibição de travessia de peões serão mais idóneos para alertarem alguém chegado de novo ao local, não o caso da Autora, de que ali se inicia uma zona perigosa de circulação, complementando a informação inicial, se lhe foi ministrada, e, suprindo a sua omissão relativamente a qualquer pessoa que ali chegue.

Seguindo o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2024 proferido no processo n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1-A, publicado no Diário da República nº 92/2024, Série I de 2024-05-13, e acessível em https://www.dgsi.pt, em sede laboral, a que aderimos, entendemos que: «(…) para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18º, nº1 da Lei n.º 98/2009, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efectivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”.

Considerando a globalidade dos factos apurados relativamente ao acidente, particularmente que a Autora para encurtar caminho para a área da pintura, onde iria proceder à triagem de umas peças, decidiu atravessar o pavilhão, não pela área assinalada para o efeito, mas pelo meio (facto 6), permite concluir, com razoável grau de certeza, que foi uma razão de conveniência prática da Autora que conduziu ao acidente.

Num caso em que é alegada a violação do dever de ministrar formação sobre regras de segurança no trabalho, sendo desnecessária a prova da culpa do empregador, conclui-se no caso concreto que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade agravada da ré RLS, consagrada no art. 18.º da Lei n.º 98/2009.

Mesmo que analisemos a pretensão da recorrente à luz não da responsabilidade contratual do empregador, mas da responsabilidade civil extracontratual em que na ausência de qualquer norma jurídica que atribua responsabilidade objectiva, ou a situação de responsabilidade subjectiva com culpa presumida, sempre nos conduzirá à responsabilidade subjectiva – art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil - em que se mostram carentes de prova, a cargo do lesado, quer a ilicitude quer a culpa, não atingiremos solução diversa.

Tendo havido violação da integridade física da Autora, direito absoluto, a matéria de facto, tal como antes analisado não permite concluir que as rés hajam violado ilicitamente, com dolo ou mera culpa aquele direito da Autora, quer porque não praticaram qualquer agressão, quer porque se não demonstrou que hajam violado qualquer norma destinada a proteger os direitos da Autora, o que resulta na improcedência do pedido de indemnização formulado pela autora por inverificação dos pressupostos constituintes da invocada obrigação de indemnizar os danos sofridos pela Autora com o acidente.

A improcedência do pedido formulado pela Autora assente, como analisamos na não verificação dos pressupostos legais determinantes da obrigação de indemnizar o dano por ela sofrido com o acidente não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente os art.º 20.º - Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - ou 59.º - direitos dos trabalhadores - da Constituição da República Portuguesa ou o art.º 31.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - Condições de trabalho justas e equitativas-. A improcedência da acção decorre do não preenchimento dos pressupostos legais analisados que aqueles normativos não consideram ilegais, desnecessários ou inoperantes.

A Autora vê analisada a sua pretensão na segunda acção judicial empreendida, tendo obtido provimento na acção judicial por acidente de trabalho. Nesta acção em que não está em causa a perda da capacidade de ganho em virtude da lesões sofridas, mas a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho, a sua pretensão foi analisada em processo judicial, equitativo, por 3 instâncias judiciais que convergem no mesmo veredicto de improcedência da acção, com os mesmos fundamentos jurídicos, assim estando garantido o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, garantindo uma tutela jurisdicional efectiva que não é coincidente com o provimento da pretensão formulada em juízo.

Não esteve em discussão nos autos o direito da Autora a prestar trabalho em condições de higiene, segurança e saúde mas se o acidente se ficou a dever a falta de cumprimento de regras de segurança no trabalho, tendo todas as instâncias concluído não ser esta a causa do acidente. Do mesmo modo, também, não esteve em discussão, nestes autos, o direito da Autora a disfrutar de condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas. As condições de trabalho seguro e as regras de segurança no trabalho, mesmo que cumpridas, não conseguem assegurar que nenhum acidente ocorre, nomeadamente aqueles acidentes que são causados por conduta temerária dos trabalhadores em desconformidade com as regras de procedimento que lhes haviam sido recomendadas pela entidade empregadora, como acontece na presente situação.

