Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CORREIO DE DROGA MEDIDA CONCRETA DA PENA BEM JURÍDICO PROTEGIDO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/18/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO O RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - De harmonia com o disposto nos arts. 40.º e 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da pena é realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, devendo em cada caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes da lesão causada, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2, do art. 71.º, do CP. II - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Estamos, assim, perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. A que acresce, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias, e por outro, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas pelos efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas. Ora, esta necessidade de consciencialização do delinquente deverá, num primeiro momento, fazer apelo à utilização de mecanismos que lhe proporcionem outra forma de analisar a sua conduta, que não seja apenas aquela que o seu meio envolvente lhe mostra, de modo a dar-lhe os “instrumentos necessários” a prevenir uma reincidência. III - Ora, a partir do momento em que os malefícios provocados pelas drogas, foram atendidos pelo legislador nacional que acompanhou, assim, a evolução das Convenções Internacionais sobre este tema, criou-se na comunidade a expectativa da punição do traficante, em termos que o julgador não pode evidentemente ignorar, e a quem incumbe traduzir num “quantum” de pena adequado. IV - A respeito do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, do DL. 15/93 de 22-01, e como no caso dos autos, protagonizado pelos chamados “correios de droga”, verifica-se que a maioria dos processos entrados neste STJ respeita a este tipo de tráfico e a este tipo de produto estupefaciente - cocaína. Remete-se para o acórdão n.º 458/10.0JELSB.S1, de 29-09-2011, da 5.ª Secção, em que foi Relator o Conselheiro Souto Moura, onde é feita uma análise sobre a estatística dos processos entrados que se referem a correios de droga, o tipo de estupefaciente utilizado, os países de origem, in www.dgsi.pt. Trata-se, pois, de um problema universal, de dimensão mundial, que, obviamente, atinge também o nosso País. V - Neste circunspecto não podemos deixar de referir os casos, como o dos presentes autos, em que está em causa a pessoa que aceitou ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando continentes, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de ser usado como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como única motivação o lucro, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e da sociedade em geral. Assim, o transporte internacional de estupefacientes, pela difusão rápida e eficiente das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição se mostra essencial para dificultar e impedir a circulação das drogas e o abastecimento daqueles mercados. VI - Pelo que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto nos arts. 71.º e 40.º, n.º 2, ambos do CP, deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2 do art. 71.º, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). Por seu turno, o artigo 40.º, n.º 1 estabelece que a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. VII - Face aos factos assentes na Instância, conclui-se, deste modo, que considerando a natureza do produto estupefaciente transportado - droga dura – cocaína- e a quantidade que foi transportada- cerca de 8 kg - o arguido praticou actos de execução de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22-01 (transporte, importação e exportação de produto estupefaciente), com referência à tabela I - B anexa àquele diploma, nas suas vertentes objetiva e subjetiva, sendo certo que actuou de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei. O arguido agiu com dolo direto, pois, tinha plena consciência de que trazia consigo substâncias proibidas e das consequências que poderiam advir de tal conduta, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa; a elevada ilicitude da sua conduta, visto estar em causa um acto de tráfico “ao nível internacional” – e visto o papel fundamental dos “correios de droga” na cadeia de comercialização de estupefacientes, razão pela qual são muito elevadas as exigências de prevenção geral, a que acrescem a quantidade que transportava e a qualidade de produto estupefaciente (cocaína); bem como os motivos que o determinaram, ou seja, mediante o pagamento de retribuição no montante de cerca de € 15.000,00. VIII - Não colhe, pois, a alegação do arguido que relativamente à prevenção geral, se trata de um tráfico de droga menos acentuado, sem qualquer organização. Por tudo o que ficou dito, são