Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
129/09.0PBMTA.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
PRINCÍPIO DA ADESÃO
DANO
CULPA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
EQUIDADE
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME.
DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p. 501.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 129.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 562.º, 563.º, 564.º E 569.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17-06-2004, PROCESSO N.º 2364/04;
- DE 03-07-2008, PROCESSO N.º 1226/08;
- DE 05-11-2008, PROCESSO N.º 3266/08.
Sumário :

I - A responsabilidade civil emergente de crime é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil (art. 129.º do CP), apesar de caber à lei penal a conformação de todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento.
II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC).
III -Ficou provado que, como consequência directa e necessária da acção do demandado, J sofreu:
- traumatismo na região axilar esquerda com lesão do nervo mediano, cubital e artéria umeral à esquerda,
- lesão do mediano e neuropraxia dos restantes nervos,
- lesões que foram causa de doença, com cura médico-legal fixada em 02-10-2009, determinando um período de doença fixável em 241 dias, sendo 148 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 241 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional;
- atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos;
- diminuição da força no membro superior esquerdo, com dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda.
- em consequência das lesões sofridas, o assistente/arguido J foi submetido a duas intervenções cirúrgicas e continua a receber tratamento médico;
- está impossibilitado de comer com garfo e faca, descascar fruta, atar os atacadores dos sapatos, abotoar os botões, necessitando de ajuda de terceiros para essas tarefas;
- em consequência das lesões descritas, sofre por vezes queimaduras e cortes na mão e não consegue realizar o movimento denominado «pinça»;
- sofreu, em consequência da acção do co-arguido P, tristeza, frustração e abalo psíquico e sofreu e ainda sofre dores;
- a intensidade da culpa do lesante.
IV -Estes danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e ocorrendo os factos em 03-02-2009, tendo J então 26 anos de idade, sendo que exercia funções de vendedor, auferindo € 490 mensais de vencimento base, acrescido do subsídio de alimentação, vive com a sua companheira (enfermeira, a auferir cerca de € l000 mensais), em casa própria, pagando cerca de € 470 mensais de prestação relativa ao empréstimo bancário contraído para a sua aquisição, e o arguido P vive com a mãe, em casa desta, assegurando ela o seu sustento, está desempregado, inscrito no Centro de Emprego, justifica-se uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 10 000.
V - Relativamente ao dano patrimonial futuro, pela perda de capacidade de ganho, vem provado que J ficou com atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos, diminuição da força no membro superior esquerdo, dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda. A partir de 26-07- 2010 iniciou funções como operador de 2.ª, com um contrato de trabalho a tempo indeterminado de 20 h semanais, auferindo então € 285 mensais, sendo que antes exercia funções de vendedor, auferindo € 490 mensais de vencimento base, a que acrescia o subsídio de alimentação. Tem como habilitações literárias o 9.° ano de escolaridade e frequenta curso com vista a obter equivalência ao 12.° ano de escolaridade.
VI -Tendo em conta que o lesado obtém rendimentos, ao desenvolver actividade laboral, e tentando melhoria das suas habilitações académicas, pode ainda eventualmente vir a obter rendimentos de outra proveniência, que diminuem a gravidade do dano, e que há que ter em conta que quem trabalha também consome, havendo despesas permanentes (ex. as da alimentação) que mesmo sem trabalho sempre teriam de ser feitas, e que quem trabalha também se desgasta, reflectindo-se naturalmente na produtividade, a expectativa da duração de vida do arguido até ao limite da idade da reforma, sem prejuízo da contingência da vida, e do emprego, a tendo em conta o valor do salário mínimo actual, julga-se adequada a indemnização pedida de € 30 000, pela perda de capacidade de ganho.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

      -


No Processo Comum com o n.º 129/09.0PBMTA do 1º juízo da comarca da ..., como resulta do relatório do acórdão recorrido:

“I – 1.) No Tribunal Judicial da ..., Circulo Judicial do ..., foram os arguidos AA, BB e CC, com os demais sinais, submetidos a julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da forma seguinte:

- Os dois primeiros, da prática, em co-autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1 al. a) e 2, e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), do Código Penal.