Improcede, pois, a revista, com este fundamento

4. Prescrição do direito invocado pela autora em relação à ré K...., S.A..

A Autora pretende responsabilizar pelos danos que sofreu com o acidente, também a interveniente K...., S.A., entidade patronal de CC condutor do empilhador que interveio no sinistro, que então o fazia no exercício das suas funções, a mando e no interesse daquela sociedade, com fundamento em violação de regras de segurança, ao abrigo do disposto no art. 18.º da Lei n.º 98/2009 para fundamentar a sua pretensão.

A interveniente foi chamada à acção em 23-05-2019, três anos após a ocorrência do acidente, este verificado ocorrido 16/09/2015, cerca das 13h30.

Ambas as instâncias consideraram prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer em juízo contra a referida interveniente.

A Autora propôs a acção contra RLS Representations and Liason Services – Representação para a Indústria Automóvel, Ldª, com quem celebrara contrato de prestação de serviços, R..., S.A., na qualidade de representante da X...Group ou X...SE seguradora da sociedade K...., S.A. em cujas instalações prestava o seu trabalho no momento do acidente, imputando-lhe falta de formação profissional quanto a regras de segurança no trabalho que, afirma, foram causais do seu acidente, falta de sinais sonoros ou de luzes do empilhador que indicassem o início de manobra de marcha atrás, e o facto de o empilhador que a atingiu ser na data do acidente conduzido no interesse e sob as ordens daquela da K...., S.A..

Em face defesa apresentada pela seguradora - a Ré XL -, sustentada, também na exclusão da sua responsabilidade em casos de danos provocados por violação de normas de segurança, a Autora deduziu pedido de intervenção principal da empresa K...., S.A. que, por sua vez, requereu a intervenção principal de Mapfre Familiar – Compañia de Seguros e Reaseguros, SA, representada em Portugal pela Mapfre – Seguros Gerais, SA que assumira a obrigação de indemnização pelos danos causados pelo empilhador. Ambas as intervenientes invocaram a excepção de prescrição do direito da Autora.

Na resposta à contestação apresentada pela empresa K...., S.A. a Autora, em 4 de Março de 2020, alegou ter estado presente na conciliação no Tribunal de Trabalho em 09/10/2017, sem ser acompanhada por um advogado, o que a levou a procurar aconselhamento jurídico, seguindo-se a interposição da presente acção em 07/09/2018, contra a Ré RLS, Lda., e contra a companhia de seguros X...SE, e, com base nesses factos, alega que o prazo de prescrição começou a contar-se na data da tentativa de conciliação referida, por ser esse o momento em que teve conhecimento de que tinha direito de indemnização pelos danos morais, biológico, etc., sofridos, não abrangidos pelo processo de trabalho.

Nesse mesmo articulado invocou a interrupção da prescrição, nos termos do disposto no art.º 323 do Código Civil, com a citação em 14/09/2018 das rés e o consequente reinício do prazo nos termos do art.º 326.º, n.º 1 do Código Civil. Também invocou a suspensão do prazo de prescrição por desconhecer que a seguradora X...SE que o contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a K...., S.A., não abrangia acidentes decorrentes da inobservância das disposições legais e regulamentares das regras de segurança e só em 02/10/2019 veio a conhecer quem era a seguradora relativa a tais eventos.

Apenas nas alegações de apelação indicou a Autora ser o prazo de prescrição alargado em virtude de os factos provados constituírem ilícito criminal a que corresponderia prazo mais alargado que 3 anos. Tratando-se de questão nova suscitada apenas em sede de recurso de apelação não deveria o Tribunal recorrido ter dela tomado conhecimento, mas sucintamente indicou que os factos alegados não integram crime para o qual a lei preveja prazo de prescrição mais longo que o estabelecido na lei civil.

Nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil «o direito de indemnização prescreve no prazo de anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso». O n.º 3 do mesmo preceito alarga o prazo de prescrição quando «o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo».

A recorrente alega que os actos e omissões da K...., S.A. são constitutivos de um crime de violação de regras de segurança, previsto no art. 152.º-B do Código Penal, e de um crime de omissão de instalação de meios, previsto no art. 277.º/1/b), 2.ª parte, do Código Penal, e que, como tal, o prazo de prescricional passou de 3 para 10 anos, à luz do disposto no art. 118.º/1/b) do Código Penal.

Dispõe o art.º 152-B do Código Penal - Violação de regras de segurança:

«“1 - Quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde, é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - Se o perigo previsto no número anterior for criado por negligência o agente é punido com pena de prisão até três anos.

