Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
Descritores: | TESTAMENTO QUOTA DISPONÍVEL REVOGAÇÃO DE TESTAMENTO CADUCIDADE PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL EFICÁCIA PARTILHA DA HERANÇA HABILITAÇÃO DE HERDEIROS HERDEIRO PRETERIDO ACTO NOTARIAL ATO NOTARIAL QUESTÃO NOVA CONVERSÃO DO NEGÓCIO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/28/2015 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITO DAS SUCESSÕES / ABERTURA DA SUCESSÃO E CHAMAMENTO DOS HERDEIROS / PARTILHA DA HERANÇA / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA / REVOGAÇÃO E CADUCIDADE DOS TESTAMENTOS. DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL. | ||
Doutrina: | - Borges de Araújo, Prática Notarial, 2.ª edição revista e actualizada com a colaboração de Albino Matos, Almedina, Coimbra, 1993, pp. 305, 319. - Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª edição, p. 541. - Carvalho Fernandes, A Conversão dos Negócios Jurídicos Civis, Quid Juris, Lisboa 1993, pp. 472 e 473; Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Lex Lisboa, 2.ª edição, 1996, p. 424. - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lda., p. 13. - João Menezes Leitão, A interpretação do testamento, AAFDL, 1991, p. 54. - Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, Vol. II, Actos e Factos Jurídicos, Coimbra, 1999, p. 273. - Pedro Pais de Vasconcelos, A procuração irrevogável, Almedina, 2002, pp. 5, 80, 107/108. - Pires de Lima e Antunes Varela,…, p. 491. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 251.º, 252.º, 258.º, 261.º, N.º1, 262.º, 265.º, N.ºS2 E 3, 293.º, 294.º, 295.º, 457.º, 940.º, N.º 1, 946.º, N.º 2, 954.º, AL. A), 1157.º, 1180.º, 2024.º, 2026.º, 2030.º, 2032.º, N.º1, 2102.º, 2119.º, 2121.º, 2179.º, 2187.º, 2311.º, 2312.º, 2313.º, N.º 1, 2317.º. CÓDIGO DO NOTARIADO: - ARTIGOS 83.º, 84.º, 85.º, 87.º. CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRPRED): - ARTIGOS 10.º E 13.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23-10-2001, REVISTA Nº 2707/01, DE 25-11-2003, PUBLICADO EM CJSTJ 2003, 3.º, P. 161; -DE 27-01-2010, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 13-07-2010, PROCESSO Nº 67/1999.E1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 13-05-2014, PROCESSO N.º 5255/11.2TCLRS.L1.S1. | ||
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Sumário : | I - Não há revogação – tácita ou expressa –, nem caducidade, do testamento que institui herdeiro de quota disponível da herança, se o de cuius outorga instrumento de procuração posterior, irrevogável, para produzir efeitos em vida e depois da sua morte, nomeando seus procuradores os filhos, para doarem a si próprios, bens imóveis, certos e determinados, em comum e partes iguais, com dispensa de colação e reserva de usufruto a seu favor e do marido, ou para procederem a partilhas judiciais ou extrajudiciais, certo que aqueles bens, apesar de integrarem o acervo hereditário, não o esgotam. II - A procuração é um negócio jurídico unilateral que, conferindo apenas poderes representativos, não implica uma transmissão da posição jurídica do dominus e, na falta de bilateralidade, não consubstancia um contrato de mandato ou um contrato de doação. III - Os actos extrajudiciais de habilitação de herdeiros e de partilha de bens, titulados em escrituras públicas, não são aptos a produzir os seus efeitos em relação aos herdeiros preteridos, a estes inoponíveis, sanando-se mediante a prática de novos e idênticos actos que contemplem as suas posições. IV - Tendo sido suscitada e pedida apenas nas alegações do recurso de revista a conversão do negócio (partilha), matéria que não é de conhecimento oficioso, está vedada a sua apreciação pelo Supremo Tribunal por constituir questão nova. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. AA e BB instauraram, em 12-07-2006, acção declarativa constitutiva, sob a forma ordinária, contra CC e mulher DD e Herança aberta por óbito de EE, representada em juízo por: (i) Reverendíssimo Senhor Arcebispo de Évora, D. FF, na qualidade de testamenteiro do de cujus e na qualidade de administrador vitalício da obra de assistência a pessoas idosas residentes na freguesia de Galveias, a criar após o falecimento; (ii) CC; (iii) GG; (iv) HH e mulher II; (v) JJ e mulher KK; (vi) LL e mulher MM; (vii) NN e mulher OO; (viii) PP; (ix) QQ; (x) RR; (xi) SS; (xii) TT; e (xiii) UU. Formularam os seguintes pedidos: 1) Que se declarem todos os réus como únicos interessados na herança aberta por óbito de EE; 2) Que se declarem nulas ou anuladas as escrituras públicas referidas nos arts. 4.º e 5.º e 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, da petição inicial (documentos 6 e 7); 3) Que se declare nula ou anulada a partilha referida no art. 15.º da petição inicial; 4) Que se anule as aquisições, pelo réu CC e pelo falecido EE, dos prédios identificados nos arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º da petição inicial (documento 7); 5) Que se condenem os réus a reconhecer o decidido sob 1) a 4); 6) Que se ordene o cancelamento dos registos de aquisição a favor do réu CC e do falecido EE, dos prédios identificados nos arts. 6.º a 14.º da petição inicial, bem como todos os que se tenham efectuado posteriormente. Alegaram, em síntese, que são os únicos netos de VV, falecida em 17-06-2002, casada que foi, no regime de separação total de bens, em primeiras núpcias de ambos, com XX, falecido a 13-01-2003, de quem teve dois filhos:- CC - pai dos autores e ora 1.º réu -, e EE, falecido em 17-10-2005. Por escritura pública de 11-10-2002, XX, cônjuge sobrevivo, e os filhos CC e EE foram habilitados como únicos e universais herdeiros de VV. Por escritura pública de 11-12-2002 os três habilitados herdeiros procederam à partilha dos bens deixados por morte de VV: todos os bens imóveis, rústicos, mistos e urbanos foram adjudicados, em comum e partes iguais, aos filhos, tendo o pai recebido as tornas em dinheiro. Na mesma data, partilharam entre si, do mesmo modo, os bens móveis deixados por VV. Por escritura pública de 29-01-2003, CC e EE habilitaram-se como únicos e universais herdeiros do pai XX, que não deixou bens. Após a abertura do testamento de EE - o qual faleceu solteiro e sem filhos e instituiu, por testamento de 25-02-2005, seus legatários todos os 2.º réus e respectivos cônjuges - os autores vieram a ter conhecimento de que, em 16-07-1979, fora lavrado testamento por VV, instituindo-os únicos e universais herdeiros da sua quota disponível, em comum e partes iguais. A omissão, na escritura de habilitação de herdeiros de 11-10-2002 da existência desta disposição testamentária, acarreta a nulidade ou a anulabilidade do acto, bem como das subsequentes partilhas de bens imóveis e móveis. Contestou a ré GG, alegando, em síntese, que os familiares mais próximos de VV que se habilitaram seus únicos e universais herdeiros estavam seguros de que esta não havia feito qualquer disposição testamentária, pois em 03-05-2002 emitiu uma procuração/doação a favor dos filhos, com poderes especiais e sem caducidade por morte, onde expressou a verdadeira declaração de última vontade a respeito do destino dos seus bens imóveis, conforme documento que juntou como n.º 1, nos termos do qual lhes conferiu poderes para doar (exclusivamente) a eles, seus filhos, em comum e em partes iguais, com dispensa da colação e com reserva de usufruto a favor dela e de seu marido, todos os bens imóveis ali identificados, tendo emitido uma outra procuração, na mesma data e conjuntamente com o marido, a, além do mais, na parte relevante, conferir os mesmos poderes, nos mesmos termos, porém, com referência a um único prédio rústico, sito em Portalegre. Os bens móveis referentes à casa e ao recheio desta, partilhados, eram propriedade da irmã de VV, ZZ, que os havia deixado aos dois irmãos, seus sobrinhos. E as jóias de VV foram doadas, em vida desta, à sua neta, a autora AA. Contestou a ré Herança Aberta por óbito de EE, representada por Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor Arcebispo de Évora, arguindo a excepção dilatória de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Avis, por, atento o pedido formulado em 1), ser competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão, no caso, o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sôr, correspondente ao lugar da residência habitual do “de cujus”, à data do óbito. Alegou, ainda, que, considerando parcos os factos alegados pelos autores que permitiriam contextualizar as circunstâncias de tempo, modo e lugar da “descoberta” do testamento de 1979, não é possível clarificar qual a actualidade dessa manifestação de vontade, isto é, se esta manifestação de vontade foi a última e se, nomeadamente, à data da sua morte, em 17-06-2002, se mantinha actualizada, até pelo dificilmente compreensível desconhecimento da mesma pelos entes mais próximos da testadora, como o marido e os filhos, e bem assim, pelas próprias testemunhas da habilitação exarada em escritura pública de 11-10-2002. Só na posse destes elementos factuais se poderá concluir ou pela nulidade/anulabilidade requerida ou pela posição contrária. Replicaram os autores, pedindo a improcedência da excepção de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Avis, por ser este o competente para preparar e julgar a presente acção, onde se cumulam diversos pedidos, sendo o principal o pedido de anulação das escrituras públicas já identificadas. Alegaram ainda que a procuração invocada pela ré GG confere apenas poderes representativos e que estes já se extinguiram com o óbito de EE, que faleceu sem a ter usado, tendo ambos os procuradores renunciado à mesma quando outorgaram, sem dela fazerem uso, a escritura de partilhas que agora se pretende anular. Caso VV quisesse revogar o testamento de 1979, ter-se-ia socorrido dos instrumentos legais ao dispor, isto é, outorgaria testamento ou escritura pública posterior. Proferido despacho de convite a aperfeiçoamento, apresentaram os autores nova petição inicial, onde reiteraram o inicialmente alegado e acrescentaram que, numa consulta ao advogado signatário da peça processual (leia-se, petição inicial), tomaram conhecimento da existência de testamento outorgado por EE e questionaram-se sobre qual a forma de saber de todos os testamentos, visto que não tinham sido contemplados no testamento do tio e que a maior parte do prédio deste provinha de sua mãe e avó dos autores. Foram, então informados que poderiam aceder a tais dados junto da Conservatória dos Registos Centrais, onde se dirigiram, e vieram a saber da existência de um testamento público da avó outorgado no Cartório Notarial de Alter do Chão, onde novamente se dirigiram, vindo a aceder ao teor do documento, em 04-11-2005. Mais acrescentaram desconhecer a relação dos bens móveis partilhados entre pai e filhos, com adjudicação dos mesmos, em comum e partes iguais, para os últimos, tendo o primeiro recebido em dinheiro as correspondentes tornas. Contestaram os réus HH e mulher II; JJ e mulher KK; LL e mulher MM; NN e mulher OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU, invocando as excepções peremptórias de caducidade do testamento; de simulação processual, do abuso de direito e da caducidade do direito à anulação da partilha de 11-12-2002. Alegaram, em suma, que o testamento de 16-07-1979 não constitui disposição de última vontade da falecida VV, pois que, em data anterior a 03-04-2002, a falecida VV e o seu marido XX formaram a vontade de dispor de todos os seus bens, em comum e partes iguais, a favor de seus dois únicos filhos, o R. CC e o falecido EE, na sequência do que, nessa data, os mandataram para praticarem os actos necessários à concretização das suas últimas vontades expressas, e, assim, VV emitiu a procuração que lhes conferiu “os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos…”, todos os imóveis ali discriminados de que era exclusiva proprietária, e que tais doações “deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor dela doadora e de seu marido”, mais lhes conferindo poderes para “outorgar e assinar as competentes escrituras; e ainda proceder a quaisquer partilhas judiciais ou extrajudiciais (…) e de um modo geral, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins”; e, no mesmo dia 03-04-2002, XX e VV emitiram outra procuração, mediante a qual nomearam seus procuradores os aludidos filhos, tendo-lhes conferido “os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos” o prédio rústico sito na freguesia de Urra, concelho de Portalegre, e uma quota na sociedade por quotas de que era titular exclusivo, o mandante, determinando ainda que “as doações deveriam ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor deles doadores, mais lhes conferindo os poderes necessários para “outorgar e assinar as competentes escrituras; … e de um modo geral, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins”. A partilha realizada no dia 11-12-2002 - em comum e partes iguais pelos irmãos - constitui um acto de execução do referido mandato, não tendo o pai XX recebido tornas, pois continuou a beneficiar dos imóveis partilhados e representa, a par da doação de todos os bens de XX aos seus filhos, ainda em vida (como refere o art. 18.º da p.i.), a autêntica concretização das vontades últimas expressas por VV e XX através das procurações emitidas em 03-04-2002. O testamento de 16-07-1979 caducou com a emissão das referidas procurações e com a respectiva execução mediante a partilha de 11-12-2002. Acordaram os autores e seus pais, aqui 1.ºs Réus, simular um diferendo, com vista a, por via processual, obter a destruição dos efeitos da partilha de 11-12-2002, acordo esse que foi ulterior à abertura do testamento deixado por EE, que faleceu solteiro e sem filhos, tendo o seu irmão, o 1.º Réu se convencido que seria o seu único e universal herdeiro e visto que os autores também viviam na expectativa de serem contemplados no testamento do tio. Considerando a existência da referida simulação processual e o propósito de todos obterem a destruição dos efeitos da partilha de 11-12-2002, a dedução do pedido inicial excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito reclamado pelos autores, constituindo um verdadeiro “venire contra factum proprium”. Os autores, como seus pais, 1.ºs réus têm perfeito conhecimento da existência do testamento de 1979 desde, pelo menos, que esta faleceu, isto é, desde finais de Junho de 2002, pelo que na data em que a acção foi instaurada, estava caducado o direito à anulação da partilha realizada em 11-12-2002. Notificados da petição inicial aperfeiçoada, as rés GG e Herança Aberta por óbito de EE, apresentaram resposta, concluindo como nas respectivas contestações, tendo a primeira invocado, ainda a excepção de abuso do direito, assente na concertação e simulação processual com o primeiro réu e a segunda requerido a condenação dos autores em multa e indemnização por litigância de má fé, bem como por abuso do direito e uso anormal do processo. Notificados da contestação apresentada pelos réus HH e outros, requereram os autores que, na mesma, apenas se considerasse a impugnação que se faz aos arts. 16.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º, dando-se por não escrito o mais alegado, nomeadamente as excepções invocadas, na medida em que tal alegação extravasa o âmbito da resposta à petição inicial aperfeiçoada, fixado no art. 508.º, n.º 4, do CPC. Em resposta, em síntese, os réus HH e outros requerem que se desatenda o peticionado, até porque as excepções invocadas são de conhecimento oficioso. Replicaram, novamente, os autores, quanto à contestação apresentada pelos réus HH e outros, onde concluíram como na petição inicial e invocaram, em síntese, a inadmissibilidade da contestação, que a falecida VV não revogou, por qualquer meio legal, o testamento de 1979; não há qualquer simulação processual, na medida em que os autores, para que vissem reconhecido o direito que lhes advém deste testamento, nomeadamente para efeitos de registo, não tinham outra alternativa, senão a de instaurar a presente acção nos termos em que o fizeram, razão por que igualmente não agem com abuso do direito que lhes assiste à parte dos bens que couberam aos réus, certo ainda que não se verifica a caducidade do direito de anulação da partilha realizada em 11 de Dezembro de 2002, visto que os autores só tomaram conhecimento do testamento em 4 de Novembro de 2005, sendo inquestionável que a acção foi proposta em 12 de Julho de 2006. Suscitada oficiosamente a questão do valor a atribuir à causa, correu seus termos o respectivo incidente, vindo a fixar-se o valor de € 75 000,00. Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde se decidiu julgar procedente a pretensão dos autores, declarando não escritos os artigos da contestação dos réus HH e outros, com excepção dos arts. 45.º a 48.º e 58.º e, ainda, julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência territorial invocada, concluindo como competente, para preparar e julgar a presente acção, o Tribunal Judicial da Comarca de Avis. Na mesma peça, condensaram-se os factos, seleccionando-se os que constituíam matéria assente e os que integraram a base instrutória, sobre o que não recaiu qualquer reclamação. Tentada a conciliação, esta não se logrou, mantendo as partes as posições já exaradas nos respectivos articulados. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 31 de Agosto de 2012, que concluiu, o seguinte: «V- Face ao exposto e de harmonia com as disposições legais mencionadas: A) Relativamente ao pedido formulado pelos autores na alínea a) do artigo 33.º da petição inicial e alínea a) do artigo 39.º (petição inicial reformulada – fls. 380 dos autos) não devem as RR DD, II, KK, MM e OO ser consideradas na herança aberta por óbito de EE e, consequentemente, absolvo as mesmas de todos os pedidos formulados pelos autores nesta acção, sendo os restantes réus nos autos identificados como tal reconhecidos, o que agora se declara. B) Relativamente aos restantes pedidos pelos autores formulados (alíneas b) a f) do artigo 33.º da petição inicial e alíneas b) a f) do artigo 39.º (petição inicial reformulada – fls. 380 dos autos), julgo os mesmos totalmente improcedentes, por não provados e, em consequência, absolvo os réus dos mesmos. C) Não se condenam os autores como litigantes de má fé.» Apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 16 de Janeiro de 2014, concedido parcial provimento à apelação e, alterando a sentença recorrida, (i) declarou a nulidade da escritura de habilitação de herdeiros melhor identificada na alínea E) (ora G)) dos factos assentes; (ii) declarou a nulidade da escritura de partilha, melhor identificada na alínea F) (ora H)) dos factos assentes; (iii) declarou a nulidade da partilha dos bens móveis mencionada no art. 15.º da petição inicial; (iv) decidiu anular as aquisições pelo réu CC e pelo falecido EE, dos prédios identificados na alínea F) (ora H)) dos factos assentes; (v) condenou todos os réus recorridos a reconhecer o decidido supra; e (vi) ordenou o cancelamento dos registos de aquisição a favor do réu CC e do falecido EE dos prédios identificados na alínea F) (ora H)) dos factos assentes. Inconformados, recorreram os réus de revista. Finalizaram a respectiva alegação, pedindo a revogação do acórdão recorrido, na parte em que declara nula a escritura de partilha de 11-12-2002, declarando-se essa escritura plenamente válida e eficaz, como negócio de execução do mandato constante da procuração identificada na al. K) (ora E)) dos factos assentes, e formulando as respectivas conclusões, das quais se destacam, por condensarem as questões objecto do recurso, as seguintes:
Revista de HH e outros - O mandato consubstanciado na procuração identificada na al. K) (ora E)) dos factos assentes e a sua execução operaram a caducidade, ou a revogação tácita, meramente parcial, do testamento referido na al. D) dos factos assentes, nos termos genericamente previstos no corpo do artigo 2317.º ou no artigo 946.º, n.º 2, do Código Civil; - A escritura de partilha realizada no dia 11 de Dezembro de 2002, reproduzida na al. F) (ora H)) dos factos assentes, representou, na essência, a execução perfeita da vontade expressa por VV no mandato consubstanciado na mencionada procuração; - A escritura de partilha deverá manter-se como válida e plenamente eficaz, ainda que convertida em negócio de execução do mandato em causa, quer por estarem presentes os respectivos requisitos essenciais de substância e de forma, quer por imperativo de boa fé, sendo sempre de supor que as partes que nela outorgaram, atento o fim que prosseguiram, assim o teriam querido se tivessem previsto a nulidade (artigo 293.º do Código Civil); Revista de Herança aberta por óbito de EE - VV outorgou uma procuração irrevogável a favor dos seus únicos filhos e seus únicos herdeiros, conferindo-lhes poderes para, além do mais, «doar a eles mandatários, seus filhos», o essencial do seu património imobiliário, nela exprimindo a sua última vontade, sem prejuízo dos poderes, ainda no âmbito do direito contratual, para outorgarem as competentes escrituras e, no âmbito do direito sucessório, procederem a partilhas judiciais e extra judiciais, poderes que podem ser executados isolada ou conjuntamente e não se extinguiram com a morte do dominus, produzindo efeitos post mortem por instrumentos jurídicos diversos, como a doação ou as previstas partilhas judiciais e extra judiciais, configurando a escritura de partilhas – facto assente F) (ora H)) – uma execução útil e eficaz dos interesses dos mandatários e da própria mandante, o cumprimento do mandato e da doação que lhe está associada. - O respeito pela vontade de VV e pelos interesses próprios e legítimos dos mandatários seus únicos filhos, impõe o entendimento segundo o qual a referida procuração configura uma disposição revogatória tácita/caducidade do testamento de 16-07-1979, ainda que parcial, prevista nos artigos 261.º, 265.º, n.º 3, 1175.º, 2313.º e/ou 2317.º (que prevê um elenco não taxativo de causas de caducidade, ao referir “além de outros casos”), todos do Código Civil. - Em decorrência da revogação/caducidade parcial do testamento de 16-07-1979 e tendo sido respeitados os princípios essenciais de substância e de forma, deve o tribunal proceder à conversão da escritura de partilhas que é facto assente sob F) (ora H)), sendo esta um acto de execução do mandato conferido e já que o fim prosseguido pelos outorgantes na mesma permite supor que o teriam querido se tivessem previsto a invalidade (art. 293.° do Código Civil).