elevadas as necessidades de prevenção geral. No tocante às necessidades de prevenção especial, há que ter em conta a idade do arguido, a sua integração familiar, e a ausência de antecedentes criminais, que se traduzem em uma mediana necessidade de prevenção especial. Razões que levaram o Tribunal recorrido a afastar a possibilidade de graduar a pena concreta próximo do limite mínimo da moldura abstrata, tendo também ponderado que a pena concreta não poderá colocar-se num patamar demasiado elevado face à moldura penal abstrata, porquanto, tal seria contraproducente e incongruente com a desejada ressocialização e reintegração familiar, social e profissional do arguido. IX - Assim, tudo ponderado, entendemos que face a idade do arguido, a sua integração familiar, e a ausência de antecedentes criminais, que se traduzem em uma mediana necessidade de prevenção especial, a pena concreta de 5 (cinco) anos de prisão é a adequada, proporcional e justa no caso em concreto, diminuindo, deste modo, a pena aplicada pelo Tribunal recorrido. X - Nos termos do disposto o artigo 50.º, n.º 1, do CP, esta pena admite a suspensão da execução, pretensão esta também formulada pelo recorrente. Fixando-se a pena em medida não superior a 5 anos de prisão, resulta preenchido o pressuposto formal estabelecido no art. 50.º, n.º 1 do CP, para que o Tribunal deva equacionar a suspensão da respetiva execução. Impõe-se, por isso, averiguar se está preenchido o pressuposto material, isto é, averiguar se o tribunal pode prognosticar que a pena de substituição é a adequada e a suficiente para prevenir a prática de crimes futuros. Pressuposto material é aquele que o tribunal, apoiado nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente, neles revelada, nas suas condições de vida, na sua história criminal, na postura perante os crimes cometidos e o resultado destes e ainda no comportamento adoptado posteriormente, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da prisão efectiva, são suficientes para que o arguido adeque a sua conduta de modo a respeitar o direito. XI - A situação pessoal do recorrente se traduz em uma mediana necessidade de prevenção especial. No entanto, o grau de ilicitude é elevado, atentas as circunstâncias que envolveram a prática dos factos e a razão da sua prática – necessariamente os lucros fáceis derivados do transporte e entrega do produto estupefaciente, aqui a sopesar o valor da cocaína detida e transportada, desde logo por reporte ao valor que o arguido ia receber por este transporte e entrega da cocaína (€ 15.000,00); a quantidade e a qualidade do produto estupefaciente detido e transportado pelo arguido: cocaína (cerca de 8 kg); e a manifesta perigosidade e grau de dependência inerente ao mesmo; o modo como o produto se encontrava acondicionado, para ser entregue na Suíça e assim entrar no espaço Europeu para ser vendido, o que denota a posição do arguido na cadeia de hierarquia da distribuição daquele produto estupefaciente, transpondo a actuação do arguido para uma organização internacional e actuando o arguido como “correio de droga”. Razões que nos levam a concluir pela existência de fortíssimas razões de prevenção geral. XII - Em conclusão: da avaliação e ponderação das exigências de prevenção geral e especial não podemos concluir pela aplicação de uma pena de substituição, pois dado o crime praticado, considera-se que aquelas (prevenção geral) se sobrepõem a estas (prevenção especial), pelo que se impõe a aplicação de uma pena de prisão efetiva. Ou seja, não pode o Tribunal menosprezar o enfoque das razões de prevenção geral, que são aqui muito prementes, uma vez que o tráfico de droga é um fenómeno que a ordem jurídica quer erradicar da sociedade, pois que tal crime, sendo um crime contra a saúde pública, atenta directamente com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade. Por tudo o exposto, consideramos não ser de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, prevista nos artigos 50.º e segs., do CP. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º 243/19.3JELSB.L1. S1 Arguido preso
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. 1. No âmbito do processo suprarreferido, por acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2020, foi julgada a acusação procedente por provada e, em consequência, foi decidido: - Condenar o arguido AA pela prática em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21.