3 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar ofensa à integridade física grave o agente é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 1;

b) Com pena de prisão de um a cinco anos no caso do n.º 2.

4 - Se dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 resultar a morte o agente é punido:

a) Com pena de prisão de três a dez anos no caso do n.º 1;

b) Com pena de prisão de dois a oito anos no caso do n.º 2.».

Neste tipo legal de crime estão em causa situações em que a entidade empregadora sujeita o seu trabalhador à realização de um trabalho que constitui perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde desse trabalhador, sem cumprir as regras legais e regulamentares que têm por fim eliminar, ou reduzir esse risco.

Ao que resulta dos autos não há qualquer vínculo laboral entre a Autora e esta interveniente que era a entidade empregadora do condutor do empilhador que teve intervenção no sinistro. Assim, a esta interveniente não competia o cumprimento de qualquer regra legal ou regulamentar destinada a eliminar ou mitigar o perigo para a vida, integridade física ou saúde da Autora, nem resulta que a haja sujeitado a uma actividade laboral manifestamente perigosa. Tão pouco se apurou que tivesse existido qualquer conduta dolosa ou negligente do operador do empilhador que fosse causal do acidente, sendo que resultou não provado que «O empilhador não estava, à data do acidente, dotado de avisos sonoros e/ou luminosos para indicar o início da marcha».

A matéria de facto provada não permite considerar que se possa de algum modo ter por preenchidos os elementos deste tipo legal de crime por parte da interveniente.

O art.º 277, n.º 1, b) do Código Penal - Infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços – contém o seguinte tipo legal de crime:

«1 – Quem (…)

b) Destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, aparelhagem ou outros meios existentes em local de trabalho e destinados a prevenir acidentes, ou, infringindo regras legais, regulamentares ou técnicas, omitir a instalação de tais meios ou aparelhagem

(…) e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de um a oito anos».

Como analisado anteriormente, tendo resultado não provado que existissem sinais de proibição de circulação de peões na área pela qual a Autora circulou, e, veio a ocorrer o acidente, não há prova de que não existiam, pelo que não se mostra preenchido tal tipo legal de crime.

Aliás, nem se indicia nos autos que qualquer ilícito criminal haja sido denunciado, ou, sequer comunicada, qualquer quebra das regras de segurança no trabalho à Autoridade para as condições no trabalho.

Como decorre do disposto no art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil «o direito de indemnização prescreve no prazo de anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos».

Actualmente a Lei n.º 98/2009 no seu art.º 18.º permite que no próprio processo de acidentes de trabalho seja formulado o pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e os seus familiares, nos termos gerais, que resultem de falta de observação de regras de segurança.

A Autora teve conhecimento do direito de indemnização que lhe competia na data do acidente ainda que as suas condições físicas não permitissem que de imediato se pudesse dedicar a interpelar os responsáveis fosse directamente, fosse em juízo. Nessa data ela conhecia quais eram os responsáveis, na sua perspectiva, pela quebra das regras de segurança no trabalho, desde logo a entidade para a qual prestava serviços, e, a entidade onde esses serviços eram prestados, por ambas serem as responsáveis pela garantia das condições de segurança que a Autora entendia terem sido preteridas e causadoras do acidente e dos danos dele decorrentes.

A interpelação destas entidades poderia ter sido efectuada directamente ou em juízo quer no processo de acidentes de trabalho, quer numa acção cível, mas deveriam estas entidades ter sido citadas antes do decurso do período de três anos completados sobre o acidente, o que não se verificou relativamente à empresa interveniente, como concluíram as instâncias, sem que os eventos indicados pela Autora constituam qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo prescricional em curso desde o dia imediato ao acidente.

Improcede, pois, o recurso apresentado.


*****


III – Deliberação

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


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Lisboa, 15 de Maio de 2025

Ana Paula Lobo (relatora)

Maria da Graça Trigo, com declaração de voto

Carlos Portela

Declaração de voto

Voto o acórdão e a respectiva fundamentação, ainda que me pareça necessário o seguinte esclarecimento complementar: estando em causa na presente acção a aplicação do art. 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, poderiam suscitar-se dúvidas sobre a competência dos tribunais cíveis para a sua apreciação; em todo o caso, o conhecimento de tal questão encontra-se ultrapassado em razão do disposto no art. 97.º, n.º 2, do CPC.

Maria da Graça Trigo