Revista de GG - Os poderes conferidos pelos instrumentos a que aludem as alíneas K e L) (ora E) e F)) dos factos provados (procurações outorgadas por VV e XX) não se extinguiram com a morte do dominus nem tão pouco os procuradores (os únicos filhos e herdeiros legitimários) renunciaram aos seus poderes, tendo sido a própria outorgante quem quis que tais poderes produzissem efeitos post mortem por instrumentos jurídicos diversos: doação/efeito sucessório com as previstas partilhas judiciais e extrajudiciais. - A escritura de partilha em causa, tal como o acórdão recorrido refere, representa a execução duma vontade expressa no mandato consubstanciado na procuração referida na alínea K) (ora E)) dos factos assentes. Ou seja, o mandato pode ter -se extinguido porque foi executado, mas destruídos que forem os efeitos da partilha, então o mandato sempre deveria ter-se como subsistente. Como tal, afasta, por com ela ser incompatível, a vontade expressa pela outorgante no testamento. - A procuração opera a revogação tácita/caducidade do testamento de 1979, ainda que parcial (arts. 2313.º e 2317.º do Código Civil) e, em consequência disso, a escritura de partilha deve ter-se como válida e plenamente eficaz, ainda que convertida na execução do mandato em causa, visto estarem reunidos o respectivos requisitos substanciais e de forma e porque seria sempre de supor que as partes outorgantes dessa escritura, tendo em conta o fim que aí prosseguiram, sempre o teriam querido, mesmo quando previssem a nulidade ou invalidade (artigo 293.º do Código Civil). Contra-alegaram os autores, defendendo a manutenção do julgado. II. Fundamentos: De facto: A matéria de facto provada é a seguinte: A) Os autores são filhos do réu CC. B) O réu CC é filho de VV (também usou AAA e BBB) e de XX. C) EE era filho de VV e de XX e tio dos autores. D) Em 16 de Julho de 1979, VV outorgou testamento público, no Cartório Notarial de Alter do Chão, a fls.24 v. e 25 do Livro de notas para testamentos públicos n.º 16, com o seguinte teor: "Declarou que faz seu testamento da forma seguinte: Que constitui únicos e universais herdeiros da sua quota disponível a sua neta AA filha do seu filho CC bem como a netos nascituros, em comum e partes iguais. E que assim termina esta sua disposição de última vontade, sendo o primeiro testamento que faz". E) No dia 3 de Abril de 2002, no 2.º Cartório Notarial de Leiria, VV outorgou procuração, arquivada com o n.º 49 do maço de instrumentos lavrados do ano de dois mil e dois, com o seguinte teor: “E disse: Que nomeia seus procuradores EE (...) e/ou CC (...) a quem confere os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos os seguintes imóveis: a) PRÉDIO MISTO - sito no Vale … e Outeiro da …, freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sôr, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, do livro B-OITO; b) PRÉDIO MISTO - sito em São …, denominado …, dita freguesia de Galveias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, do livro B-NOVE; c) PRÉDIO MISTO - sito na Tapada da …, denominado …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, do livro B-NOVE; d) PRÉDIO RÚSTICO - sito no Vale de …, denominado …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sor sob o número …, do livro B-NOVE; e) PRÉDIO RÚSTICO - sito na …, freguesia de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o número …/ VALONGO; f) PRÉDIO MISTO - denominado "Herdade …", na dita freguesia de Valongo, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número … /VALONGO; g) PRÉDIO RÚSTICO - denominado "Courela …", na dita freguesia de Valongo, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número …, livro B-SEIS; h) PRÉDIO MISTO - denominado "Herdade da …", na dita freguesia de Valongo, descrito na mesma Conservatória de Valongo sob o número …, do livro B-SEIS; i) PRÉDIO RÚSTICO - sito em …, Casal do Marco, freguesia de Paio Pires, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número …, do livro B-SESSENTA E CINCO; j) PRÉDIO RÚSTICO - sito em …, Casal do Marco, dita freguesia de Paio Pires, descrito na mesma Conservatória sob o número …, do livro B-SESSENTA E CINCO; l) PRÉDIO URBANO - lote número UM, na …, Alfarim, freguesia de Castelo, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-NOVE; m) PRÉDIO URBANO - lote número CINCO, na dita …, Alfarim, descrito na mesma Conservatória de Sesimbra sob o número …, do livro B-NOVE; n) PRÉDIO URBANO - lote número SEIS, na dita …, descrito na mesma Conservatória de Sesimbra sob o número …, do livro B-NOVE; o) PRÉDIO URBANO - lote número SETE, na dita …, descrito na mesma Conservatória de Sesimbra sob o número …, do livro B-NOVE; p) PRÉDIO URBANO - lote número OITO, na dita …, descrito na mesma Conservatória de Sesimbra sob o número …, do livro B-NOVE; Que as doações deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor dela doadora e do seu referido marido; Mais lhe conferem os poderes necessários para outorgar e assinar as competentes escrituras; e ainda assim para proceder a quaisquer partilhas judiciais ou extrajudiciais, pagar ou receber tornas, dar ou aceitar quitações; proceder a quaisquer actos de registo predial; para junto de quaisquer Repartições de Finanças apresentar quaisquer reclamações e inscrições matriciais, requerer quaisquer certidões; para em quaisquer Câmaras, EDP e suas associadas, serviços municipalizados de águas ou sociedades suas concessionárias, apresentar quaisquer projectos, requerer quaisquer certidões, licenças ou alvarás, outorgar quaisquer acordos e contratos e, de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins. Os mandatários poderão fazer negócio consigo mesmo nos termos do art. 261.º do Código Civil. Esta procuração não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante, nos temos dos art. 265.º, 1170.º a 1175.º do Código Civil". F) No dia 3 de Abril de 2002, no 2.º Cartório Notarial de Leiria, XX e VV outorgaram procuração, arquivada com o n.º 48 do maço de instrumentos lavrados do ano de dois mil e dois, com o seguinte teor: “E disseram: Que nomeiam seus procuradores EE (...) e/ou CC (...) a quem confere os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos, o prédio rústico sito na freguesia de Urra, concelho de Portalegre, inscrito na matriz sob o artigo n.º 8, secção D, descrito sob o número …, do Livro B-UM, da Conservatória do Registo Predial de Portalegre; Que as doações deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor deles doadores; Mais lhe conferem os poderes necessários para outorgar e assinar as competentes escrituras; proceder a quaisquer actos de registo predial e/ou comercial; para junto de quaisquer Repartições de Finanças apresentar quaisquer reclamações e inscrições matriciais, requerer quaisquer certidões; para em quaisquer Câmaras, EDP e suas associadas, serviços municipalizados de águas ou sociedades suas concessionárias, apresentar quaisquer projectos, requerer quaisquer certidões, licenças ou alvarás, outorgar quaisquer acordos e contratos e, de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo o que se tome necessário aos indicados fins. Os mandatários poderão fazer negócio consigo mesmo nos termos do art. 261.º do Código Civil. Esta procuração não caduca por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos dos art. 265.º, 1170.º a 1175.º do Código Civil". G) No dia 11 de Outubro de 2002, no 2.° Cartório Notarial de Leiria, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, lavrada a fls.66 v e 67 do livro de notas 150- H, com o seguinte teor: "Que no dia dezassete de Junho de dois mil e dois, na freguesia e concelho de Cascais, faleceu VV, que também usava BBB, natural da freguesia de Galveias, concelho de Ponte Sor, onde residia no Largo do …, no estado de casada com XX em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da separação de bens. Que a falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe ficado a suceder como únicos herdeiros legítimos: a) Cônjuge sobrevivo: XX (...) b) Os filhos: CC (...) EE Que não há quem com eles concorra à sucessão". H) No dia 11 de Dezembro de 2002, no 2.° Cartório Notarial de Leiria, foi outorgada, pelos réus CC e DD e por EE, por si e na qualidade de procuradores de XX, escritura de partilhas, lavrada a fls.61 a 62 do livro de notas 153-H, com o seguinte teor: "Que eles e o representado são os interessados na partilha dos bens que ficaram por óbito de VV (...) Que os bens a partilhar são os constantes do documento complementar elaborado de acordo com o n.º 1 do art. 64.º do Código do Notariado e que fica a fazer parte integrante desta escritura, no total de dezoito. (…) Que os identificados bens são adjudicados em comum e partes iguais aos filhos CC e EE, pelo que cada um deles leva bens a mais no valor de doze mil e quinhentos euros que já deram de tomas ao seu representado". I) Do documento complementar à escritura referida em H) constam os seguintes prédios: Prédios situados na freguesia de Galveias, concelho de Ponte Sôr: UM PRÉDIO MISTO - denominado HORTA do … ou …, compõe-se na parte rústica, terreno de olival, solo subjacente de cultura arvense, olival, sobreiros, figueiras, terreno estéril, dependência agrícola e pomar de citrinos, parte urbana, composta de casa de habitação dum só pavimento, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o numero …, do livro B - oito, actualmente na ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, sendo que a parte rústica está inscrita na matriz sob o artigo n.º … da secção A, e a parte urbana inscrita na matriz sob o artigo n.º …, com valor patrimonial global e atribuído de 1.854,22 €. DOIS PRÉDIO MISTO - denominado HERDADE da …, compõe-se na parte rústica, de terreno de mato, sobreiros, cultura arvense, azinho, olival e dependência agrícola, parte urbana, composta de casa de habitação de rés-do-chão, descrita que foi na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, livro B-nove, actualmente na ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, sendo que a parte rústica está inscrita na matriz sob o artigo 2 da secção K e a parte urbana inscrita na matriz sob o artigo n.º …, com o valor patrimonial global e atribuído de 5.680,73 €. TRÊS PRÉDIO MISTO - denominado …, compõe-se na parte rústica de terreno de olival, solo subjacente, cultura arvense, olival, oliveiras, terreno estéril, dependências agrícolas, cultura arvense de regadio, pomar de citrinos, pastagem, cultura arvense, mato e leito de curso de água, parte urbana composta de casa de habitação de rés-do-chão, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, livro B-nove, actualmente na ficha …, com a aquisição registada ainda a favor da autora da herança (D. VV) pela inscrição mil quinhentos e sessenta e três do livro G-dois, inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º 4 secção C 1, e na matriz urbana sob os artigos n.