O terceiro, da prática, em autoria material e em concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.s e p.s pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1 al. a) e 2, e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

AA constituiu-se assistente e aderiu à acusação do Ministério Público contra o arguido CC, aditando a factualidade constante do relatório pericial de folhas 441 e segt.s dos autos, e deduzindo pedido de indemnização civil contra o mesmo, em que solicitou a condenação daquele no pagamento do montante de € 154.550,00 sendo € 104.550,00 a título de danos patrimoniais (incluindo perda da capacidade de ganho), e os restantes por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

[…]

AA deduziu também pedido de indemnização civil contra CC, pedindo a sua condenação no pagamento do montante de € 26.915,00, sendo € 1.915,00 por danos patrimoniais (incluindo perda da capacidade de ganho), e os restantes por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação do pedido até integral pagamento.

Igualmente CC deduziu pedido de indemnização civil contra AA e BB, pedindo a condenação destes no pagamento do montante de € 500,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

I – 2.) Proferido o respectivo acórdão veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte:

A) Em relação ao arguido CC:

- Absolvê-lo da prática do crime de ameaça acima indicado;

- Condená-lo pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.s e p.s pelo art. 145.º/1/al. a) e 2, em referência ao artigo 132.º/2/h), do Código Penal, nas penas de 1 ano e 8 meses (ofendido AA) e 2 anos e 6 meses de prisão (ofendido BB).

Em cúmulo jurídico, na pena global única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 4 meses, mediante regime de prova.

Na parte cível:

- Condená-lo a pagar a AA a quantia de € 500,00 a título de danos não patrimoniais, importância esta acrescida de juros à taxa legal, a contar da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento e absolvê-lo do restante pedido.

- E condená-lo a pagar a AA a quantia de € 3.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento.

[…]”


-

O arguido BB, inconformado com a decisão dela recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, vindo a Relação, por acórdão de 29 de Outubro de 2013, a proferir a seguinte:

“IV – Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na parcial procedência do recurso interposto pelo arguido/assistente/demandante AA, acorda-se nesta Relação em:

- Reduzir para 160 (cento e sessenta) os dias de multa em que ficará condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples tido por verificado nos presentes autos, o que em face da razão diária de €5,00 (cinco euros) fixada, perfaz a multa total de € 800,00.

- Condenar o arguido/demandado CC a pagar-lhe a quantia de € 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) a título de danos morais, e bem assim nos respectivos juros à taxa legal desde esta data e até efectivo pagamento.

Pelo seu decaimento parcial na parte crime, pagará o mínimo de imposto de justiça (art. 513.º, n.º1, e 514.º, do CPP, na sua redacção anterior ao DL 34/2008, e 87.º, n.º 1, al. b), do CCJ).

Na parte cível, na proporção do respectivo decaimento (art. 523.º do Cód. Proc. Penal, 446.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil).”


-

           De novo inconformado, vem o mesmo arguido/assistente/demandante, recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando na motivação do recurso as seguintes

“III - CONCLUSÕES

1º- Como se refere no Acórdão recorrido as razoes de discordância do Recorrente com a decisão recorrida centram-se em dois pontos essenciais: A existência de uma lesão permanente na sua capacidade de ganho, que não se mostra devidamente avaliada, e a insuficiente valoração dos danos patrimoniais propriamente ditos, face à gravidade das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes.

2º- Encontra-se provado nos autos, pelo seu registo criminal e pelo seu Bilhete de Identidade, que nasceu no dia 29-01-1983, tendo 26 anos à data da agressão.

3º- Como consequência directa e necessária da conduta do arguido Paulo, ora recorrido, o Recorrente sofreu traumatismo na região axilar esquerda com lesão do nervo mediano, cubital e artéria umeral à esquerda, lesão do mediano e neuropraxia dos restantes nervos, lesões estas que foram causa de doença com cura médico-legal fixada em 2 de Outubro de 2009, determinando um período de doença fixável em 241 dias, sendo 148 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 241 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

4º- Foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas continuando a receber tratamento no Centro Hospitalar de Lisboa, como sequelas, não consegue comer com garfo e faca, descascar fruta, atar os atacadores dos sapatos, abotoar os botões, necessitando de ajuda de terceiros destas tarefas, sofrendo por vezes queimaduras e cortes na mão, não conseguindo ainda fazer o movimento denominado de «pinça».

5º- Sofreu também atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos, diminuição da força no membro superior esquerdo e dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda.

6º Estas lesões, por serem permanentes, tiveram, têm e terão de afectar a sua capacidade de ganho até ao fim da sua vida activa e, como não logrou provar os vencimentos por si auferidos, a redução da sua capacidade de ganho tem de ser contabilizada com base no ordenado mínimo nacional, que é de €485,00.

