Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | CONTRATO DE CONSÓRCIO CONTRATO DE EMPREITADA NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL EFICÁCIA RETROATIVA RESTITUIÇÃO RELAÇÃO CONTRATUAL DE FACTO INTERPRETAÇÃO DA LEI INVALIDADE ABUSO DO DIREITO NULIDADE DE ACÓRDÃO OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO OBSCURIDADE AMBIGUIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA ERRO DE CÁLCULO | ||
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Data do Acordão: | 04/23/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I. A figura das “relações contratuais de facto” tem vindo a ser rejeitada pela maioria da doutrina nacional, seja em termos gerais, seja especificamente como via de solução para a questão da limitação à eficácia retroactiva da invalidade e da ineficácia contratual. II. Em seu lugar, tem vindo a ser defendido que, quando a lei não contenha princípios e regras especiais sobre o regime da declaração de nulidade ou da anulação de um contrato total ou parcialmente executado: (i) em regra, deve aplicar-se o regime geral da invalidade e da ineficácia; (ii) excepcionalmente, nas hipóteses em que a aplicação do regime geral da invalidade e da ineficácia conduza a resultados injustos, deve fazer-se uma redução teleológica da regra da retroactividade dos efeitos da declaração de nulidade e da anulação. III. No caso dos autos, considera-se que a pretensão da recorrente, de, uma vez declarada a nulidade formal do contrato de consórcio interno celebrado entre as partes, obter a restituição da quantia entregue com a qual comparticipou nos custos da actividade do consórcio, bem como a dispensa da sua comparticipação no saldo negativo da mesma actividade, configura um exercício gravemente desequilibrado e desproporcionado do direito, atendendo a que tal pretensão levaria a que apenas uma das partes suportasse o saldo negativo de actividade levada a cabo em prol de ambas; sendo abusivo, esse exercício encontra-se abrangido pela proibição do art. 334.º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. Vierominho II – Construção e Reabilitação, Lda. interpôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Nuno & Pereira – Construção Civil, Lda., pedindo a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 117.915,43, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação até efectivo e integral pagamento; sendo que tal quantia resulta da soma das seguintes parcelas: - a quantia de € 40.392,63, correspondente aos custos e/ou prejuízo, devido pela Ré, havido na empreitada que ambas assumiram executar na Alemanha, dividindo entre elas os direitos e obrigações ou responsabilidades da mesma”; - “a quantia de € 58.484,32 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos), correspondente a uma multa aplicada pelas autoridades alemãs, e a suportar pela Autora, referente a contraordenações imputadas exclusivamente à atuação da Ré”. Alega, para tanto e em síntese, que autora e ré celebraram entre si um acordo de cooperação interempresarial mediante o qual estabeleceram que os direitos de remuneração e as obrigações e responsabilidades na empreitada que aceitaram executar na Alemanha, titulada pela autora, seriam divididos entre ambas na proporção de metade para cada uma. Que a autora, por imposições legais e de funcionamento das empresas estrangeiras na Alemanha, coordenaria e representaria a parceria, mantendo organizado um dossier específico sobre a mesma, e prestando e exigindo contas do mesmo à ré. Mais alega que, todavia, logo que se inteirou que a parceria lhe traria prejuízos, ou que estes excederiam os rendimentos gerados pela mesma, a ré recusou participar em tais despesas, alegando não existir contrato assinado entre as partes. Alega ainda que sempre teria a ré de indemnizar a autora a título de responsabilidade civil extracontratual ou ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. 2. Regularmente citada, veio a ré contestar invocando a excepção de prescrição e alegando que não foi celebrado entre si e a autora qualquer acordo de parceria, nos termos descritos na petição inicial. Alega ainda que apenas emprestou à autora a quantia de € 13.402,75 porque mantinha relações cordiais com a mesma e esta alegou passar por dificuldades financeiras. A título subsidiário, veio suscitar a nulidade formal do invocado contrato de consórcio. Deduziu ainda reconvenção, pedindo a restituição da quantia mutuada de € 13.402,75. 3. A autora replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e pedindo a condenação da ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna a favor da autora reconvinda. 4. Teve lugar a realização da audiência prévia, sendo proferido despacho saneador a julgar improcedente a excepção de prescrição deduzida pela ré. 5. Veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se: - julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada; - julgar a reconvenção procedente, por provada e condenar a A. a restituir à R. a quantia de 13.402,75 € (treze mil quatrocentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos). Custas pela A. Registe e notifique.”. 6. Inconformada, a autora apelou da sentença, tendo vindo a ser proferido acórdão que, não a julgando nula, decidiu “anular a sentença recorrida e determinar a repetição parcial do julgamento quanto à matéria constante dos pontos 7) e 9) dos factos provados para que seja apurado, por referência ao valor do custo de obra no montante de € 293.302,86, qual o valor global dos pagamentos realizados pela Autora que se mostram comprovados, determinando que o Senhor Perito esclareça qual o fundamento para que, sendo considerados no apuramento global do custo de obra, os valores retidos nos vencimentos dos funcionários não sejam considerados como comprovadamente pagos pela Autora, desde que se encontre comprovada a efetiva entrega dos valores ao Estado (Português e Alemão) e Segurança Social, e informe qual o valor global dos pagamentos comprovados pela Autora caso se entenda ser de considerar o valor das referidas retenções (que tenham sido efetivamente entregues), bem como a realização de outras diligências de prova que em face dos esclarecimentos prestados se revelem necessárias, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições (n.º 3 alínea c) do referido artigo 662º)”. 7. Em 1.ª instância foram ouvidos o perito, em esclarecimentos, e uma testemunha indicada pela ré, vindo a ser proferida sentença que decidiu julgar improcedente a acção e procedente a reconvenção, condenando a autora a restituir à ré a quantia de € 13.402,75. 8. Novamente inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Por acórdão de 26.09.2024 veio a ser proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida decidindo: a) Julgar parcialmente procedente a ação e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €33.870,06 (trinta e três mil oitocentos e setenta euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento; b) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional e absolver a Autora do mesmo; c) Condenar a Ré como litigante de má-fé na multa de 10 UC e em indemnização à Recorrente, cuja importância será fixada após audição das partes”. 9. Desta decisão vem a ré interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “1. São três as questões levantadas pela Recorrente no presente recurso: 1) Sem prescindir do que se alegará no ponto dois infra, saber se o acórdão recorrido é nulo por violação do disposto no artº 615º nº 1 alíneas c) e/ou d) do CPC. 2) Saber se houve erro na aplicação do direito por parte do tribunal “a quo”, na determinação das consequências da declaração de nulidade do contrato de consórcio. 3) Saber se houve erro de julgamento na condenação da Recorrente como litigante de má-fé. 2. Entende a Recorrente que o douto acórdão é nulo, uma vez que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorre uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (Art. 615º/1/c) do CPC) e/ou não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar (Art. 615º/1/d do CPC). 3. Com efeito, analisando os fundamentos da referida decisão [18: Com os quais não se concorda, como acima se afirmou, mas que, em teoria, se analisarão em termos de linha de raciocínio], constata-se que, apesar de pretender condenar a Recorrente no pagamento de metade dos custos/prejuízos suportados pela Recorrida, a decisão recorrida não leva em conta o valor suportado pela Recorrente, e entregue directamente por esta à Recorrida. [19: Entrega essa que nunca foi colocada em causa, pelas partes no seu articulado, e que deu origem à factura da Recorrida n.º 111/430 de 24/10/2014, junta à Réplica como documento n.º 337] 4. Ora, o cálculo feito na decisão recorrida, relativo aos valores exclusivamente suportados pela Recorrida, baseou-se nos pontos 5, 7, 8 e 9 da matéria de facto provada, e consiste na diferença entre os valores comprovadamente pagos pela Recorrida, aferidos através da peritagem realizada nos autos, de € 235.368,12, e os valores que recebeu do dono da obra, a empresa J..., num montante global de € 167.628,00, o que perfaz a quantia de € 67.740,12. [20: Valor onde não está incluído o valor que a Recorrida facturou à Recorrente (ponto 9, in fine, da matéria de facto provada)] 5. Feita esta diferença, temos um valor exclusivamente suportado pela Recorrida de € 67.740,12. 6. Todavia, como acima se alegou, a Recorrente entregou directamente à Recorrida o valor de €13.402,75, a título de comparticipação nas aludidas despesas. 7. Pelo que, de acordo com o raciocínio exposto no acórdão recorrido, o valor da responsabilidade da Recorrente, na proporção de metade, seria de € 27.168,69, e não de € 33.870,06. 8. Deste modo, é manifesto que esta fundamentação está em clara oposição com a decisão. 9. Assim sendo, sem prescindir do que se vai alegar no ponto 2, entende a Recorrente que a decisão recorrida é nula por violação do disposto nas alíneas c) e/ou d) do nº 1 do artº 615 do CPC. 10. Sem prescindir, caso seja outro o douto entendimento deste Tribunal Superior, e se considere que o supra alegado não é causa de nulidade do acórdão, sempre estaremos, no mínimo, na presença de erros de cálculo ou em ambiguidade da decisão. 11. Pelo que, mais uma vez sem prescindir do que se alegará no ponto 2, desde já se requer a sua correcção, nos termos dos artº 614 do CPC. 12. Entende a Recorrente que o acórdão objecto do presente recurso violou o artigo 289º do Código Civil, ao negar os efeitos típicos da nulidade, efeitos esses de restituição retroactiva de tudo o que foi prestado. 13. Com efeito, e salvo melhor opinião, toda a fundamentação jurídica utilizada pelo acórdão recorrido é inaplicável ao caso sub judice, assim como a fundamentação de cada um dos arestos citados pela mesma decisão (Assento 4/95 de 28 de Março [21: Assento 4/95 de 28 de Março, publicado no Diário da República n.º 114/95, Série I-A, de 17/05/1995, a consultar em…] e acórdãos do STJ de 29/04/2021 [22: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2021 processo 5722/18.7T8LSB.L1.S1, Relator João Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt], 21/06/2022 [23: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2022, processo 1854/17.7T8PVZ.P1.S1, relator Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt], 16/10/2003 [24: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/05/2004, n.º de Processo 1689/02, Relator Lucas Coelho, disponível em www.dgsi.pt] e 06/05/2004 [25: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2003, processo 4017/02, em que também é relator Lucas Coelho, disponível em www.dgsi.pt]) também não pode ser replicada nos presentes autos. 14. Em todos os arestos citados pela decisão em crise, encontramos um denominador comum: a necessidade de mitigar os efeitos da nulidade, pois essa restituição, sem mais, poderia provocar uma vantagem injustificada de uma parte em detrimento da outra. 15. Mas em cada um desses casos tratou-se de regular uma composição directa entre as partes, ou seja, a restituição de prestações que tinham sido feitas directamente de uma parte à outra, que, de uma forma ou de outra, seria necessário regular. 16. Sendo que, em nenhum dos citados arestos, essas prestações, bem como a respectiva restituição, tinham relação directa com o contrato considerado nulo, ou operaram por efeito desse mesmo contrato. 17. Ou seja, em cada um desses casos conseguimos distinguir os efeitos típicos do contrato nulo, que efectivamente são negados por efeito dessa nulidade, e as demais relações obrigacionais, que obrigam à referida composição. 18. No caso concreto, de acordo com a decisão em crise, não conseguimos fazer essa distinção. Ou seja, à luz da decisão proferida, não conseguimos vislumbrar diferença entre um contrato de consórcio plenamente válido, e um contrato de consórcio nulo. 19. A decisão de que se recorre confirma que o contrato é nulo, mas ao mesmo tempo atribui-lhe os seus efeitos típicos, sob a justificação de existência de um “acordo de facto”, e de que existiriam prestações levadas a cabo entres as partes que seria necessário restituir. 20. Mas, na verdade, a condenação da Recorrente no pagamento de metade do prejuízo que a Recorrida teve com a obra na Alemanha, nada teve a ver com uma eventual reposição que a Recorrente tenha de fazer à Recorrida por prestações que desta tenha recebido - porque dela não recebeu nenhuma prestação. 21. A compensação operada no acórdão recorrido não resulta de uma relação obrigacional de facto entre as duas (não é uma compensação directa de uma parte à outra) por alguma coisa que dela tenha recebido, mas, ao invés, necessita dos efeitos típicos do contrato de consórcio para operar os seus efeitos: uma contabilização entre ganhos e prejuízos da empreitada levada a cabo a um terceiro. 22. Ou seja, o acórdão recorrido, por um lado afirma negar os efeitos do contrato de consórcio considerando-o nulo, mas, por outro, e na verdade, atribui-lhe plenamente os seus efeitos. Partindo-se de uma ideia de mitigação dos efeitos da nulidade, elimina-se completamente a regra, negando pura e simplesmente os efeitos previstos no artigo 289º do Código Civil. 23. Ao contrário do que é mencionado na decisão recorrida, a Recorrente, como pessoa colectiva ou unidade empresarial, em nada beneficiou com as despesas suportadas pela Recorrida. 24. Em primeiro lugar, embora não tenha sido especificado na matéria de facto dada como provada, resultou da prova produzida que apenas uma pequena parte dos trabalhadores foi angariada/fornecida pela Recorrente [26: Apenas um dos trabalhadores constantes dos mapas 1 do relatório pericial, de seu nome AA, cuja soma total de trabalhadores variou mensalmente de um mínimo de 13 a um máximo de 19]. A maior parte dos trabalhadores foi efectivamente angariada/fornecida pela Recorrida. 25. Ou seja, para se poder considerar que a Recorrente beneficiou de custos, teríamos de analisar concretamente que custos são esses e de que forma é que Recorrente beneficiou com os mesmos. Não basta convocar a ideia de existência de um acordo inter-empresarial de repartição em 50% dos lucros ou dos prejuízos, pois aí caímos no âmbito dos efeitos típicos do contrato de consórcio considerado nulo. 26. Em segundo lugar, mesmo que a Recorrida tenha suportados custos com trabalhadores angariados/fornecidos pela Recorrente, não podemos esquecer que esses trabalhadores apenas trabalharam na empreitada em causa [27: Note-se que a Recorrida executou, em seu nome (ou seja na modalidade de consórcio interno) e com todos os trabalhadores por si contratados – ponto 3/D) da matéria de facto provada, e tal como resulta dos mapas das despesas, que foram objecto de prova pericial – Mapas 1 do relatório pericial], pelo que qualquer valor remuneratório que lhes foi pago, ou qualquer despesa que com os mesmos foi suportada, foi repercutido na execução da obra a um terceiro, e em nada beneficiou financeiramente a Recorrente. [28: Tal como resulta do facto provado n.º 5, o valor pago pelo cliente alemão, de € 167.628,00, foi totalmente recebido pela Recorrida] 27. Em momento algum, no decurso da empreitada, a Recorrente foi beneficiada pela Recorrida, uma vez que nunca recebeu directamente desta qualquer valor, obra, ou prestação, que lhe devesse restituir. 28. A empreitada em causa, bem como os respectivos custos, beneficiaram apenas um terceiro, a empresa dona da obra na Alemanha denominada J.... Essa obra, de facto, gerou um prejuízo à Recorrida, mas, por sua vez, não gerou nenhuma contrapartida à Recorrente. 29. As relações directas entre as partes, no que ao contrato de consórcio (nulo) diz respeito, reduzem-se apenas à entrega por parte da Recorrente à Recorrida da quantia de € 13.402,75, como comparticipação dos custos da empreitada, empreitada essa, repete-se, que apenas beneficiou a empresa J.... 30. Não pode a Recorrente restituir aquilo que não recebeu. 31. A fundamentação do Assento 4/95, de 28 de Março de 1995 é inaplicável aos presentes autos: tratou-se de uma decisão que teve em vista evitar que fosse necessário ao Autor interpor um segundo processo. Tudo isto com base na ideia de conversão prevista no artigo 293º do Código Cível (conversão essa adaptada à realidade em causa, que é uma acção judicial, nada tendo a ver com o contrato propriamente dito) que partia do princípio de que o Autor, se soubesse de antemão que o contrato iria ser considerado nulo, teria interposto a acção com outra causa de pedir. 32. Ora, como acima já se referiu, no caso dos presentes autos, não existe qualquer prestação entregue directamente pela Recorrida à Recorrente, ou de que esta tenha beneficiado, que pudesse justificar a sua devolução, já não no âmbito do consórcio considerado nulo, mas sim com base nesta ideia de reposição do que foi prestado, a operar por via da nulidade, prevista no artigo 289º do Código Civil. 33. Ou seja, não existem direitos autónomos da Recorrida, que lhe permitissem intentar uma nova acção com uma causa de pedir diferente. 34. Por estes motivos, toda a fundamentação jurídica do referido Assento é manifestamente inaplicável aos presentes autos. 35. O objectivo da mitigação dos efeitos plenos da nulidade prevista no artigo 289º do Código Civil prende-se com o facto de ser necessário rectificar uma situação de enriquecimento /empobrecimento injustificado numa relação entre as partes. 36. A referida mitigação não pode servir para anular completamente os efeitos da declaração de nulidade do contrato considerado nulo. 37. A reparação/restituição entre as partes, sempre deverá ocorrer “ex lege”, isto é, como resultado da lei, baseada num direito que nunca deixou de existir, (e que é independente do contrato e dos seus efeitos) e não como efeito jurídico-negocial de um contrato considerado inválido. 38. Ora, a decisão recorrida não olhou às relações de facto propriamente ditas, mas sim ordenou a restituição com base nos efeitos jurídico-negociais do contrato inválido. 39. Com efeito, a matéria de facto dada como provada sob as alíneas A) a D) do ponto 3 aborda os tais efeitos jurídico-negociais, e que deveriam ter sido negados, como consequência da nulidade do contrato de consórcio. 40. É precisamente com base nesses pontos da matéria de facto provada que a decisão recorrida condena a Recorrente no pagamento de 50% do prejuízo tido pela Recorrida. 