ºs … e …, com valor patrimonial global e atribuído de 702,79 €. QUATRO PRÉDIO URBANO - em …, Tapada de São Pedro, composto de lote de terreno para construção urbana, lote 23, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, do livro B-vinte e dois, actualmente na ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, inscrito na matriz sob o artigo n.º …, com valor patrimonial e atribuído de 4.596,92 €. CINCO PRÉDIO RÚSTICO - denominado …, composto de montados de sobreiros, oliveiras, pinhal, olival e sobreiros, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Sôr sob o número …, livro B-nove, actualmente na ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, inscrito na matriz sob o artigo n.º … secção A, com valor patrimonial e atribuído de 599,95 €. Prédios situados na freguesia de Valongo, concelho de Avis: SEIS PRÉDIO RÚSTICO - denominado …, compõe-se de quatro parcelas cadastrais de hortejo e sobreiros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o …/Valongo, com a aquisição registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, inscrito na matriz sob o artigo n.º … K, com valor patrimonial e atribuído de 48,77 €. SETE PRÉDIO MISTO - denominado HERDADE …, compõe-se de trinta e dois parcelas cadastrais, cultura arvense, sobreiros, oliveiras, azinheiras, horta e solo subjacente de cultura arvense, parte urbana composto de dois fogos, a) casa de habitação, pátio e galinheiro, b) casa de rés-do-chão, destinada a palheiro e arribaria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o …/Valongo, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º 3 da secção B, e urbanos inscritos na matriz sob os artigos n.ºs … e …, com o valor patrimonial global de 33.377,04 €. OITO PRÉDIO RÚSTICO - denominado COURELA …, compõe-se de uma parcela cadastral de azinho, sobreiros, solo subjacente de cultura arvense, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Avis sob o número …, livro B-seis, actualmente na ficha …/Valongo, com a aquisição registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o artigo n.º 2 da secção E-1 com valor patrimonial e atribuído de 277,42 €. NOVE PRÉDIO MISTO - denominado HERDADE …, compõe-se de terras de cultura arvense e de semeadura, horta, com arvoredo de sobro, pinhal e olival, terreno estéril e leito de curso de água, e instalações agrícolas, parte urbana composta de casa de rés-do-chão destinada a habitação, dependência destinada a palheiro, cavalariça, arribana e logradouro, descrita que foi na mesma Conservatória sob o número …, do livro B-seis, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-um, inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º … secção K e na matriz urbana sob o artigo n.º …, com valor patrimonial global e atribuído de 18.599,00 €. DEZ PRÉDIO RÚSTICO - HORTA …, composto de horta, olival, cultura arvense e montado de sobro com dois mil e setenta e cinco metros quadrados, confronta de norte com CCC, DDD, EEE, DDD, FFF, GGG, HHH, III e JJJ, sul acaba em bico, nascente com KKK e de poente com LLL, omisso na Conservatória, inscrito na matriz sob o artigo n.º …, com valor patrimonial e atribuído de 19,48 €. Prédios situados na freguesia da Urra, concelho de Portalegre ONZE Metade indivisa do PRÉDIO MISTO - denominado HERDADE …, freguesia da Urra, concelho de Portalegre, composto de prado natural, olival, solo subjacente, cultura arvense, dependências agrícolas, oliveiras, sobreiral, azinhal, sobreiros, cultura arvense de regadio, laranjeiras e terreno estéril, parte urbana composta de casa de rés-do-chão e sótão corrido tem anexo palheiros, coelheiras, cavalariça e forno de cozer pão, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o …, actualmente ficha …, com a aquisição de metade registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-AP quatro de 2005/02/17, inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º … secção D e na urbana sob o artigo n.º …, com o valor patrimonial correspondente global e atribuído de 6.550,34 €. Prédios situados na freguesia Paio Pires, concelho de Seixal DOZE PRÉDIO URBANO - nos Redondos - CASAL …, composto de terreno para construção urbana, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número …, do livro B-sessenta e cinco, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.º Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-um, omisso à matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €. TREZE PRÉDIO URBANO - nos Redondos - CASAL …, composto de terreno para construção urbana, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o …, do livro B-sessenta e cinco, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-um, omisso à matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €,. Prédios situados na freguesia de Castelo, concelho de Sesimbra CATORZE PRÉDIO URBANO - em Alfarim - …, composto de lote de terreno para construção urbana, designado pelo número um, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-nove, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, omisso na matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €. QUINZE PRÉDIO URBANO - em Alfarim - …, composto de lote de terreno para construção urbana, designado pelo número cinco, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-nove, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, omisso na matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €. DEZASSEIS PRÉDIO URBANO - em Alfarim - …, composto de terreno para construção urbana, designado pelo número seis, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-nove, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, omisso na matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €. DEZASSETE PRÉDIO URBANO - em Alfarim - …, composto de lote de terreno para construção urbana, designado pelo número sete, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-nove, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, pela inscrição G-dois, omisso na matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 400 €. DEZOITO PRÉDIO URBANO - em Alfarim - …, composto de lote de terreno para construção urbana designado pelo número oito, descrito que foi na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o número …, do livro B-nove, actualmente ficha …, com a aquisição registada a favor do 1.° Réu marido CC e do falecido EE, peja inscrição G-dois, omisso na matriz, mas pedida sua inscrição, com valor atribuído de 197,32 €. J) No dia 29 de Janeiro de 2003, no 2.° Cartório Notarial de Leiria, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, lavrada a fls. 31 e 31 v do livro de notas 174-F, com o seguinte teor: "Que no dia treze de Janeiro de dois mil e três, na freguesia e concelho de Cascais, faleceu XX, viúvo (...), Que o falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe ficado a suceder como únicos herdeiros legítimos, seus filhos: I - CC (…); II - EE Que não há quem lhes prefira ou com eles concorra à sucessão". K) Em 25 de Fevereiro de 2005, EE outorgou testamento público, no Cartório Notarial de Nisa, a fls. 30 a 31 do Livro de notas para testamentos públicos n.º 31, com o seguinte teor: "Que não tendo herdeiros legitimários, faz este seu testamento nos seguintes termos: Lega a GG, solteira maior, consigo residente, o usufruto de todos os seus bens imóveis urbanos e a pela propriedade de todos os recheios existentes nos mesmos; Lega ainda àquela GG o usufruto de todas as suas espingardas e carabinas e, bem assim, o usufruto de todas as suas acções, dinheiro e quaisquer documentos de crédito; Lega o usufruto de todos os seus bens imóveis rústicos, com todas as construções nos mesmos existentes, pela seguinte forma: Um terço à referida GG; Um terço a seu único irmão; Um terço, em partes iguais, pelo prazo de vinte e sete anos, a contar da abertura da sucessão, a seus primos, filhos do seu falecido tio MMM e, bem assim, aos filhos do seu pré-falecido primo NNN, sendo que estes, em conjunto, herdarão uma parte igual à que receberá cada um dos outros primos. Que a parte do usufruto que caberia a cada um dos seus referidos primos reverterá para os seus respectivos descendentes na proporção que caberia ao seu progenitor, no caso daqueles seus primos lhe não sobreviverem. Institui herdeira do remanescente da sua herança uma obra de Assistência a pessoas idosas residentes na freguesia de Galveias, concelho de Ponte Sôr, a criar após o seu falecimento sob a forma jurídica que mais convenha ao exercício da sua actividade, a qual terá como administrador vitalício o Arcebispo de Évora, que à data do seu falecimento se encontrar nomeado como tal (...) Nomeia testamenteiro o Arcebispo de Évora, que à data do seu falecimento for titular na Diocese, ficando o mesmo encarregue de vigiar o cumprimento deste seu testamento". L) No dia 21 de Julho de 2006, no Cartório Notarial de OOO, em Lisboa, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, lavrada a fls. 58 a 60 do livro de notas 92, com o seguinte teor: "Que no dia dezassete de Outubro de dois mil e cinco, na freguesia de Benfica e concelho de Lisboa, faleceu EE, no estado solteiro, maior (...). Que o falecido não deixou ascendentes nem descendentes vivos, e deixou testamento outorgado no Cartório Notarial de Nisa aos vinte e cinco de Fevereiro de dois mil e cinco, lavrado a folhas 30 do livro de testamentos Trinta e um, no qual: Deixou vários legados a: I. GG (...) II. CC (...) III. Aos seus primos, filhos do seu falecido tio MMM, a saber: a) HH (...), casado no regime de separação de bens com II (...); b) JJ (…), casado no regime da comunhão de adquiridos com KK (…); c) LL (...), casado no regime de separação de bens com MM (...); d) NN (…), casado no regime da comunhão de adquiridos com OO (...); e) PP (...), solteira, maior (...); f) QQ (…), divorciada (…); e g) RR (...), solteiro, maior (…). IV. Aos seus primos, filhos do seu pré falecido primo NNN a saber: a) SS (...), solteiro, maior (…); b) TT (...), solteira, maior (...); e c) UU (...), solteira, maior (…). V. Que institui herdeira do remanescente da herança: Uma Obra de Assistência a pessoas idosas residentes na freguesia de Galveias, concelho de Ponte Sôr, a criar após o seu falecimento sob a forma jurídica que mais convenha ao exercício da sua actividade, a qual terá como administrador vitalício o Arcebispo de Évora, que à data do seu falecimento se encontrar nomeado como tal (…) VI. Que nomeou testamenteiro o arcebispo de Évora, que à data do seu falecimento for titular na Diocese, ficando o mesmo encarregue de vigiar o cumprimento deste seu testamento. Que não há outras pessoas que, segundo a lei, que prefiram à indicada herdeira ou que, com ela possam concorrer na sucessão à herança o mencionado falecido". M) Após o falecimento de VV, CC e EE dividiram, entre si e de comum acordo, alguns móveis, pratas e jóias (libras de ouro) que se encontravam na residência daquela e que eram pertença da mesma, o que fizeram com o conhecimento e a concordância de XX. N) Após o falecimento de XX, os seus filhos, CC e EE não procederam a qualquer partilha dos bens daquele, já que o mesmo, em vida, lhes havia doado todos os seus bens. O) Em 3 de Novembro de 2005, a autora AA dirigiu-se à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa onde solicitou informação sobre se VV deixou ou não testamento, o que foi confirmado positivamente por despacho de 04/11/2005 e por certidão emitida em 07/11/2005 foi atestado que aquela (VV) outorgou dois testamentos públicos lavrados, respectivamente, a 1 de Setembro de 1959, no Cartório Notarial de Espinho e a 16 de Julho de 1979, no Cartório Notarial de Alter do Chão. P) No dia 4 de Novembro de 2005, o autor BB dirigiu-se ao Cartório Notarial de Alter do Chão e levantou uma cópia do testamento referido na alínea D) dos factos assentes. Q) Em 4 de Novembro de 2005, os autores tomaram conhecimento do teor integral do testamento mencionado na alínea D) dos factos assentes, sendo que, em data não concretamente apurada, mas cerca de quinze dias após o falecimento de EE, os autores, através do seu pai, CC tiveram conhecimento de uma cópia de uma página (1.ª) de tal testamento. R) Nas ocasiões referidas nas alíneas E), F), G), H), I), J) e K) dos factos assentes, respectivamente, CC, EE e XX, não tinham conhecimento do testamento referenciado na alínea D) dos factos assentes. S) VV deu, em vida, algumas jóias de sua pertença à aqui autora AA. T) CC e EE, em 11 de Dezembro de 2002, no 2.º Cartório Notarial de Leiria, outorgaram ambos, por si e ainda na qualidade de procuradores de seu pai, XX, com dispensa de colação e com reserva de usufruto, o seu representado doa a eles mesmos o bem descrito na certidão da escritura pública, junta a fls. 1352 a 1354 e cujo restante teor aqui se dá por reproduzido e para todos os efeitos legais (conf. art. 659, n.º 3, do Código de Processo Civil e documento de fls. 1352 a 1354); U) No dia 1 de Setembro de 1959, VV lavrou testamento que se encontra junto a fls 44 V. a 47 V, do livro n.º 58-T de testamentos públicos e de escrituras de revogação e cuja certidão está junta aos autos a fls. 1373 a 1377, sendo que, dá-se aqui por reproduzido todo o seu teor e para todos os legais efeitos (conf. art. 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e documento de 7). De direito: Não se suscitando a apreciação de matéria de conhecimento oficioso, são duas as questões essenciais a decidir no presente recurso, em face da síntese conclusiva apresentada pelos réus, recorrentes, a saber: - se o instrumento de procuração de 03-04-2002 tornou ineficaz o testamento de 16-07-1979, mediante revogação tácita e/ou caducidade; - em caso negativo, isto é, concluindo-se pela eficácia do testamento, se esta circunstância tem ou não repercussão jurídica, e em que termos, na validade do acto de escritura de habilitação de herdeiros de 11-10-2002, bem como no subsequente acto de partilha praticado, em que se traduz a escritura de partilha de bens imóveis de 11-12-2002. 1. Invocando a omissão da existência da disposição testamentária decorrente do testamento de 16-07-1979, peticionaram os autores que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de habilitação de herdeiros de 11-10-2002, bem como das subsequentes partilhas de bens imóveis e móveis, nomeadamente a escritura de partilha de 11-12-2002. Contrariando esta posição, os réus defenderam, em síntese, a caducidade/revogação tácita do dito testamento, mediante a outorga de uma procuração, em 03-04-2002, por VV, através da qual constituiu os seus filhos, seus mandatários, com poderes para doarem a si próprios os bens imóveis nela descritos, nela exarando a sua última vontade. A 1.ª instância, seguindo de perto o entendimento perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2010 (in www.dgsi.pt), considerou que a procuração outorgada em 03-04-2002 revogou ou operou a caducidade do testamento de 16-07-1979, expressando a última vontade de VV (atribuir a integralidade do património aos filhos, seus procuradores, por intermédio de doação, com inclusão da quota disponível), e consubstancia um mandato, com efeitos post mortem, conferido aos filhos, que cumpriram a vontade da mãe procedendo à partilha de bens, mediante escritura de 11-12-2002. O Tribunal da Relação de Évora declarou nulas as escrituras de habilitação de herdeiros de 11-10-2002 e de partilha de 11-12-2002, considerando, por um lado, que VV deixou, por via do testamento de 16-07-1979, a quota disponível da sua herança aos autores, e que, por outro lado, a procuração que outorgou em 03-04-2002 apenas poderia servir para sustentar a celebração de doações dos bens certos e determinados que eram nela discriminados, sendo que existiam outros bens, móveis, para além daqueles, não tendo esta a virtualidade de fazer caducar ou de revogar, o referido testamento, o qual instituiu herdeiros, não legatários, que deveriam ter sido incluídos na escritura de habilitação de 11-10-2002, bem como na consequente partilha. Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam (artigo 2024.º do Código Civil, sendo a este Código que respeitam todas as disposições doravante referidas sem qualquer menção). Juridicamente dá-se sucessão ou transmissão quando uma pessoa fica investida num direito ou numa obrigação ou num conjunto de direitos e obrigações que antes pertenciam a outra pessoa, sendo os direitos e obrigações do novo sujeito considerados os mesmos do sujeito anterior e tratados como tais[1]. Na sucessão mortis causa, o facto que a determina é a morte do sujeito, seguindo-se a sucessão universal ou singular, consoante o património passe de um sujeito para o outro (ou para outros, se forem vários os sucessores universais, cabendo a cada um uma quota como parte abstracta da universitas) na sua configuração complexiva e unitária, abrangendo direitos e obrigações, o que acontece no primeiro caso (a herança); ou a mesma respeite, não ao património como unidade, mas a elementos positivos ou negativos que dele são destacados, por exemplo, o legado de uma casa ou a assunção de dívida, tomando alguém sobre si um débito alheio, com autorização do credor, o que se dá no segundo caso (o legado) (artigo 2030.º). Aberta a sucessão – no momento da morte do seu autor, no caso, de VV, em 17-06-2002 –, chamam-se à titularidade das relações jurídicas do falecido, aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis (artigo 2032.º, n.º 1), com vocação sucessória deferida por lei, testamento ou contrato (artigo 2026.º). São dois os títulos ou fontes da vocação sucessória: a lei e a vontade. Por vontade, entende-se a do de cuius. A designação dos beneficiários da devolução ou é feita pelo legislador (sucessão legal) ou pelo próprio auctor successionis no exercício da autonomia que o primeiro lhe reconhece (sucessão voluntária). A sucessão voluntária – que entronca num acto do de cuius, o acto mortis causa – compreende duas variantes: a testamentária e a contratual. Na sucessão voluntária, seja o título um testamento ou uma doação post mortem, o de cuius, para além da instituição dos sucessíveis, pode fazer especificações várias, nomeadamente sobre a medida em que sucedem ou os objectos em que sucedem. O acto mortis causa pode ser unilateral ou bilateral. O testamento é unilateral, fruto exclusivo da vontade do de cuius. A doação por morte (como a doação em vida), contrato ou pacto sucessório é bilateral: é um acordo, um encontro de vontades, em que intervêm como partes de um lado o de cuius e de outro o instituído, em que o primeiro institui e o segundo aceita. O testamento mantém-se na inteira disponibilidade do testador, que pode revogá-lo até ao último instante de vida, sem necessidade de assentimento dos instituídos (artigo 2179.º); no contrato sucessório, a revogação é necessariamente bilateral. Havendo lugar à sucessão legitimária, como esta se refere só a uma quota do património hereditário, com ela podem coexistir alguma, algumas ou porventura todas as outras espécies de sucessão. Revertendo estas considerações a propósito das modalidades de sucessão ao caso de que nos ocupamos, temos o seguinte: - VV faleceu no dia 17-06-2002. - Deixou o cônjuge sobrevivo e dois filhos. - Era proprietária de bens imóveis e de bens móveis. - Lavrou testamento em 16-07-1979, por meio do qual, para o que ora releva, constituiu únicos e universais herdeiros da sua quota disponível a sua neta AA, bem como netos nascituros, em comum e partes iguais. - Em vida, no dia 03-04-2002, outorgou procuração, por meio da qual, nomeou seus procuradores os filhos, a quem conferiu os poderes necessários para, além do mais, doar a eles mandatários, seus filhos, quinze imóveis, ali discriminados, devendo as doações ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor dela doadora e do seu referido marido; que os mandatários poderão fazer negócio consigo mesmo e que a procuração não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante. - Na mesma data, outorgou procuração conjunta com o marido, nos mesmos termos, porém, reportada a um outro bem imóvel, compropriedade de ambos, ali melhor descrito. Neste quadro factual simples, propositadamente alheado dos actos praticados post mortem e das possibilidades de interpretação da “última vontade” da falecida, evidenciam-se, tout court, duas modalidades de sucessão: a sucessão legal legitimária (dada a existência de sucessíveis legitimários - o cônjuge sobrevivo e os dois descendentes-) e a sucessão voluntária testamentária (dada a existência do testamento, que instituiu herdeiros da quota disponível). Depreende-se do exposto que a relevância da dita procuração de 03-04-2002 no fenómeno sucessório, a existir, não o será enquanto acto autónomo de manifestação de vontade fundamentador, de per si, de modalidade de sucessão, a sucessão contratual, antes deve ser encontrada no seio desta, mais concretamente na vida extrínseca do testamento de 16-07-1979, colocando-se a questão de saber (a primeira) se o referido instrumento tornou ineficaz este testamento, porque o revogou tacitamente ou porque o fez caducar. Antes, porém, importa distinguir, ainda que sinteticamente, as modalidades sucessórias segundo o objecto da sucessão, distinção que, no caso, reveste a maior relevância se tivermos em consideração que, por testamento, a falecida VV instituiu a autora, sua neta, e os netos nascituros herdeiros da sua quota disponível e por procuração nomeou mandatários os seus filhos, para, em seu nome, além do mais, lhes doar quinze bens imóveis, ali melhor descritos, em comum e partes iguais, com dispensa de colação e com reserva de usufruto para si e para o seu marido. Referimo-nos à distinção entre herança e legado (artigo 2030.