7º- Considera justa e adequada a indemnização € 30.000,00 a fixar a título de dano patrimonial pela redução da capacidade de ganho:

8º-Sofreu um forte abalo moral, tendo ficado triste e frustrado por causa das agressões e das lesões supra referidas, tendo sofrido e sofrendo ainda dores.

9º- Pelo que, quanto aos danos não patrimoniais, face à gravidade e extensão das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes, mesmo tendo em conta a situação patrimonial do lesante, devem-lhe os mesmos ser fixados em 25.000,00 euros.

10º-Sem prejuízo do mais que doutamente se suprirá violou o Acórdão recorrido o preceituado nos artigos os 496°/1 e 494° do Código Civil,

Devendo ser substituído por outro que conceda ao Recorrente a indemnização total de 55.000,00 euros.

ASSIM FARÃO V.EXAS A HABITUAL JUSTIÇA


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           Apenas o Ministério Público na Relação, apresentou resposta, e prescindiu do decurso do prazo a que se refere o art°. 413°, n°.1 ,do CPP. porque

 “1.O recurso é limitado à vertente cível da causa;

2. O Ministério Público carece, por isso, de legitimidade para responder;”


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            Neste Supremo, a Dig.ma Magistrada do Ministério Público, na vista dos autos, pronunciou-se nos termos ali constantes.


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            Cumprida a legalidade dos vistos e não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência..

-


            Com interesse para a decisão objecto do presente recurso, mostra-se definida a seguinte matéria de facto:

Factos provados:

1. No dia 3 de Fevereiro de 2009, pelas 21 horas, os arguidos AA e BB deslocaram-se à residência do arguido CC, sita na Rua ..., e, por razões não concretamente apuradas, desferiram-lhe socos e pontapés em diversas partes do corpo.

2. Seguidamente, os arguidos AA e BB abandonaram a residência do arguido CC e deslocaram-se para a Rua ..., onde permaneceram.

3. Cerca das 22 horas e 30 minutos, o arguido CC deslocou-se à residência onde se encontravam os arguidos AA e BB e desferiu-lhes vários murros e

pontapés, bem como facadas em diversas partes do corpo, nomeadamente, ao primeiro arguido na região da face, couro cabeludo e braço esquerdo e ao arguido BB na zona da axila esquerda.

4. E o arguido AA desferiu uma facada no ombro direito de CC.

[…]

7. Como consequência directa e necessária da acção descrita, sofreu BB traumatismo na região axilar esquerda com lesão do nervo mediano, cubital e artéria umeral à esquerda, lesão do mediano e neuropraxia dos restantes nervos, lesões estas que foram causa de doença com cura médico legal fixada em 2 de Outubro de 2009, determinando um período de doença fixável em 241 dias, sendo 148 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 241 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

8. E ainda atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos, diminuição da força no membro superior esquerdo, dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda.

[…]

11. O arguido CC quis ofender a integridade física do AA e do BB, utilizando uma faca, bem sabendo que dessa conduta resultariam, como resultaram, as referidas consequências.

Agiu voluntária, livre e conscientemente, ciente da punibilidade e reprovabilidade da sua conduta.

[…]

16. O ora arguido BB exerce funções de vendedor no «...», auferindo actualmente € 490 mensais de vencimento base, ao que acresce o subsídio de alimentação.

17. Vive com a sua companheira (enfermeira, a auferir cerca de € 1.000 mensais), em casa própria, pagando cerca de € 470 mensais de prestação relativa ao empréstimo bancário contraído para a sua aquisição.

18. Tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade e frequenta curso com vista a obter equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

19. O arguido CC vive com a mãe, em casa desta, assegurando ela o seu sustento.

20. Está desempregado, inscrito no Centro de Emprego.

21. Tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade


*

22. Em consequência das lesões sofridas, o assistente/arguido BB foi submetido a duas intervenções cirúrgicas e continua a receber tratamento no Centro Hospitalar de Lisboa, tendo como médico assistente o Dr. ....

23. Está impossibilitado de comer com garfo e faca, descascar fruta, atar os atacadores dos sapatos, abotoar os botões, necessitando de ajuda de terceiros para essas tarefas.

24. Em consequência das lesões descritas em 8.º), o assistente / arguido BB sofre por vezes queimaduras e cortes na mão e não consegue realizar o movimento denominado «pinça».

25. O assistente/arguido BB, a partir de 26 de Julho de 2010, iniciou funções ao serviço de ..., naquele momento como operador de 2.ª, com um contrato de trabalho a tempo indeterminado de 20 horas semanais, auferindo então € 285 mensais.

26. Sofreu, em consequência da acção do co-arguido CC, tristeza, frustração e abalo psíquico e sofreu e ainda sofre dores.

[…]

Factos não provados:

[…]


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5. O assistente/arguido BB necessita de fazer alongamentos diários da mão e braço esquerdos, senão faz “encurtamentos” dos nervos, que lhe paralisam os nervos da mão, provocando-lhe dores muito fortes.

6. Tem de usar diariamente um aparelho de electrochoques para estimular os nervos e evitar os “encurtamentos” dos nervos.

7. Sofre diariamente de dores persistentes, que se agravam com o frio, tendo de tomar diariamente medicamentos para dormir e para as dores.

8. O assistente/arguido BB necessita de se submeter a mais uma intervenção cirúrgica.

9. Antes das agressões acima descritas, o assistente/arguido BB exercia a profissão de montador de estruturas metálicas, trabalhando, por empreitadas, para a empresa «Pridamach», que tinha obras em diversos países da Europa, para onde aquele se deslocava ao serviço da mesma.

10. Auferia, em média, € 2.000 mensais, durante oito a nove meses por ano.

11. O assistente/arguido BB esteve sem trabalhar durante 18 meses, até ao dia 23 de Julho de 2010, período em que, se não tivesse sido alvo da agressão acima descrita, receberia 12 meses de salário, no valor de € 2.000 mês.

12. O assistente/arguido BB não possui habilitações literárias que lhe permitam exercer uma profissão para a qual se exija trabalho intelectual.

13. O assistente/arguido BB reside perto de ..., despendendo por cada viagem a Lisboa € 100, em combustível e portagens.

14. A camisola e camisa que o assistente / arguido BB vestia na data referida em 1.º) ficaram rasgadas em consequência das facadas e tinham o valor de € 50.

15. O assistente/arguido BB entrou numa situação de profunda depressão, que o levou a ter que recorrer a apoio médico, de que ainda hoje necessita.

16. Temeu pela sua vida, passando a viver apavorado, tem pesadelos constantes recordando a agressão de que foi vítima.


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            Cumpre apreciar e decidir:

Como refere o Recorrente, no requerimento de interposição do recurso: -“O Recurso restringe-se à parte da sentença relativa à indemnização civil.”

           E questiona os montantes arbitrados, tendo em conta: - “A existência de uma lesão permanente na sua capacidade de ganho, que não se mostra devidamente avaliada, e a insuficiente valoração dos danos patrimoniais propriamente ditos, face à gravidade das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes.”, considerando justa e adequada a indemnização € 30.000,00 a fixar a título de dano patrimonial pela redução da capacidade de ganho – conclusões  1ª e 7ª

E, “quanto aos danos não patrimoniais, face à gravidade e extensão das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes, mesmo tendo em conta a situação patrimonial do lesante, devem-lhe os mesmos ser fixados em 25.000,00 euros.”- conclusão 9ª


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O artº 129º do C.Penal ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, dispõe: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”

Isto significa que a indemnização é regulada, quantitativamente e no seus pressupostos, pela lei civil, não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva.

Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade. das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento

Nos termos do artº 400º nº 3, do CPP. Mesmo que não seja admissível recurso quanto á matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

Segundo o nº 2 deste preceito: Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

A decisão recorrida é passível de recurso para o Supremo, uma vez que a alçada da Relação é de 30.000€ conforme artº 31º da Lei nº 52/2008 de 28-08-2008 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e Artigo 44.º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, e o recorrente no recurso interposto para a Relação pedia o montante total de 55.000 euros, tendo a Relação atribuído apenas “a quantia de € 14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros) a título de danos morais, e bem assim nos respectivos juros à taxa legal desde esta data e até efectivo pagamento”.

           


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Como se sabe, a indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do Código Civil)

Relativamente a danos não patrimoniais dispõe o artigo 496º nº 1 do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;

Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito, tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e, não de harmonia com percepções subjectivas, ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano, justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.(em sentido idêntico – Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt)

A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, da ofensa imerecida, ao bom nome e dignidade

O artº 494º do C.C. alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.

            Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

            A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele (v. Ac. do S.T.J. de 19-4-91 in A.J. 18º, 6)

Na atribuição dessa indemnização deve respeitar-se «todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501 e, entre outros, Ac. deste Supremo de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta 3ª Secção)

A expressão “em qualquer caso”, constante do artº 496º do CC, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96).

Por sua vez, “demais circunstâncias do caso” é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.

            Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». (v.v.g. Acórdão do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04, e de 3-7-2008 in prc. 122&708 , ambos da 5ª secção)-

Tem-se feito jurisprudência no sentido de que tal como escapam à admissibilidade de recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (arts. 400., n.1, al. b), do CPP e 679. do C PC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras – cf., entre outros, Acs. de 29-11-01, Proc. n. 3434/0º1; de 08-05-03, Proc. n. 4520/02; de 17-06-04, Proc. n, 2364/04 e de 24-11-05, Proc. n. 2831/05, todos da 5.ª Secção. Ac. do STJ de 07.12. 2006 , Processo n.  3053/06 - 5.ª Secção.

            Mas, como já referia por ex, o Acórdão deste Supremo. de 11 de Setembro de 1994 (Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92),

Essa indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação

Também sobre a actualidade da indemnização já o acórdão deste Supremo, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 referia «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.”

O aumento do custo de vida e as exigências da dignidade humana e de realização comunitária assim o exigem.      


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Por sua vez, quanto ao montante de danos patrimoniais

Como se sabe, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação -artº 562º nº 1 do CC.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Artº 564º nº 1 do CC

Mas, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Artº 563º do CC

           A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor e, (sem prejuízo do preceituado noutras disposições) tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos- artº 566º nºs 1 e 2 do CC.

A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva que o afectou. V. Ac. deste Supremo de 15-5-2008, (Secção Cível) in www.dgsi.pt

           Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados há que não olvidar o disposto no artº 609º (anterior artº 661.º), do Código de Processo Civil, sobre os limites da condenação:

            1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

    2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

            No recurso interposto para a Relação, o recorrente concluía:

“16.ª - Face às lesões sofridas, constantes dos números 7 e 8 dos factos provados e da alínea B) - Pedidos de indemnização Civil, último parágrafo, da página 19 e primeiro parágrafo da pagina 20 da sentença que se dão por inteiramente reproduzidas a indemnização de 3.500 euros arbitrada a título de danos não patrimoniais, é claramente insuficiente e não respeita o preceituado nos artigos 496º/1 e 494º do Código Civil, preceitos estes que foram violados.

17.ª - Encontra-se provado nos autos, pelo seu registo criminal e Bilhete de Identidade que o Recorrente nasceu no dia 29-01-1983, tendo 26 anos à data da agressão, e que sofreu atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos, diminuição da força no membro superior esquerdo, dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda;

18.ª - Esta lesão por ser permanente, teve, tem e terá de afectar a sua capacidade de ganho até ao fim da sua vida activa e como não logrou provar os vencimentos por si auferidos, a redução da sua capacidade de ganho tem de ser contabilizada com base no ordenado mínimo nacional, que é de € 485,00.

19.ª - Considera-se justa e adequada a indemnização € 30.000 a arbitrar por V.Ex.as a título de dano patrimonial pela redução da capacidade de ganho:

20.ª - Quanto aos danos não patrimoniais, face à gravidade e extensão das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes, mesmo tendo em conta a situação patrimonial do lesante, devem-lhe os mesmos ser fixados em 25.000 euros;

21.ª - Sendo de toda a justiça arbitrar-lhe a indemnização total de 55.000 euros. “

Por sua vez, o acórdão da Relação, ora recorrido, fundamentou assim:

“Cumpre recordar a este nível, que o Colectivo teve por bem fixar em € 3.500,00 o quantitativo devido pelo arguido CC ao ora Recorrente, importância que contempla apenas danos morais.

Fê-lo na consideração de que:

“(…) o assistente/arguido BB sofreu duas intervenções cirúrgicas devido às agressões referenciadas, continuando a receber tratamento no Centro Hospitalar de Lisboa. Como sequelas, não consegue comer com garfo e faca, descascar fruta, atar os atacadores dos sapatos, abotoar os botões, necessitando de ajuda de terceiros destas tarefas, sofrendo por vezes queimaduras e cortes na mão, não conseguindo ainda fazer o movimento denominado de «pinça». E sofreu um forte abalo moral, tendo ficado triste e frustrado por causa das agressões supra referidas, tendo sofrido e sofrendo ainda dores.”

As razões da discordância ora manifestada concentram-se em dois pontos essenciais: A existência de uma lesão permanente na sua capacidade de ganho que não se mostra devidamente avaliada, e para a qual se peticiona a importância de €30.000,00, e a insuficiente valoração dos danos não patrimoniais propriamente ditos “face à gravidade e extensão das lesões sofridas e das sequelas permanentes delas decorrentes”.

Recapitulemos a matéria de facto provada que importa a este tópico:

[…]

Como flui desta enunciado, para a atribuição de uma indemnização fundada na incapacidade de ganho, faltam conhecer pelo menos dois aspectos essenciais: saber-se se o Demandante é destro ou canhoto e sobretudo saber-se a percentagem de incapacidade de que ficou a padecer, se é que de alguma ficou.

Não o disponibilizando a factualidade provada, poderemos quanto muito, em face do carácter permanente da atrofia muscular registada e da dificuldade que esta origina não só para a prática de actos indispensáveis ao seu dia a dia a nível pessoal, mas também pela maior dificuldade que coloca na realização de tarefas profissionais, partir para a fixação de um montante justificável de forma próxima à do chamado “dano biológico”, que é um verdadeiro dano patrimonial futuro, mas que a este não se pode reconduzir, exactamente pelo desconhecimento de variáveis essenciais para a sua atribuição.

Deve pois ser entendida como um verdadeiro dano moral.

Para o efeito se sopesará a condição económica do lesante e do lesado, a idade actual deste último (cerca de 30 anos), a consideração de que é pessoa profissionalmente ocupada, a pressuposição de que não estamos a falar do membro superior mais activo a nível de utilização, que não sabemos sequer se impossibilidade de realização do tal movimento de “pinça” é definitivo (o acórdão usa a expressão “ainda”) ou corrigível com eventual terapia, que as agressões sofridas foram-no na sequência temporal de outras em que o Recorrente activamente participou contra o ora Demandado…

Ora neste condicionalismo, não poderemos ir além dos € 10.000,00.

No plano dos demais danos não patrimoniais, regista-se a submissão a duas intervenções cirúrgicas, que o Demandante sofreu e ainda sofre dores, que em função das lesões padeceu de tristeza, frustração e abalo psíquico.

Valorizaremos estes últimos em € 4.500,00, perfazendo então a indemnização total a arbitrar os € 14.5000,00.”


-


Com o devido respeito, o acórdão da Relação confunde dano patrimonial futuro com dano não patrimonial, e porque entende não vir demonstrado aquele dano porque “faltam conhecer pelo menos dois aspectos essenciais: saber-se se o Demandante é destro ou canhoto e sobretudo saber-se a percentagem de incapacidade de que ficou a padecer, se é que de alguma ficou.” acolhe-se à “fixação de um montante justificável de forma próxima à do chamado “dano biológico”, que considera “um verdadeiro dano patrimonial futuro” “mas que a este  não se pode reconduzir, exactamente pelo desconhecimento de variáveis essenciais para a sua atribuição” devendo “ser entendida como um verdadeiro dano moral.” e apesar de reconhecer “o carácter permanente da atrofia muscular registada e da dificuldade que esta origina não só para a prática de actos indispensáveis ao seu dia a dia a nível pessoal, mas também pela maior dificuldade que coloca na realização de tarefas profissionais”

           

            Vem provado que como consequência directa e necessária da acção descrita, sofreu BB:

- traumatismo na região axilar esquerda com lesão do nervo mediano, cubital e artéria umeral à esquerda,

-  lesão do mediano e neuropraxia dos restantes nervos,

-  lesões estas que foram causa de doença com cura médico legal fixada em 2 de Outubro de 2009, determinando um período de doença fixável em 241 dias, sendo 148 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 241 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

-  e ainda atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos,

- diminuição da força no membro superior esquerdo, dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda.

- em consequência das lesões sofridas, o assistente/arguido BB foi submetido a duas intervenções cirúrgicas e continua a receber tratamento no Centro Hospitalar de Lisboa, tendo como médico assistente o Dr. ....

- stá impossibilitado de comer com garfo e faca, descascar fruta, atar os atacadores dos sapatos, abotoar os botões, necessitando de ajuda de terceiros para essas tarefas.

- em consequência das lesões descritas em 8.º), o assistente / arguido BB sofre por vezes queimaduras e cortes na mão e não consegue realizar o movimento denominado «pinça».

- Sofreu, em consequência da acção do co-arguido CC, tristeza, frustração e abalo psíquico e sofreu e ainda sofre dores.

- a intensidade da culpa do lesante, (O arguido CC quis ofender a integridade física do AA e do BB, deslocando-se à residência onde se encontravam os arguidos AA e BB e desferiu-lhes vários murros e pontapés, bem como, utilizando uma faca, facadas em diversas partes do corpo, , bem sabendo que dessa conduta resultariam, como resultaram, as referidas consequências. Agiu voluntária, livre e conscientemente, ciente da punibilidade e reprovabilidade da sua conduta.)

Tal desidrato pela sua gravidade merece a tutela do direito e ocorrendo os factos em 3 de Fevereiro de 2009, tendo o BB então 26 anos de idade, pois nasceu em 29 de Janeiro de 1983, sendo que, o BB exercia funções de vendedor no «...», auferindo € 490 mensais de vencimento base, acrescido do subsídio de alimentação, vive com a sua companheira (enfermeira, a auferir cerca de € 1.000 mensais), em casa própria, pagando cerca de € 470 mensais de prestação relativa ao empréstimo bancário contraído para a sua aquisição, e o arguido CC vive com a mãe, em casa desta, assegurando ela o seu sustento, está desempregado, inscrito no Centro de Emprego. justifica-se uma indemnização por não patrimoniais no valor de dez mil euros.

Relativamente ao dano patrimonial futuro, pela perda de capacidade de ganho, vem provado que o assistente/arguido BB ficou com atrofia muscular permanente e alteração da mão e antebraço esquerdos, diminuição da força no membro superior esquerdo, dificuldade em segurar objectos com a mão esquerda..

A partir de 26 de Julho de 2010, iniciou funções ao serviço de ..., naquele momento como operador de 2.ª, com um contrato de trabalho a tempo indeterminado de 20 horas semanais, auferindo então € 285 mensais. sendo que antes, exercia funções de vendedor no «...», auferindo € 490 mensais de vencimento base, ao que acresce o subsídio de alimentação

Tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade e frequenta curso com vista a obter equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

            Como salienta a jurisprudência, nomeadamente Ac. STJ de 26-5-93 in Col. (Acs. do STJ), tomo II, pág. 130, no tocante ao dano futuro é extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização. “Os múltiplos factores a ter em conta e o seu carácter aleatório (idade da vítima, tempo provável da sua vida activa, variação dos seus rendimentos do trabalho, estabilidade da respectiva situação profissional, desvalorização da moeda pela inflação, necessidades económicas dos titulares do direito alimentos e respectiva duração, etc.) implicam o recurso à equidade”.

Tendo em conta o exposto e, que o lesado obtém rendimentos, ao desenvolver actividade laboral, e tentando melhoria das suas habilitações académicas, podendo ainda eventualmente obter rendimentos de outra proveniência, que diminuem a gravidade do dano, e que há que ter em conta  que quem trabalha também consome, havendo despesas permanentes (ex. as da alimentação) que mesmo sem trabalho sempre teriam de ser feitas, e que quem trabalha também se desgasta, reflectindo-se naturalmente na produtividade, a expectativa da duração de vida do arguido até ao limite da idade da reforma, sem prejuízo da contingência da vida, e do emprego,  a tendo em conta o valor do salário mínimo actual, julga-se adequada  a indemnização pedida de  trinta  mil euros, pela perda de capacidade de ganho.


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Termos em que decidindo:

           Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em dar parcial provimento ao recurso e assim, revogam o acórdão recorrido quanto às indemnizações atribuídas ao assistente demandante BB, em que foi condenado o arguido CC e, consequentemente condenam este, na indemnização àquele, no valor total de quarenta mil euros, sendo dez mil euros, como indemnização por danos não patrimoniais, e trinta mil euros pela indemnização pelo dano patrimonial futuro da perda de capacidade de ganho.

            Custas na proporção do decaimento (artº 523º do CPP e 446º nºs 1 e 2 do CPC)

           

            Supremo Tribunal de Justiça., 19 de Fevereiro de 2014

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges