Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
303/09.9TBVPA.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DUPLA CONFORME
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
ÂMBITO DA REVISTA
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FACTO NOTÓRIO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 06/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ, CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, 566.º, 805.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 514.º, 668.º, 685.º-A, 712.º.
PORTARIA Nº 377/2008, DE 26 DE MAIO.
PORTARIA Nº 679/2009, DE 25 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT:

- DE 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. Nº 02A1321
- DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003, PROC. Nº 03A3450
- DE 15 DE JANEIRO DE 2004, PROC. Nº 03B926
- DE 5 DE JULHO DE 2007, PROC. Nº 07A1734
- DE 4 DE DEZEMBRO DE 2007, PROC. Nº 07A3836
- DE 17 DE JUNHO DE 2008, PROC. Nº 08A1266
- DE 23 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. Nº 08B2318
- DE 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. 07B2978
- DE 22 DE JANEIRO DE 2009, PROC. 07B4242
- DE 25 DE JUNHO DE 2009 (WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B3234
- DE 7 DE JULHO DE 2009, PROC. Nº 205/07.3GTLRA.C1
- DE 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0037
- DE 5 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. Nº 381-2002.S1
- DE 7 DE OUTUBRO DE 2010, PROC.Nº 839/07.5TBPFR.P1.S1.
- DE 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº272/06.7TBMTR.P1.S1
- DE 6 DE OUTUBRO DE 2011, PROC. Nº 733/06.8TBFAF.G1.S1
- DE 23 DE NOVEMBRO DE 2011, PROC. Nº 90/06.2TBPTL.G1.S1
- 31 DE JANEIRO DE 2012, PROC. Nº 875/05.7TBILH.C1.S1
- DE 17 DE MAIO DE 2012, PROC. Nº 48/2002.L2.S2
- DE 31 DE MAIO DE 2012, PROC. Nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1
- DE 7 DE FEVEREIRO DE 2013, PROC. Nº 3557/07.1TVLSB.L1.S1
- DE 21 DE MARÇO DE 2013, PROC. Nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2002, DE 9 DE MAIO (DIÁRIO DA REPÚBLICA I SÉRIE, DE 27 DE JUNHO DE 2002 E WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 01A1508).
Sumário :

1. O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil; os que são seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.

2. As circunstâncias concretas do caso aconselham a que se não proceda a uma redução do montante da indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrentes da acentuada perda de capacidade de ganho, como compensação pelo seu recebimento antecipado e de uma só vez.

3. A condenação segundo a equidade está limitada pela prova produzida.

4. Para a determinação do momento a partir do qual são devidos juros de mora, cumpre interpretar a decisão de condenação no pagamento da indemnização, por forma a determinar se actualizou ou não o cálculo que fez.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra a Companhia de BB SA (posteriormente, CC, SA) DD, SA e EE, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da indemnização de € 913.111,40 [a) € 20.000,00 pelo sofrimento, b) € 50.000,00 pelos danos psicológicos, c) € 50.000,00 pelas repercussões não patrimoniais dos danos físicos, d) € 20.000,00 pelo dano estético, e) € 20.000,00 pelo dano sexual, f) € 20.000,00 pelo dano paternal, g) € 40.000,00 pelas despesas de saúde futuras, h) € 50.000,00 por danos não patrimoniais futuros, i) € 635.500,00, provisoriamente, por danos patrimoniais futuros, j) pelo montante equitativamente encontrado quanto aos danos patrimoniais indirectos, l) € 6.600,00 pela motorizada, m) € 1.011,40 por despesas de deslocação e outras] pelos danos sofridos em consequência de um acidente de que foi vítima em 22 de Agosto de 2003, ao embater numa auto-grua conduzida pelo segundo réu, por conta da primeira ré, que seguia em sentido contrário ocupando as faixas de rodagem de ambos os sentidos.
A ré Companhia de Seguros contestou, por impugnação e por excepção, sustentando a ilegitimidade dos demais réus. Contestaram igualmente DD, SA, invocando a sua ilegitimidade e a prescrição do direito à indemnização e impugnando os factos alegados; e EE, dando uma versão diferente do acidente.
O autor replicou.
No despacho saneador, DD, SA e EE foram absolvidos da instância por ilegitimidade, tendo em conta o contrato de seguro celebrado com a primeira ré, titulado pela apólice 0000000000, com cobertura muito superior ao montante pedido.
Pelo despacho de fls. 769, foram admitidos a ampliação do pedido (para € 1.662.611,40) e o aditamento de novos danos (cfr. cópia de fls. 1072), apesar da oposição da ré (com cópia a fls. 1084).

2. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 835, que entendeu que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor da auto-grua e condenou a ré Companhia de Seguros no pagamento da indemnização de € 647.340,74. Foi considerado improcedente o pedido de condenação em juros, formulado apenas quando o pedido foi ampliado.
Ambas as partes recorreram. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls. 1094, negou provimento à apelação da ré e concedeu provimento parcial ao pedido do autor, condenando a ré no pagamento de € 868.986,18, com juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

3. As partes recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.
O autor interpôs recurso de revista excepcional, apresentando as respectivas alegações, às quais a ré respondeu, em contra-alegações; a ré interpôs recurso de revista, e o autor recorreu subordinadamente.
Pelo acórdão de fls. 1434, proferido pela formação a que se refere o nº 3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, não foi admitido o recurso de revista excepcional, por se ter entendido não existir dupla conforme. O que significa que está prejudicado determinar se ocorrem ou não as contradições apontadas como fundamento de revista excepcional.
Tendo em conta que, quanto ao mais, as questões levadas às conclusões das alegações apresentadas na revista excepcional constam das alegações do recurso subordinado, serão estas tomadas como referência para efeitos de delimitação do objecto do recurso do autor.

Assim:

Nas alegações que apresentou, a ré formulou as seguintes conclusões:

“1ª-A recorrente não se conforma com o douto acórdão recorrido, por entender que o mesmo enferma de nulidade por falta de fundamentação na modificação que operou à resposta à matéria de facto dada ao quesito 19° da base instrutória;
2a- Acresce que, salvo o devido respeito, fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente, quanto aos montantes arbitrados ao autor a título de danos patrimoniais futuros por perda da capacidade de ganho e por danos não patrimoniais, bem como quanto à condenação em juros desde a citação;
Assim,
3a- Não está em causa a sindicância à matéria de facto que está vedada à Recorrente discutir e a este Supremo Tribunal apreciar, mas tão só à falta de fundamentação para tal alteração e conclusão.
4a- O Tribunal de 1a instância, no quesito 19° considerou provado que:" Em julho de 2003 o restaurante do autor gerava-lhe um rendimento de, pelo menos, €2.708,86 mensais".
5a- E justificou tal resposta, considerando "fixada equitativamente num vencimento equivalente aquele que o funcionário FF passou a auferir em Outubro de 2003 ".
6a- Porém, o Tribunal da Relação do Porto operou a modificação aquela resposta para: " Em Julho de 2003, o restaurante do autor gerava-lhe um rendimento de, pelo menos, €3.958,19 mensais" .
5a- Sem que se perceba qual o raciocínio lógico, "o itinerário cognoscitivo", que levou os Venerandos Desembargadores a obter tal montante, como resulta de pg 28 e 29 do douto acórdão, pelo que padece de manifesta falta de fundamentação.
6a- Salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação está sujeito aos mesmos termos do disposto nos art 653° do CPC quando usa o poder-dever do disposto no art. 712° do CPC, pelo que deve também constar a respectiva fundamentação, quando altera a decisão da matéria de facto.
7a-Por isso, salvo melhor opinião, tal falta de fundamentação implica a sua nulidade, e na ausência de sanção expressa, deve considerar-se como válida a resposta dada pela 1a instância porque devidamente fundamentada.
Acresce que,
8a- Relativamente aos danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP de que o autor ficou a padecer, foi atribuída ao autor em Ia instância a quantia de 470.274,56 €, sendo elevada pelo Tribunal da Relação do Porto para 691.920,00 €;
9a- Quanto a este aspecto ficou provado que o autor tinha 30 anos, o restaurante gerava-lhe um rendimento médio mensal de 2.708,86 euros no entender da Ia instância e de 3.958,19 da 2a instância, ficou a padecer de uma IPP geral de 52,026 pontos e teve de contratar outro empregado e suportar os encargos de tal contratação, a quem pagou desde Setembro de 2004 a Dezembro de 2004 a quantia mensal ilíquida de 2.017,68 euros.
10a- Porém, também como consta da douta sentença o autor continuou, e continua, a exercer a actividade de exploração de restaurante e continua a obter os rendimentos do mesmo, bem como a deduzir os custos com os empregados, pelo que o prejuízo profissional para o autor, sendo que existe, é residual, dado que continua a ter a mesma actividade de restaurante e viu os seus rendimentos aumentarem.
11a- E como salienta o douto acórdão, em crise, que: "não resulta da prova produzida que as receitas proporcionadas pelo restaurante do autor tivessem diminuído, fora o período subsequente ao acidente, até outubro de 2003, em que esteve encerrado e no período imediatamente seguinte".
E que "também é certo que foi referido que o estabelecimento trabalha bem e tem tido algum incremento de clientela e, normal e consequentemente de receitas, se bem que considerando todo o período subsequente de vários anos ".
12a- O caso do autor é um exemplo pleno de reconversão profissional, deixando de exercer as funções de empregado de balcão ou de mesa, passou a gerir o restaurante, explorando e orientando o mesmo e mantendo os rendimentos, ou até, aumentaram, como, aliás, resulta das declarações de IRS juntas aos autos.
13a- Por isso, como consta da parte final do douto despacho de fundamentação às respostas à matéria de facto: "No que respeita aos restantes trabalhadores o Tribunal considerou que as contratações se deveram no essencial ao facto do restaurante continuar a ter mais clientes e necessidade de mais mão de obra, vide os depoimentos de GG (esposa do autor) e HH (irmão do autor que foram claros em reconhecer que a clientela tem continuado a aumentar ";
14a- Pode dizer-se que o dano patrimonial compreende as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, ou como observava S. Tomás:
Ao homem o dano pode causar-se por dois modos: quer privando-o do que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter (cit. De Castro Mendes, do Conceito Jurídico de Prejuízo, pg 29).
15a- E in casu temos de atender ao que o autor ficou privado de ter ou ficou impedido de obter, atendendo à especificidade do caso concreto, para em termos de equidade lhe ser arbitrada uma indemnização;
16a-, Por isso, de acordo com o Ac. deste STJ de 18.03.1997 in CJ Ano V, Tomo II, pag.24:
" Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas, ou seja, na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente ".
17a- E, "neste caso, os cálculos para a indemnização devem assentar em juízos de equidade, não se ajustando a estas situações as tabelas financeiras e as demais operações que normalmente se utilizam nesta actividade calculadora, as quais apenas poderão ter um cariz meramente adjuvante. O bom senso e a lei determinam que se proceda ao cálculo indemnizatório no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal de coisas e o circunstancialismo de facto envolvente, fazendo juízos de equidade ".
18a- Ora o "curso normal das coisas" e o "circunstancialismo envolvente" vão precisamente em sentido contrário ao apontado rendimento do autor, pois, não podemos ignorar a crise económica generalizada que abrange quer Portugal, quer a Espanha, e muitos outros países, sendo natural, mais que previsível e de todo expectável, certa mesmo, a perda de rendimento de toda a gente;
19a- Face à situação económica actual em Portugal ou em Espanha não é expectável, de acordo com o bom senso e experiência da vida, que alguém continue a perceber um rendimento de quase 4.000,00 euros mensais na actividade de um restaurante, mesmo que os percebesse até 2008;
20a- Acresce que, como salienta o acórdão recorrido "dificilmente manteria o ritmo (mesma até essa idade)", ou seja 70 anos , pois não é crível que alguém trabalhe por três pessoas (!!!) e 18 horas por dia (!!!), atendendo ao "desgaste" que tal implicaria, pelo que dificilmente continuaria a trabalhar para além dos 65 anos .
21a- Por outro lado, sendo atribuída uma indemnização que não está sujeita a IRS e não sendo efectuados quaisquer descontos para a Segurança Social, deve a mesma ser cuidadosamente ponderada, até porque o autor vai receber aquela quantia de uma só vez;
22a- E recebendo o autor uma indemnização por incapacidade permanente para o trabalho, deve à mesma deduzir-se o imposto de IRS que o autor teria de pagar necessariamente enquanto trabalhasse e os descontos para a segurança social.
23a- Como se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2010 proferido no Rec. Apelação n° 250/07.9TBBGC.P1, Relator Pedro Lima da Costa:
"...não ponderar o encargo fiscal previsível que o autor teria se não tivesse ocorrido o sinistro corresponde a enriquecimento injustificado do autor ã custa da Ré, preterindo-se encargo legal a que todos estão sujeitos...
A limitação de incidência fiscal referida nos citados art. 9o, n° l al b) e corpo do n° 1 do art. 12° do Código de IRS é benefício de que o devedor da indemnização se pode prevalecer para ver a sua responsabilidade diminuída, não estando instituído só para vantagem do lesado que recebe a indemnização"
24a-Ora, atendendo ao caso concreto, à sua especificidade e à equidade que se impõe pensamos ser mais justa e adequada a quantia de cerca de 390.000,00 euros.
25a- No que tange a danos não patrimoniais, a douta sentença proferida em 1a instância arbitrou ao autor a quantia total de 95.000,00 €, o que nos pareceu logo exagerado, ultrapassando, inclusive, o valor normalmente atribuída ao próprio direito à vida.
Porém,
26a- Pese embora o douto acórdão recorrido refira, além do mais, que:
" Se a reparação não pode ser meramente simbólica…, também não deve ser excessiva, sem tradução nas realidades da vida ...por isso que a reparação global fixada por danos não patrimoniais perfez o montante de € 95.000,00, valor que, e mesmo sem consideração da difícil situação económica actual, ( mesmo em Espanha, onde o apelante trabalhava e vive), não desprezível para fixação da compensação, não pode ser considerado, de modo algum, miserabilista ou desprovido de valor reparador."
27a- Não obstante tais considerações, que nos parecem acertadas e lógicas, e não sendo miserabilista, o Tribunal recorrido ampliou tal indemnização para 110.000,00 euros, o que nos parece manifestamente exagerada e injustificada.
28ª - Sendo os danos não patrimoniais insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
29a- E, se o dano de cálculo não tem aqui aplicação, pelo que a lei — art. 496°, n° 1 do CC - fez apelo a uma fórmula genérica, mandando atender só aqueles danos não patrimoniais que pela sua relevância mereçam a tutela do direito e a sua gravidade deve ser apreciada objectivamente.
30a- E, se quanto à fixação do montante indemnizatório por estes danos a lei remete para juízos de equidade, tendo em atenção os factores referidos no art. 494° do CC - grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias.
31a- E, entre "as quaisquer outras circunstâncias" referidas no art. 494°, costumam a doutrina e a jurisprudência francesas apontar a idade, sexo, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidade de melhoramento, de reeducação e de reclassificação (Françoise Cocral, Les responsabilités civiles diverses et le contraí d'assurance, pg 165).
32a-Estes princípios, impõem que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, devendo seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.
33a- Aliás, a recente legislação publicada vai exactamente nesse sentido, e a publicação da Portaria n° 377/2008 de 26 de Maio, estabeleceu valores que devem ser seguidos como critérios orientadores e uniformizadores;
34a- E estando nós de acordo com o douto acórdão recorrido quando refere que nenhuma razão existe ou se vislumbra na valorização de danos não patrimoniais para valorizar autonomamente o quantum doloris, danos psicológicos, danos físicos e dano paternal.
35a- Por isso, atendendo à prudência, ao bom senso e ajusta medida das coisas, parece-nos que a quantia de 110.000,00 euros é exagerada, pelo que salvo o devido respeito, parece -nos que a quantia de 45.000,00 euros por tais danos é mais adequada e justificada, correspondente ao dano efectivamente sofrido pelo recorrido e de acordo com o valor normalmente atribuído pela Jurisprudência em casos análogos.
Finalmente,
36a- O douto acórdão recorrido condenou a ora recorrente ao pagamento de juros desde a citação, relativamente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais arbitrados, o que, se relativamente aos danos patrimoniais emergentes no valor de 7.006,18 euros a ora Recorrente se conforme, já o mesmo não sucede, nem pode suceder quanto aos demais danos.
37a- Pois foi o autor que pediu a condenação da Ré "tendo-se em conta o montante da indemnização na sua actualização à data que for proferida a sentença, as seguintes quantias acrescidas de juros desde a citação, á taxa legal, até efectivo pagamento ".
38a- E parece-nos que dúvidas não restam, que as indemnizações arbitradas, não só pelos seus montantes, mas também pelos critérios utilizados, foram actualizadas à data da sentença tal como o autor peticionou;
39a- Se "a actualização efectiva da indemnização há-de resultar da sentença ou porque nela se afirma expressamente a actualização à data em que é fixada, ou porque decorre dos critérios a que o julgador recorreu para a determinar ".
40a- In casu, se é certo que não resulta da sentença expressamente a actualização, porém, dúvidas não restam, face aos fundamentos da sentença e acórdão, e aos valores fixados, que quer o M° Juiz da 1a instância, quer os Venerandos Desembargadores utilizaram critérios actuais para condenação em tais montantes, aliás, tendência normal e natural do julgador.
41a - Pois que, a condenação da Ré na quantia de 110.000,00 euros a título de danos não patrimoniais e no pagamento da quantia de 691.200,00 € a título de indemnização por incapacidade, são sem dúvida valores actuais e não se reportam a critérios de 2009, quando a presente acção foi instaurada.
42a- Os danos patrimoniais decorrentes da incapacidade não deixam de ser futuros e daí a indemnização corresponder a uma antecipação do rendimento, e o montante de danos não patrimoniais prima por "não ser miserabilista" , e de acordo com a equidade.
43a - De igual modo, não faz sentido, condenar a Ré a pagar juros de mora sobre as despesas futuras com "ajudas técnicas" no valor de 40.000,00 €, e referente a consultas, exames e tratamentos no futuro no valor de 20.000,00 6, quando nem sequer ainda despendeu tais quantias ou efectivou tais despesas, e por isso são futuras, pelo que salvo o devido respeito, só são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.
44a- Como vem sendo unanimemente decidido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, os juros só são devidos a partir da sentença que fixa os montantes e não desde a citação para contestar, já que a função da actualização só é admissível em relação a valores que não tenham sido em sede de sentença objecto de actualização em termos de equidade — vide Ac. STJ de 28.10.92 , CJ, Tomo IV pg 92.
45a- Assim, como vem sendo unanimemente considerado e decidido pela jurisprudência dos Tribunais superiores esta actualização, em relação ao momento em que é fixada tal indemnização impede a possibilidade de serem devidos juros de mora desde a citação;
46a- E como tal foi proferido o Acórdão do STJ n° 4/02 publicado no DR 27/06/02 em que fixou expressamente que a indemnização por facto ilícito, como nos autos, nos termos do disposto no art. 566° do CC, só vence juros de mora a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
47a- Pelo exposto o douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 653° do CPC e fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483°, 566°, 805°, e 496° do CC, e do Ac. STJ n° 4/02 .

O autor contra-alegou e apresentou recurso subordinado, concluindo desta forma:

“1 Pelas razões expostas, e outras que V.as Ex.ªs doutamente e superiormente sempre suprirão, deve o presente recurso subordinado, a ser admitido o independente, ser considerado procedente.
2o O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que se recorre, está em contradição com o acórdão – fundamento do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.° 839/07.6TBPFR.P1.S1, da T Secção, no dia 07-10-2010, já transitado em julgado, em que foi relator o Exmo. Senhor Meritíssimo Juiz Conselheiro Lopes do Rego, e adjuntos os Exmos. Senhores Meritíssimos Juízes Conselheiros Barreto Nunes e Orlando Afonso, tendo sido votado por unanimidade, e que se juntou a estes autos com o recurso de revista excepcional uma certidão do acórdão.
3o Ambos os acórdãos incidem sobre as mesmas questões fundamentais de direito, o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da indemnização por danos emergentes e lucros cessantes nos termos do disposto no artigo 564° do Código Civil (Cálculo da indemnização), e o recurso à equidade nos termos do disposto no número 3 do artigo 566° do Código Civil, por no acórdão recorrido os julgadores, com o devido respeito, se não terem contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma, muito em particular, pelo critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados neste Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão - fundamento, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o principio da igualdade.
4o Os critérios que o acórdão recorrido a fls. 1126 adoptou, que aqui separamos em alíneas a) e b), que são divergentes do acórdão - fundamento, são:
a)O acórdão recorrido atendeu à idade limite da reforma, à idade limite de 70 anos para efeitos de cálculo dos danos futuros.
Operando, conforme consta da decisão recorrida (quarto e quinto parágrafo de fls. 1126), calculou deste modo: €3.958,19 x 12 meses x 52,026 (incapacidade permanente) x 40 anos (até à idade limite da reforma) = € 988.458,20.
E, b)Entendeu o acórdão recorrido que se o lesado receberá, de uma só vez e antecipadamente, uma reparação por perda de rendimentos que seriam apenas percebidos ao longo de considerável período de tempo, podendo, em aplicação do capital, obter outros
rendimentos. O que justifica que, no global da indemnização se proceda a algum acerto, de forma equitativa, de modo a compensar esse benefício de possível aplicação do capital
antecipado de forma rentável (tendo retirado à indemnização devida ao lesado o valor correspondente a 30%, que neste caso em concreto, é no valor de € 296.537,46), reduzindo assim a indemnização por danos patrimoniais futuros devida ao lesado ao valor global de €691920.00