º): o primeiro caso, reporta-se a um conjunto de bens indeterminados deixados por morte de certa pessoa, o conjunto patrimonial; o segundo, a bem (ns) ou valor (es) determinado (s) – que não significa o mesmo que bem especificado, designado ou individualizado –, com exclusão dos demais bens ou valores da herança. As duas classificações entrecruzam-se: encontram-se herdeiros e legatários em qualquer das modalidades sucessórias definidas segundo o critério da fonte da vocação. O herdeiro é o que sucede no universum ius ou per universitatem. É o sucessor universal, pois sucede no património considerado unitariamente, visto por um prisma universal. O legatário também sucede no património, mas não na sua orgânica fisionomia de universum ius, sucede em elementos singulares. Havendo dois ou mais herdeiros, surge a ideia da quota, a quota do conjunto abstracto que é o património como universitas. A cada herdeiro toca uma parte desse conjunto, uma quota, que exprime uma relação numérica com o conjunto, é uma sua fracção aritmética. Se os herdeiros são chamados por lei, a determinação das quotas faz-se em princípio individualmente e em partes iguais, com excepções, em que a divisão é desigual. Se os herdeiros são chamados por testamento, cada um tem a quota designada pelo testador. Na falta de designação, sucedem todos em partes iguais. Na hipótese de concorrência entre herdeiros legais e herdeiros testamentários observar-se-ão separadamente para cada uma das categorias os princípios expostos. Se da universalidade são excluídos bens determinados, ocorre a outra modalidade de sucessão, o legado. Os herdeiros continuam a suceder na universalidade, ainda que não sucedam em todos os bens por alguns terem sido desviados para legatários. O legatário é, assim, um sucessor particular ou singular, que sucede em bens determinados. Uma das formas de se relacionar com a herança, acontece quando o legado constitui uma forma de preenchimento parcial ou total da quota hereditária (legado por conta da quota) ou quando é atribuído em substituição da quota (legítima). A instituição de sucessor – herdeiro ou legatário – por via de disposição testamentária implica uma tarefa de interpretação e outra de qualificação, em que importa descobrir, em primeiro lugar, a voluntas testatoris, segundo os critérios legais de hermenêutica testamentária (cfr. artigo 2187.º). No caso vertente, conhecida a disposição testamentária – Que constitui únicos e universais herdeiros da sua quota disponível a sua neta AA filha do seu filho CC bem como a netos nascituros, em comum e partes iguais. E que assim termina esta sua disposição de última vontade, sendo o primeiro testamento que faz" –, a sua qualificação jurídica afigura-se inequívoca (e não discutida, de resto): a falecida VV por via do testamento de 16-07-1979 instituiu como únicos e universais herdeiros da sua quota disponível a sua neta e os netos nascituros, em comum e partes iguais. Não se trata de legado, mas sim de parte da herança, da quota de que podia dispor. Concorreriam estes herdeiros testamentários, à herança, na parte disponível, com os herdeiros legitimários, o cônjuge sobrevivo e os filhos. Na definição legal, testamento o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles (artigo 2179.º, n.º 1). São, pois, quatro as características essenciais do negócio jurídico testamentário: unilateralidade, revogabilidade, acto de disposição para depois da morte (produz efeitos após a morte do testador – é um negócio mortis causa), acto de disposição de bens [2]. O testamento surge como expressão da autonomia privada, no domínio sucessório, permitindo-se à vontade do testador operar dentro dos limites da lei, incluindo a revogação a todo o tempo, procedendo a nova disposição dos seus bens (artigos. 2179.º e 2311.º). A revogação do testamento, que é irrenunciável, pode ser expressa ou tácita. A revogação expressa do testamento só pode fazer-se declarando o testador, noutro testamento ou em escritura pública, que revoga no todo ou em parte o testamento anterior (artigo 2312.º). A revogação tácita resulta do aparecimento de um testamento posterior contendo disposições incompatíveis ou contraditórias com o testamento anterior. Assim: o testamento posterior que não revogue expressamente o anterior revogá-lo-á apenas na parte em que for com ele incompatível (artigos 2313.º, n.º 1). Retrata-se neste preceito um conceito correspondente ao utilizado no artigo 7.º, n.º 2, para a revogação tácita da lei[3], mas na esfera das disposições de última vontade, quando se alude à incompatibilidade substancial entre o testamento posterior e o testamento anterior – e em que o verdadeiro fio condutor da revogação é a relação lógica das duas declarações[4]. Exigindo uma e outra forma de revogação - quer a expressa, quer a tácita - a existência de disposição testamentária posterior, temos como certo que, não tendo sido esse o caso dos autos, isto é, não havendo notícia de que a falecida VV tivesse lavrado testamento ou disposição testamentária posterior ao testamento de 16-07-1979, inexiste razão jurídica que permita concluir pela sua revogação. Falta, desde logo, o instrumento formal. E se este não fosse exigido, como é, e se relevasse, para este efeito, a procuração emitida em 03-04-2002, faltaria também a incompatibilidade substancial de vontades, requisito fundamental da revogação. Em primeiro lugar, a testadora deixou a quota disponível da sua herança a uma neta e netos nascituros. Isto é, quis contemplar os seus netos, que nunca poderiam ser seus herdeiros legítimos ou legitimários, com a parte de que podia dispor da sua herança. Em segundo lugar, a procuração de 03-04-2002 (que veremos infra com maior detalhe) tem como “beneficiários” dois dos seus herdeiros legitimários, os filhos, e tem por objecto bens imóveis (prédios rústicos, urbanos e mistos), isto é, bens determinados que fazem parte integrante da sua herança, são seus elementos, mas não a esgotam. Na realidade, para além dos quinze imóveis que ali se descrevem (a que acresce o décimo sexto da procuração conjunta emitida na mesma data), a herança integrava bens móveis (jóias e recheio da casa) e ainda outros dois bens imóveis (os prédios Quatro e Dez, descritos na alínea I), incluídos no documento complementar que integra a escritura de partilhas de dezoito imóveis). Portanto, não é caso para dizer que VV quis elencar na procuração de 03-04-2002 todos os bens que integrariam o seu acervo hereditário, esgotando-o, o que, no inverso, poderia conduzir à ideia de esvaziamento total da quota disponível deixada em testamento. Não é essa, manifestamente, a situação dos autos. Em terceiro lugar, na dita procuração não é feita qualquer referência à herança, à totalidade ou à parte desta, tudo levando a crer – embora também nada tenha sido escrito neste sentido – que a falecida pretendia preencher o quinhão hereditário dos filhos com os descritos bens imóveis, numa espécie de “legado por conta da quota”. Mas esta asserção e ainda que se pudesse concluir neste sentido, que não se pode, não anula a instituição dos netos como seus herdeiros, por via da disposição testamentária, por não espelhar uma qualquer incompatibilidade substancial nos ditos instrumentos, concorrendo os herdeiros testamentários com os herdeiros legitimários à herança de VV. Concluindo, o testamento de 16-07-1979 não foi revogado. Sustentam ainda os réus que, não sendo esse o caso, a dita procuração fez operar a caducidade do testamento. A caducidade do testamento consiste na perda de eficácia da disposição testamentária, por virtude de uma circunstância objectiva posterior, que de algum modo impede a sucessão. A enumeração dos casos de caducidade constante do artigo 2317.º reveste carácter exemplificativo ao estabelecer que: «As disposições testamentárias, quer se trate da instituição de herdeiro, quer da nomeação de legatário, caducam, além de outros casos: a) Se o instituído ou nomeado falecer antes do testador, salvo havendo representação sucessória; b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor falecer antes de a condição se verificar; c) Se o instituído ou nomeado se tonar incapaz de adquirir a herança ou o legado; d) Se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte deste se encontravam divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido declarado nulo ou anulado, por sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado, ou se vier a ser proferida, posteriormente àquela data, sentença de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento; e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação sucessória.» Não sendo a situação dos autos – como se reconhece – subsumível a nenhuma das causas de caducidade elencadas, nem tão pouco tendo a testadora sujeitado a disposição testamentária a condição suspensiva ou resolutiva (o que poderia ter feito ao abrigo do disposto no artigo 2229.º), considerar-se como causa de caducidade do testamento de 16-07-1979 a outorga da procuração de 03-04-2002 implica que se veja nesta uma circunstância objectiva posterior que retire eficácia àquele e seja obstativa da sucessão. A inaplicabilidade, no caso, das razões que subjazem à categorização de causas de caducidade à procuração de 03-04-2002 e a inviabilidade de estabelecer paralelo com qualquer uma dessas causas ou, até mesmo, com as situações em que, ao momento da feitura do testamento, o testador desconhece a existência de outros filhos retira qualquer hipótese de, positivamente, considerar que o testamento caducou. Assim, também nesta parte, a resposta é negativa. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente poderes representativos (artigo 262.º). Procuração é o negócio jurídico unilateral[5], por meio do qual alguém - o dominus - atribui a outrem - o procurador - poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua, assim, na prática desses actos ou negócios [6]. O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último (artigo 258.º), sendo anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses (artigo 261.º, n.º 1). A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito da revogação (artigo 265.º, n.º 2). Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador - procuração in rem suam, caso em que os poderes representativos são conferidos no interesse do próprio procurador - ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (artigo 265.º, n.º 3).[7] Não há coincidência entre as noções de representação e de mandato: a representação, como dito, traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos; o mandato é contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157.º). Pode haver mandato sem representação, quando o mandatário não recebeu poderes para agir em nome do mandante, age por conta do mandante, mas em nome próprio (artigo 1180.º); pode haver representação sem mandato, na hipótese de representação legal, mas também de representação voluntária resultante de um acto, a procuração, que pode existir autonomamente, enquanto negócio jurídico unilateral, ou coexistir com um contrato que, normalmente, será o mandato, mas, pode ser outro[8]. E ainda pode haver mandato com representação, enquanto negócio misto de procuração e mandato. Em princípio, a procuração encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de um modo independente[9]. Funciona em conjunto com uma relação jurídica que lhe está subjacente, sendo que se esta não existir, a procuração pouco ou nenhum efeito prático terá[10]. Assim, com a outorga da procuração, o dominus pretende conferir ao procurador poderes para a prática de um acto ou a celebração de um negócio em sua representação. Conferida a procuração também no interesse do procurador (cf. art. 265.º, n.º 3, do CC), para ser objecto de tutela autónoma, deve ter este um interesse próprio, objectivo, específico, directo (como parte do negócio) na conclusão ou na execução do negócio que constitui a relação subjacente. Verificado este interesse comum do dominus e do procurador, a procuração é irrevogável, a não ser que ambos concordem na sua revogação. Nos mesmos termos, é irrevogável a procuração conferida no interesse exclusivo do procurador (embora a lei não preveja expressamente o seu regime jurídico, retira-se da regra do argumento de interpretação “ad minori ad maius”), admissível enquanto negócio jurídico unilateral que não contém uma promessa de prestação, depende apenas da regra geral da autonomia privada e não está limitada pelo art. 457.º. Esta, pese embora falte o interesse do dominus, não implica uma transmissão da sua posição jurídica. Ao procurador são-lhe efectivamente outorgados poderes para representar o dominus. Quando o procurador age com base numa procuração no seu exclusivo interesse, actua em nome do dominus e sobre a sua esfera jurídica, não agindo em nome próprio nem no âmbito da sua própria esfera jurídica. Se foi uma procuração que se quis outorgar, não foi um negócio transmissivo da titularidade da posição jurídica.[11] Não sendo a morte do dominus, necessariamente, uma causa de extinção da procuração (são causas de extinção a revogação, a resolução por justa causa e a caducidade por cessação da relação subjacente), na procuração irrevogável típica, os seus efeitos produzem-se durante a vida e após a morte (post mortem) do dominus, distinguindo-se da procuração post mortem, cujos efeitos típicos apenas se produzem após a morte. Expostas estas considerações e revertendo ao caso dos autos, temos uma procuração outorgada por VV no dia 3 de Abril de 2002, nos termos da qual nomeou “seus procuradores EE (...) e/ou CC (...) a quem confere os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos os seguintes imóveis: (…) E ainda fez constar: “Que as doações deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor dela doadora e do seu referido marido; Mais lhe conferem os poderes necessários para outorgar e assinar as competentes escrituras; e ainda assim para proceder a quaisquer partilhas judiciais ou extrajudiciais, pagar ou receber tornas, dar ou aceitar quitações; proceder a quaisquer actos de registo predial; para junto de quaisquer Repartições de Finanças apresentar quaisquer reclamações e inscrições matriciais, requerer quaisquer certidões; para em quaisquer Câmaras, EDP e suas associadas, serviços municipalizados de águas ou sociedades suas concessionárias, apresentar quaisquer projectos, requerer quaisquer certidões, licenças ou alvarás, outorgar quaisquer acordos e contratos e, de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo o que se torne necessário aos indicados fins. Os mandatários poderão fazer negócio consigo mesmo nos termos do art. 261.º do Código Civil. Esta procuração não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante, nos temos dos art. 265.º, 1170.º a 1175.º do Código Civil". Outorgou ainda uma outra, na mesma data, conjunta com o marido, nos termos da qual nomearam “seus procuradores EE (...) e/ou CC (...) a quem confere os poderes necessários para doar a eles mandatários, seus filhos, o prédio rústico sito na freguesia de Urra, concelho de Portalegre, inscrito na matriz sob o artigo n.º …, secção D, descrito sob o número …, do Livro B-UM, da Conservatória do Registo Predial de Portalegre” Referindo ainda “Que as doações deverão ser feitas em comum e partes iguais aos donatários, com dispensa de colação, com reserva de usufruto a favor deles doadores; Mais lhe conferem os poderes necessários para outorgar e assinar as competentes escrituras; proceder a quaisquer actos de registo predial e/ou comercial; para junto de quaisquer Repartições de Finanças apresentar quaisquer reclamações e inscrições matriciais, requerer quaisquer certidões; para em quaisquer Câmaras, EDP e suas associadas, serviços municipalizados de águas ou sociedades suas concessionárias, apresentar quaisquer projectos, requerer quaisquer certidões, licenças ou alvarás, outorgar quaisquer acordos e contratos e, de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo o que se tome necessário aos indicados fins. Os mandatários poderão fazer negócio consigo mesmo nos termos do art. 261.º do Código Civil. Esta procuração não caduca por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, nos termos dos art. 265.º, 1170.º a 1175.º do Código Civil". Na linha do acima exposto, sendo este um instrumento de procuração, temos como certo que nele, enquanto negócio jurídico unilateral que é, se conferem apenas e tão só poderes de representação para a prática de actos (doações, partilhas judiciais ou extrajudiciais) que deveriam ter por objecto os imóveis nele descritos, sem que se possa afirmar, na falta de bilateralidade (não há aceitação do procurador/mandatário), a existência de um contrato de mandato ou de uma doação ou doação por morte (arts. 940.º, n.º 1, e 946.º, n.º 2), ou de uma qualquer forma de transmissão da posição jurídica do dominus. Conferida no interesse deste e dos procuradores, senão mesmo no interesse exclusivo dos segundos, a procuração é irrevogável e, em função do que nela consta (de que não caduca com a morte do dominus), susceptível de produzir os seus efeitos em vida e post mortem da falecida VV. O que não significa que se anteveja, no caso concreto, como possível a sua utilização após o óbito da VV por não ter subjacente qualquer relação contratual – falta de relação basilar -, nomeadamente um contrato de mandato (artigo 1157º do Código Civil), divergindo, por isso, da situação particularizada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-07-2010, proferido no Processo nº 67/1999.E1.S1 (acessível em www.dgsi.pt/jstj), invocado pelos réus em abono da sua tese. Em suma, o(s) instrumento(s) de procuração de 03-04-2002 seja do ponto de vista formal (não é um testamento, nem contém disposição testamentária que deva produzir efeitos após a morte da “doadora”), seja na perspectiva substancial (não traduz uma qualquer incompatibilidade na expressão da “última vontade da testadora”, nem configura uma circunstância objectiva externa à disposição testamentária) não fundamenta razões de revogação tácita ou de caducidade do testamento de 16-07-1979 que, assim, permanece apto a produzir os seus plenos efeitos, após a morte de VV. Aquele instrumento de procuração não atingiu, porém, a sua finalidade essencial. Com efeito, os procuradores não exerceram o direito potestativo que a procuração lhes conferia, posto que não outorgaram a escritura pública de doação visada com a procuração em causa. Não se operou, assim, a transmissão do direito de propriedade dos bens imóveis naquela mencionados para os filhos da falecida VV – o réu CC e o falecido EE -. Sem a verificação desse efeito essencial do contrato de doação (artigo 954º al. a) do Código Civil) os bens imóveis em questão mantiveram-se na esfera jurídica da referida VV, sua proprietária, até à data da sua morte, integrando o acervo de bens que constituía a sua herança, cuja partilha devia ser realizada com respeito pelo testamento que outorgara em 16-07-1979 em benefício dos autores, seus netos. Esta conclusão conduz-nos à análise da segunda questão a decidir supra enunciada. 2. Coloca-se, neste momento, a questão de saber se são válidas e em que termos as escrituras de habilitação de herdeiros e de partilha de bens imóveis omissas relativamente a uma disposição testamentária de instituição de herdeiro de quota disponível, plenamente válida e eficaz. Os autores, neste tocante, consideram que tais actos padecem do vício de nulidade ou anulabilidade, o que pretendem ver declarado. Diversamente defenderam os réus a respectiva validade, no essencial, da escritura de partilha, com fundamento no entendimento segundo o qual tal acto configura um negócio de execução do mandato em que se consubstancia a procuração de 03-04-2002, por conversão, quer por estarem presentes os respectivos requisitos essenciais de substância e de forma, quer por imperativo de boa fé, sendo sempre de supor que as partes que nela outorgaram, atento o fim que prosseguiram, assim o teriam querido se tivessem previsto a nulidade (artigo 293.º). O Tribunal da Relação de Évora declarou nulos os dois actos, com fundamento no disposto nos artigos 280.º e 295.º. A habilitação notarial consiste na declaração, feita em escritura pública, por três pessoas que o notário considere dignas de crédito, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles (art. 83.º do Código do Notariado). Nas palavras de Borges de Araújo[12], «Contém assim a habilitação de herdeiros duas indicações fundamentais: uma de ordem positiva, que se traduz na menção de quem são os herdeiros, e a outra meramente negativa, consistente na afirmação de que não há quem lhes prefira ou com eles concorra à sucessão. Efectivamente, não bastaria saber-se que determinada pessoa, ou pessoas, é herdeiro do falecido; é essencial apurar-se que mais ninguém tem essa qualidade». Deve ser instruída com certidão narrativa de óbito do autor da herança, certidões do registo civil justificativas da sucessão legítima ou legitimária, quando nestas se fundamente a qualidade de herdeiro de algum dos habilitandos, ou documento equivalente quando deva ser emitido no estrangeiro; e certidão de teor do testamento ou da escritura de doação por morte, mesmo que a sucessão não se funde em algum desses actos (artigo 85.º, n.º 1, do referido Código) e pode ser impugnada pelo herdeiro preterido (artigo 87.º do mesmo Código). A partilha da herança pode fazer-se extrajudicialmente (por escritura pública, se tiver por objecto bens imóveis)[13], quando houver acordo de todos os interessados, ou por inventário judicial nos termos prescritos na lei de processo (artigo 2102.º). Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos (artigo 2119.º). A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos (artigo 2121.º) e a partilha judicial, confirmada por sentença passada em julgado, pode ser emendada ou anulada (neste caso, quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé). Assentando no princípio da tipicidade das causas geradoras de invalidade do acto notarial – de onde decorre que esta só se verifica quando a lei expressamente a determine –, regula o Código do Notariado, nos seus artigos 84.º e 85.º, os casos de nulidade por vício de forma (no primeiro) e os outros casos de nulidade (no segundo, respeitantes aos intervenientes no acto). Não se subsumindo a situação dos autos a nenhum dos apontados vícios – ambas as escrituras públicas estão perfectibilizadas do ponto de vista formal –, a questão que se coloca é a de saber se, preterido um herdeiro testamentário, a habilitação de herdeiros e a partilha de bens, naquelas tituladas, padecem de algum desvalor e, em caso afirmativo, qual é este desvalor e quais as suas consequências. A um e a outro acto são aplicáveis as normas de impugnação dos contratos (para a habilitação de herdeiros, temos, grosso modo, o artigo 295.º do CC; para a partilha extrajudicial, o artigo 2121.º do mesmo Código): padeceriam de nulidade, porque celebrados contra disposição legal de carácter imperativo (art. 294.º do CC); ou de anulabilidade, nomeadamente, emergente dos vícios na formação da vontade (erro quanto ao objecto, erro quanto à pessoa do declaratário, erro quanto à base do negócio e erro sobre os motivos – arts. 251.º e 252 do CC). Importa aquilatar, pois, em primeiro lugar, se na formação ou génese do negócio jurídico falta algum dos seus pressupostos, requisitos ou elementos da sua estrutura ou do seu conteúdo ou se, em relação a qualquer deles, se identifica algum vício que o torne desconforme com o modelo legal, caso em que ocorre a invalidade. Diversamente, se estamos perante factos desligados e supervenientes ao momento da génese, temos a ineficácia stricto sensu. O negócio é, em si mesmo, válido, mas ineficaz quando se verifica qualquer circunstância obstativa da produção dos efeitos jurídicos.[14] Se a ineficácia vale indistintamente entre as partes e mesmo em relação a terceiros, é absoluta; quando só respeita a certas pessoas, entende-se como relativa. Ainda a propósito da ineficácia stricto sensu, pode diferenciar-se nesta a inoponibilidade (definida, genericamente, “como a situação de irrelevância de qualquer fenómeno jurídico perante certas pessoas”) e a impugnabilidade (fundamentada “no prejuízo que do acto pode resultar para interesses legítimos do seu autor ou de um terceiro”). [15] No que ora releva, resultou provado nos autos apenas que, à data da outorga das escrituras de habilitação de herdeiros e de partilhas, o testamento de 16-07-1979 era desconhecido (facto R)), vindo ao conhecimento dos autores apenas no ano de 2005 (facto Q). Apesar de não se evidenciar qualquer vício de génese ou de formação dos ditos actos, que não foi, aliás, invocado por qualquer das partes, não são os mesmos aptos a produzir os seus efeitos em relação aos autores, herdeiros preteridos. Tais actos são-lhe inoponíveis e são por estes impugnáveis, - conforme sucedido na presente acção -, só sendo sanáveis mediante a prática de novos e idênticos actos de habilitação de herdeiros e de partilha dos bens, que contemplem, desta feita, todos os herdeiros, incluindo os autores (veja-se, neste sentido, Borges de Araújo, loc. cit., pág. 319). A ineficácia stricto sensu, no caso, é total, projecta-se sobre todos os efeitos dos actos praticados, uma vez que, como se referiu já, não se concretizou a doação dos imóveis, negócio jurídico que a procuração visava, sendo também absoluta por se produzir em relação aos autores e aos intervenientes nas escrituras públicas de habilitação de herdeiros e de partilhas. Partindo do entendimento de que a procuração revogou tacitamente o testamento ou fez operar a sua caducidade, tese que já afastámos, sustentam os réus a validade, no essencial, da escritura de partilha, defendendo que tal acto configura um negócio de execução do mandato em que se consubstancia a procuração de 03-04-2002, por conversão, quer por estarem presentes os respectivos requisitos essenciais de substância e de forma, quer por imperativo de boa fé, sendo sempre de supor que as partes que nela outorgaram, atento o fim que prosseguiram, assim o teriam querido se tivessem previsto a nulidade (artigo 293.º). Pretendem, assim, os réus a conversão do negócio principal (partilha) no negócio sucedâneo (doação). A figura jurídica da conversão, decorrente do princípio do favor negotii, visa o aproveitamento, possível, do negócio inválido. Na definição de Carvalho Fernandes[16], a conversão traduz-se numa «re-valoração jurídica do comportamento negocial das partes, mediante a atribuição de uma eficácia sucedânea da que a ele se ajustaria se respeitasse os requisitos de validade e eficácia do negócio que elas intentaram celebrar». Para este autor, que aceita a conversão do negócio ineficaz, torna-se necessário para haver conversão que a realidade fáctica do negócio inválido seja, sob o ponto de vista negocial, juridicamente relevante, e daí que os efeitos sucedâneos sejam ainda efeitos negociais. Sucede que tal questão não foi colocada no âmbito do recurso de apelação, não tendo sido objecto de pronúncia no acórdão recorrido. Trata-se de questão nova, não apreciada pelas instâncias e em relação à qual não foi arguido o vício formal de omissão de pronúncia. A falta de oportuna suscitação dessa questão nas instâncias veda o seu conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que a conversão de negócio jurídico não constitui matéria de conhecimento oficioso, conforme se decidiu já, entre outros, nos Acórdão deste Supremo Tribunal de 23-10-2001, Revista nº 2707/01, de 25-11-2003, este publicado em CJSTJ 2003, 3º, p. 161, de 27-01-2010, acessível em www.dgsi.pt/jstj, e de 13-05-2014, Revista nº 5255/11.2TCLRS.L1.S1. Nestas circunstâncias não pode conhecer-se desta questão. A ineficácia stricto sensu dos actos de habilitação de herdeiros e de partilha de bens, na medida em que, em última análise, consubstancia, também ela, um valor negativo dos actos praticados, com consequências na ordem jurídica, deverá ter-se como compreendida no âmbito do pedido formulado pelos autores, entendido o pedido como a pretensão de reconhecimento ou protecção de um direito subjectivo. Consequentemente, não poderá subsistir no registo predial a inscrição da aquisição a favor do réu CC e do falecido EE, bem como todos os subsequentes registos que tenham sido realizados, que deverão ser cancelados (artigos 10º e 13º do Código do Registo Predial), relativamente a todos os imóveis incluídos na escritura pública de partilha. Termos em que improcede a revista, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a sustentada no acórdão recorrido, o que se reflectirá no segmento decisório. Concluindo: - Não há revogação – tácita ou expressa –, nem caducidade, do testamento que institui herdeiro de quota disponível da herança, se o de cuius outorga instrumento de procuração posterior, irrevogável, para produzir efeitos em vida e depois da sua morte, nomeando seus procuradores os filhos, para doarem a si próprios, bens imóveis, certos e determinados, em comum e partes iguais, com dispensa de colação e reserva de usufruto a seu favor e do marido, ou para procederem a partilhas judiciais ou extrajudiciais, certo que aqueles bens, apesar de integrarem o acervo hereditário, não o esgotam. - A procuração é um negócio jurídico unilateral que, conferindo apenas poderes representativos, não implica uma transmissão da posição jurídica do dominus e, na falta de bilateralidade, não consubstancia um contrato de mandato ou um contrato de doação. - Os actos extrajudiciais de habilitação de herdeiros e de partilha de bens, titulados em escrituras públicas, não são aptos a produzir os seus efeitos em relação aos herdeiros preteridos, a estes inoponíveis, sanando-se mediante a prática de novos e idênticos actos que contemplem as suas posições. - Tendo sido suscitada apenas nas alegações do recurso de revista a questão da convertibilidade do negócio (partilha), matéria que não é de conhecimento oficioso, está vedada a sua apreciação pelo Supremo Tribunal por constituir questão nova. 3. Decisão: Termos em que se nega a revista, mas alterando o acórdão recorrido, se decide: a) declarar a ineficácia das escrituras de habilitação de herdeiros outorgada em 11 de Outubro de 2002 e de partilha de bens celebrada em 11 de Dezembro de 2002 e, bem assim, da partilha referida no artigo 15º da petição inicial; b) manter, no mais, o acórdão recorrido. c) Condenar os réus nas custas. Lisboa, 28 de Maio de 2015 Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Pires da Rosa (vencido, conforme declaração que segue) Maria dos Prazeres Beleza _____________ Voto vencido : os réus/recorrentes, como se escreve no acórdão, concluem a sua alegação recursiva “ pedindo a revogação do acórdão recorrido, na parte em que declara nula a escritura de partilha de 11-12-2002, declarando-se essa escritura plenamente válida e eficaz, como negócio de execução do mandato constante da procuração identificada na al. K) (ora E)) dos factos assentes ». Se é este, como é, o objecto dos recursos, daria inteira procedência à pretendida revista. Manteria, em tudo o mais (desde logo porque não constitui objecto do recurso) o decidido no acórdão recorrido, com a correcção feita na tese que fez vencimento (declarar a ineficácia, que não a nulidade, das escrituras de habilitação de herdeiros e de partilhas), mas declararia a escritura de partilha de 11 de Dezembro de 2012 como traduzindo, por conversão, a válida doação aos filhos CC e EE dos prédios constantes da procuração outorgada por sua mãe em, VV, concedendo-lhe os necessários poderes para doar a eles próprios, em comum e partes iguais, com dispensa de colação, os referidos prédios. O testamento de 16 de Julho de 1979 – o único testamento da referida VV – em que constitui únicos e universais herdeiros da sua quota disponível a sua neta AA filha do seu filho CC bem como a netos nascituros, em comum e partes iguais, é válido e eficaz; a procuração outorgada pela VV a favor dos seus filhos CC e EE que poderão fazer negócio consigo mesmo nos termos do art.261.º do Código Civil e não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante, nos temos dos art.265.º, 1170.º a 1175.º do Código Civil, é igualmente válida e eficaz ainda no momento temporal em que ambos outorgam, com o seu pai e cônjuge sobrevivo da VV, a escritura de partilhas. Testamento e procuração, ambos válidos, têm que conviver. E a escritura de partilhas, embora ineficaz porque nela não foram chamados a intervir os herdeiros testamentários, dá inteira cobertura formal à substância do negócio de doação que o CC e o EE estavam autorizados por sua mãe a realizar consigo próprios – a transmissão gratuita, em comum e partes iguais, da propriedade dos prédios mencionados na procuração do património de sua mãe para o seu próprio património. Tudo o que é permitido supor que eles o teriam querido e que, por isso mesmo, legitima a conversão prevista no art.293º do CCivil, inteiramente sustentada do ponto de vista da alegação fáctica dos réus – a doação a si próprios – assim mesmo válida – em comum e partes iguais dos prédios descritos na procuração e repetidos na escritura de partilhas. (Pires da Rosa ) ______________ [1] Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Sucessões, Noções Fundamentais”, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lda., pág. 13. |