41. Ou seja, a condenação em causa, proferida pelo acórdão recorrido, não analisou verdadeiramente cada uma das prestações realizadas entre as partes, as quais poderiam, elas próprias, em teoria, originar restituições “ex lege”. 42. Ao invés, considerou tudo como um “acordo de facto”, ou seja, redenominou o contrato de consórcio nulo, e, sob essa nova nomenclatura, atribuiu-lhe efeitos plenos. 43. A restituição a operar no âmbito da declaração de nulidade, apenas poderia ter como fundamento uma, ou mais, “prestações de facto”, e não, um “acordo de facto” [29: Em boa verdade, todo e qualquer contrato, nulo ou válido, tem subjacente um “acordo de facto”]. 44. Atribuir efeitos “ex nunc” à nulidade do contrato de consórcio não significa que ele passe a produzir efeitos plenos [30: Quando muito, e no limite, embora não se concedendo, mas apenas se equacionando por mero exercício de raciocínio, tais efeitos “ex nunc” poderiam impedir a procedência da reconvenção, impedindo a restituição da Recorrida à Recorrente da quantia que lhe foi entregue pela última para comparticipação das despesas da empreitada] 45. Caso contrário bem que se poderia fazer tábua rasa do estipulado no artigo 289º e 220º do Código Civil, e das exigências de forma estabelecidas para o contrato de consórcio, previstas nos artigos 3º n.º1 e 4º do DL nº 231/81, de 28 de julho, sendo também certo que um contrato tipificado na lei não permite aplicação da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil. 46. As exigências de forma de um contrato de consórcio não são despiciendas, e existem por razões de certeza e segurança jurídicas. 47. Tais razões, como acima se alegou, prendem-se com não só com a definição dos direitos entres as partes que celebram tal contrato, mas também com a definição dos direitos perante terceiros. 48. Veja-se, no presente caso, que quem celebrou o contrato de empreitada com a empresa alemã foi a Recorrida [31: Ver documento 3 junto à petição inicial, e ponto 3/D) da matéria de facto provada], sendo que esta não demandou judicialmente aquela empresa para tentar recuperar os valores devidos pela empreitada [32: Ver Requerimento da Recorrida de 16/11/2020, referência citius ...] 49. Pelo que, caso a Recorrente, por força de uma eventual decisão proferida nos presentes autos, seja obrigada a pagar à Recorrida metade do prejuízo da empreitada que esta última encabeçou, ainda assim ficará impedida de demandar judicialmente a empresa alemã para tentar recuperar os valores não pagos por esta, uma vez que nunca foi parte no contrato de empreitada. 50. Deste modo, qualquer acção intentada na Alemanha pela Recorrente contra a J..., sempre estaria votada ao insucesso. 51. Tal acção apenas poderia ser interposta pela Recorrida, o que ainda poderá suceder [33: Tal acção, poderia, em teoria, ser intentada na Alemanha sem o conhecimento da Recorrente, e culminar com o recebimento total do preço da empreitada, o que, na prática, significaria um duplo recebimento por parte da Recorrida] 52. Acresce que, se a empreitada tivesse corrido bem, a Recorrida podia, em teoria, negar qualquer tipo de repartição de lucros à recorrente. 53. Em conclusão, e em face de tudo quanto acima se alegou, a decisão recorrida, ao condenar a Recorrente no pagamento de metade dos prejuízos que a Recorrida teve com a empreitada, não aplicou, e por conseguinte, violou, os artigos 289º, 219º “in fine” e 220º do Código Civil, bem como os artigos 3º n.º1 e 4º do DL nº 231/81, de 28 de julho. 54. Caso tivesse aplicado tais normas, teria necessariamente decidido pela improcedência da acção, e procedência da reconvenção. 55. Entende a Recorrente que o acórdão recorrido errou, ao condenar a Recorrente como litigante de má-fé numa multa de 10 UC e numa indemnização a favor da Recorrida, a ser determinada após audição das partes, uma vez que, a matéria de facto dada com provada não justifica essa condenação. 56. Negar os factos da petição inicial, não pode consubstanciar por si só numa litigância de má-fé, sob pena de violação dos princípios constitucionais de defesa. 57. Da mesma forma, a invocação de o valor entregue à Recorrida ter ocorrido a título de empréstimo, e a falta de prova nesse sentido, também não pode relevar contra a Recorrente. 58. Foi dada uma explicação, e um ponto de vista, para cada um dos documentos constantes no processo, nos quais se inclui a factura de € 13.402,75. É certo que, como é sabido, o Tribunal não ficou convencido com a explicação dada e, por esse facto, não deu como provados os factos em causa e, ao invés, deu como provada a versão da Recorrida. 59. Mas, concluir que tais negações ou explicações não provadas constituem litigância de má-fé, no entender da Recorrente, é excessivo. 60. A defesa da Recorrente terá der ser analisada como um todo. 61. Note-se que nos presentes autos foram levantadas inúmeras questões, quer de facto, quer de direito, pelo que a defesa da Recorrente não se limitou às questões supramencionadas. 62. Foi peticionado contra si um valor bem mais elevado do que o que resultou na condenação no acórdão de que ora se recorre. 63. Não se pode confundir a mera defesa processual, ou a falta de prova de uma versão, com entorpecimento da justiça ou litigância de má-fé. 64. Para a condenação da Recorrente como litigante de má-fé teria de ter existido um comportamento suficientemente gravoso (“dolo ou negligência grave, grosseira”) da mesma que justificasse essa condenação. 65. No entender da Recorrente, a matéria de facto dada como provada, não permite essa leitura. 66. Acresce que, ao determinar a matéria de facto provada, o Tribunal de primeira instância formou a sua convicção de acordo com os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e certamente que foi com base nesses princípios que concluiu, como um todo, pela não existência de litigância de má-fé da Recorrente. 67. Em conclusão, entende a Recorrente que a matéria de facto provada não permite concluir pela sua litigância de má-fé, pelo que o acórdão recorrido errou na sua condenação, violando assim o disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil. 68. A decisão recorrida, violou, entre outras, as seguintes normas legais: artigos 219º “in fine”, 220º e 289º, todos do Código Civil; artigos 3º n.º1 e 4º do DL nº 231/81, de 28 de julho; artigo 542º, alíneas c) e/ou d) do nº 1 do artº 615 e/ou art.º 614º, todos do Código de Processo Civil”. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, julgando-se improcedente a acção e procedente a reconvenção. 10. A recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: “1.- Atendendo à matéria de facto já declarada provada nos autos, e devidamente reapreciada e sancionada pelo douto Tribunal Recorrido, e, sobretudo, em face da posição assumida pela Ré, agora Recorrente no processo, revogar-se o douto acórdão recorrido e determinar a prevalência da decisão proferida em 1.ª instância seria sancionar uma decisão, além de ilegal, absolutamente imoral e até indecorosa, premiando um litigante que mentiu nos autos e que agiu e age de má-fé. 2.- Afigura-se à ora Recorrida que tal solução jurídica preconizada no douto acórdão recorrido configura a justa composição do litígio e equilíbrio entre as prestações oferecidas pelas partes. 3.- Desde logo, porque a declaração de nulidade de tal contrato não poderia importar a restituição pela Autora, aqui Recorrida, à Ré, aqui Recorrente, das importâncias liquidadas na execução de tal contrato, já que isso se iria traduzir na obrigação da Autora suportar um prejuízo ainda mais avultado do que aquele que a mesma já suportou. 4.- E, por esse mesmíssimo motivo, é que o Tribunal a quo determinou a revogação da decisão proferida, tendo determinado que a declaração de nulidade culminasse nas consequências plasmadas no douto acórdão. Com efeito, 5.- Uma vez que estarmos perante um contrato de consórcio, e, por isso, nulo, daí não pode retirar-se a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. 6.- A obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado, como efeito retroativo da nulidade, nos termos do artigo 289º, nº. 1, do Código Civil, não pode abranger o mencionado pagamento, enquanto efeito do contrato nulo valorado como contrato de facto, e também não pode isentar a Ré do pagamento do remanescente saldo credor da Autora e à restituição da metade das prestações que a Autora realizou no cumprimento do desiderato comum. 7.- Subsumindo o acordo celebrado entre Autora e Ré a um contrato de consórcio, não convertível, sempre a nulidade do mesmo não poderá importar a restituição pela Autora à Ré das importâncias pagas na sua execução, operando tais efeitos ex nunc. 8.- Pode, na verdade, suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - e foi o que sucedeu no caso concreto, em que a Autora realizou avultadas despesas no desenvolvimento do projeto e da atividade que ambas acordaram, agindo as duas empresas como associadas por determinado período de tempo, e investindo a Ré a sua confiança e o seu capital nessa relação, não obstante a nulidade do contrato. 9.- Não obstante a nulidade do contrato, todavia a Autora prestou efetivamente os seus serviços e liquidou despesas dos serviços efetivamente prestados por ambas, obrigando-se a prestar e prestando efetivamente contas dessa relação, com o objetivo de apurar o saldo a entregar ou a haver da Ré. 10.- E, perspetivando uma fundamentação de direito positivo, teria de se concluir num caso como o presente estar a Ré obrigada, mercê da invalidade, nos termos do nº. 1 do artigo 289º, à restituição da metade das prestações que a Autora realizou no cumprimento do desiderato comum, as quais, não sendo evidentemente viáveis em espécie, haverá a Autora de considerar-se sub-rogada no valor correspondente à metade dos valores por si despendidos. 11.- Com efeito, cremos que a solução que melhor compõe, de forma justa e equilibrada, o presente pleito passará sempre por determinar que os efeitos decorrentes da declaração da nulidade apenas operem ex nunc, designadamente, de se ver reconhecido o direito à aqui Recorrida de fazer suas as quantias entregues pela Recorrente, no âmbito da mencionada “relação contratual de facto” e, bem assim, o direito de reclamar da Recorrente a sua comparticipação nas despesas e prestações que a Recorrida adiantou, no âmbito daquela “relação contratual de facto”. Sem prescindir, Da litigância de má-fé: 12.- Considerando a factualidade provada, designadamente o constante do ponto IX, conforme determinou o Venerando Tribunal da Relação, entende a Recorrida que a Recorrente não só podia, como deve manter-se a sua condenação como litigante de má-fé e, em consequência, condenada em multa condigna e indemnização a favor da ora Recorrida.”. Termina pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, de qualquer forma, pela sua improcedência, confirmando-se a decisão recorrida. 11. Por acórdão de 18.12.2024 o Tribunal a quo pronunciou-se pela não verificação das invocadas nulidades do acórdão recorrido. II - Objecto Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso. Deste modo, o recurso tem como objecto as seguintes questões: • Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, assim como por omissão de pronúncia (cfr. art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC); subsidariamente, pedido de correcção de erro de cálculo no montante que a ré foi condenada a pagar; • Erro de julgamento da decisão acerca das consequências da nulidade do contrato de consórcio por falta de forma; • Erro de julgamento da decisão de condenação da ré como litigante de má fé. III – Fundamentação de facto Foram dados como provados os seguintes factos (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão recorrido): 1) Autora e Ré dedicam-se à atividade de construção civil. 2) No exercício da atividade de ambas, executaram uma obra, na Alemanha, para um cliente com a denominação J.... 3) Para o efeito, estabeleceram Autora e Ré o seguinte acordo de cooperação interempresarial: A) Cada uma de Autora e Ré forneceriam os trabalhadores e equipamentos de que dispusessem, suportando os respetivos custos de deslocação e alojamento; B) Cada uma de Autora e Ré contribuiriam com o seu conhecimento de construção civil para orientar, organizar e executar a referida obra; C) Cada uma de Autora e Ré receberia, na proporção de metade (50%), os rendimentos de tal obra, e seriam ainda suportados por ambas, em idêntica proporção de metade, as despesas e custos relacionados com a execução de tal obra; D) A obra seria assumida, encabeçada e faturada pela Autora, pois apenas esta estava autorizada a trabalhar como subempreiteira na Alemanha, em virtude dos condicionalismos legais daquele País, onde tinha sede fiscal. 4) A execução da obra foi interrompida, em 17 de novembro de 2014, por acordo de ambas, Autora e Ré, em virtude de dificuldades de recebimento dos valores devidos pela empreitada, da parte da adjudicante, empresa J... e da inspeção feita à obra. 5) A cliente, empresa J..., liquidou à Autora, para pagamento da empreitada, a quantia total de € 167.628,00 (cento e sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e oito euros). 6) A Autora suportou um custo de obra no montante de 293.302,86 € (duzentos e noventa e três mil trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos). 7) A Autora pagou remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais e outros num total de 235.368,12 € (duzentos e trinta e cinco mil, trezentos e sessenta e oito euros e doze cêntimos). 9) A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 67.740,12€ (sessenta e sete mil, setecentos e quarenta euros e doze cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré.1 10) A Autora emitiu a fatura nº 111/515, com data de emissão de 31/12/2014, no valor de €40.392,63 (quarenta mil, trezentos e noventa e dois euros e sessenta e três cêntimos). 11) E dirigiu a fatura à Ré, através de carta registada com aviso de receção, com data de 31 de dezembro de 2014, mas colocada no correio em 12 de janeiro de 2015. 12) A Ré, através de carta com data de 16 de janeiro de 2015, procedeu à devolução de tal fatura à Autora, invocando que “não possui qualquer contrato com a Vierominho II – Construção e Reabilitação, Lda.”. 13) Os serviços do Z... (inspeção de segurança social da Alemanha) fiscalizaram a obra que estava a ser executada por Autora e Ré em ..., na Alemanha e, em virtude de irregularidades na retribuição, instauraram contraordenação contra a Autora, que era a titular do contrato e a trabalhar naquele País, e multaram-na na quantia de € 58.484,32 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos). 14) A fiscalização teve a ver com pagamentos aos trabalhadores por valores inferiores aos legais na Alemanha. 15) O processo teve início em 03/11/2014. 16) A Vierominho, em 05/06/2015, na pessoa do seu sócio principal, foi notificada para tomar posição sobre os factos. 17) A Autora solicitou à Ré colaboração para organizar a defesa àquela contraordenação, através de carta registada com aviso de receção, de 16 de fevereiro de 2017. 18) A Ré não colaborou com a Autora na organização da defesa. 19) Em consequência de tal multa, a Autora veio a ser executada no seu património pelos serviços do Ministério Público do Juízo Local Criminal de ..., Juíz 3, no âmbito do processo n.º 360/19.0..., no montante de € 58.484,32 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos). 20) A A. celebrou acordo de pagamento, mediante a constituição de hipoteca sobre um imóvel e já procedeu ao pagamento de tal dívida. Facto aditado pela Relação: - A Ré entregou à Autora a quantia de 13.402,75 €. Factos dados como não provados: I. Os custos com a referida empreitada ascenderam ao montante total de € 275.211,00 (duzentos e setenta e cinco mil, duzentos e onze euros), correspondentes à execução de tal obra, em pagamento de remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais, e outros. II. A Autora contribuiu para os custos da obra com a quantia de € 94.188,01. III. Em virtude do acordo que ambas haviam estabelecido, de repartição em metade das despesas e custos com tal parceria de construção civil, a Ré deve à Autora a metade correspondente à diferença dos custos, assumidos em excesso pela Autora, ou seja, deve à Autora a metade de € 80.785,26 (€ 94.188,01 - € 13.402,75), e, por isso, deve à Autora a quantia de € 40.392,63. IV. Trabalhadores angariados e contratados pela Ré para participarem na execução da empreitada em parceria, e na Alemanha, reclamaram junto dos serviços da Segurança Social alemã competentes que não estavam a ser remunerados pela Ré, nem pelo valor mínimo estabelecido naquele País. V. A quantia de 13.402,75 € foi entregue pela Ré à A. a título de empréstimo. VI. Tal empréstimo foi-lhe solicitado pela Autora, por esta ter transmitido à Ré que estava com dificuldades financeiras e que, por esse facto, não conseguia pagar os salários aos seus trabalhadores. VII. Sendo certo que a Autora se comprometeu a devolver a quantia em causa à Ré assim que recebesse da sociedade J... os valores que esta alegadamente lhe devia. VIII. A Ré esteve sempre convicta que iria reaver o dinheiro emprestado, nomeadamente quando a Autora interpusesse ação na Alemanha para cobrar à J... os valores que lhe seriam devidos. IX. [eliminado pela Relação devido à sua natureza de conclusão de direito; o teor deste ponto era o seguinte: A Ré arquitetou uma história para impedir a descoberta da verdade e entorpecer a ação da justiça] V – Fundamentação de direito 1. Recorde-se que o recurso tem por objecto as seguintes questões: • Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, assim como por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC); subsidariamente, pedido de correcção de erro de cálculo no montante que a ré foi condenada a pagar (art. 614.º, n.º 1, do CPC); • Erro de julgamento da decisão acerca das consequências da nulidade do contrato de consórcio por falta de forma; • Erro de julgamento da decisão de condenação da ré como litigante de má fé. 2. Primeira questão: nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível ou ainda por omissão de pronúncia; subsidariamente, pedido de correcção de erro de cálculo no montante que a ré foi condenada a pagar Vem a recorrente invocar a nulidade do acórdão recorrido e, subsidariamente, formular pedido de correcção de erro de cálculo no montante que a ré foi condenada a pagar, alegando essencialmente o seguinte: - “[C]onstata-se que, apesar de pretender condenar a Recorrente no pagamento de metade dos custos/prejuízos suportados pela Recorrida, a decisão recorrida não leva em conta o valor suportado pela Recorrente, e entregue directamente por esta à Recorrida. [19: Entrega essa que nunca foi colocada em causa, pelas partes no seu articulado, pelas partes no seu articulado, e que deu origem à factura da Recorrida n.º 111/430 de 24/10/2014, junta à Réplica como documento n.º 337] - Ora, o cálculo feito na decisão recorrida, relativo aos valores exclusivamente suportados pela Recorrida, baseou-se nos pontos 5, 7, 8 e 9 da matéria de facto provada, e consiste na diferença entre os valores comprovadamente pagos pela Recorrida, aferidos através da peritagem realizada nos autos, de € 235.368,12, e os valores que recebeu do dono da obra, a empresa J..., num montante global de € 167.628,00, o que perfaz a quantia de € 67.740,12. [20: Valor onde não está incluído o valor que a Recorrida facturou à Recorrente (ponto 9, in fine, da matéria de facto provada)] - Feita esta diferença, temos um valor exclusivamente suportado pela Recorrida de € 67.740,12. - Todavia, como acima se alegou, a Recorrente entregou directamente à Recorrida o valor de €13.402,75, a título de comparticipação nas aludidas despesas. - Pelo que, de acordo com o raciocínio exposto no acórdão recorrido, o valor da responsabilidade da Recorrente, na proporção de metade, seria de € 27.168,69, e não de € 33.870,06”. Verifica-se que a nulidade invocada – e que a recorrente qualifica, em alternativa, como sendo nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou por ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, ou ainda por omissão de pronúncia – se reporta à interpretação do direito ao facto provado 9, designadamente à respectiva parte final (“A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 67.740,12€ (sessenta e sete mil, setecentos e quarenta euros e doze cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré”). O Tribunal a quo fundamentou a decisão da seguinte forma: “Entendemos, em face do exposto, que deve proceder nesta parte o pedido da Autora condenando-se a Ré no pagamento da quantia de €33.870,06 (e não de €38.870,06, conforme certamente por lapso a Recorrente alega) correspondente a metade de €67.740,12 (v. ponto 9 dos factos provados)”. Esta fundamentação não padece de ambiguidade ou obscuridade nem tampouco está em contradição com decisão final de “[j]ulgar parcialmente procedente a ação e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €33.870,06 (trinta e três mil oitocentos e setenta euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento” pelo que o acórdão não padece da invocada nulidade prevista na alínea c) do art. 615.º do CPC. Não padece igualmente de nulidade por omissão de pronúncia porque a relevância a atribuir à parte final do facto 9 não é uma questão, mas sim a interpretação de um juízo de facto. Não estamos também perante qualquer erro de cálculo, susceptível de correcção ao abrigo do n.º 1 do art. 614.º do CPC. Na verdade, estando em causa um problema de interpretação e aplicação do direito à factualidade dada como provada, a questão suscitada reconduz-se à invocação de um erro de julgamento, questão que, assim qualificada, passamos a apreciar. Temos que, de acordo com o alegado pela recorrente: - Apurou-se que a autora suportou um saldo negativo de € 67.740,12; - Porém, também se apurou que a ré entregou à autora, a título de comparticipação nos custos, o valor de €13.402,75; - Pelo este último valor terá de ser deduzido ao valor do saldo negativo, o qual ascenderá assim a €54.337,37; - Consequentemente, e se se vier a manter a condenação da ré, “de acordo com o raciocínio exposto no acórdão o valor da responsabilidade da Recorrente, na proporção de metade, seria de €27.168,69, e não de € 33.870,06.” Vejamos. A apreensão do sentido da parte final do facto 9 (“A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 67.740,12€ (sessenta e sete mil, setecentos e quarenta euros e doze cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré”) implica que se convoque a motivação da decisão de facto constante da sentença da 1.ª instância. Aí se pode ler, na parte relevante, o seguinte: “O Tribunal consigna que os factos enunciados em 1), 10), 11) e 12) resultam do acordo entre as partes. Já os factos enunciados em 5), 6), 7), 8) e 9) resultam da perícia realizada nos autos (tendo em atenção os últimos esclarecimentos prestados pelo Perito, em virtude da douta decisão do Tribunal da Relação de Guimarães)”. Compulsado o relatório pericial (e verificando-se que os posteriores esclarecimentos complementares do perito não relevam para o caso), constata-se que a redacção do facto 9 assenta na resposta ao quesito 10, a qual aqui se transcreve: “Quesito 10 – E tal diferença, suportada em excesso pela Autora ascende a € 80.785,26? Não. A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de €34.923,55, não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré Nuno e Pereira”. Resposta que se articula com a resposta ao quesito 4, b): “Quesito 4 – Os custos de tal obra foram suportados por Autora e Ré na seguinte proporção: b) A Ré contribuiu para tais custos com a quantia de € 13.402,75? Sim. De acordo com a contabilidade da Autora, foi emitida uma fatura à Ré, datada de 24/10/2014, no valor de € 13.402,75, sem qualquer IVA discriminado, cujo descritivo menciona “Encargos com 50% dos salários de setembro/2014 dos funcionários, de acordo com mapa em anexo”, cuja quitação encontra-se documentada por € 12.102,75, lançada em 31/10/2014. A diferença de € 1.300,00 supostamente respeita a um adiantamento que a Ré realizou a um colaborador da Autora”. Temos, assim, que o significado da parte final do facto 9 – “não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré” – corresponde, no essencial, àquele que a recorrente lhe atribui: o montante de €13.402,75 entregue pela ré, ora recorrente, à autora destinou-se à satisfação parcial das obrigações por aquela assumidas perante esta. Dizemos que corresponde no essencial porque se afigura necessário ajustar os cálculos apresentados pela recorrente. Com efeito, se a autora suportou (sozinha) todos os custos da empreitada, que ascenderam a €235.368,12 (cfr. facto provado 6), e o dono de obra lhe pagou apenas €167.628.00 (cfr. facto provado 5), apura-se um saldo negativo de €67.740.12. Se vier a manter-se a decisão do Tribunal a quo de repartir este saldo negativo por ambas as partes, de forma igual, cada uma terá, no final, de suportar o valor de €33.870,06. Foi este o quantitativo que o Tribunal da Relação condenou a ré a reembolsar à autora. Mas, a manter-se a decisão de condenação, como se verifica (cfr. facto provado 9, in fine) que a mesma ré já entregou à autora a quantia de €13.402,75, haverá que deduzir tal quantia ao montante de €33.870,06, que é o montante da sua participação nas perdas, faltando-lhe ainda suportar €20.467,31. 3. Segunda questão: erro de julgamento da decisão acerca das consequências da nulidade do contrato de consórcio por falta de forma 3.1. A questão foi devidamente enquadrada pelo acórdão recorrido nos seguintes termos: “Questão distinta, também suscitada pela [Autora], é a das consequências a retirar da nulidade do contrato celebrado entre as partes, pretendendo a [Autora] que a declaração de nulidade deve produzir efeitos ex nunc, isto é, tudo se devendo passar como se a nulidade do negócio jurídico apenas opere os seus efeitos para o futuro e, consequentemente, não só a Autora deve guardar para si a prestação que lhe foi entregue pela Ré, como lhe assiste o direito a haver para si o pagamento das prestações e despesas que lhe seriam devidas pela Ré, se não fosse a nulidade do contrato, e como se uma relação contratual de facto se tratasse. Vejamos. Dispõe o artigo 289º n.º 1 do Código Civil que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Neste sentido o Assento 4/95, de 28 de março de 1995 (publicado no Diário da República n.º 114/95, Série I-A, de 17/05/1995, a consultar em https://www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia/jurisprudencia-fixada-civel-ano-1995/), atualmente com o valor de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, […] veio estabelecer que quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no artigo 289º do Código Civil. Esta atenuação da rigidez dos limites da condenação em processo civil estende-se ainda, por maioria de razão, aos casos em que a nulidade do negócio, cujo cumprimento se peticiona, tenha sido invocada pelo demandado pois, também nessas situações, o tribunal deve ponderar a condenação na restituição do que for devido, como consequência dos efeitos retroativos da nulidade (v. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2021, Processo n.º 5722/18.7T8LSB.L1.S1, Relator João Cura Mariano, ainda que a propósito da nulidade decorrente da falta de redução a escrito de contrato de imediação imobiliária, disponível para consulta em www.dgsi.pt). No caso concreto, perante um contrato que considerou nulo por não ter sido reduzido a escrito, o tribunal a quo entendeu que a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroativo (ex tunc), devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, tendo a Ré direito à devolução por parte da Autora da quantia por ela reclamada no pedido reconvencional e, consequentemente, julgou a presente ação totalmente improcedente, por não provada e a reconvenção procedente, por provada, condenando a Autora a restituir à Ré a quantia de €13.402,75”. Porém, o Tribunal da Relação distanciou-se do entendimento do Tribunal da 1.ª instância, fazendo apelo à doutrina germânica das denominadas “relações contratuais de facto”: “Ressalvado, como sempre, todo o respeito que nos merece posição contrária, não perfilhamos o entendimento do tribunal a quo relativamente aos efeitos a retirar, no caso concreto, da declaração de nulidade, antes acompanhando a posição defendida pela Recorrente e seguida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2022 (Processo n.º 1854/17.7T8PVZ.P1.S1, Relator Manuel Capelo, disponível em www.dgsi.pt) citado pela mesma. Conforme se afirma no citado acórdão “tendo as partes efetuado prestações com fundamento no contrato nulo ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, deve o contrato nulo ser valorado, no tocante à ulterior composição das relações entre os contraentes, como «relação contratual de facto», suscetível de enquadrar os efeitos em causa, encarados agora não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado. O que significa que no domínio das relações obrigacionais tudo se passará quanto a esses aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico genético operasse ex nunc os seus efeitos”. É também neste sentido a argumentação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2003 (Processo n.º 4017/02, Relator Lucas Coelho; também no mesmo sentido e do mesmo Relator o Acórdão de 06/05/2004, Processo n.º 1689/02, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), a cuja transcrição a Recorrente procede nas suas alegações ainda que sem expressa referência, e onde se pode também ler que “a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando interactivos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido (5). A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o ato realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados. Não é, por conseguinte, exata a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes. Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas atividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efetivamente os seus serviços à entidade patronal. Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto (6) - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes - as Abwicklungsverhältnisse da dogmática alemã - como «relação contratual de facto» (faktisches Vertragsverhältnis), susceptível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado (7). E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» (fehlerhafter Vertrag), noutra terminologia; de «errada perfeição», como no assento - tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos (8)” (sublinhado nosso). E, em nota de rodapé pode ainda ler-se o seguinte: “(5) (…) No assento nº. 4/95, de 28 de março de 1995, «Diário da República», I Série-A, de 17 de maio do mesmo ano, págs. 2940/2941, observa-se nesse sentido lapidarmente que o «contrato nulo não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição)”. Transcrevendo tais considerandos para o caso concreto, e tendo como certo que efetivamente o negócio jurídico nulo não pode ser considerado um nada jurídico, em particular quando com base no acordo celebrado (ainda que nulo por não ter sido reduzido a escrito) as partes efetuaram prestações e procederam à execução dos termos acordados, como se o mesmo efetivamente existisse, temos de concluir que no caso concreto também o acordo de cooperação empresarial celebrado entre as partes, ainda que se consubstancie num contrato de consórcio interno nulo por falta de forma, determinou que as partes tivessem “posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos”. Na verdade, tendo as partes estabelecido tal acordo de cooperação internacional, tendo como finalidade a execução de uma obra na Alemanha, efetivamente, e no exercício da atividade de ambas, executaram tal obra, a qual veio a ser a ser interrompida, em 17 de novembro de 2014, por acordo de ambas as partes, em virtude de dificuldades de recebimento dos valores devidos pela empreitada, da parte da adjudicante, empresa J... e da inspeção feita à obra (ponto 4 dos factos provados); e tal execução deu origem a que a Autora (que nos termos acordados foi quem assumiu, encabeçou e faturou, pois apenas ela estava autorizada a trabalhar como subempreiteira na Alemanha, em virtude dos condicionalismos legais daquele País, onde tinha sede fiscal) tivesse recebido da cliente, empresa J..., para pagamento da empreitada, a quantia total de €167.628,00 (ponto 5 dos factos provados) e suportado os custos de obra, para o que a Ré contribuiu apenas com a quantia de €13.402,75 (ponto 8 dos factos provados), o que gerou a diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos de €67.740,12, não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré. Ou seja, a execução da obra subjacente ao acordo de cooperação empresarial, a qual, saliente-se, veio a ser interrompida por acordo de ambas as partes, gerou uma receita de €167.628,00, mas custos superiores suportados pela Autora de onde decorre ter esta, não obstante a receita recebida, suportado o valor de €67.740,12, sem incluir a prestação efetuada pela Ré. Acresce que efetivamente o acordo celebrado e que foi colocado em execução (como “relação contratual de facto”), sendo nesse sentido a vontade das partes quando o celebraram, previa expressamente que cada uma das partes, Autora e Ré, receberia, na proporção de metade (50%), os rendimentos de tal obra, e seriam ainda suportados por ambas, em idêntica proporção de metade, as despesas e custos relacionados com a execução da mesma. In casu, a Ré apenas suportou o valor de €13.402,75 dos custos da obra gerados no período em que durou a referida “relação contratual de facto”, tendo a Autora suportado a totalidade do restante valor (que não foi coberto pela quantia recebida da cliente), designadamente a parte restante que a Ré deveria ter suportado. Temos, por isso, como certo que o contrato celebrado pelas partes, ainda que nulo por não ter sido reduzido a escrito, deve ser valorado, no tocante à “ulterior composição das relações” entre Autora e Ré, no contexto da “relação contratual de facto” a que deu origem (e que determinou receitas e custos), não devendo a Ré restituir a prestação que entregou à Autora no montante de €13.402,75, devendo improceder o pedido reconvencional que formulou. Da mesma forma que, relativamente aos custos incorridos no período dessa “relação contratual de facto” com a execução da obra, deverá também suportar na proporção de metade tal como acordou com a Autora, por ter sido nesse pressuposto que se desenvolveu aquela relação, traduzida na execução da obra. De facto, e como já referido, ainda que nulo, o contrato de consórcio não deixou de dar origem à execução da obra a que se referia, tendo-se estabelecido nesse âmbito uma relação obrigacional duradoura entre as partes tendo em vista aquela execução, não se podendo, por mero efeito da nulidade, considerar simplesmente que o contrato nunca foi celebrado ou não produziu quaisquer efeitos; como vimos, não só o acordo de cooperação interempresarial efetivamente aconteceu, como deu origem à execução da obra (e aos inerentes custos, os quais, concretamente não foram cobertos pelo pagamento efetuado pela cliente) o que tem de ser necessariamente relevado ao nível da sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes e na ulterior composição das relações entre as mesmas, considerando-se os efeitos da “relação contratual de facto” que se estabeleceu como decorrentes do próprio ato na realidade praticado, in casu a execução concreta da obra, que deu origem a custos que a Autora suportou, e que deveriam ter sido suportados pela Ré, e de que a Ré, por isso, beneficiou, tudo se devendo passar, também neste aspeto, como se a nulidade do negócio jurídico apenas operasse os seus efeitos para o futuro (ex nunc), ou seja após a sua declaração. Entendemos, em face do exposto, que deve proceder nesta parte o pedido da Autora condenando-se a Ré no pagamento da quantia de €33.870,06 (e não de €38.870,06, conforme certamente por lapso a Recorrente alega) correspondente a metade de €67.740,12 (v. ponto 9 dos factos provados). (…) Em face do exposto, deve ser revogada a sentença recorrida julgando-se parcialmente procedente a ação e condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de €33.870,06, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e improcedente o pedido reconvencional, considerando-se ainda prejudicado o conhecimento das questões do enriquecimento sem causa e do equilíbrio das prestações”. 3.2. Insurge-se a recorrente contra esta decisão, apresentando essencialmente a seguinte argumentação: - A orientação adoptada pelo acórdão recorrido desrespeita a regra da eficácia retroactiva da declaração de nulidade prevista no art. 289.º do Código Civil, assim como o regime legal que impõe a forma escrita na celebração do contrato de consórcio; - A jurisprudência referida no acórdão recorrido refere-se a casos distintos daquele que está em apreciação nos presentes autos; nesses casos colocava-se a necessidade de mitigar os efeitos da nulidade, dispensando-se uma das partes da restituição de quantias já entregues, a fim de prevenir uma vantagem injustificada de uma das partes em detrimento da outra; - Em cada um desses casos consegue-se distinguir os efeitos típicos do contrato nulo, que efectivamente são afastados por efeito da declaração de nulidade, e as demais relações obrigacionais, que obrigam à referida composição; - Diversamente, no caso dos autos não é possível fazer-se essa distinção; ou seja, à luz da decisão proferida, não se consegue vislumbrar diferença entre um contrato de consórcio plenamente válido e um contrato de consórcio nulo; - A compensação decidida pelo acórdão recorrido não resulta de uma relação contratual de facto entre as partes, antes corresponde à produção dos efeitos típicos do contrato de consórcio: a contabilização entre ganhos e prejuízos da empreitada, sendo o dono de obra um terceiro; - A empreitada em causa, bem como os respectivos custos, beneficiaram apenas esse terceiro, a empresa dona de obra na Alemanha; a obra, de facto, gerou um prejuízo para a autora, mas sem qualquer vantagem para a ré; - Não pode, assim, a ré restituir aquilo que não recebeu; - Atribuir efeitos ex nunc à declaração de nulidade do contrato de consórcio não significa que este passe a produzir efeitos plenos; “quando muito, e no limite, embora não se concedendo, mas apenas se equacionando por mero exercício de raciocínio, tais efeitos “ex nunc” poderiam impedir a procedência da reconvenção, impedindo a restituição da Recorrida à Recorrente da quantia que lhe foi entregue pela última para comparticipação das despesas da empreitada”. Pugna a recorrida pela manutenção da decisão recorrida. Quid iuris? 3.3. Estamos perante questão clássica da doutrina civilística consistente em apurar da possibilidade de se restringirem os efeitos retroactivos da declaração de nulidade de um contrato já executado total ou parcialmente. A recorrente veio pôr em causa que, na resolução de tal questão, o Tribunal a quo tivesse convocado a jurisprudência deste Supremo Tribunal que faz apelo à doutrina das “relações contratuais de facto”, alegando que essa solução poderia valer para os casos em que se considerasse que a declaração de nulidade não poderia obrigar à restituição de quantia recebida directamente da contraparte, mas não poderá valer para os casos, como o dos autos, em que a pretensão da autora contra a ré (de repartição dos custos na execução da empreitada) assenta, por um lado, na produção dos efeitos típicos do contrato de consórcio, e, por outro lado, na relação entre as partes e um terceiro, dono da obra. Vejamos. Afigura-se que a construção dogmática da recorrente não resiste a uma análise aprofundada. Com efeito, embora se admita como sendo situação mais frequente que a paralisação dos efeitos retroactivos da declaração de nulidade conduza à não restituição de quantias pecuniárias já entregues por uma das partes à outra, em rigor, tal paralisação pode igualmente conduzir à subsistência de obrigações ainda não cumpridas inerentes à parcial execução do contrato. Tampouco se afigura que o problema da paralisação dos efeitos da declaração de nulidade pressuponha uma relação contratual em que apenas haja lugar a relações directas entre as partes. Tudo dependerá do contrato em causa. Tratando-se, como sucede no caso sub judice, de um contrato de consórcio, no caso, um consórcio interno (cfr. art. 5.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho) para a execução de uma empreitada, a relação com o terceiro, dono da obra, não interfere com a composição de interesses entre as partes na qual haverá essencialmente que atender àquilo que entre elas foi acordado, designadamente, no que ao caso concreto se reporta, que “[c]ada uma de Autora e Ré receberia, na proporção de metade (50%), os rendimentos de tal obra, e seriam ainda suportados por ambas, em idêntica proporção de metade, as despesas e custos relacionados com a execução de tal obra”. A este propósito, esclareça-se que a invocação (ver conclusões recursórias 49 a 51) da relevância das relações jurídicas existentes entre a autora e o dono da obra não pode ser aqui apreciada, uma vez que tal relevância corresponde a um outro fundamento de improcedência da acção que, ainda que genericamente invocado em sede de contestação, não foi apreciado pela sentença, nem foi, como seria necessário, suscitado pela ré em sede de ampliação do objecto do recurso de apelação (cfr. art. 636.º, n.º 1, do CPC). Se a nulidade do contrato por falta de forma tivesse sido declarada sem que o consórcio tivesse tido actividade, a produção de efeitos retroactivos não suscitaria dificuldades. Tais dificuldades advêm do facto de a nulidade contratual ter sido declarada após a actividade do consórcio ter sido parcialmente concretizada. Ora, se a mesma tivesse sido economicamente vantajosa para o consórcio, poderia a ré vir exigir à autora o direito a comparticipar nos ganhos. Como tal actividade implicou perdas superiores aos ganhos, o problema que se coloca é o inverso: saber se a autora pode exigir à ré que suporte metade do saldo negativo apurado. Com efeito, e diversamente do que afirma a ré recorrente em sede de conclusões (“se a empreitada tivesse corrido bem, a Recorrida podia, em teoria, negar qualquer tipo de repartição de lucros à recorrente”), a questão da paralisação dos efeitos retroactivos da nulidade colocar-se-ia também se fosse a ré a pretender que a autora partilhasse consigo um eventual saldo positivo obtido na actividade do consórcio em nome de um princípio de equilíbrio negocial e/ou de não enriquecimento sem causa. Que a autora suporte, por si só, os prejuízos gerados pela actividade do consórcio apresenta-se tão injusto como se a mesma autora auferisse, por si só, dos lucros gerados por tal actividade. 3.4. Resta, porém, apurar se a solução juridicamente correcta para alcançar a finalidade da paralisação da eficácia retroactiva da nulidade do contrato será o recurso à figura das “relações contratuais de facto” como entendeu o acórdão recorrido. Na verdade, esta construção dogmática tem vindo a ser maioritariamente rejeitada pela doutrina nacional, seja em termos gerais (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 220 e segs.; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II – Direito das Obrigações, Tomo II, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 237 e segs., especialmente pág. 644; Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 111 e segs.), seja, especificamente, como via de solução para a questão dos limites aos efeitos retroactivos da invalidade e da ineficácia contratual (cfr., entre outros, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 226 e seg.). Socorramo-nos da análise de Nuno Pinto Oliveira (ob. cit., pág. 111): “O problema das relações contratuais de facto consiste em determinar se é ou não adequado e, no caso de uma resposta afirmativa, se é ou não necessário derrogar os princípios e regras sobre o contrato, aplicando-os aí onde não há nenhum contrato, porque não há convergência de declarações de vontade. Os adeptos da teoria das relações contratuais de facto propõem-se aplicar os princípios e regras sobre o contrato às relações constituídas através de um contacto social (…), às relações decorrentes de contratos inválidos ou ineficazes (…) e às relações decorrentes de comportamentos socais-típicos.”. Naquilo que ora importa, isto é, no que se refere à possibilidade de se aplicar tal teoria às relações decorrentes de contratos inválidos ou ineficazes, afirma o mesmo autor o seguinte (ob. cit., pág. 112): “O segundo grupo de casos relaciona-se com a invalidade ou a ineficácia de contratos constitutivos de obrigações de prestação duradoura em sentido próprio. Quando a lei contém princípios e regras especiais sobre o regime da declaração de nulidade ou da anulação de um negócio jurídico, a derrogação dos princípios e regras gerais do art. 289.º decorre imediatamente da lei.”. E refere, como exemplo, o que sucede no domínio do contrato de sociedade e do contrato de trabalho. Continua o mesmo autor (ob. cit., pág. 113): “Existindo princípios ou regras adequados ao caso, a doutrina das relações contratuais de facto é consensualmente rejeitada, porque desnecessária. Quando a lei não contém princípios e regras especiais sobre o regime da declaração de nulidade ou da anulação de um contrato constitutivo de obrigações de prestação duradoura em sentido próprio, deve distinguir-se duas situações: Em regra, deve aplicar-se o regime geral da invalidade e da ineficácia. (…) Excepcionalmente, nas hipóteses em que a aplicação do regime geral da invalidade e da ineficácia tenha resultados injustos (p. ex., por frustrar a confiança daquele contra quem a invalidade ou a ineficácia é invocada), deve fazer-se uma redução teleológica dos princípios e regras gerais – p. ex., da regra da retroactividade dos efeitos da declaração de nulidade e da anulação.” [negrito nosso] Na linha do propugnado pelo autor que vimos referindo, considera-se que, no caso dos autos, a pretensão da ré, ora recorrente, de, uma vez declarada a nulidade formal do contrato de consórcio celebrado entre as partes, obter a restituição da quantia entregue com a qual comparticipou nos custos da actividade do consórcio, bem como a dispensa da sua comparticipação no saldo negativo da mesma actividade, configura um exercício gravemente desequilibrado e desproporcionado do direito, atendendo a que tal pretensão levaria a que apenas uma das partes suportasse o saldo negativo de actividade levada a cabo em prol de ambas. Sendo abusivo, esse exercício encontra-se abrangido pela proibição do art. 334.º do Código Civil (sobre o desequilíbrio no exercício do direito como modalidade de abuso do direito, ver, por todos, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V – Parte Geral – Exercício Jurídico, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 379 e segs.). Assim, e ainda que o acórdão recorrido tenha entendido afastar o abuso do direito, sendo este de conhecimento oficioso, nada obsta a que seja reconsiderado por este Supremo Tribunal, sem necessidade de prévia notificação das partes, uma vez que as partes tiveram já oportunidade de se pronunciaram a esse respeito no âmbito do recurso de apelação. 3.5. Aqui chegados, resta-nos determinar que consequências deve ter, no caso concreto, a paralisação dos efeitos retroactivos da nulidade do contrato. O acórdão recorrido, acolhendo, nesta parte, o pedido da autora – o qual, por sua vez assentava no critério de repartição dos custos, bem como dos eventuais lucros e perdas, acordado pelas partes, enquanto membros do consórcio (cfr. primeira parte do facto provado 9), condenou “a Ré no pagamento da quantia de € 33.870,06 (…) correspondente a metade de € 67.740,12 (v. ponto 9 dos factos provados)”, isto é, condenou-a a pagar à autora metade da “diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados” (facto provado 9, in fine). Poderia suscitar-se a dúvida, não considerada pelo Tribunal a quo, acerca da adopção deste critério de repartição igualitária do saldo negativo, uma vez que, nos consórcios internos, por remissão do art. 18.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho, a repartição dos lucros e perdas se rege pelo art. 25.º deste diploma (relativo à associação em participação), no qual se dispõe que “[a] participação do associado nas perdas das operações é limitada à sua contribuição”. Tendo, porém, em conta que o n.º 1 do dito art. 25.º prevê que as normas dos números seguintes relativas à repartição de lucros e perdas, possa ser afastada “se regime diferente resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato”, não merece censura o critério – repartição do saldo negativo em 50% para cada membro do consórcio – seguido no acórdão recorrido. A decisão do acórdão recorrido terá, porém, de ser corrigida em função do resultado a que chegámos supra, no ponto V, 2. do presente acórdão, na apreciação da questão do sentido da ressalva final do facto 9 (“não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré”). Tendo-se concluído, como se concluiu, que cada uma das partes deve suportar o valor de €33.870,06, que corresponde a metade do saldo negativo apurado, como se verifica (cfr. facto provado 9, in fine) que a mesma ré já entregou à autora a quantia de €13.402,75, haverá que deduzir tal quantia ao montante de €33.870,06, que é o montante da sua participação nas perdas, faltando-lhe ainda suportar €20.467,31. Esclareça-se que a condenação da ré no pagamento de montante inferior àquele que resulta dos cálculos constantes das conclusões 4) a 7) não desrespeita os limites do princípio do pedido, atendendo a que, no presente recurso, a pretensão principal da recorrente é no sentido da revogação do acórdão recorrido, com a sua absolvição do pedido, sendo a pretensão de redução do valor da condenação subsidiária em relação a esta. 4. Terceira questão: erro de julgamento da decisão de condenação da ré como litigante de má fé Prescreve o n.º 2 do art. 542.º do CPC: “Diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”. Tendo presente este regime legal, pronunciou-se o Tribunal da Relação da seguinte forma: “Resulta da atual redação desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis. E, analisando a conduta da Ré temos de concordar com a Recorrente e concluir que litigou de má-fé, tendo alterado a verdade dos factos ao vir negar expressamente ter celebrado com a Autora o acordo de cooperação, tal como descrito na petição inicial, bem como ter contribuído com a quantia de €13.402,75 a título de custos da obra e ter alegado que tal quantia foi entregue à Autora pela Ré mas a título de empréstimo, e fê-lo com dolo, pois o seu legal representante bem sabia, ou pelo menos não podia desconhecer que assim não era, considerando que, tal como afirma o tribunal a quo na motivação constante de decisão recorrida, a sua versão, que o seu legal representante tentou manter em sede de depoimento de parte, negando ter celebrado com a Autora qualquer acordo de cooperação empresarial, contraria “claramente aquilo que resulta dos documentos juntos aos autos” pela Autora. É inequívoco, em face da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, que a Ré não impugnou (veja-se que [não] usou da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 636º do CPC), que a tese trazida aos autos pela Ré não mereceu acolhimento. Assim, e desde logo, foi julgado não provado que a quantia de €13.402,75 foi entregue pela Ré à Autora a título de empréstimo (ponto V. dos factos não provados) e foi dado como provado (pontos 2, 3 e 8) que no exercício da atividade de ambas, as partes executaram uma obra, na Alemanha, para um cliente com a denominação J... e que, para esse efeito, estabeleceram um acordo de cooperação interempresarial, tendo a Ré contribuído para os custos da obra com a quantia de €13.402,75. Podemos, pois, concluir que os presentes autos revelam que a Ré veio a juízo afirmar a existência de uma realidade que não podia deixar de saber ser falsa (de acordo com o padrão de conduta exigível a uma pessoa normalmente prudente, diligente, sagaz e sensata) sendo o seu comportamento processual censurável, integrando, para além do mais, a violação do dever de verdade, e encerrando a sua conduta um comportamento desvalioso, merecedor de sancionamento como litigante de má-fé. Não acompanhamos, por isso, o entendimento do tribunal a quo que não condenou a Ré como litigante de má-fé.” [negritos nossos] Insurge-se a recorrente contra esta decisão, alegando essencialmente o seguinte: - Negar os factos da petição inicial, não pode consubstanciar por si só numa litigância de má-fé, sob pena de violação dos princípios constitucionais de defesa; - Da mesma forma, a invocação de o valor entregue à autora ter ocorrido a título de empréstimo e a falta de prova nesse sentido também não pode relevar contra a ré, ora recorrente; - Foi dada uma explicação para cada um dos documentos constantes no processo, nos quais se inclui a factura de € 13.402,75; é certo que o Tribunal não ficou convencido com a explicação dada e, por esse facto, não deu como provados os factos em causa e, ao invés, deu como provada a versão da autora; - Mas é excessivo concluir que tais negações ou explicações não provadas constituem litigância de má-fé; - Para a condenação da ré como litigante de má-fé teria de ter existido um comportamento suficientemente gravoso da mesma (dolo ou negligência grave ou grosseira) que justificasse essa condenação. Pugna a recorrida pela manutenção da decisão recorrida. A este respeito, importa esclarecer que o ponto IX da matéria de facto dada como não provada pela 1ª instância, que, em sede de apelação, a autora pretendeu se desse como provado, e que vem, de novo, invocar nas contra-alegações ao presente recurso (ver conclusão recursória 12)), foi eliminado pelo Tribunal da Relação por revestir natureza conclusiva, isto é, por revestir a natureza de uma conclusão de direito. Feito este esclarecimento, apreciemos a questão recursória. Compulsada a contestação da ré e a prova produzida, verifica-se que, contrariamente ao que alega, a mesma ré não se limitou a negar a factualidade alegada na petição inicial ou a apresentar uma explicação alternativa para tal factualidade, antes apresentou uma tese fantasiosa a respeito da natureza da relação jurídica existente entre as partes, a qual veio a ser cabalmente contrariada por abundante prova documental. Deste modo, não oferece dúvidas que a sua conduta constitui dedução de “oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar» (art. 542.º, n.º 2, alínea a), do CPC), bem como alteração à “verdade dos factos (…) relevantes para a decisão da causa” (art. 542.º, n.º 2, alínea c), do CPC), sendo, por isso, de manter a condenação como litigante de má fé, que em nada contraria os invocados princípios constitucionais. Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da recorrente. VI - Decisão Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se: a. Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 20.467,31 (vinte mil quatrocentos e sessenta e sete euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para as dívidas comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento; b. Manter a decisão de condenação da ré como litigante de má fé na multa de 10 UC e em indemnização à recorrente, cuja importância será fixada após audição das partes. Custas do recurso na proporção de 2/3 para a recorrente e 1/3 para a recorrida. Custas da acção na proporção do decaimento. Lisboa, 23 de Abril de 2025 Maria da Graça Trigo (relatora) Ana Paula Lobo Catarina Serra *** Voto de vencida Não acompanho a decisão que logrou vencimento pelas razões que passo a indicar: Estamos perante um contrato de consórcio nulo por vício de forma sendo que o art.º 289.º do Código Civil determina que declaração de nulidade do negócio têm efeito retroactivo. No acórdão que logrou vencimento apaga-se completamente tal efeito rectoactivo com fundamento em abuso de direito por parte da ré ao invocar tal nulidade, assente na pressuposição de que, caso a empreitada tivesse gerado lucros esta se apresentaria, com fundamento no contrato nulo por vício de forma a exigir quinhoar nesses hipotéticos lucros, na proporção estabelecida no contrato nulo. Não encontro na matéria provada qualquer indício de tal pressuposição. A matéria de facto indica que «No exercício da actividade de ambas, executaram uma obra, na Alemanha, para um cliente com a denominação J...» e que o fizeram em cumprimento do acordo de cooperação interempresarial segundo o qual «ambas forneceriam os trabalhadores e equipamentos de que dispusessem, suportando os respectivos custos de deslocação e alojamento e contribuiriam com o seu conhecimento de construção civil para orientar, organizar e executar a referida obra, sem que concretize qual a concreta participação de cada uma para a execução da obra, indicando ainda que «a obra seria assumida, encabeçada e facturada pela Autora». Temos igualmente que a ré entregou à Autora a quantia de 13.402,75 €, sem estar provado quando o fez, se próximo da celebração do acordo, nem a que título. A relevância que o legislador atribuiu à nulidade por vício de forma radica em razões de interesse público pelo que a paralisação da sua normal e típica eficácia retroactiva apenas pode ocorrer em situações muito particulares que evidenciem, usando a expressão constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 proferido no processo 2234/11.3TBFAF.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt (…) uma conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer focos de litigiosidade relevante, assumindo aquelas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto» que, no caso concreto, se não pode recolher na matéria de facto provada. Lisboa, 23 de Abril de 2025 Ana Paula Lobo _______
1. Verifica-se que por lapso material, sem repercussão na decisão de direito, os pontos 4) a 9) da matéria de facto constam da sentença, mas não do acórdão da Relação. |