5o Por seu lado, os critérios que o acórdão - fundamento adoptou a fls da página Web 18 de 20, que aqui igualmente separamos em alíneas a) e b), são os seguintes:
a) Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma).
Operando, e à falta de melhor entendimento por parte deste mais alto tribunal, conforme consta supra da motivação do presente recurso, calculou-se deste modo: €3.958,19 x 12 meses x 52,026 (incapacidade permanente) x 48 anos (até à esperança média de vida do lesado) = € 1.186,000,00 (um milhão cento e oitenta e seis mil euros),
b) No acórdão - fundamento, e como vem sendo uniformemente reconhecido, entendeu-se que, da ponderação de variantes dinâmicas (e que a sentença e o acórdão de que se recorre não tiveram em consideração) que escapam, em absoluto, ao cálculo objectivo, como por exemplo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, é que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação».
Operando, e à falta de melhor entendimento, deve manter-se o cálculo indemnizatório (sem a redução referida no acórdão recorrido): €3.958,19 x 12 meses x 52,026 (incapacidade permanente) x 48 anos (até à esperança média de vida do lesado) = € 1.186,000,00 (um milhão cento e oitenta e seis mil euros).
Sem prescindir, e por mera cautela, para o caso dos critérios e fundamentos do acórdão -fundamento não terem vencimento, deve ter-se no presente caso em concreto em consideração o seguinte:
6o Tendo o calculo indemnizatório (da Ia instância e do Tribunal da Relação do Porto) tido apenas em conta a percentagem de 52, 026 de incapacidade permanente (cfr. o quinto parágrafo de fls. 1126, € 3.958,19 x 12 meses x 52,026 x 40 anos = € 988.458,20), é, a nosso ver, e desde logo, e salvo sempre melhor entendimento, manifestamente injustificado e extremamente injusto, e por isso desacertado por não equitativo, que tenha sido procedido, como refere o acórdão de que se recorre, a um acerto, de forma equitativa, de modo a compensar o benefício de possível aplicação do capital antecipado de forma rentável e o encargo fiscal, tenha reduzido (para além do que já se reduziu ao se atender apenas no cálculo à IPG de 52,026 em vez de uma bem superior como resulta da matéria provada) ao autor uma quantia bastante significativa do valor a que tem direito, aplicando uma percentagem de 30%, ou seja, reduzindo ao autor o valor não despiciendo de € 296.537,46. (por ter tido o beneficio (?) de ter tido um acidente que o impediu de ganhar € 988.458,20, e ainda muito mais do que isso, conforme era perfeitamente expectável e previsível face às grandes qualidades pessoais e profissionais do autor espelhadas na extensa matéria factual provada e ao facto de a capacidade restante e demais circunstâncias impedirem o autor em absoluto e irremediavelmente, para o resto da sua vida, de poder ganhar dinheiro na sua ou em qualquer outra actividade profissional, como resulta também líquido da matéria provada)
7 A isto acresce que, no seu juízo de equidade, o acórdão de que se recorre não teve também em consideração, as seguintes circunstâncias específicas do presente caso em concreto, a saber:
a) Neste momento já passaram mais de 9 anos desde a data do acidente e o autor não recebeu ainda o dinheiro a que legalmente e legitimamente tem direito desde a data do acidente.
b) Quem teve e continua a ter o dinheiro do autor ao longo destes mais de 9 anos a caminho dos 10 é a ré, e esta sim, porque não foi vítima de nenhum acidente (bem pelo contrário, foi o seu segurado o causador do acidente), porque não teve nenhuma dor nem ficou com nenhuma incapacidade ou prejuízo que justifique minimamente o seu enriquecimento ao longo de todos estes anos com a posse do dinheiro do autor. A ser correcto esse raciocínio, o tribunal não teve em consideração este tempo todo de 9 anos e mais não se sabe ainda quanto tempo, que a ré tem o dinheiro do autor e dele tem vindo a fazer aplicações rentáveis para si (causadora do acidente que em vez de ser penalizada tem vindo a ser unicamente beneficiada), além de que, caso o autor não tivesse sido vítima de acidente, também não teria de suportar outros custos, como as custas no tribunal (também pelo decaimento) e outras, e sempre beneficiaria do Estado Espanhol (onde vive e vai continuar a viver) pelo facto de ter pago ao Estado Espanhol os seus impostos, nomeadamente através de uma boa reforma a que teria direito no final da sua vida e assim não tem.
8o O tribunal também tinha assim de ponderar e considerar estas questões e não considerou, razão pela qual, a ser de aplicar, sempre teria de se aplicar uma outra percentagem que não a que foi aplicada nas instâncias (de 20% e 30%), até porque o tempo antecipado já não conta nem pode contar com os cerca de 10 anos já passados sem o autor ter o dinheiro, mas sim a ré.
9o Depois, para atribuição do valor que o autor auferia (que teve de ser destinado aos seus empregados que o substituíram por ter ficado incapacitado) o tribunal teve em consideração os valores recebidos pelos empregados logo a seguir ao acidente e no ano do acidente (ano de 2003) e não nos anos ou sequer meses seguintes ao acidente, e por isso, não está actualizado.
Depois,
10° O acórdão da relação, a fls. 1126, embora tenha operado nos termos da decisão da Ia instância, reduziu de 14 meses (que tinham entrado no cálculo da Ia instância) para 12 meses, no cálculo que fez aos rendimentos perdidos pelo autor, a saber: € 3.985,19 x \2 meses x 52,026 x 40 anos= € 988.458,20.
1 Io E ainda, em ambas as decisões " a quo" , Ia instância e Relação, não foi tido em conta ou em consideração, que o nível de vida (com crise ou sem crise) em Espanha é cerca de 38% superior ao nível de vida em Portugal ( e isto no ano da propositura da acção em 2009), e por isso, todos os valores indemnizatórios que foram fixados ao autor valem 38% menos, do que os que foram ou sejam fixados a quem viva em Portugal, não tendo assim as instâncias " a quo" traduzido nas suas decisões a realidade da vida em que se move o lesado, requerendo a V,as Ex.ªs que o façam agora, nomeadamente por força do n.° 1 do art. 514°do CPC.
12° No que se refere à atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, também existe contradição entre os acórdãos aqui referidos, a saber: Ambos os acórdãos incidem sobre a mesma questão fundamental de direito, o critério adoptado para quantificar a indemnização compensatória devida a título de danos não patrimoniais nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 496° do Código Civil (Danos não patrimoniais) com recurso à equidade, seguidos em situações análogas ou equiparáveis à do presente caso em concreto – em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma profunda, radical e irremediável, a qualidade de vida dos lesados, ainda jovens no momento do acidente. Por, no acórdão recorrido, com o devido respeito, o critério aí adoptado se afastar, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados neste Supremo Tribunal de Justiça, para casos semelhantes, nomeadamente os referidos no acórdão - fundamento, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e a igualdade perante casos semelhantes.
13° Assim, enquanto que o acórdão recorrido, com recurso à equidade, e perante uma situação, que é pelo menos semelhante à do acórdão fundamento (mas que a nosso ver, é ainda pior, por neste nosso caso em concreto, além da vitima ter tido gravíssimos danos físicos, teve também gravíssimos danos mentais – sendo certo que os danos mentais são ainda mais graves pois é a cabeça que comanda tudo, e por isso se justifica uma indemnização superior), atribuiu ao lesado uma indemnização global a este título de apenas € 110.000,00, enquanto que no acórdão fundamento foi atribuído a quantia indemnizatória de € 150.000,00 e num outro igualmente semelhante (mas a nosso ver, também menos grave que o do presente caso em concreto pelas razões atrás referidas) e que vem também referido no acórdão fundamento (Ac. de 23/10/08, proferido no p: 08B2318) em que foi fixado por este Supremo Tribunal de Justiça o valor indemnizatório a este título de danos não patrimoniais de € 180.000,00, e a cidadãos nacionais residentes em Portugal.
14° Adoptando o mesmo critério que foi adoptado anteriormente nestes processos por este Supremo Tribunal de Justiça (cf. página Web 20 de 20 do acórdão fundamento), em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, a que acresce no presente caso em concreto, de numerosas lesões mentais, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas mentais, justifica-se aqui a atribuição ou fixação equitativa de um valor um pouco superior, por ser ainda mais grave danos físicos e mentais), ao já anteriormente atribuído por este mais alto tribunal, no valor peticionado pelo autor/recorrente de € 190.000,00.
15° Quanto aos danos patrimoniais futuros com as despesas do autor com a sua saúde, que o tribunal da Relação reduziu o valor fixado pela Ia instância, resulta da matéria provada e supra por nós transcrita, que o autor, no futuro, e para além do que supra na motivação já melhor se disse, vai ver também aumentado e agravado o seu estado de saúde geral, o que, igualmente, para além do consequente agravamento e aumento dos seus danos físicos e mentais (como resulta da matéria provada já são neste momento enormíssimos), os mesmos vão obviamente necessitar de maiores cuidados médicos, de várias especialidades médicas (nomeadamente, ortopedia, traumatologia, cirurgia estética, plástica e reconstrutiva, fisioterapia, psicologia, psiquiatria e neurologia) e outros cuidados eexigências nomeadamente medicamentosas com elas relacionadas e internamentos em unidades de saúde, com os consequentes e naturais custos diários acrescidos que isso irá pesar significativamente na economia do autor, e sempre por certo e seguro, tendo em conta a juventude do autor, por um longuíssimo período, pois deles tristemente jamais se vai ver livre até ao final dos seus dias (confrontar ainda, por exemplo, o quesito 163, provado: "Em consequência do acidente o autor vai necessitar ao longo de toda a sua vida, de consultas médicas, acompanhamento médico, tratamentos e cuidados médicos. anestesias, cirurgias, internamento e fisioterapia"-sic-.
16o Considerando assim que estamos a reportarmo-nos a cerca de pelo menos 40 anos de vida (a partir desta altura), caso o autor não viva para lá da esperança média de vida, e tendo-se sempre em consideração que com o andar dos anos a saúde do autor vai necessariamente agravar-se e será cada vez mais complicada face às graves lesões físicas e mentais de que foi vitima, por culpa exclusiva do outro condutor que conduzia um veículo de grandes dimensões, uma auto-grua, que por isso, por ser um veículo potenciador de grandes danos, tinha um seguro de responsabilidade civil muito superior ao que é normal, e que sendo um veículo gerador de maiores danos, como efectivamente gerou, logo, acarreta ou devia acarretar também uma maior indemnização.
17° Por todas estas razões, se nos afigura mais justo fixar a quantia peticionada a este título pelo autor de € 100.000,00, o que se requer a V.as Ex.as, sendo a nosso ver manifestamente insuficiente a quantia arbitrada pela Relação de apenas € 20.000,00 para um tão longo período temporal e que se prevê por certo ainda mais gravoso e por isso bem mais dispendioso, conforme tudo resulta da matéria de facto provada.
18° Foi violado pelo acórdão de que se recorre, todos os normativos e legislação referidas na motivação e conclusões do presente recurso e os princípios e critérios jurisprudenciais adoptados por este Supremo Tribunal de Justiça referidos no acórdão -fundamento que se juntou e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.”

Estes recursos foram admitidos, como revista, com efeito meramente devolutivo (despacho de fls. 1420).

4. Vem provado o seguinte (transcreve-se o acórdão recorrido, com as alterações que determinou – Entre parênteses o número correspondente da base instrutória.):

1) No dia 22 de Agosto de 2003, cerca das 18h20m na Estrada Municipal 557, na localidade e aldeia de Gouvães da Serra, Vila Pouca de Aguiar, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes uma máquina industrial pesada, sem matrícula, denominada auto-grua, marca Liebherr, modelo LTM 00000000, conduzida por EE e o motociclo, marca Suzuki, modelo GS 500E, com a matrícula 00-00-00, propriedade e conduzido pelo Autor.(a)
2) A auto-grua circulava na faixa de rodagem no sentido Gouvães da Serra - Veiga.(b)
3) E o motociclo tripulado pelo autor no sentido Veiga – Gouvães da Serra.(c)
4) No local em que se deu o acidente a faixa de rodagem tem 4 metros de largura e cada hemi-faixa 2 metros.(d)
5) Era de dia e o tempo estava bom.(e)
6) O motociclo referido em 1) e que o autor conduzia tem a largura de 0,80 metros.(f)
7) O Autor nasceu em 02.03.73 e casou no dia 6 de Março de 1996. g
8) II nascido a 14 de Junho de 1997 e JJ nascido a 26 de Novembro de 1999 são filhos do autor.(h)
9) Por contrato de seguro titulado pela apólice AU 0000000 o proprietário da auto-grua, identificada em 1), transferiu para a Ré Companhia de Seguros BB, SA», a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação da referida viatura, até ao montante de €50.000.000,00.(i)
10) A grua descrita em 1) tem a largura de 2,75 metros.(j)
11) Antes do acidente o autor era um homem saudável, elegante e dinâmico.(1)
12) Trabalhador, aventureiro e com espírito de iniciativa.(2)
13) Aos 16 anos de idade foi trabalhar para Espanha como empregado de balcão.(3)
14) Em Março de 1997 o autor abriu um café em Madrid.(4)
15) Onde trabalhava sozinho, apenas com a ajuda da mulher, algum tempo da parte da manhã.(5)
16) O café funcionava todos os dias.(6)
17) Em Setembro de 2001 abriu o restaurante em Madrid denominado “E........”.(7)
18) Passando a ter mais clientes e aumentando a facturação.(8)
19) Em meados de Outubro de 2001 o autor contratou FF como empregado do restaurante referido em 17).(9)
20) Pagando-lhe desde essa data e até 30 de Setembro de 2003 a quantia mensal líquida de €717,94.(10)
21) O autor trabalhava cerca de 17 horas diária.(11)
22) Todos os dias da semana.(12)
23) O restaurante do autor encerrava apenas uma semana no Verão.(13)
24) Era alegre e simpático para com os clientes e outras pessoas com quem contactava.(14)
25) Gostava de servir às mesas no restaurante e trabalhar ao balcão.(15)
26) Ajudava na cozinha lavando a louça e descascando batatas.(16)
27) Arrumava as caixas das bebidas e de barris de 50 litros de cerveja.(17)
28) Limpava as chapas do fogão que assam a carne.(18)
29) Em Julho de 2003, o restaurante do autor gerava-lhe um rendimento de, pelo menos, € 3.958,19.(19) [1ª Instância: Em Julho de 2003 o restaurante do autor gerava-lhe um rendimento de, pelo menos, €2.708,86 mensais”.]
30) O autor é amigo dos pais, da família e dos amigos.(20)
31) Quando vinha à aldeia de Gouvães da Serra no Verão ajudava os pais no campo.(21)
32) Gostava de trabalhar no campo, de cavar, lavrar e acartar sacos de batatas.(22)
33) Gostava de dançar, de fazer caminhadas e nadar.(23)
34) De brincar com os filhos e de jogar à bola.(24)
35) A aldeia de Gouvães da Serra é isolada e com pouca população.(25
36) Tendo a Estrada Municipal 557 no lugar em que se deu o acidente pouco trânsito rodoviário.(26)
37) Tendo dois sentidos de trânsito.(27)
38) A grua descrita em 1) tem de comprimento 11,69 metros.(28)
39) Altura de 3,50 metros.(29)
40) E 36.000 quilos de peso.(30)
41) No sentido em que seguia a grua (Gouvães da Serra – Veiga) a via tem uma inclinação de 1,5%.(31)
42) Configurando uma recta com boa visibilidade.(32)
43) Circulando a auto-grua a uma velocidade de cerca de 30 km/h, não diminuído a velocidade antes de se aperceber do motociclo nem parando antes do embate.(33) [1ª Instância: “Circulando a auto-grua a uma velocidade de cerca de 30 km/h, não diminuindo a velocidade nem parando.(33)
44) A auto-grua ocupava a sua hemi-faixa de rodagem e ainda grande parte da hemi-faixa contrária.(34)
45) A auto-grua não trazia acesa na parte superior uma luz amarela intermitente ou rotativa. 36)
46) Não assinalava a sua presença com luzes de perigo, luzes acesas ou qualquer outra sinalização.(37)
47) Não seguia à frente da grua carro piloto ou batedores da GNR ou da PSP, nem qualquer veículo destinado a indicar ou avisar os demais utentes da via da sua presença. (38)
48) Nas circunstâncias referidas em 3) o autor circulava pela direita da faixa de rodagem no seu sentido de marcha, junto da respectiva berma.
49) Antes de local em que se deu o embate existe uma curva de reduzida visibilidade à direita no sentido em que seguia o motociclo.(40)
50) O motociclo circulava a velocidade não determinada, mas não inferior a 40 km/h
.(41) [1ª Instância: “O motociclo circulava a cerca de 40 km/h”.]
51) Efectuando a curva referida em 49), dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao seu sentido de marcha.(42)
52) Tendo sido surpreendido, a poucos metros, com a auto-grua a ocupar hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Veiga – Gouvães da Serra.(43)
53) O A., com o aparecimento da auto-grua na sua hemi-faixa de rodagem, não conseguiu evitar o embate entre o motociclo TI e a auto-grua.(44/46)
54) Tendo sido embatido pela auto-grua, dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido Veiga – Gouvães da Serra.(47)
55) Originando a queda do autor e do motociclo ao chão dentro da hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha em que seguia.(48)
55-A) O autor, ao confrontar-se com a auto-grua a circular também na sua hemi-faixa de rodagem, na tentativa de passar sem embater, desequilibrou-se, embatendo com aquela na hemi-faixa de rodagem direita no sentido em que a mota seguia.(184)
56) Após o embate o autor desmaiou.(49)
57) No embate um ferro perfurou-lhe o corpo na zona da clavícula do lado esquerdo.(50)
58) O que fez com que perdesse muito sangue.(51)
59) Foi conduzido ao Centro de Saúde de Vila Pouca de Aguiar, sendo transferido para o Serviço de Urgência do Hospital de Vila Real.(52)
60) À entrada do serviço de urgência o autor apresentava sinais de choque hipovolémico, com impotência funcional do membro superior e inferior esquerdo.(53)
61) Em consequência do acidente o autor sofreu lesões poli-traumáticas.(54)
62) No Hospital de Vila Real foi sujeito a uma transfusão de sangue, a 37 exames laboratoriais, 3 tomografias axiais computorizadas e 3 exames radiológicos.(55)
63) Como consequência directa do embate o autor sofreu:
- fractura cominutiva da clavícula esquerda;
- fractura do colo do úmero esquerdo com rotação da cabeça;
- fractura cominutiva da diáfase do úmero esquerdo;
- fractura cominutiva supracondiliana do rádio esquerdo;
- fractura exposta – grau II – da rótula esquerda.
- fractura da omoplata esquerda;
- fractura 1/3 médio do rádio esquerdo.
- fractura da apófise estiloide radial esquerda;
- fractura multicominutiva supra intracondiliana do fémur esquerdo.
- contusão pulmonar esquerda no tórax.(56)
64) No dia do embate o autor foi suturado no ombro e joelho esquerdo.(57)
65) Foram imobilizadas as fracturas e estabilizado hemodinamicamente.(58)
66) Permanecendo no serviço de urgência do Hospital de Vila Real 48 horas.(59)
67) Em consequência do acidente foi ainda o autor sujeito a intervenções cirúrgicas, de longa duração, de:
- osteossíntese “AD minimum” do úmero com cravo de Steinmam + fio de Kirschner + parafuso C.I.F;
- osteossíntese do rádio com placa + parafusos.
- osteossíntese da estiloide radial com parafuso canelado;
- osteossíntese do fémur com placa colher + dois parafusos C.I.F. + enxerto ósseo;
- fixação de côndilo interno com dois fios K.
- patalectomia esquerda total.
- excisão local de lesão ou tecido da omoplata, clavícula e tórax.(60)
68) Foi sujeito a terapia antibiótica e antitrombótica.(61)
69) Foi conectado ao ventilador em VC.(62)
70) Foi imobilizado com talagessada braquio palmar no membro superior esquerdo e com tala de Depuy no membro inferior esquerdo.(63)
71) Durante os primeiros dias de internamento o autor esteve sem sentidos.(64)
72) Ficou desfigurado.(65)
73) Tendo-lhe sido retirada a rótula do joelho esquerdo.(66)
74) Ainda hoje mantém uma placa e vários parafusos na zona de ligação do ombro esquerdo e uma placa com vários parafusos no braço esquerdo.(69)
75) Na perna esquerda colocaram-lhe uma placa na parte da coxa até ao joelho e vários parafusos, e duas agulhas no joelho direito.(70)
76) Nos dias seguintes ao acidente às intervenções cirúrgicas teve dores no peito e dificuldade em respirar.(71)
77) Quando despertou o autor teve muitas dores.(72)
78) Ao ponto de desejar morrer.(73)
79) Esteve internado no Hospital de Vila Real até ao dia 16 de Setembro de 2003.(74)
80) Data em que foi transportado de ambulância para o Hospital de Madrid Fundación Jiménez Díaz.(75)
81) Tendo de despender a quantia de €375,55.(76)
82) No Hospital de Madrid diagnosticaram-lhe uma infecção no joelho esquerdo.(77)
83) Tendo de ser operado, mais do que uma vez, para limpar a ferida.(78)
84) O que lhe causou dores e incómodos.(79)
85) Teve de ser operado à clavícula sendo-lhe colocada uma placa a segurar os ossos, que ainda se mantém no seu corpo.(80)
86) O autor esteve três meses acamado no hospital.(83)
87) Não podendo ir à casa de banho, lavando-se e comendo na cama. 84
88) Teve de adquirir um bracelete devido à fractura do úmero esquerdo que lhe custou €235,85.(85)
89) Em 22 de Novembro de 2003 o autor foi transportado de ambulância do Hospital referido em 80), para a sua residência.(86)
90) Em casa o autor tinha dificuldade para se levantar da cama e se deslocar necessitando de ajuda de terceiros e de uma cadeira de rodas.(87)
91) Durante cerca de um ano não conseguiu entrar na banheira, sendo lavado numa bacia sentado numa cadeira.(88)
92) Passando, após esse ano, a entrar na banheira com dificuldade.(89)
93) Não tinha movimentos na mão e nos dedos da mão esquerda.(90)
94) Tendo de ser outra pessoa a cortar-lhe a comida.(91)
95) Saíram-lhe as unhas da mão esquerda, da mão direita e do pé esquerdo.(92)
96) As costas ficaram pisadas.(93)
97) Até ao final de Março de 2004 o autor tinha de sair de casa ao colo de terceiros até ao táxi e depois novamente transportado ao colo até à cadeira de rodas.(94)
98) Até ao final de Julho de 2004 necessitou de ajuda de terceiros para se deslocar às sessões de fisioterapia de reabilitação.(95)
99) A partir de Abril de 2004 o autor começou a usar muletas para se deslocar.(96)
100) Em finais de 2005 passou a usar apenas uma muleta ou um bastão ou bengala para se equilibrar.(97)
101) Fez e faz fisioterapia em casa.(98)
102) Em consequência dos medicamentos que teve de tomar após o acidente apareceram-lhe rachadelas na língua que lhe causam mal-estar.(99)
103) Durante o tempo em que esteve acamado o autor receou nuca mais poder andar.(100)
104) Chegando a pensar em matar-se.(101)
105) Em consequência do acidente o autor perdeu a alegria, anda deprimido e infeliz.(102)
106) Irrita-se com facilidade.(03)
107) Ficou nervoso e impaciente.(104)
108) Sente-se frustrado por não poder viver em pleno a juventude.(105)
109) Sofre por não poder trabalhar no restaurante.(106)
110) Tem falhas de memória.(107)
111) Toma medicação para as dores, para a depressão, para dormir e tem acompanhamento psiquiátrico.(108)
112) Vive em angústia permanente.(109)
113) Em consequência do acidente o autor sofre limitações físicas.(110)
114) Tem a perna esquerda torta e não a consegue dobrar.(111)
115) Em virtude de não ter rótula no joelho esquerdo a perna esquerda não tem estabilidade, perdendo o equilíbrio.(112)
116) Tem de se apoiar para descer as escadas sob pena de cair.(113)
117) Custa-lhe a andar.(114)
118) Claudica na marcha de forma notória.(115)
119) Se estiver algum tempo em pé incha-lhe a perna esquerda.(116)
120) O que o faz mancar mais.(117)
121) Se andar a perna esquerda incha, o que o impossibilita de andar e lhe aumenta as dores.(118)
122) Não consegue levantar a perna esquerda e tem os movimentos atrofiados.(119)
123) Quando tenta mexer a perna esquerda tem dores.(120
124) Mesmo quando está sentado tem dores no joelho e no ombro esquerdo.(121)
125) Não consegue estar muito tempo na mesma posição.(122)
126) Em virtude das lesões que sofre na perna esquerda tem dificuldades em conduzir.(123)
127) Não pode correr, andar em marcha rápida ou fazer caminhadas.(124)
128) Nem praticar qualquer desporto nem andar de bicicleta.(125)
129) Não pode dançar.(126)
130) Para colocar a perna esquerda no chão o autor tem de fazer pender o peso do seu corpo para o lado direito.(127)
131) O que lhe provoca dores na anca e no joelho direito.(128)
132) Desde a data do acidente que tem dores na zona da clavícula e ombros esquerdos.(129)
133) E não tem sensibilidade no braço, na mão e no ombro esquerdos.(130)
134) Levanta pouco o braço esquerdo e não consegue fazer a rotação para o lado esquerdo.(131)
135) O braço esquerdo pende e ficou atrofiado não podendo fazer qualquer esforço com o mesmo.(132)
136) Passou a custar-lhe adormecer, tendo insónias e pesadelos com o acidente e o seu estado de saúde.(133)
137) Não pode dormir apoiado para o lado esquerdo.(134)
138) Necessita de ajuda para vestir a roupa do dia a dia faz-lhe inchar o braço esquerdo.(135)
139) Não consegue nadar.(136)
140) Nem fazer pequenos arranjos em casa.(137)
141) Após o acidente o autor sente-se objecto de pena e compaixão das pessoas com quem contacta.(138)
142) Sente-se inseguro e receia efectuar certas actividades com medo de perder o equilíbrio.(139)
143) Custa-lhe entrar e sair do carro.(143)
144) Em consequência do acidente o autor ficou com cicatrizes salientes na parte esquerda do corpo.(144)
145) E no lábio superior e na parte inferior da sobrancelha esquerda.(145)
146) Que lhe causam dor ao toque.(146)
147) O autor passou a usar roupa mais leve e calças mais largas para disfarçar a perna torta e o coxear quando se movimenta.(147)
148) Deixou de usar calções com vergonha da perna esquerda deformada e das cicatrizes.(148)
149) Em consequência das deformações e cicatrizes o autor não se sente à vontade na praia, no rio ou na piscina.(149)
150) Em consequência do acidente o autor ficou sexualmente menos atraente.(150)
151) O que lhe causa mal-estar e sofrimento.(151)
152) Em consequência das dores que sofre o autor não pode brincar com os filhos nem segurá-los.(152)
153) Nem os consegue acompanhar no seu dia a dia.(153
154) O autor sofre em consequência do referido em 152) e 153).(154
155) O autor tem acompanhamento psiquiátrico fazendo tratamento farmacológico específico.(155)
156) O autor tem uma limitação de mobilidade do joelho esquerdo de 60%.(156)
157) E que se tende a agravar no futuro.(157)
158) As suas dificuldades de movimentação e locomoção aumentarão com o passar dos anos.(158)
159) Tendo de colocar uma prótese no joelho esquerdo e no ombro esquerdo.(159)
160) Tendo em conta a sobrecarga do lado direito do corpo do autor estas articulações irão sofrer maior desgaste.(160)
161) As sequelas do autor são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, padecendo de uma incapacidade permanente geral de 52,026 pontos.(161)
162) Em consequência do acidente, o autor apresenta na face lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da linha médio axilar apresenta cicatriz com meio centímetro de diâmetro.(161-A)
163) No membro superior esquerdo, atrofia e deformidade dos tecidos moles da cintura escapular, incluindo ombro e braço esquerdo.(161-B)
164) Presença de braço pendente.(161-C)
165) Múltiplas cicatrizes na pele recobrindo a clavícula, a maior das quais com nove por um centímetros de maiores dimensões, dirigida infero - medialmente.(161-D)
166) Na pele recobrindo a face anterior do ombro apresenta cicatriz com cinco por meio centímetros de maiores dimensões.(161-E)
167) Na face anterior do braço, em toda a sua extensão, apresenta cicatriz quelóide, vertical, com vinte e seis por dois centímetros de maiores dimensões, medialmente à qual, no terço médio do braço, se palpa tumefacção metá-lica subcutânea.(161-F)
168) Na face anterior do terço inferior do braço, medialmente à cicatriz descrita, apresenta duas outras cicatrizes de forma circular, a maior das quais com dois centímetros de diâmetro.(161-G)
169) No antebraço, na sua face ântero-lateral apresenta uma cicatriz vertical, com treze por um centímetros de maiores dimensões, quelóide e dolorosa ao toque.(161-H)
170) Alterações da sensibilidade na face medial do braço e antebraço.(161-I)
171) Arcos de Movimento: Ombro com mobilidade e força muscular gravemente comprometidas, mantendo-se pendente.(161-J)
172) Não consegue levar a mão à nuca e ao ombro, conseguindo levar, com grande limitação, a mão à região lombar e região peitoral direita e vencendo a gravidade com dificuldade (força muscular 3 em 5).(161-L)
173) Flexão anterior de 30°; extensão de 10°; abdução de 40º, bem como limitação nos movimentos de rotação medial e lateral.(161-M)
174) Estando sentado, não consegue colocar a mão esquerda em cima da secretária, necessitando de, ou se levantar, colocar a mão sobre a secretária e depois se sentar, ou de transportar, com a mão direita, a mão para cima da secretária.(161-N)
175) Cotovelo realizando arco de movimento activo entre os 0° e os 50°; sem limitação na pronação e com supinação limitada a 45º.(161-O)
176) Força muscular diminuída no cotovelo (força 3 em 5).(161-P)
177) Punho realizando arcos de movimento com ligeira diminuição da abduçâo na fase final deste movimento.(161-Q)
178) Sem limitações da mobilidade da mão, embora com força muscular diminuída 4/5 para a preensão.(161-R)
179) Membro inferior esquerdo: Não tolera ortoestatismo com apoio apenas no membro inferior esquerdo.(161-S)
180) Tumefacção imóvel, de consistência dura na face lateral do joelho esquerdo, com oito por cinco centímetros de maiores dimensões.(161-T)
181) Na face lateral da coxa apresenta cicatriz vertical com vinte e seis por meio centímetros de maiores dimensões.(161-U)
182) Na face anterior do joelho apresenta duas cicatrizes: uma com dezasseis por um centímetro de maiores dimensões e outra com três por dois centímetros de maiores dimensões.(161-V)
183) Na face lateral da perna, no terço superior apresenta cicatriz com três por dois centímetros de maiores dimensões, e outra, idêntica, na face lateral do terço inferior.(161-X)
184) Na face medial da perna apresenta área de pele de coloração mais escura, com vinte e quatro por seis centímetros de maiores dimensões.(161-Z)
185) Encurtamento do membro inferior esquerdo em três centímetros (de 94cm à esquerda e de 97 cm à direita).(161-AA)
186) Atrofia muscular na coxa (perímetro da coxa, medido a 30 cm da espinha ilíaca antero-superior de 45 cm à esquerda e de 50 cm à direita).(161-BB)
187) Maior perímetro da perna (de 36 cm à esquerda e de 34 cm à direita.(161-CC)
188) Joelho com arco de movimento possível compreendido entre os 20° e os 90º, com força muscular diminuída, vencendo com limitação a gravidade (3 em 5).(161-DD)
189) Sofre de perturbação da adaptação de tipo misto com reacção ansiosa e depressiva, para a qual tem recebido tratamento com medicação antidepressiva e ansiolítica, com consulta de psiquiatria.(161-EE)
190) O que corresponde a uma incapacidade permanente geral de 15 pontos, numa escala de 11 a 15.(61-FF)
191) Apresenta sequelas das funções músculo-esqueléticas (limitação da mobilidade do membro superior esquerdo - ombro, cotovelo e do membro inferior esquerdo – deformidade e diminuição da amplitude articular do joelho), sensoriais (redução de sensibilidade do membro superior esquerdo), da dor (queixas dolorosas no membro superior esquerdo e no membro inferior esquerdo, cefaleias) e das funções mentais (alterações da memória, do sono e do comportamento).(161-GG)
192) As sequelas que apresenta nos membros esquerdos, interferem de forma grave com o seu desempenho das actividades da vida diária e com a capacidade de marcha.(161-HH)
193) Condicionam-lhe as actividades bimanuais, como a alimentação, concretamente na tarefa de segurar os talheres na mão esquerda (necessitando que lhe cortem/descasquem os alimentos mais consistentes), e apertar os botões e cordões.(161-II)
194) Necessita de apoio para a realização do banho (lavar as costas e membro superior direito).(161-JJ)
195) Noutras actividades da vida diária teve de adquirir novas aprendizagens para a sua realização, quase exclusivamente com o membro superior direito e na posição de sentado, e fá-las com excessivo esforço (desenvolve dores facilmente) e/ou demorando mais tempo.(161-LL)
196) A limitação da mobilidade com elevado risco de queda e as dores constantes que apresenta comprometem as actividades que requerem funções músculo-esqueléticas de maior exigência física, tais como transpor degraus, correr, mudar posições do corpo (agachar-se, ajoelhar-se, curvar-se), levantar e transportar objectos.(161-MM)
197) Para optimizar o seu bem-estar, a sua mobilidade funcional e na comunidade, e permitir aos cuidadores realizarem o apoio às suas actividades da vida diária, o autor necessita da substituição da banheira /polibã elevado por base para duche.(161-NN)
198) Adaptações automóveis, de acordo com as restrições médicas a serem identificadas; cujo seu custo só pode ser dado pelo fabricante, sendo de utilização definitiva, e com necessidade da sua substituição de 5 em 5 anos.(161-OO)
199) Assento de duche rebatível, de modo a facilitar a realização com segurança do duche no polibã, sendo o seu custo sem IVA de €200,00, a sua utilização definitiva, com necessidade da sua substituição de 2 em 2 anos.(161-PP)
200) Barra de apoio para a sanita à esquerda e rebatível na vertical, com 4-5 cm de diâmetro, 80 cm de profundidade e 70-75 cm de altura, e colocada a 35-40cm do centro da sanita, sendo o seu custo da barra sem IVA de €125,00, a sua utilização definitiva, com necessidade da sua substituição de 5 em 5 anos.(161-QQ)
201) O suporte de papel higiénico deverá ser fixado numa das extremidades da barra de apoio, de modo a facilitar, com segurança a transferência da/para sanita.(161-RR)
202) Cadeira de rodas manual, para ocasiões em que o seu estado de mobilidade esteja mais comprometido, sendo o seu custo sem IVA de €160,00, a sua utilização definitiva, com necessidade da sua substituição de 5 em 5 anos.(161-SS)
203) Cadeira elevador para escadas para permitir o acesso desde a entrada do edifício até ao apartamento do autor, com segurança e maior conforto, sendo de utilização definitiva, e sem necessidade da sua substituição, mas exige a sua manutenção.(161-TT)
204) Poltrona para permitir ao autor variar de posição, desde sentado até semi-deitado, de forma confortável e autónoma, sendo o seu custo sem IVA de €700,00, a sua utilização definitiva, com necessidade da sua substituição de 10 em 10 anos.(161-UU)
205) Scooter, cadeira de rodas eléctrica, com controlo de direcção por alteração mecânica da direcção das rodas pivô de condução sem apoio de um motor, de forma a efectuar deslocações exteriores nas proximidades da habitação, como por exemplo acompanhar os filhos até à escola, sendo o seu custo sem IVA de € 2.200,00, a sua utilização definitiva, com necessidade da sua substituição de 2 em 2 anos.(161-VV)
206) Para a adaptação do domicílio e ajudas técnicas supra especificadas, necessita o autor de despender a quantia não apurada mas não superior a €50.000,00 (cinquenta mil euros).(161-XX)
207) Para o acompanhamento da sua situação clínica o autor necessita de consultas de Fisiatria e tratamento fisiátrico, com o objectivo de melhorar a função neuro-musculo-esquelética e as queixas álgicas e promover maior autonomia nas actividades da vida diária.(161-ZZ)
208) Consultas de Neurologia e avaliação neuro-cognitiva para despiste de lesões encefálicas.(161-AAA)
209) Consultas multidisciplinares de "Dor Crónica" para acompanhamento e orientação terapêutica.(161-BBB)
210) Consultas de Ortopedia, para seguimento das lesões ortopédicas e posterior tratamento cirúrgico (com prótese do joelho e ombro).(161-CCC)
211) O autor apresenta uma constelação de sintomas – físicos, psicológicos, comportamentais e cognitivos – que remetem para a possibilidade de um quadro de sequelas de traumatismo crânio-encefálico.(161-DDD)
212) Tem cefaleias intensas (com sensação de “ rebentar a cabeça”), hipersensibilidade ao ruído (que despoleta irritabilidade) e insónia (dificuldade em conciliar o sono, sono leve, com despertares frequentes e sensação ao despertar de não ter descansado suficientemente.(161-EEE)
213) Irritabilidade constante, que com frequência sente necessidade de gritar, o que por vezes culmina em explosão de raiva, com hetero-agressividade, mas somente contra objectos, conferindo-lhe algum alívio momentâneo.(161-FFF)
214) Tem falhas de memória.(161-GGG)
215) Labilidade emocional e humor deprimido, com sentimentos de desgosto e de vergonha relativamente à sua aparência física, situação que o leva a evitar os espaços públicos e a convivência social.(161-HHH)
216) Com frequência sente necessidade de se isolar, permanecendo no escuro por períodos mais ou menos prolongados, e por vezes, encontra alívio da tensão bebendo álcool em excesso.(161-III)
217) A data da consolidação médico-legal das lesões do autor é em 05-06-2005.(161-JJ)
218) O Período de incapacidade temporária geral total é de 173 dias.(161-LLL)
219) O Período de incapacidade temporária geral parcial é de 481 dias.(161-MMM)
220) Período de incapacidade temporária profissional total é de 654 dias.(161-NNN)
221) O Quantum doloris é fixável no grau 5.(161-OOO)
222) Dano estético fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.(161-PPP)
223) Prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.(161-QQQ)
224) Prejuízo sexual (não se incluindo aqui os aspectos relacionados com a capacidade de procriação) fixável no grau 4 numa escala de 5 graus de gravidade crescente.(161-RRR)
225) O autor não tem habilitações académicas ou profissionais para exercer trabalho intelectual.)162)
226) Em consequência do acidente o autor vai necessitar ao longo de toda a sua vida, de consultas médicas, acompanhamento médico, tratamentos e cuidados médicos, anestesias, cirurgias, internamento e fisioterapia.(163)
227) O que lhe vai causar dores e sofrimento.(164)
228) Desde 23 de Agosto de 2003 a 31 de Março de 2004 o autor esteve totalmente incapacitado, quer geral quer profissionalmente.(165)
229) Em consequência de não poder trabalhar no restaurante, por causa das lesões decorrentes do acidente, o autor teve de aumentar o vencimento do seu empregado, passando a pagar-lhe o valor mensal líquido em Outubro de 2003 e aumentou-lhe o vencimento para €2.708,86, em Novembro de 2003, €3.846,36, em Dezembro de 2003, 3.626,92, desde Janeiro a Agosto de 2004 o valor de €3.621,92 e, de Setembro a Dezembro de 2004, €3.841,3.(166)
230) Em consequência de não poder trabalhar no restaurante o A. teve de contratar outro empregado – HH - em Outubro de 2003 pagando-lhe desde essa data até 31 de Agosto de 2004 a quantia mensal líquida de €1.867,23 e desde Setembro de 2004 a Dezembro de 2004 a quantia mensal ilíquida de €2.017,68.(167)
231) O A. em Janeiro de 2004 contratou mais duas pessoas: o KKe LL, pagando ao primeiro desde Janeiro de 2004 a 31 de Agosto de 2004 a quantia liquida mensal de €1.457,01, de Setembro de 2004 a Dezembro de 2004 a quantia mensal liquida de €1.588,06. (168)
232) E ao segundo o vencimento mensal ilíquido desde Janeiro de 2004 a 31 de Agosto de 2004 no valor de €1.095,14 e desde Setembro de 2004 a Dezembro de 2004 no valor de €1.195,14.(169)
233) Todos os empregados referidos continuam a trabalhar no estabelecimento do autor, suportando este também o valor do seguro e dos impostos.(170)
234) O estabelecimento encerra um dia por semana e um mês por ano.(171)
235) Com o aumento de retribuição referido em 229 e contratação mencionada em 230, o A. passou a ter de suportar os correspondentes encargos.(173) [1ª Instância: “Com a contratação referida em 230) o A. passou a ter encargos referentes a tal contratação”.
236) Quando vai ao restaurante o autor irrita-se por não poder continuar a trabalhar, partindo a loiça.(174)
237) E por 3 vezes destruiu o telefone.(175)
238) Em consequência do acidente o motociclo que o autor conduzia teve danos na forqueta, quadro, jante, frente, depósito, farol da frente, no manómetro, guiador, guarda-lamas da frente, manetes, espelhos e piscas no valor de €6.600,00.(176)
239) Os exames referidos em 55) orçaram em €90,63.(177).»