º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93 de 22.01., por referência à tabela I-B anexas àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão. 2. Inconformado com este acórdão, veio o arguido do mesmo apresentar recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem: A) Salvo o devido respeito, que é imenso, pela aplicação da medida da pena em concreto aplicada ao arguido, não concordamos com a sua aplicação pelo Venerando Tribunal “a quo” aplicando ao arguido a pena de prisão efetiva de 6 anos. B) Pelos motivos apresentados no relatório social, entendemos que ao arguido a Justiça deverá dar uma “derradeira” oportunidade, e consequentemente optar por suspender a pena de prisão na sua execução efetiva. C) Salvo o devido respeito, que é imenso, não concordamos no Venerando Tribunal “a quo” no se respeita ao impacto da situação jurídico-penal. D) O arguido perante a problemática em causa demonstra capacidade de formular juízos críticos adequados e de reconhecer a ilicitude dos seus comportamentos. E) Relativamente à prevenção geral e especial, salvo opinião em contrário, trata-se de um tráfico de droga menos acentuado. F) Sem qualquer organização. G) Pese embora o arguido pratica-se o crime, o que é certo, neste novo momento da sua vida é intensão do arguido “ter uma nova vida” ressocializando-se, trabalhando e continuar a viver em harmonia familiar. H) A condenação de uma pena privativa da liberdade de 6 anos, porá em risco a socialização (prevenção especial positiva) do arguido, por ser exagerada, e como é teoria defendia pelo CP, no artigo 40, nº1, a aplicação da pena visa a reintegração do arguido na sociedade. Termos em que deve a sentença do Tribunal de 1ª Instância ser revogada. Nomeadamente na parte em que determina aplicação da medida da pena. E consequentemente ser aplicado ao arguido a suspensão na sua execução. (…). 3. Por despacho de 27.02.2020, foi o recurso admitido e remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa (TRL). 4. O Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância, veio contra-alegar sustentando a improcedência do recurso. 5. O Ministério Público junto do TRL, no Parecer a que corresponde o artigo 416.º do CPP, elaborado a 1.04.2020, suscitou uma questão prévia relativa à (in)competência deste Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 427.º e 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP. 6. Este Tribunal (TRL), pronunciando-se sobre esta questão, considerou, por despacho de 14.04.2020, que face ao objecto do recurso (restrito a matéria de direito, em concreto a medida da pena superior a 5 anos) é o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do mesmo. 7. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta veio emitir Parecer nos termos do disposto no artigo 416º, n.º 1, do CPP (sendo doravante deste Diploma as normas sem indicação de origem) no sentido de o recurso ser julgado improcedente, devendo o acórdão recorrido ser mantido na íntegra. 8. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º, nada foi dito. 9. Colhidos os vistos, conforme decorre do exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência. II. 10. O objecto do presente recurso cinge-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada ao arguido, que entende ser desadequada e desproporcional, face à medida da sua culpa, pelo que pugna pela revogação do acórdão e a sua substituição por outro que diminua a pena[1] e a suspenda na sua execução. 11. Diz-se no acórdão recorrido (transcrição): (…) Os factos: Da produção de prova e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevo para o conhecimento da causa: 1. Em data não apurada de Janeiro de 2019, o arguido foi abordado por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que lhe propôs que transportasse por via aérea, do Brasil para a Suíça, cocaína que transportaria oculta em mala de bagagem, para o que receberia contrapartida económica de cerca de € 15.000,00 (quinze mil Euros). 2. Assim, em execução do sobredito plano, no dia 29.05.2019, o arguido AA viajou para o Brasil. 3. Pouco antes da data acordada para a viagem, o arguido AA, recebeu de indivíduos cuja identidade não se logrou apurar duas malas de viagem, de cor preta e marca CAT, com fundos falsos, onde estavam acondicionadas quatro embalagens contendo cocaína. 4. Malas que o arguido deveria transportar consigo na viagem, como bagagem de porão, entregando-as no local de destino, em ..., na Suíça. 5. Cumprindo tal plano, em 04.06.2019 o arguido AA embarcou no voo XX0000, com partida de ... e destino a .... 6. O arguido chegou ao aeroporto ..., em …, no dia 05.06.2019, pelas 10H30 horas, planeando embarcar no voo XX0000, com destino a ..., na Suíça. 7. Nessas circunstâncias, a sua bagagem foi sujeita a exame radiológico e ulterior verificação. 8. O arguido trazia consigo duas malas, de cor preta e de marca CAT, com as etiquetas 0000XX000000 e 0000XX000000 apostas. 9. Tais malas transportavam, ocultas no fundo do respectivo forro, cada uma, duas embalagens (“placas”) contendo cocaína. 10. Tal produto foi identificado como cocaína – cloridrato -, com o peso líquido total de 8.009,800 gramas (num total de 4 placas). 11. Na mesma ocasião o arguido AA tinha ainda consigo: a quantia de € 50,00 (cinquenta Euros); a quantia de R$ 205,00 (duzentos e cinco reais); a quantia de CHF250,00 (duzentos e cinquenta francos suíços); um telemóvel de marca Samsung com o IMEI 000000000000000/00, com cartão Sim da operadora móvel Vodafone; um cartão SIM com a inscrição 4G+;um talão de embarque em nome de BB do voo XX0000, com origem em ... e destino a ..., com data de 04.06.2019, que tinha apostos os talões de bagagem da operadora ..., com os números 000000, de 04.06.2019 e 000000 da mesma data; um talão de embarque em nome de em nome de BB, do voo XX0000, com origem em … e destino ..., com data de 29.05.2019, que tinha aposto o talão de bagagem da operadora ..., com o número 000000, em nome de CC;um talão de embarque em nome de CC, para o voo 0000 da ..., cm partida de … e destino a ..., com data de 05.06.2019. 12. O telemóvel e cartão telemóvel era propriedade do arguido e o arguido recebeu nestes contactos dos suspeitos não identificados, para lhe facultarem instruções para o transporte e entrega do produto estupefaciente. 13. As quantias apreendidas destinavam-se a fazer face às despesas de viagem para transporte da cocaína. 14. O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que transportava consigo, ciente de que incorria em responsabilidade criminal. 15. Agiu de acordo com plano previamente gizado e em comunhão de esforços e vontades com suspeitos não identificados, para aquisição e transporte desse produto para a Europa, através de Portugal, sabendo-o destinado à venda a terceiros. 16. O que fez, buscando contrapartida económica prometida no valor de cerca de € 15.000,00 (quinze mil Euros). 17. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e criminalmente punida. Provou-se ainda que: 18. O arguido AA é natural da ..., é o mais velho de uma fratria de três. 19. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio de uma família de nível socioeconómico equilibrado, sendo que os pais viviam da lavoura/agricultura. 20. A dinâmica familiar parece ter decorrido de forma funcional e estruturada, baseando-se na transmissão e aceitação de regras e valores prevalecentes na sociedade em geral e sendo a relação entre os elementos da família pautada por forte afetividade e sentimentos de entreajuda. 21. O arguido iniciou o percurso escolar com a idade normal, tendo concluído o 0.º ano de escolaridade, com cerca de 00/00 anos de idade, trabalhando em simultâneo na … juntamente com o agregado. 22. Em 0000 no cumprimento do serviço militar foi destacado para a ..., onde se manteve até Setembro de 0000. 23. O arguido quando regressou a Portugal reintegrou o agregado dos progenitores até 0000, altura em que passou a viver com a mulher na ... e iniciou em sociedade com o irmão, uma empresa de .... 24. Desta relação, que durou 00 anos tem duas filhas com 00 e 00 anos de idade e uma neta. 25. Após a separação regressou a ... e passou a viver com a atual companheira em casa arrendada, juntamente com um enteado e um neto desta. 26. Em 0000, após encerrar a atividade de ..., emigrou para ... para trabalhar na mesma área, onde apenas se manteve durante nove meses. 27. AA, depois de regressar definitivamente a Portugal, passou a fazer alguns biscates até 0000, altura em que se reformou e passou a prestar apoio à mãe e ao ex-sogro. 28. À data em que ocorreram os factos, o arguido encontrava-se a residir com a companheira, dois enteados e três netas da companheira, com 00, 00 e 0 anos de idade, na morada constante nos autos. 29. AA já estava reformado e passava o tempo livre a prestar apoio à mãe e ao ex-sogro. 30. O arguido é saudável não referindo qualquer problemática significativa de saúde ou historial aditivo. 31. Em termos institucionais, o arguido revela uma postura adequada e colaborante no contacto interpessoal, quer com os pares, quer com os serviços técnicos e de vigilância, não registando até à data nenhum averbamento no seu registo disciplinar. 32. Em termos laborais o arguido, não exerce funções nem se encontra integrado em qualquer atividade escolar ou formativa. 33. Tem visitas regulares das filhas e de uma amiga. 34. Não consta qualquer averbamento no certificado de registo criminal do arguido. Factos não provados: Não resultou como não provado qualquer facto com relevo para o conhecimento e decisão da causa. (…). 11. Da apreciação do recurso. Pugna o recorrente, apenas, pela reapreciação do segmento da decisão relativo à determinação da pena que lhe foi aplicada, entendendo que é exagerada, que viola os princípios consagrados nos artigos 70.º e 71.º, do CP e pretende a redução do quantum da pena de prisão e a suspensão da respectiva execução. Alega para tal que o “modus operandi” é simples, que o arguido serviu como mero correio de droga, que confessou os factos, tem 00 anos de idade, está inserido socialmente e tem o apoio da família, circunstâncias que entende determinarem que não são acentuadas as necessidades de prevenção geral e especial. O Ministério Público nas instâncias entende que o recurso deve ser julgado improcedente, sendo seu entendimento que o acórdão recorrido fez uma análise cuidadosa e objectiva e uma valoração correcta das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, do grau de culpa manifestado, da ilicitude e das exigências de prevenção especial e geral que no caso ocorrem, respeitando os parâmetros decorrentes dos critérios fixados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, do CP, pelo que, ao contrário do que alega o recorrente, entende que a pena aplicada é adequada e proporcional, não havendo qualquer fundamento para que a mesma seja reduzida. 12. A pena abstracta pela prática de um crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. O tribunal fixou a pena de 6 anos de prisão. De harmonia com o disposto nos artigos 40.º e 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da pena é realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, devendo em cada caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes da lesão causada, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2, do artigo 71.º, do CP. Dito isto e previamente à apreciação do caso concreto, há que ter em conta o seguinte: O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, como se define no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91 [2] “o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos”; ou, nas palavras de Lourenço Martins (Droga e direito, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122, “o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes”. Estamos, assim, perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. A que acresce, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias, e por outro, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas pelos efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas. Ora, esta necessidade de consciencialização do delinquente deverá, num primeiro momento, fazer apelo à utilização de mecanismos que lhe proporcionem outra forma de analisar a sua conduta, que não seja apenas aquela que o seu meio envolvente lhe mostra, de modo a dar-lhe os “instrumentos necessários” a prevenir uma reincidência. Ora, a partir do momento em que os malefícios provocados pelas drogas, foram atendidos pelo legislador nacional que acompanhou, assim, a evolução das Convenções Internacionais sobre este tema[3], criou-se na comunidade a expectativa da punição do traficante, em termos que o julgador não pode evidentemente ignorar, e a quem incumbe traduzir num “quantum” de pena adequado. A respeito do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21.º, do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, e como no caso dos autos, protagonizado pelos chamados “correios de droga”, verifica-se que a maioria dos processos entrados neste STJ respeita a este tipo de tráfico e a este tipo de produto estupefaciente - cocaína. Remete-se para o acórdão n.º 458/10.0JELSB.S1, de 29 de Setembro de 2011, da 5.ª Secção, em que foi Relator o Conselheiro Souto Moura, onde é feita uma análise sobre a estatística dos processos entrados que se referem a correios de droga, o tipo de estupefaciente utilizado, os países de origem, in www.dgsi.pt. Trata-se, pois, de um problema universal, de dimensão mundial, que, obviamente, atinge também o nosso País. São assim, as necessidades de prevenção geral, muito fortes. Neste circunspecto não podemos deixar de referir os casos, como o dos presentes autos, em que está em causa a pessoa que aceitou ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando continentes, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de ser usado como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como única motivação o lucro, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e da sociedade em geral. Assim, o transporte internacional de estupefacientes, pela difusão rápida e eficiente das drogas junto dos mercados que abastecem os consumidores, constitui uma conduta especialmente danosa, cuja perseguição se mostra essencial para dificultar e impedir a circulação das drogas e o abastecimento daqueles mercados. Pelo que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto nos artigos 71.º e 40.º, n.º 2, ambos do CP, deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2 do artigo 71.º, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). Por seu turno, o artigo 40.º, n.º 1 estabelece que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, no n.º 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. Na lição de Figueiredo Dias[4], a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o artigo 18.º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”. Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas 79 a 82). Dito isto, vejamos qual a razão do recurso interposto pelo recorrente. 13. Deu-se como provado que, em data não apurada de Janeiro de 2019, o arguido foi abordado por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que lhe propôs o transporte por via aérea, do Brasil para a Suíça, de cocaína oculta em mala de bagagem, mediante a contrapartida económica de cerca de € 15.000,00 (facto 1);no dia 29.05.2019, o arguido viajou para o Brasil (facto 2)onde recebeu de indivíduos cuja identidade não se apurou, duas malas de viagem, de cor preta e marca CAT, com fundos falsos, onde estavam acondicionadas quatro embalagens contendo cocaína (facto 3),e que deveria transportar consigo na viagem, como bagagem de porão, entregando-as no local de destino, em ..., na Suíça (facto 4). Em 04.06.2019 o arguido AA embarcou no voo XX0000, com partida de ... e destino a ... (facto 5), tendo chegado ao aeroporto ..., em …, no dia 05.06.2019, pelas 10H30 horas, planeando embarcar no voo XX0000, com destino a ..., na Suíça (facto 6). A sua bagagem, que consistia nas duas malas atrás referidas, tinha apostas as etiquetas 0000XX000000 e 0000XX000000, foram sujeitas a exame radiológico e ulterior verificação (factos 7e 8). Dentro destas malas ocultas no fundo do respectivo forro, trazia cada uma delas, duas embalagens (“placas”) contendo um produto que foi identificado como cocaína – cloridrato -, com o peso líquido total de 8.009,800 gramas (num total de 4 placas) (factos 9 e 10). Na mesma ocasião o arguido tinha ainda consigo: a quantia de € 50,00; a quantia de R$ 205,00; a quantia de CHF250,00 e demais documentos referentes aos talões de embarque dos voos que efectuara de que se destacam os talões de embarque e da respectiva bagagem em nome de BB, referentes aos voos de … para ..., ... para … e … para ... (factos 10 e 11). O arguido conhecia a natureza e características estupefacientes do produto que transportava consigo, ciente de que incorria em responsabilidade criminal (facto 14), tendo agido de acordo com um plano previamente gizado e em comunhão de esforços e vontades com suspeitos não identificados, para transporte desse produto para a Europa, através de Portugal, sabendo-o destinado à venda a terceiros (facto 15), recebendo como contrapartida a quantia de cerca de € 15.000,00 (quinze mil Euros) (facto 16). Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e criminalmente punida (facto 17). Mais se provou que as quantias que lhe foram apreendidas eram destinadas às despesas inerentes à viagem para transporte para transporte da cocaína (facto provado 13), e que o telemóvel e cartão telemóvel era propriedade do arguido, onde recebeu as instruções para o transporte e entrega daquele produto (facto provado 12). Ora, Face aos factos assentes na Instância, conclui-se, deste modo, que considerando a natureza do produto estupefaciente transportado - droga dura – cocaína- e a quantidade que foi transportada- cerca de 8 kg - o arguido praticou actos de execução de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22.01 (transporte, importação e exportação de produto estupefaciente), com referência à tabela I – B anexa àquele diploma, nas suas vertentes objetiva e subjetiva, sendo certo que actuou de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei. De referir, no entanto, que quando se diz no facto provado 15 que o arguido: “Agiu de acordo com plano previamente gizado e em comunhão de esforços e vontades com suspeitos não identificados, para aquisição e transporte desse produto para a Europa, através de Portugal, sabendo-o destinado à venda a terceiros.”, deverá dizer-se: (…) “Agiu de acordo com plano previamente gizado e em comunhão de esforços e vontades com suspeitos não identificados, para transporte, importação e exportação desse produto para a Europa, através de Portugal, sabendo-o destinado à venda a terceiros.” Nada se provou quanto à aquisição por parte do arguido de cocaína, mas tão só o seu transporte do Brasil para introdução no mercado europeu. 14.Medida da pena. -o dolo direto, pois este tinha plena consciência de que efectuava o transporte do produto estupefaciente e das consequências de grande amplitude que poderiam advir de tal conduta, uma vez que a quantidade de produto disseminar-se-ia por uma considerável quantidade de consumidores, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa; -a ilicitude mostra-se elevada, atenta a natureza e quantidade do produto estupefaciente que transportava: cocaína - o modo como o produto se encontrava acondicionado, para ser entregue na Suíça e assim entrar no espaço Europeu para ser vendido, o que denota a posição do arguido na cadeia de hierarquia da distribuição daquele produto estupefaciente, transpondo a actuação do arguido para uma organização internacional e actuando como “correio de droga”; - a ausência de antecedentes criminais do arguido atendendo nomeadamente à sua idade- 00 anos - e a circunstância de se mostrar familiar e socialmente inserido. Alega ainda o arguido que é sua intenção “ter uma nova vida” ressocializando-se, trabalhando e continuar a viver em harmonia familiar, pelo que a condenação de uma pena privativa da liberdade de 6 anos, porá em risco a socialização (prevenção especial positiva) do arguido, por ser exagerada. Ora, por tudo o que ficou dito, realça-se que o arguido agiu com dolo direto, pois, tinha plena consciência de que trazia consigo substâncias proibidas e das consequências que poderiam advir de tal conduta, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa; a elevada ilicitude da sua conduta, visto estar em causa um acto de tráfico “ao nível internacional” – e visto o papel fundamental dos “correios de droga” na cadeia de comercialização de estupefacientes, razão pela qual são muito elevadas as exigências de prevenção geral, a que acrescem a quantidade que transportava e a qualidade de produto estupefaciente (cocaína); bem como os motivos que o determinaram, ou seja, mediante o pagamento de retribuição no montante de cerca de € 15.000,00. Não colhe, pois, a alegação do arguido que relativamente à prevenção geral, se trata de um tráfico de droga menos acentuado, sem qualquer organização. Por tudo o que ficou dito, são elevadas as necessidades de prevenção geral. Assim, tudo ponderado, entendemos que face a idade do arguido, a sua integração familiar, e a ausência de antecedentes criminais, que se traduzem em uma mediana necessidade de prevenção especial, a pena concreta de 5 (cinco) anos de prisão é a adequada, proporcional e justa no caso em concreto, diminuindo, deste modo, a pena aplicada pelo Tribunal recorrido. Pelo que procede, nesta parte o recurso interposto pelo arguido AA. 15. Nos termos do disposto o artigo 50.º, n.º 1, do CP, esta pena admite a suspensão da execução, pretensão esta também formulada pelo recorrente. Fixando-se a pena em medida não superior a 5 anos de prisão, resulta preenchido o pressuposto formal estabelecido no artigo 50.º, n.º 1 do CP, para que o Tribunal deva equacionar a suspensão da respetiva execução. Impõe-se, por isso, averiguar se está preenchido o pressuposto material, isto é, averiguar se o tribunal pode prognosticar que a pena de substituição é a adequada e a suficiente para prevenir a prática de crimes futuros. Recorde-se o que estipula esta norma: “1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Pressuposto material é aquele que o tribunal, apoiado nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente, neles revelada, nas suas condições de vida, na sua história criminal, na postura perante os crimes cometidos e o resultado destes e ainda no comportamento adoptado posteriormente, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da prisão efectiva, são suficientes para que o arguido adeque a sua conduta de modo a respeitar o direito. Entende o Professor Jorge Figueiredo Dias que “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto”. “Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração em sede de medida da pena”. Adverte, ainda, que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável –à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinamos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas também por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”. (sublinhado nosso). Vejamos se estão reunidos os elementos necessários ao preenchimento da condição material, ou seja, se podemos concluir, no caso do recorrente, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam as finalidades das penas, sem olvidar, no entanto, as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Dito de outro modo, a opção pela suspensão da pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. Pelo que, em conclusão: da avaliação e ponderação das exigências de prevenção geral e especial não podemos concluir pela aplicação de uma pena de substituição, pois dado o crime praticado, considera-se que aquelas (prevenção geral) se sobrepõem a estas (prevenção especial), pelo que se impõe a aplicação de uma pena de prisão efetiva. Ou seja, não pode o Tribunal menosprezar o enfoque das razões de prevenção geral, que são aqui muito prementes, uma vez que o tráfico de droga é um fenómeno que a ordem jurídica quer erradicar da sociedade, pois que tal crime, sendo um crime contra a saúde pública, atenta directamente com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade. Por tudo o exposto, consideramos não ser de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, prevista nos artigos 50.º e ss, do CP.
III. 17. Pelo exposto, acordam nesta 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelas signatárias subscritoras. 18.06.2020 Margarida Blasco (Relatora Helena Moniz
_______________________________________________________
|