5. Estão em causa as seguintes questões:
– Nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação, suscitada na revista da ré;
– Montante da indemnização atribuída por danos não patrimoniais.
– Montante da indemnização atribuída por danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho e relativos a despesas do autor com gastos de saúde.

6. A ré CC, SA invoca a nulidade do acórdão recorrido “por falta de fundamentação na modificação que operou à resposta à matéria de facto dada ao quesito 19º da base instrutória”.
A referida alteração traduziu-se na subida para € 3.958,19 do rendimento que, mensalmente, e “pelo menos”, gerava o restaurante do autor, em Julho de 2003, sendo que a 1ª instância tinha considerado o montante de € 2.708,86 – correspondente a “um vencimento pelo menos equivalente àquele que o funcionário FF passou a auferir em Outubro de 2003” (fundamentação do julgamento de facto, a fls. 831).
Mas não é exacto que o acórdão recorrido não a tenha fundamentado; e só a falta de fundamentação seria motivo de nulidade, já não a discordância em relação aos termos da alteração determinada.
Com efeito, o acórdão recorrido, após tecer considerações sobre a prova produzida e a motivação da decisão de facto, e referindo-se, em concreto, ao conteúdo dos depoimentos das testemunhas, concluiu desta forma:
“ (…) Mostra a prova produzida, sem nos suscitar dúvidas, que logo que o estabelecimento reabre após o período de encerramento subsequente e por causa do acidente, dada a incapacidade do autor, este é “substituído” po II (que passou a exercer funções semelhantes, incluindo em tempo de trabalho, ao autor, o que justificada e logicamente implicava o aumento do seu salário, uma vez que já era funcionário com o salário de € 717,94 – alínea 20 da matéria de facto). Como este afirma, a sua remuneração aumentou em função de ter de trabalhar mais (tempo semelhante ao do autor antes do acidente) e da sua maior responsabilidade, à frente do estabelecimento, se bem que afirme, como as outras testemunhas (HH, irmão do autor e contratado a seguir ao acidente, e MM), que o apelante trabalhava por três pessoas. Face a estes depoimentos, também se não suscitam dúvidas razoáveis de que o aumento de remuneração inicial doII tem como causa as novas funções e responsabilidade assumida, por causa do autor ficar incapacitado de as exercer. Por outro lado, e como provado vem, pela mesma razão, foi contratado o HH (alínea 230 da matéria de facto). O estabelecimento proporcionava um rendimento ao autor, que deixou de ter por causa das consequências do acidente, de, pelo menos o correspondente ao aumento de salário do II e do salário do HH, que aquele deixou de ter. Todas as testemunhas ouvidas que, de alguma forma, se pronunciaram sobre a actividade do restaurante (em zona central e movimentada de Madrid), afirmaram ter boa clientela e trabalhar bem. Face ao que se expõe e o mais aditado na motivação da decisão recorrida, não ficam dúvidas razoáveis de que o autor angariava um rendimento no seu estabelecimento, pelo menos, equivalente (a esse aumento e salário do HH) e que porque teve de suportar os inerentes encargos deixou de o ter como rendimento disponível.
Os rendimentos a atender, tal como a questão vem colocada, têm de reportar-se ao tempo em que o autor deixou de poder trabalhar e não a momentos posteriores, desconhecendo-se das razões dos aumentos de remuneração posteriores. Por outro lado, e tendo havido algum aumento de actividade do estabelecimento, não obstante o mencionado pelas testemunhas quanto à capacidade de trabalho do autor, a prova não permite que se afirme que a contratação de outros empregados se ficasse a dever apenas ao facto do autor não poder continuar a trabalhar.
Daí que se modifica a decisão ao ponto 19 da base instrutória nos seguintes termos: “Em Julho de 2003, o restaurante do autor gerava-lhe um rendimento de, pelo menos, € 3.958,19 mensais.”

Verifica-se, assim, que a Relação entendeu que se devia considerar o rendimento gerado pelo restaurante ao tempo do acidente e que, para o efeito, havia que tomar em conta “pelo menos, o correspondente ao aumento do salário doII” – € 2.708,86 (ponto 229) - € 717,94 (ponto 20) = € 1.990,92 e ao “salário do HH” + € 1.867,23 (ponto 230), ou seja, segundo estes valores (que são os que vêm provados), € 3.858,15. Corrige-se, assim, esta diferença; mas não se anula o acórdão recorrido, por manifestamente não proceder a arguição de falta de fundamentação.

7. Ambas as partes divergem do montante da indemnização por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais.
Como repetidamente se tem observado neste Supremo Tribunal (seguir-se-á aqui de perto o que se escreveu no acórdão de 21 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1), está em causa, em ambos os casos, o cálculo de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3, quanto aos danos não patrimoniais. e 566º, nº 3, para os danos patrimoniais futuros). O que não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt).
Ora “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»” (acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1). O mesmo se afirma, aliás, no acórdão de 7 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc.nº 839/07.5TBPFR.P1.S1), invocado pelo autor.
E cumpre ainda ter presente que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os que são seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, os acórdãos de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1, ou de 17 de Maio de 2012 www.dgsi.pt, proc. nº 48/2002.L2.S2).
Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”
Finalmente, há que verificar que não ficaram provados factos que possibilitem reduzir os montantes indemnizatórios considerados equitativos, nos termos previstos no artigo 494º do Código Civil (preceito para o qual remete expressamente o nº 3 do artigo 496º, já citado); e que a equidade tem de ser justificada nos factos provados (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

8. O acórdão recorrido subiu para € 110.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, fixada (distinguindo parcelas) em € 95.000,00 pela primeira instância; o autor entende que haveria ser aumentada para € 190.000,00; a ré considera que deveria ser diminuída para € 45.000,00.
Para determinar a indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.
Para aumentar a compensação a atribuir ao autor, a Relação princípio considerou: a função simultaneamente reparadora e reprovadora da indemnização por danos não patrimoniais; o significado do critério da equidade e a ponderação que implica; a inconveniência de autonomização de alguns danos não patrimoniais, para o efeito de definição de montantes indemnizatórios diferenciados, como fez a 1ª instância; a gravidade dos danos concretamente sofridos pelo autor, evidenciada pela prova feita.
A ré afirma ser “exagerada” a quantia fixada pela Relação; o autor aponta as indemnizações por danos não patrimoniais a que se referem os acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Outubro de 2010 (€ 150.000,00) e de 23 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B2318, € 180.000,00), sustentando que uma uniformidade de critérios conduziria a fixar o montante que pretende, no caso presente; caso esse, aliás, caracterizado pela extrema gravidade dos prejuízos sofridos e pela idade do autor, que exigem uma indemnização que efectivamente compense a lesão do seu direito à integridade física e à qualidade de vida, irremediavelmente comprometida pelas sequelas do acidente.
Todavia, os parâmetros dentro dos quais se situa a possibilidade de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão essencialmente determinada pelas características do caso concreto levam a concluir no sentido de que não se encontram razões que justifiquem a alteração do montante equitativamente determinado pela Relação. Assim:
– Há diferenças relevantes que justificam os montantes mais elevados que foram atribuídos nos casos a que se referem os acórdãos citados pelo autor; esses montantes, aliás, são sensivelmente superiores à generalidade dos montantes arbitrados por danos não patrimoniais causados por acidentes de viação, uma vez que também correspondem a situações sensivelmente mais graves. No acórdão de 7 de Outubro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça chama a atenção para que o lesado, de idade semelhante à do autor à data do acidente, 28 anos, ficou a sofrer de uma IPG de 80%, “ficando irremediavelmente impossibilitado de exercer, para o resto da vida, qualquer actividade profissional” (o que, em si mesmo, é também um dano de natureza não patrimonial), com “absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado”: No acórdão de 23 de Outubro de 2008, a lesada, de 29 anos de idade, sofreu os extensos danos ali descritos, entre os quais figuram a necessidade de interrupção da gravidez e “ficou a padecer de uma IPP de 65%, com incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual”. As diferenças entre os factos que ficaram provados explicam que as indemnizações correspondentes tenham sido diferentes, não se identificando qualquer quebra de igualdade ou divergência de critérios merecedora de censura;
– No caso presente, o autor, com 30 anos à data do acidente, sofreu um acidente grave, do qual resultaram lesões significativas e diversas fracturas, para além de sérias sequelas físicas e psicológicas, e a correspondente necessidade de tratamentos, internamentos e acompanhamento médico espelhados nos factos provados;
– Ficou afectado de uma IPG de 52,026 pontos, o que, em si mesmo, tem de ser considerado no âmbito dos danos de natureza não patrimonial, já que os danos futuros decorrentes de uma lesão física se traduzem, antes de mais, numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. 07B2978);
– Viu a sua qualidade de vida seriamente diminuída, como a prova revela.
Tendo em conta este quadro e a função de compensação especialmente desempenhada pela indemnização por danos morais, bem como os montantes indemnizatórios fixados em outros casos, conclui-se que não merece censura a indemnização fixada pela Relação para os danos não patrimoniais, não se detectando o afastamento em relação à jurisprudência habitual que a ré abstractamente refere.
Vejam-se, a título de exemplo, e para além dos acórdãos invocados pelo autor:
– Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi.pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
– No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis;
– No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%;
– No acórdão de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B0037) fixou-se em € 40.000 a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por um lesado, com 33 anos de idade à data do acidentes, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% (mas que, no caso, se traduziu em incapacidade total para o trabalho, o que também releva do ponto de vista da indemnização por danos não patrimoniais), que sofreu dores e danos físicos extensos que deixaram sequelas graves, foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas com os consequentes internamentos e períodos de recuperação e de dependência de terceiros, e teve de realizar sucessivos tratamentos, que se prolongaram no tempo;
– No acórdão de 25 de Junho de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B3234), foi atribuída uma indemnização de € 40.000 por danos não patrimoniais a uma jovem de 21 anos, vítima de atropelamento, que sofreu diversas intervenções cirúrgicas, tratamentos e recuperação, ficando afectada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsto de 3%.;
– Pelo acórdão de 5 de Julho de 2007 (www.dgsi.pt, proc. nº 07A1734), fixou-se “uma indemnização de 85 mil euros por danos morais ao lesado que, bombeiro de profissão, ficou aos 42 anos de idade definitivamente impossibilitado de exercer essa actividade por causa dum acidente de viação de que não foi culpado e cujas consequências foram, entre outras de gravidade paralela, deixar-lhe o braço esquerdo de todo inutilizado (dependurado, preso por uma cinta) até ao final dos seus dias, impossibilitando-lhe a realização, sozinho, de tarefas como vestir-se e lavar-se, e tornar-lhe o andar notoriamente claudicante por virtude da fractura duma rótula” (sumário respectivo).

9. As partes questionam também o montante da indemnização por danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, fixados pelo acórdão recorrido em € 691.920,00 (subindo os €470.274,56.calculados na 1ª Instância, que tomou como ponto de referência o que considerou ser o rendimento mensal perdido em consequência do acidente). O autor entende que deve ser de € 1.186,000,00, a ré considera adequado o montante de € 390.000,00.
Para o efeito, a Relação ponderou o seguinte:

Na situação de perda ou redução de capacidade de ganho, para o cálculo da indemnização haverá de chamar-se à colação diversos factores, como o tempo provável de vida activa (que se não tem de limitar-se ao período laboral activo) com tendência a aumentar, a previsível esperança média de vida, facilidade/dificuldade de encontrar trabalho, os níveis e a variação salarial, as taxas de juro do mercado financeiro e flutuação do valor da moeda, tendo em conta o provável período de vida activa do lesado com direito a indemnização.
Na ponderação destas variáveis, e com o fim de se atingir a justiça do caso concreto, sendo a indemnização fixada em dinheiro, tem-se decidido que a indemnização a pagar quanto aos danos futuros deve corresponde a um capital produtor do rendimento que a vítima irá perder mas que se extinga no final do período provável de vida, por forma a “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. O valor da indemnização deve ser tal que garanta, durante o período provável de vida considerado, as prestações correspondentes ao rendimento perdido, mas tendo presente que a vida não é estática e que a situação do lesado, segundo a normalidade social e em dilatados períodos de tempo, tenderia a melhorar, não fosse a lesão.
Embora o recurso frequente a fórmulas matemáticas ou a tabelas de cálculo financeiro para a fixação da indemnização, por danos futuros, devem ter-se como meros referenciais, ou indiciários, que não podem substituir uma prudente ponderação do tribunal, privilegiando-se a equidade com vista à solução justa do caso concreto; constituem, não obstante, instrumentos úteis para afastar a subjectividade na determinação das indemnizações e, assim, prevenir disparidades nos respectivos valores indemnizatórios para situações semelhantes.
Na concreta situação, está em causa a pretensão indemnizatória referente aos danos decorrentes da incapacidade (definitiva) permanente geral de que o autor ficou afectado em virtude das lesões sofridas no acidente.
O lesado, quando sofre o acidente, tinha 30 anos (facto 7) e angariava um rendimento mensal de, pelo menos, € 3.958,19, durante doze meses no ano.
A esperança média de vida do homem, que se aproxima dos oitenta anos, a generalização, nas sociedades europeias, do acesso a melhores condições de vida, nomeadamente no campo da assistência médica e medicamentosa, impulsionam a tendência generalizada para elevar a idade da reforma, também em função da melhoria da condição física das pessoas. Daí que se justifica atender à idade limite de 70 anos para efeitos de cálculo dos danos futuros, tanto mais que com a intensidade de trabalho do apelante, dificilmente manteria o ritmo (mesmo até essa idade). Isto, sem se desprezar que a vida continua para além dessa idade e que homem pode manter-se produtor de rendimentos. Há que ter em conta os rendimentos perdidos, pelo menos, em 40 anos, já que o apelante tinha trinta anos de idade.
Operando nos termos da decisão recorrida, de que se não discorda, temos que €3.958,19 x 12 meses x 52,026 (incapacidade permanente) x 40 anos = € 988.458,20.
A indemnização visa compensar a perda de rendimentos e, como bem se atendeu na sentença, tem-se presente que o apelante receberá, de uma só vez e antecipadamente, uma reparação por perda de rendimentos que seriam apenas percebidos ao longo de considerável período de tempo (sem que se possa afirmar com segurança, senão apenas tendencialmente, a evolução futura). Por isso, podendo, em aplicação do capital, obter outros rendimentos. O que justifica que, no global da indemnização se proceda a algum acerto, de forma equitativa, de modo a compensar esse benefício de possível aplicação do capital antecipado de forma rentável.
Não esquecendo que do valor global auferido, uma parte significativa, independentemente do regime fiscal permitido por que se opte, teria de ser afectada a encargos fiscais, diminuindo o rendimento disponível.
Ponderando aquele benefício da antecipação e este encargo fiscal, temos por adequada uma redução de trinta por cento (30%), ascendendo a indemnização por danos patrimoniais futuros ao valor global de €691.920.00.”

Para apreciar esta conclusão, dentro dos limites do poder de controlo deste Supremo Tribunal, cumpre recordar especialmente:

– Que está provado que o autor, nascido em 2 de Março de 1973, tinha 30 anos à data do acidente:
– que era proprietário de um restaurante, onde trabalhava;
– que por causa do acidente teve que contratar mais um trabalhador e que aumentar o salário de outro, para compensar o que deixou de poder fazer;
– que, tendo em conta o que ficou provado (recorde-se que o autor alegou um rendimento superior, mas que não ficou demonstrado), o rendimento que o autor retirava do restaurante deve ser valorado mensalmente, por referência ao momento do acidente (o que interessa para cálculo da indemnização, conforme impõe a teoria da diferença), como a soma dos valores que o autor deve de despender para compensar a sua falta (cfr. pontos 229 e 230 dos factos provados);
– que, por causa do acidente, o autor ficou a sofrer de uma incapacidade permanente geral de 52,026 pontos (ponto 161); mas que a incapacidade de que realmente ficou afectado tem um significado mais gravoso do aquele que esta graduação traduz, uma vez que as sequelas do acidente “são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional” (mesmo ponto 161), não tendo o autor “habilitações académicas ou profissionais para exercer trabalho intelectual” (ponto 162); a par destas considerações, não podem deixar de ser ponderadas as qualidades excepcionais de trabalho e de empenho na melhoria de rendimento evidenciadas pela prova;
– que a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida; no sentido de dever ser tida em conta a esperança de vida, e não apenas de vida activa, ver por exemplo o acórdão de 17 de Junho de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 08A1266) ou de 7 de Fevereiro de 2013 (3557/07.1TVLSB.L1.S1);
– que, para avaliar os danos futuros resultantes da perda de capacidade de ganho, no âmbito da responsabilidade civil, se tem observado que a indemnização a arbitrar deve ter como ponto de referência, como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002, deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt, proc. 02A1321) “um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que (o capital) se extinga no final do período provável de vida. Só assim se logra, na verdade, "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º)”;
– que o rendimento anual a ter em conta corresponde ao montante de € 3.858,15, multiplicado por 12 meses, visto o autor trabalhar por conta própria;
– deixando agora de lado a questão de saber se deve ou não proceder-se a uma redução final, tendo em conta o recebimento do capital de uma vez só, que se mostram adequadas as tabelas a que recorreu o já citado acórdão de 25 de Junho de 2002, para o qual se remete quanto à respectiva explicação, e que, portanto, o cálculo deve tomar como factores o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente e a idade normal de cessação de actividade laboral (aceitam-se os 70 anos, como entendeu a Relação);
– que o resultado alcançado, segundo tais tabelas, deve ser corrigido tendo em conta o tempo provável de vida após os 70 anos;
– que não há razões, relacionadas com o grau de culpa do lesante, ou outras, que ditem o abaixamento da quantia assim alcançada;
– que a consideração das “variante dinâmicas” indicados no acórdão de 10 de Outubro de 2010 –“evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização” – e do tempo que decorre entre o acidente e o pagamento efectivo da indemnização aconselham a que se compense o “benefício da antecipação, decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seria, recebidos faseadamente ao longo dos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização em termos financeiros” (acórdão de 24 de Outubro de 2010) e os encargos fiscais correspondentes com as implicações de tais variantes, segundo o que se afigura equitativo (no sentido de não efectuar uma redução do capital, por ser entregue de uma só vez, ver ainda, por exemplo, o acórdão de 6 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 733/06.8TBFAF.G1.S1);
– que o acórdão recorrido, no cálculo da indemnização, não procedeu a essa compensação, não obstante ter expressamente referido que a incapacidade efectiva “tende a ter consequências nefastas muito superiores às que revelam os 52,026 pontos fixados” (pág. 31 do acórdão) e ter definido critérios de cálculo que implicariam um acerto, para mais, do resultado matemático a que chegou, e que apenas considera o rendimento anual perdido e o grau de incapacidade fixado;
– que o autor não tem razão quando sustenta que deve ser tido em conta “que o nível de vida (com crise ou sem crise) em Espanha é cerca de 38% superior ao nível de vida em Portugal”, requerendo que o Supremo Tribunal de Justiça considere essa diferença, “nomeadamente por força do nº 1 do art. 514º do CPC" (alegações, ponto 11º). Independentemente de saber se pode ter-se como facto notório essa concreta diferença de 38%, e de saber até que ponto o Supremo Tribunal de Justiça o poderia considerar, a verdade é que se tomou como base de cálculo o rendimento auferido em Espanha, pelo que perde razão de ser esta crítica. Diga-se, aliás, que não se vê como é que, nas alegações, o recorrente afirma que a indemnização que lhe foi atribuída pela Relação “perfaz a redução de 68%”, somando estes 38% aos 30% de redução pela antecipação no recebimento de uma vez só da indemnização;

Por todas estas razões, altera-se o montante atribuído a título de danos patrimoniais futuros, por perda de capacidade de ganho, para o montante alcançado pelo método preconizado pelo acórdão recorrido, corrigido o montante do rendimento mensal perdido para € 3.858,15 e sem a redução de 30%, ou seja, € 963.475,75.

10. O autor discorda também do montante atribuído a título de danos patrimoniais futuros, relacionados com as despesas de saúde, que a Relação fixou em € 20.000,00, assim baixando o montante de € 35.000,00 atribuído pela sentença.
Pese embora a gravidade das sequelas, a verdade é que o acórdão recorrido justificou esta decisão na falta de base de facto provada que permita sustentar outro valor, sendo certo que a condenação segundo a equidade está limitada pela prova produzida, como já se observou (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).
Assim sendo, o acórdão recorrido não merece qualquer censura neste ponto: a prova não possibilita qualquer quantificação diferente da indemnização a pagar.

11. No recurso que interpôs, a ré discorda ainda da condenação em juros de mora, contados desde a citação, salvo no que respeita aos “danos patrimoniais emergentes”, que aceita, e que não estão em causa no presente recurso (€ 6.600,00 pelo motociclo e € 466,18 por transportes e exames).
Em seu entender, tendo em conta os termos do pedido da autora e a actualização feita pelas instâncias quanto aos montantes indemnizatórios apurados, e, quanto às “despesas futuras com «ajudas técnicas» no valor de € 40.000» [não discutidas na revista] e referente a consultas, exames e tratamentos no futuro no valor de 20.000,00 €”, que o autor “nem sequer ainda despendeu tais quantias ou efectivou tais despesas, por isso são futuras”, sustenta que só pode ser condenada no pagamento dos juros de mora que se vencerem depois do trânsito em julgado da decisão condenatória. Invoca, em seu apoio, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio (Diário da República I Série, de 27 de Junho de 2002 e www.dgsi.pt, proc. nº 01A1508).
O autor começa por afirmar que, no que respeita à condenação em juros, não é admissível a revista; mas sem razão, porque se trata de parte do acórdão da Relação, proferido em recurso de apelação interposto de decisão final (a sentença); o nº 1 do artigo 721º do Código de Processo Civil vale também para esta parte.
E também não tem fundamento a afirmação de que a ré não cumpriu as exigências definidas pelo nº 1 e pelo nº 2 do artigo 685º-A do Código de Processo Civil.
O acórdão recorrido determinou o pagamento de juros de mora, contados desde a citação, em relação a todas as parcelas da condenação, invocando o disposto no nº 3 do artigo 805º e no artigo 805º do Código Civil. Considerou ser manifesto que a sentença não tinha actualizado os montantes correspondentes e condenou “nos termos pedidos (arts. 805º/3 e 805º do CC)” (na ampliação do pedido), ou seja, no pagamento de € 868.986,18 “[(7006,18 – danos emergentes + 691.920,00 – danos patrimoniais futuros por perda da capacidade de ganho + 110.000,00 – danos não patrimoniais + 40.000,00 – “ajudas técnicas” + 20.000,00 – referentes a consultas, exames e tratamentos no futuro) = € 868.986,18]” com juros de mora, calculados “à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento”.
Segundo o referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, que observa expressamente não haver que distinguir, para o efeito em causa, entre danos patrimoniais e não patrimoniais, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Cumpre então interpretar a decisão de condenação no pagamento da indemnização, por forma a determinar se actualizou ou não o cálculo que fez. E a verdade é que da interpretação do acórdão recorrido não resultam sinais de ter optado pela actualização dos montantes indemnizatórios fixados. Pelo contrário: apreciando a sentença, interpretou-a expressamente no sentido de não ter procedido a actualização, e concluiu a apreciação do recurso condenando no pagamento de juros de mora desde a citação, louvando-se no nº 3 do artigo 805º e no artigo 805º do Código Civil. Para infirmar esta decisão expressa, seria necessário encontrar no acórdão indicações seguras de sinal contrário; que se não detectam, nem a recorrente aponta, limitando-se a afirmar que o acórdão se não reportou “a critérios de 2009”. Esta conclusão vale para todos os danos a que se refere a indemnização, tratados igualmente pelo acórdão recorrido; a circunstância de serem futuros não impede que se possam ponderar com referência ao momento da propositura da acção, ou da citação, ou à data da sentença.

12. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento à revista interposta pela ré CC, SA;
b) Conceder provimento parcial à revista do autor, AA, aumentando para € 963.475,75 a indemnização por danos patrimoniais futuros, resultantes da perda de capacidade de ganho, revogando o acórdão recorrido na parte correspondente;
c) Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 6 de Junho de 2013

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso