Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1466/23.3T8LRA.C1.S3
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
REMUNERAÇÃO
COMPENSAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOTURNO
SUBSÍDIO DE FUNÇÃO
SUBSÍDIO DE TURNO
FERIADO
TRABALHO EM FERIADO
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – O raciocínio base que deve presidir ao julgamento do objeto do presente recurso de revista radica-se no confronto entre a razão de ser e finalidade das diversas prestações a compensar e aquelas sobre as quais se radicam as Cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019, sem se perder, no entanto, de vista outras regras convencionais que podem enquadrar e contextualizar melhor o motivo e condições de atribuição daquelas, em função da particular atividade de motorista nacional do Autor.

II – O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado reiteradamente que as convenções coletivas, pelo menos no que toca à sua parte normativa, estão sujeitas, na sua interpretação, às mesmas regras que regem para a interpretação da lei, assumindo, nessa medida, particular importância o disposto no artigo 9.º do Código Civil, funcionando a letra do instrumento de regulamentação coletiva negocial como ponto de partida e limite da interpretação das cláusulas do mesmo.

III - Os fundamentos que estão na base da consagração das Cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 radicam-se, necessariamente, no trabalho de transporte que é efetuado pelos motoristas por referência aos dias úteis de trabalho e ao período normal de trabalho [que, nos anos que estão em causa nos autos são, em termos legais e convencionais, de 40 horas semanais, conforme artigo 203.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009 e Cláusulas 19.ª e 48.ª dos correspondentes CTT] e visam compensar os trabalhadores pelos diversos tipos de contingências e condicionalismos [tempo gasto nas cargas e descargas, trânsito, engarrafamentos, acidentes próprios ou alheios, obras na via, condições climatéricas, furos, problemas mecânicos, estado das estradas, operações de fiscalização pelas autoridades, etc.] a que esta atividade de condução e tranporte constante e repetitivo, em horas desencontradas do dia e da noite - em função do regime de turnos - está sujeita e que torna imprevisível e imprevisto o tempo de efetivo trabalho que irá ser ocupado na respetiva jornada normal de trabalho.

IV - Ora, a serem essas as razões desse regime convencional das Cláusulas 61.ª ,– pois só assim se explica a desconsideração do trabalho suplementar prestado em dia útil de trabalho, bem como, no quadro do IRCT de 2018, a dedução da remuneração do trabalho noturno, na modalidade de subsídio de trabalho noturno, segundo o número 2 da Claúsula 48.ª -, fácil se torna afastar qualquer direito de compensação por parte da Ré relativamente ao «prémio de função» [que se achava contemplado no contrato de trabalho e mostra previsto na regulamentação coletiva de 2019, na Cláusula 60.ª e ao «subsídio de turno» [que já estava contratualmente previsto, embora com outra denominação [«subsídio noturno»] e que se acha consagrado no último CCT, sob a cláusula 54.ª], que têm na sua origem motivos de base, relacionados com a maior dificuldade, penosidade e esforço do trabalho realizado, que são absolutamente distintos daqueles outros e que, nessa medida, não devem ser descontados na retribuição especial prevista nas Cláusulas 61.ª.

V – No que respeita à matéria relativa ao trabalho suplementar executado em dias de descanso obrigatório ou complementar ou em dia feriado, face ao se deixou sustentado quanto à génese e razão de ser do regime contido nas Cláusulas 61.ª dos dois instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho dos autos – que, frize-se, afastam apenas o trabalho suplementar desenvolvido em dias úteis de trabalho -, não é juridicamente defensável fazer qualquer compensação entre a retribuição específica da Cláusula 61.ª e a retribuição liquidada pela empregadora ao trabalhador a título desse trabalho suplementar executado em dias de descanso ou em dia feriado [assim como em função do trabalho noturno prestado, dado O Autor nunca ter recebido subsídio de trabalho noturno].

VI - O Autor, muito embora não tenha direito a cumular com a retribuição específica das Cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 a retribuição correspondente ao trabalho suplementar pelo mesmo executado nos dias úteis, não tem de compensar com aquela retribuição específica a remuneração recebida a título do demais trabalho suplementar prestado pelo mesmo em dias de descanso obrigatório e complementar e em feriados, assim como do trabalho noturno, subsídio de turno e prémio de função igualmente liquidados ao trabalhador.

VII – Não ocorre no caso dos autos uma situação de violação do princípio constitucional de salário igual para trabalho igual ou equivalente, de exercício abusivo de direito ou, finalmente, de um cenário de enriquecimento em causa por parte do trabalhador.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA N.º 1466/22.3T8LRA.C1.S3 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL, LDA.

(Processo n.º 1466/22.3T8LRA – Tribunal Judicial da Comarca de Leiria -Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 1)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, no dia 8/4/2022, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL, LDA., igualmente identificada nos autos, pedindo, na respetiva procedência da ação, a condenação desta a pagar ao Autor, a título de créditos laborais já vencidos, a importância de € 33.128,52 €, desdobrando-se os mesmos nas seguintes prestações e valores:

a) Diuturnidades não pagas de julho de 2018 a setembro de 2018: 38,76 €.

b) 875,57 € de diferenças salariais de outubro a dezembro de 2018.

c) 4.588,74 € de diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2019.

d) 10.167,28 € de diferenças salariais de janeiro a dezembro de 2020.

f) 2.257,26 € de diferenças salariais de janeiro e fevereiro de 2022.

2) A pagar as prestações pecuniárias que se vencerem até final, incluindo as diferenças salariais e

3) A pagar os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.


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2. Alegou, muito em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 1 de julho de 2015, e à luz do que se encontra estabelecido na cláusula 39.ª do CCTV publicado no BTE, 1ª série, n.º 30 de 15/8/1997, por ter então completado 3 anos de vínculo ganhou direito a uma diuturnidade a partir de julho de 2018 no valor mensal de € 12,92.

Nada tendo a Ré pagado a este título ao Autor de julho de 2018 a setembro de 2018, deve a este último o montante de 38,76 €.

Por outro lado, os montantes pagos pela Ré ao Autor violam o que vem consignado no CCTV publicado no BTE n.º 34 de 15/09/2018 aplicável tendo o Autor direito a uma retribuição mensal por um mês completo de serviço prestado, que contemple a remuneração base prevista na Cl.ª 44.ª, uma diuturnidade prevista na Cl.ª 47.ª, o complemento salarial previsto na Cl.ª 45.ª, a retribuição especifica prevista na Cl.ª 61.ª, e o subsídio noturno previsto na Cl.ª 48.ª pelo que lhe são devidas as diferenças salariais peticionadas.


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3. Frustrada a conciliação em sede de Audiência de Partes, contestou a Ré alegando, em síntese, que o Autor pertence aos chamados “motoristas internos” da Ré, que apenas procedem a transportes de mercadorias dentro da área do concelho da Marinha Grande e que, nessa medida, não têm autonomia na prestação de trabalho, dormindo todos os dias em casa e trabalhando 8 horas diárias em turnos rotativos, sendo o trabalho suplementar e em dia de feriado pago sempre que é prestado.

Tais “motoristas internos” recebem prémio de função e subsídio de turno.

Pelo que atendendo a que o trabalho do Autor não é caracterizado pela penosidade nem pela autonomia não tem direito ao pagamento da denominada Cláusula 61.ª do CCTV em vigor.


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4. Por Sentença de 31/01/2023 o Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:

“Pelo exposto julgamos parcialmente procedente a presente ação pelo que condenamos a Ré a pagar ao Autor, a título de diferenças salariais por diuturnidades, a quantia total já vencida de € 854,73 (oitocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Mais condeno a Ré a pagar ao Autor as diuturnidades de acordo com o estabelecido no CCTV aplicável ao setor, tendo o Autor, no momento, direito a 2 diuturnidades no valor total de € 34,00/mês.

No mais vai a Ré absolvida.

Custas por Autor e Ré na proporção dos decaimentos.

Valor da ação: € 33.128,52 (trinta e três mil euros cento e vinte e oito euros e cinquenta e dois cêntimos)

Registe e notifique.”


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5. O Autor interpôs recurso de Apelação.

Por Acórdão de 24/11/2023, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida [1].


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6. O Autor apresentou requerimento em 14/12/2023 a arguir nulidade por omissão de pronúncia.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra tirado na Conferência realizada em 15.03.2024 foi considerada improcedente a nulidade arguida através do requerimento autónomo de 14.12.2023.


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7. O Autor AA interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC/2013, aplicável por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT.

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8. Foi determinada a subida do presente recurso de revista excecional, por despacho judicial, de 07/05/2024, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar onde foi entendido se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz especial e geral que se acham legalmente previstos para o Recurso de Revista Excecional e, por tal motivo se justificar o envio destes autos recursórios à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC.

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9. A formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC prolatou acórdão datado de 25 de setembro de 2024, que decidiu, em síntese, o seguinte:

«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em admitir o presente recurso de Revista Excecional interposto pelo Autor AA, pelos fundamentos invocados e analisados em sede da fundamentação deste Acórdão.

Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.»

10. O recorrente AA apresentou alegações de recurso e formulou conclusões no sentido da aplicação ao seu contrato de trabalho da Cl.ª 61.ª do CCTV de 2018 e na Cl.ª 61.ª do CCTV de 2019, publicado no BTE n.º 34 de 15 de setembro e no BTE n.º 45 de 8 de dezembro de 2019.


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11. A Ré VIDRALA - LOGISTICS, UNIPESSOAL LDA. veio responder dentro do prazo legal ao recurso de revista do Autor, tendo para o efeito deduzido conclusões, onde sustentou, muito em síntese, a inaplicação da Cláusula 61.ª do CCT e, subsidiariamente e para o caso do recurso de revista proceder, sendo a Recorrida condenada no pagamento da Cláusula 61.ª, direito à compensação com o que foi pago ao Recorrente a título de trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

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12. Tendo os autos de revista seguido os seus normais trâmites neste Supremo Tribunal de Justiça, veio a ser proferido Acórdão com data de 26/2/2025, que decidiu, a final, o seguinte:

«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar procedente o presente recurso de Revista interposto pelo Autor AA, com a inerente revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nessa parte e a subsequente condenação da Ré a pagar ao recorrente as prestações previstas nas cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 e por ele reclamadas.

Não tendo a matéria da compensação dos créditos laborais que foi suscitada pela Ré na sua contestação e também nas suas contra-alegações de recurso sido ainda apreciada nos autos, baixem os mesmos ao Tribunal da Relação de Coimbra, nos moldes e para os fins antes expostos em sede de fundamentação.

Custas da ação a fixar a final e da presente revista a cargo da recorrida - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.»


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13. Vindo os autos a descer ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde correram os seus normais termos, veio esse tribunal da 2.ª instância a prolatar um segundo Aresto, com data de 10/4/2025, com a seguinte decisão:

«V – Termos em que se decide:

1. Julgar não ter o Autor direito a receber a remuneração por trabalho suplementar prestado em dia útil em virtude de lhe ser aplicável o regime remuneratório consagrado nas cláusulas 61ª dos CCT de 2018 e 2019.

2. Relegar para incidente de liquidação de sentença a quantificação da quantia recebida pelo autor a título de trabalho suplementar prestado em dia útil a compensar com as quantias a que o autor tem direito de receber por efeito da aplicação das cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 aplicáveis.

Custas a cargo da recorrida.»


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14. A Ré VIDRALA - LOGISTICS, UNIPESSOAL LDA. interpôs recurso de revista, ao abrigo dos n.ºs 1 dos artigos 629.º, 671.º e 674.º do CPC/2013, aplicável por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT.

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15. Foi determinada a subida do presente recurso de revista, por despacho judicial, de 03/07/2025, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar onde foi entendido se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso de Revista ordinário, tendo, por tal motivo, se considerado corretamente admitido o mesmo.

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16. A recorrente VIDRALA - LOGISTICS, UNIPESSOAL LDA. apresentou alegações de recurso e formulou conclusões:

«1. O acórdão recorrido viola o disposto no artigo 31.º do Código do Trabalho, constituindo abuso de direito e enriquecimento sem causa do Recorrido.

2. Para efeitos de compensação, tal como alegado na contestação, devem ser tidas também em conta, para além dos valores já pagos a título de trabalho suplementar, todas as demais prestações pecuniárias pagas ao Recorrido, por ser “motorista ...” e que não são pagas aos motoristas de transporte nacional e internacional, designadamente subsídio de turno, trabalho noturno, trabalho prestado em dia de feriados e prémio de função.

3. A proceder o entendimento do acórdão recorrido, então, estes motoristas, entre os quais o Recorrido, serão claramente beneficiados em relação aos motoristas de transporte nacional e internacional, em violação do principio da igualdade, plasmado no artigo 31.º do Código do Trabalho.

4. Os demais motoristas, nacional e internacional, auferem a cláusula 61.º, mas não auferem subsídio de turno, nem prémio de função.

5. Estas duas componentes remuneratórias são pagas apenas aos motoristas que a Recorrente denomina “...”, atenta a especificidade da sua função.

6. Ora, se foi decidido que tais motoristas têm direito a receber os montantes previstos na cláusula 61.ª do CCT aplicável, então, não podem receber prémio de função, nem subsidio de turno, sob pena de estarem a ser pagos duplamente para as mesmas funções, em prejuízo dos demais motoristas.

7. Tendo o Recorrido direito à remuneração prevista na cláusula 61.ª do IRCT, deverá operar a compensação total, sob pena do Autor receber duas vezes a mesma remuneração, o que constitui abuso de direito. Vide artigo 334.º do Código Civil.

8. O Recorrido não pode cumular o recebimento da cláusula 61.º do IRCT aplicável com o subsídio de turno, prémio de função, trabalho suplementar e trabalho em dias de feriado, porquanto tal entendimento levaria a que estes motoristas tenham um tratamento claramente mais favorável do que os motoristas de transporte nacional que percorrem todo o território.

9. O que implica a violação do princípio da igualmente, bem como do princípio que estabelece a obrigatoriedade de pagar a trabalho igual salario igual.

10. A violação do artigo 31.º do Código do Trabalho é manifesta, caso não ocorra compensação, mormente, com o subsídio de turno e prémio de função, por serem componentes remuneratórias que o Recorrido só auferia porque não auferia a remuneração da cláusula 61.º do CCT.

11. Além disso, a manter-se a decisão, verificar-se o enriquecimento sem causa do Recorrido, sobretudo por comparação, repita-se, aos demais motoristas da Recorrente.

12. O Recorrido receberá duas vezes a compensação, embora a títulos diferentes, ou melhor, sob denominações diferentes, a mesma remuneração.

13. Receberá a remuneração constante da cláusula 61.º e, em simultâneo, o prémio de função e subsidio de turno, que visam pagar exatamente a mesma prestação de trabalho.

14. A natureza/razão de ser do pagamento da clausula 61.º é exatamente a mesma que do prémio de função e subsídio de turno.

Termos em que deve ser revogado o douto acórdão e ser decidido que deverá operar a compensação sobre todas as quantias que a Recorrente pagou ao Recorrido, tal como consta da contestação. SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!»


*


17. O Autor AA veio responder dentro do prazo legal ao recurso de revista da Ré, tendo para o efeito deduzido as seguintes conclusões:

«1. A Recorrente, entende que o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra não esteve bem, Porquanto: “Para efeitos de compensação, tal como alegado na contestação, devem ser tidas também em conta as demais prestações pecuniárias pagas ao Recorrido, por ser “motorista interno” e que não são pagas aos motoristas de transporte nacional e internacional, designadamente subsídio de turno, trabalho noturno, trabalho prestado em dia de feriados e prémio de função.(…)

Considerando que o STJ entende que é devido o pagamento da cláusula acerca da cláusula 61.ª ao Recorrido, é manifesto que este não pode receber o que recebeu a título de trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

2. Contudo, não tem razão, pois o douto acórdão faz uma interpretação correta do IRCT´s aceite pelas partes “Pretende, pois, a Recorrente que as quantias que o Recorrido tem direito a receber por via da aplicação das cláusulas 61.ª sejam compensadas com as quantias recebidas pelo Recorrido a título de trabalho suplementar, trabalho em dia de feriado, trabalho noturno/subsídio de turno e prémio de função.”

3. Releva para a reapreciação do caso em apreço, que resultou do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: “(…) Embora nada seja referido no dispositivo, o Tribunal da Relação aditou os seguintes factos ao elenco de factos provados:

- “No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13 €/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00 €/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00 €/mês.”;

- “O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 15.”;

- “O Autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5 t”.

4. Na verdade, “O STJ o qual por acórdão de 26 de fevereiro do corrente ano decidiu julgar procedente o recurso de revista interposta pelo autor “com a inerente revogação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nessa parte e a subsequente condenação da Ré a pagar ao recorrente as prestações previstas nas clausulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 e por ele reclamadas.”

5. E, mais decidiu no douto acórdão do STJ que: “Não tendo a questão da compensação dos créditos laborais que foi suscitada pela ré na sua contestação e também nas suas contra-alegações de recurso sido ainda apreciada nos autos, baixem os mesmo ao tribunal da Relação de Coimbra nos moldes e para os fins antes expostos em sede de fundamentação”.


***


6. Nesta conformidade o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra decidiu “1. Julgar não ter o Autor direito a receber a remuneração por trabalho suplementar prestado em dia útil em virtude de lhe ser aplicável o regime remuneratório consagrado nas cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019.

2. Relegar para incidente de liquidação de sentença a quantificação da quantia recebida pelo autor a título de trabalho suplementar prestado em dia útil a compensar com as quantias a que o Autor tem direito de receber por efeito da aplicação das cláusulas 61.ª dos CCT de 208 e 2019 aplicáveis.

7. A ora Recorrente VIDRALA não concorda com a douta decisão e dela vem interpor recurso mas fá-lo sem razão. Porquanto,

8. Foram considerados provados factos que se deixaram referidos no corpo destas alegações e que aqui se dão por reproduzidos, quer no tocante ao acórdão recorrido quer ao acórdão fundamento. Apreciando,

9. Para operar a compensação pretendida pela Recorrente, esta não pode ignorar várias evidências e muito menos atropelar os CCTV.

10. Antes de maio, o contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, é anterior à entrada em vigor quer do CCTV publicado no BTE n.º 34 de 15/09/2018, quer do CCTV publicado no BTE n.º 45 de 8 de/12/2019.

11. Para tanto, resulta do contrato de trabalho celebrado em 1/07/2015 que a Recorrente se comprometeu a pagar ao Autor/Recorrido: retribuição base, prémio de função e subsídio noturno.

12. Com a evolução da relação do contrato de trabalho, a Recorrente até setembro de vencimento nos quais foi refletindo as referidas rubricas identificadas no contrato de trabalho, mais concretamente, trabalho noturno no valor de 155,16 €, prémio de função no valor de 155,16 €, e trabalho em dia de descanso cujo valor foi variando.

13. A partir de outubro de 2020 em diante, a Recorrente passou a fazer constar nos recibos em vez de trabalho noturno a expressão de “subsídio de 3 turnos” pese embora tal ser redundante, uma vez que é com base nesta rubrica que a Recorrente se pretende compensar pelo trabalho noturno. Prosseguindo,

14. Há que trazer à evidência que, no dia em que foi celebrado o Contrato de Trabalho estava em vigor o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE, 1.ª Série n.º 9, de 08.03.1980, com as alterações introduzidas pelas Revisões publicadas nos BTE nºs 16/1982, 18/1986, 20/1989, 18/1991, 25/1992, 25/1993, 24/1994, 20/1996, 30/1997 e 32/1998; com Portarias de Extensão publicadas no BTE, 1.ª série, nomeadamente em 15.08.1980 e 08.12.1997.

15. Deste modo, à luz do contrato de trabalho assinado e tendo por referência o CCTV em vigor que se acaba de evidenciar, não há dúvida de que o ora Recorrido se enquadraria na categoria profissional de motorista dos transportes nacionais rodoviários de mercadorias e então sem direito à cl.ª 74, uma vez que esta até setembro de 2018 se aplicava somente ao motorista que efetuasse transporte internacional, sendo certo que não havia então a distinção entre Ibérico e Internacional.

16. Razão pela qual, o CCTV publicado no BTE n.º 34 de 15/09/2018 foi inovador e disruptivo quando determinou que a Cl.ª 61.ª proveniente do espírito da Cl.ª 74, n.º 7 do anterior CCTV, passou a aplicar-se também aos motoristas do nacional

17. Resulta do n.º 4 e n.º 5 da nova Cl.ª 61.ª do CCTV de 2018 que:

“(…)

4 - Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).

5 - O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.”

18. Não pode subsistir dúvidas de que presente cláusula 61.ª, cfr. decorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, cinge-se à possibilidade de não ser devido trabalho suplementar em dia útil e a partir de 1/10/2018, e no que se aplica e bem ao caso em apreço e tão só quanto a tal.

19. Por outro lado, com a entrada em vigor do CCTV de 2018 diz que um motorista afeto ao serviço do nacional, tem direito a receber a retribuição base prevista na cl.ª 44.ª, diuturnidades previstas na cl.ª 47.ª, o complemento salarial previsto na cl.ª 45.ª, a remuneração de trabalho noturno previsto na cl.ª 48.ª aceite pelas partes e a cl.ª 61.ª.

20. Nesta conformidade, foi estabelecido logo de início, cfr. decorre do Contrato de Trabalho, de que as partes acordaram de que o Recorrido tinha direito a receber a remuneração do trabalho noturno.

21. Por outro lado, tal direito tem previsão no CCTV de 2018 na sua cl.ª 48.ª, ora uma vez acordado tal é sempre devido e por esta via, dir-se-á que o direito ao seu recebimento não fica restringido com o pagamento da Cl.ª 61.ª do novo CCTV.

22. E tanto assim é que, resulta do CCTV que qualquer motorista afeto ao serviço nacional, ibérico e internacional tem direito a receber a remuneração do trabalho noturno pelo que vir em sede recursiva a Recorrente dizer que estes motoristas não recebem tais valores a esse titulo, tal constitui uma violação frontal, pois têm igualmente direito à semelhança do ora Recorrido, sob pena de flagrante incumprimento.

23. Por outro lado, decorre do referido CCTV de 2018 que “sobre o motorista não recai qualquer dever de fazer operações de cargas ou descargas de mercadorias, exceto quando tenha sido contratado ou tenha acordado ser adstrito a serviços cuja natureza assim o exija”, no que se coaduna com o caso em apreço.

24. Pois tal resulta do contrato de trabalho, e da prova produzida em que o Recorrido acumula com o serviço de motorista, o serviço de cargas e descargas de mercadorias, e para tanto recebeu formação especifica em manusear empilhadoras e tanto assim é que tal lhe é pago sobre a rubrica sobre a rubrica de “prémio de função”.

25. Tal desidrato, resulta da motivação da douta sentença do Tribunal de 1.ª instância e do facto assente 14, 22.

26. Mais uma vez, se dirá que quanto à obrigação do pagamento desta rubrica, operações de cargas e descargas com a inerente formação especializada, não pode ser afastada com o pagamento da 61.ª, e uma vez acordada e implementada o prémio de função é sempre devido.

27. Por outro lado, resulta do CCTV de 2018 que o Recorrido tem direito, a receber o que está previsto na cl.ª 51.ª e que se reporta ao serviço prestado em dia de descanso obrigatório, ou seja, aos domingos e feriados , e ainda em dia de descanso complementar, ou seja, aos sábados, sendo que releva para o caso em apreço os dias de feriado ou cfr. vem evidenciado nos recibos “trabalho em dia de descanso”.

28. Há que distinguir assim o trabalho executado em dia de feriado, do trabalho suplementar realizado em dia útil.

29. Assim o trabalho realizado em dia de descanso obrigatório e em dia de descanso complementar é sempre devido, enquanto o trabalho suplementar realizado em dia útil, ou seja o trabalho que extravase as 8 horas diárias no caso em apreço não é devido por estar compensado através no pagamento da Cl.ª 61.ª, cfr. decorre dos n.ºs 4 e n.º 5 desta última cláusula.

30. Assim, o pagamento do “trabalho em dia de descanso”, é sempre pago ao trabalhador independentemente de este estar afeto ao serviço do nacional, ibérico e internacional, cfr. sempre decorreu tal obrigação dos CCTV que se sucederam desde 1980 até à presente data.

31. Nesta conformidade dispõe a Cl.ª 82.ª do CCTV de 2018 sob a epígrafe “manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas” preceitua a citada cláusula que: “1 - Da aplicação da presente convenção não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, bem como diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanente não contempladas neste CCTV. 2 - Quaisquer condições mais favoráveis que venham a ser estabelecidos por via administrativa para as categorias profissionais abrangidas por este contrato passam a fazer parte integrante do mesmo.(…)

32. Nesta conformidade, o direito ao recebimento do subsídio noturno sempre seria devido por tal ter sido acordado entre as partes e estar expresso e aceite por ambos com a outorga do contrato de trabalho.

33. Por outro lado, com a estrada do CCTV de 2018 tal direito tem previsão e enquadramento legal na sua Cl.ª 48.ª e o valor praticado jamais pode ser suprido ou restringido por constituir uma regalia de carácter regular cfr. de corre da Cl.ª 82.ª do mesmo diploma legal.

34. De igual sorte se dirá quanto ao prémio de função e ao seu valor mensal pago com reiteração, cuja obrigação surge com a outorga do contrato de trabalho, isto é, antes da entrada em vigor do CCTV de 2018, e como tal ao abrigo da Cl.ª 82.ª e por não ser afastado pela Cl.ª 61.ª, tal montante é igualmente devido.

35. No que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso obrigatório, e em dia de descanso complementar, tal sempre seria devido, independentemente do CCTV que tenha estado em vigor, e tanto assim é que tal direito não foi afastado nem pela Cl.ª 61.ª do CCTV ou mesmo pela Cl.ª 74.ª, n.º 7 do anterior CCTV e suas portarias, pelo que é igualmente devido.

36. De igual sorte se dirá quanto à entrada em vigor do CCTV publicado no BTE n.º 45 de 15/12/2019 e que entrou em vigor em 1/01/2020.

37. Resulta do CCTV de 2019 que o Recorrido tem direito a receber por um mês de serviço completo a retribuição base prevista na Cl.ª 44.ª, diuturnidades prevista na Cl.ª 46.ª, complemento salarial previsto na Cl.ª 59.ª, retribuição especifica prevista na Cl.ª 61.ª e a retribuição pelo serviço noturno previsto na Cl.ª 62.ª e/ou 63.ª.

38. Acrescem outras variáveis, tal como sucede com a Cl.ª 50.ª que se reporta mais uma vez ao pagamento pelo serviço efetivamente prestado em dia de descanso obrigatório e complementar, sendo que releva para o acaso em apreço o serviço prestado em dia de feriado, em face da alusão da Recorrente nas suas alegações.

39. Para além desta variável, surge neste CCTV de 2019 a Cl.ª 60.ª a qual diz claramente que o Recorrido tem direito a receber o subsídio de cargas e descargas, o qual tem correspondência direta com o pagamento até então praticado e identificado no Contrato de Trabalho e nos recibos de vencimento como prémio de função.

40. Qualquer uma das cláusulas postas em crise pela Recorrente não são assim afastadas pela nova redação da Cl.ª 61.ª do CCTV, e como tal são devidas e jamais o pagamento desta última poderá compensar o pagamento das cl.ªs 50.ª, 60.ª e 63.ª.

41. E tanto assim é que, um motorista afeto ao serviço nacional, ibérico e/ou internacional têm direito a receber a Cl.ª 61.ª e as cl.ªs 50.ª, 60.ª e violação frontal e confessa dos sucessivos CCTV.

42. E nesta conformidade à semelhança do CCTV de 2018, o CCTV de 2019 também prevê na sua Cl.ª 89.ª sob a epígrafe “Manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas” que: “1 - Da aplicação do presente CCTV não poderão resultar quaisquer prejuízos, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas neste CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador. 2 - Quaisquer condições mais favoráveis que venham a ser estabelecidos por via administrativa para as categorias profissionais abrangidas por este contrato passam a fazer parte integrante do mesmo. (…) 4 - A presente norma tem natureza imperativa.

43. Pelo que não pode subsistir dúvidas de que por todo o exposto e cfr. resulta do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: “Quer isto dizer que os motoristas que beneficiam do regime das citadas cláusulas 61.ª não estão impedidos de auferir a remuneração pelo trabalho prestado em dia de feriado , em horário noturno, bem como não estão impedidos de auferir o prémio de função (prémio este devido pelo trabalho de cargas e descargas). Só não poderão é auferir conjuntamente a remuneração pelo trabalho suplementar prestado em dia útil e a remuneração que decorre da aplicação das cláusulas 61.ª. E bem se entende que assim seja dado que, uma das razões da atribuição aos motoristas da quantia correspondente a duas horas de trabalho suplementar tem por base a consideração da possibilidade destes motoristas realizarem trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa (n.º 1 do da Cl.ª 61 do CCT de 2019).

Aliás, já no domínio do CCT de 2018 a Cl.ª 61.ª deste CCT visou, de acordo com o seu n.º 5, substituir quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas unilateralmente pelas empresas.

44. Assim sendo, não assiste qualquer razão à Recorrente e até porque a pretensão desta viola frontalmente os Contratos Coletivos de Trabalho quando de forma confessa assume que viola o CCTV quando diz que os motoristas afetos ao nacional, ibérico e internacional por receberem a Cl.ª 61.ª não recebem a atual Cl.ª 60.ª, 63.ª e 50.ª.

45. Por todo o exposto deve ser mantido o douto acórdão recorrido com todas as legais consequências. É o que se pede e espera desse Alto Tribunal, assim se fazendo JUSTIÇA!»


*


18. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Somos, assim, de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido.»


*


19. As partes não se pronunciaram sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de terem sido notificadas do mesmo.

*


20. Cumpre decidir, tendo o projeto de acórdão sido oportunamente remetido aos Exmos. Juízes-Conselheiros Adjuntos assim como lheS concedido o acesso eletrónico ao presente processo.

II. FACTOS

21. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:

- FACTOS PROVADOS PELO TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA:

«1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público ocasional de mercadorias e transporte público internacional rodoviário de mercadorias e logística, comércio de vidros, utilidades, porcelanas, esmaltes e análogos.

2. A sociedade “GALLO VIDRO, S.A.” é proprietária da fábrica e dos armazéns em referência infra e é detentora da totalidade do capital social da Ré.

3. No dia 01.07.2015 a Ré, então denominada J... UNIPESSOAL, LDA., admitiu o Autor ao seu serviço para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de motorista, através de contrato de trabalho a termo que se foi renovando no tempo.

4. A Ré tem ao seu serviço diversos motoristas que se dedicam à atividade de transporte rodoviário de mercadorias em viaturas pesadas.

5. Enquanto motorista ao serviço da Ré, o Autor faz o transporte de garrafas de vidro de e para a fábrica GALLO VIDRO, sita em Rua Vieira de Leiria, em Marinha Grande, de e para os dois armazéns da Ré, um sito na ... e outro na ..., também em Marinha Grande.

6. Pelo que os transportes realizados pelo Autor são feitos no concelho de Marinha Grande.

7. A distância percorrida nas viagens de ida e volta referidas em 5. é de cerca de 5 km.

8. A Ré tem ao seu serviço 10 trabalhadores, entre os quais o Autor, a exercer as funções referidas em 5..

9. O Autor sempre esteve afeto às funções referidas em 5., nunca tendo exercido funções no transporte ibérico e internacional ou fora da Marinha Grande.

10. Os motoristas afetos aos transportes referidos em 5. têm um regime de trabalho de três turnos rotativos, semanalmente, de segunda-feira a domingo, a saber das 05h00 às 13h00, das 13h00 às 21h00 e das 21h00 às 05.h00.

11. Cada turno corresponde a oito horas diárias de trabalho, com uma pausa de 45 minutos.

12. Pelo facto de trabalhar em turnos, o Autor recebe mensalmente um subsídio de turno, no valor de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), conforme recibos de vencimento juntos aos autos.

13. Sempre que o Autor prestou trabalho suplementar ou trabalho em dia de feriado, a Ré pagou os valores que eram devidos a esses títulos, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos.

14. Todos os motoristas que exercem as funções suprarreferidas recebem um prémio de função pelo trabalho de cargas e descargas que efetuam, trabalho esse que não é efetuado pelos restantes motoristas da Ré.

15. O “prémio de função” consta de todos os recibos de vencimento e tem o valor mensal de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).

16. O Autor realiza uma média de cinco transportes diários da fábrica da GALLO VIDRO para os seus armazéns e vice-versa, não saindo da Marinha Grande.

17. Todos os dias dorme em casa.

18. No exercício das suas funções, ao realizar o seu trabalho diariamente, o Autor tem em conta uma listagem que lhe é fornecida no dia anterior à tarde pelo chefe do armazém ou pelo gerente da empresa.

19. É o Sr. BB, responsável dos ... da Ré, quem coordena o trabalho dos motoristas e quem elabora os horários dos mesmos.

20. Quando a Ré determina que o Autor preste trabalho suplementar, designadamente para substituir outro motorista, é-lhe paga a remuneração correspondente.

21. Sempre que o Autor trabalha em dia feriado esse trabalho é-lhe pago.

22. O trabalho do Autor é controlado e determinado pela Ré diariamente, quer quando carrega na fábrica quer quando descarrega nos armazéns, através do sistema informático inserido nos equipamentos de trabalho e da entrega de listagens com as referências que tem de carregar/descarregar.

23. a 63. [pagamentos feitos pela Ré ao Autor e constantes dos respetivos recibos de vencimento, respeitantes aos meses de outubro de 2018 a fevereiro de 2022]

64. Até setembro de 2020, a rubrica “vencimento base” integrava o complemento salarial, conforme recibos de vencimento juntos aos autos.

65. A partir de outubro de 2019 a rubrica “compensação trabalho noturno”, que se destinava efetivamente a compensar o trabalho em regime de turnos rotativos, passou a denominar-se “subsídio 3 turnos”.

- FACTOS ADITADOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- “ No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13 €/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00 €/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00 €/mês.”;

- “O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 5.”;

- “O Autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5 t”.

- FACTOS NÃO PROVADOS:

Não existem factos não provados que possam ter relevância para a decisão de mérito.».

III – OS FACTOS E O DIREITO

22. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


*


A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

23. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 8/4/2022, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista, tudo sem prejuízo da Regulamentação Coletiva que é aplicável à relação laboral dos autos.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

24. Neste recurso de Revista está em causa decidir se a Ré, face ao já judicialmente reconhecido direito do Autor a receber a retribuição específica prevista na Cláusula 61.ª dos CCTV entre ANTRAM e outra e a FECTRANS e outros, com publicação nos BTE, n.º 34 de 15.09.2018 e n.º 45 de 18.12.2019, respetivamente, pode compensar os montantes devidos a esse título com o que foi pago pela mesma ao Recorrido a título de trabalho suplementar, trabalho prestado em dia feriado, subsídio de turno e prémio de função.

Interessa relembrar aqui o que foi já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra quanto a esta matéria:

«1. Julgar não ter o Autor direito a receber a remuneração por trabalho suplementar prestado em dia útil em virtude de lhe ser aplicável o regime remuneratório consagrado nas cláusulas 61ª dos CCT de 2018 e 2019.

2. Relegar para incidente de liquidação de sentença a quantificação da quantia recebida pelo autor a título de trabalho suplementar prestado em dia útil a compensar com as quantias a que o autor tem direito de receber por efeito da aplicação das cláusulas 61ª dos CCT de 208 e 2019 aplicáveis.»

Conclui-se de tal dispositivo final que o Autor só não terá direito a cumular com a retribuição específica das Cláusulas 61.ª dos CCT de 2018 e 2019 a retribuição correspondente ao trabalho suplementar pelo mesmo executado nos dias úteis, restringindo-se a compensação reclamada pela Recorrente a esta última prestação laboral, mas já não tendo direito a deduzir o demais trabalho suplementar prestado pelo Recorrido em dias de descanso obrigatório e complementar ou em feriados aquela remuneração especial da Cláusula 61.ª, assim como os trabalho noturno/subsídio de turno e prémio de função igualmente liquidados ao trabalhador.

A recorrente entende que o Aresto recorrido pecou por defeito, pois deveria ter considerado abrangida pela pretendia compensação o restante trabalho suplementar e as outras prestações laborais. [2]

No fundo, como raciocínio base que deve presidir ao julgamento do presente recurso de revista, está o confronto entre a razão de ser e finalidade das diversas prestações a compensar e aquelas sobre as quais se radicam as Cláusulas 61.ª de ambos os CCT de 2018 e 2019, sem se perder, no entanto, de vista outras regras convencionais que podem enquadrar e contextualizar melhor o motivo e condições de atribuição daquelas, em função da particular atividade de motorista nacional do Autor.

C – REGULAMENTAÇÃO COLETIVA APLICÁVEL

25. Façamos então o périplo necessário pela regulamentação coletiva de trabalho aplicável à relação laboral dos autos e à matéria específica que aqui nos ocupa:

a) Dispõe a Cláusula 74.ª do CCTV de 1982:

«(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro)

1 - Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso de o trabalhador aceitar, a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes.

2 - […]

7 - Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas trabalho extraordinário por dia.

8 - A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário).

…».

Já a Cláusula 61.ª do CCTV de 2018, estabelece [3]:


Cláusula 61.ª

(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados)



1 - Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.

2 - Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula:

(Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12

VH = __________________________________________________


Período normal de trabalho semanal x 52


1.ª hora x 50 %

2.ª hora x 75 %

Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.

3 - Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV.

4 - Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).

5 - O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.

6 - No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula.

A ata interpretativa desta cláusula, datada de 09.01.2019, esclarece:

«13. Esta Ata interpretativa teve o objectivo de uniformizar o entendimento da aplicação de algumas cláusulas do CCTV durante o processo negocial de revisão global. No ponto 13) Cláusula 61.ª, n.ºs 1 e 3 (Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados) refere: “A presente cláusula, apesar de ter como epígrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados”, não é por esta que resulta o seu âmbito de aplicação; efectivamente tal é fixado pelo disposto no seu n.º 1. A opção por esta redacção, no que à epígrafe diz respeito, visou apenas tornar mais claro que esta cláusula visa substituir a anterior cláusula 74/7 do anterior CCTV – embora com algumas alterações - adotando-se por isso parte da epígrafe desta última. Assim, todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com excepção dos motoristas ligeiros afectos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afectos. Em suma para a aplicação desta cláusula é indiferente se a distância percorrida pelo veículo que o trabalhador está afecto, é de 2 km, 10 km, 20 km ou mais.»

Julgamos conveniente atentar ainda nas seguintes Cláusulas do CCT de 2018:


Cláusula 50.ª

(Determinação do valor hora)



Com expressa exclusão do disposto na cláusula 51.ª do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados), o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula:

(Retribuição base + Complementos salariais (cláusula 45.ª) + Diuturnidades) x 12


_______________________________________________________

Período normal de trabalho semanal x 52

Cláusula 51.ª

(Remuneração do trabalho em dias de descanso semanal ou feriados)



1 - O trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado é pago em dobro do valor dia, independentemente do concreto número de horas de trabalho prestado.

2 - O pagamento mencionado no número anterior é também devido nos dias em que o trabalhador, quando deslocado do país de residência, não tenha prestado qualquer trabalho e tenha realizado apenas descanso diário e/ou semanal.

3 - Considera-se haver sido prestado trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, complementar e /ou feriado, nos termos do número 1 da cláusula 29.ª número 1 (Descanso compensatório de trabalho suplementar).

4 - Para efeitos de cálculo, o valor dia será determinado pela seguinte fórmula:


Remuneração mensal

_____________________ = Remuneração diária

30



5 - Para efeitos da aplicação da fórmula prevista no número anterior, integra o conceito de remuneração mensal, a retri buição base, os complementos salariais previstos na cláusula 45.ª e as diuturnidades, caso haja lugar ao pagamento destas duas últimas prestações pecuniárias.

Finalmente, considere-se a Cláusula 82.ª, que releva para o litígio dos autos, dado o Autor laborar para a Ré em data anterior à entrada em vigor deste novo regime convencional e auferir, contratualmente, as prestações que a Ré pretende ver compensadas com os montantes previstos na acima Cláusula 61.ª:


Cláusula 82.ª

(Manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas)



1 - Da aplicação da presente convenção não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, bem como diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanente não contempladas neste CCTV.

2 - Quaisquer condições mais favoráveis que venham a ser estabelecidos por via administrativa para as categorias profissionais abrangidas por este contrato passam a fazer parte integrante do mesmo.

3 - As dúvidas que possam resultar da aplicação do disposto no número anterior são, obrigatoriamente colocadas por escrito à comissão paritária a qual, no prazo máximo de trinta dias, deverá adotar deliberação a respeito das questões que lhe sejam apresentadas.

A Cláusula 61.ª do CCTV de 2019 estipula [4]:


Clausula 61.ª

(Retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas)



1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excecionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma actividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho.

2 - O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respetivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª.

3 - O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV, não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos.

4 - Esta retribuição específica é devida por 13 meses.

Esta Cláusula tem a seguinte Nota Explicativa:

«Nota explicativa:

Para efeitos do acordo mencionado no número 1 desta cláusula, estão incluídos todos os contratos de trabalho para a função de motorista, celebrados antes deste contrato colectivo de trabalho. Mais se esclarece que esta retribuição específica substituí a anterior cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de setembro de 2018 e primitiva cláusula 74.ª número 7 prevista no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS (anterior FESTRU) e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 1980 e demais alterações.

A cláusula 21.ª reflecte a proibição, que vincula empregadores e trabalhadores, prevista no Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de junho, de ser prestado trabalho semanal para além dos limites nesta fixados. Apesar de não ser obrigatório, face ao concreto modo como o trabalho é prestado, esta figura poderá ser aplicada na relação mantida entre empresas e motoristas que, por acordo, estão afectos ao transporte nacional, conduzindo viaturas inferiores a 7.5 ton., sejam elas superiores ou não a 3,5 ton.».

Como já fizemos relativamente ao regime convencional do CCT de 2019, convirá ainda reproduzir os dois seguintes dispositivos normativos:


Cláusula 49.ª

(Determinação do valor hora)



Com expressa exclusão do disposto na cláusula 29.ª número 5 e 50.ª do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (retribuição especifica e regime de trabalho dos motoristas), o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula:

(Retribuição base + Complemento salarial (cláusula 59.ª) + Diuturnidades) x 12

_______________________________________________________

Período normal de trabalho semanal x 52

Cláusula 50.ª

(Remuneração do trabalho em dias de descanso semanal ou feriados)



1 - O trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado é pago em dobro do valor dia, independentemente do concreto número de horas de trabalho prestado.

2 - O pagamento mencionado no número anterior é também devido nos dias em que o trabalhador, quando deslocado fora do país de residência, não tenha prestado qualquer trabalho e tenha realizado apenas descanso diário e/ou semanal.

3 - Considera-se haver sido prestado trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, complementar e/ou feriado, nos termos do número 1 da cláusula 29.ª (Descanso compensatório de trabalho suplementar).

4 - Para efeitos de cálculo, o valor dia será determinado pela seguinte fórmula:


Remuneração mensal

_____________________ = Remuneração diária

30



5 - Para efeitos da aplicação da fórmula prevista no número anterior, integra o conceito de remuneração mensal, o salário/retribuição base (cláusula 44.ª), as diuturnidades (cláusula 46.ª) e o complemento salarial (cláusula 59.ª), caso haja lugar ao pagamento destas duas últimas prestações pecuniárias.

NOTA EXPLICATIVA:

Para esclarecimento da fórmula mencionada no número 4, e tendo como exemplo uma retribuição/salário base de 700 €, um complemento salarial de 35 € e uma diuturnidade de 17 €, teremos: (700 € + 35 € + 17 €)/30 = 25,06 € (valor dia)

Isto quer dizer que, se o trabalhador apenas trabalhou num único dia de descanso semanal complementar ou obrigatório ou dia feriado, receberá um valor total de 50,13 €, valor este correspondente ao dobro do valor dia (25,06 € x 2). Este valor será sempre devido, independentemente do número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador.»

Por fim, dispõe a Cláusula 89.ª do CCTV de 2019:

«(Manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas)

1 - Da aplicação do presente CCTV não poderão resultar quaisquer prejuízos, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas neste CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador.

…».

É com base neste quadro jurídico de origem convencional que iremos averiguar se o Autor recorrido tem ou não direito à prestação que se acha prevista na Cláusula 61.ª cos CCT de 2018 e 2019.

D – REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO COLETIVA

26. O Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça proferido no dia 03/07/2024, Processo 1354/22.3T8LRA.C1.S1, relator: Domingos José de Morais, publicado em www.dgsi.pt, refere o seguinte, acerca das regras de interpretação das cláusulas de natureza normativa [que são precisamente as que estão em questão na economia deste recurso de revista]:

«8.1. - Como se pode ler no Acórdão do Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 06.07.2022, proc. n.º 4661/19.9T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, “Este Tribunal tem afirmado reiteradamente que as convenções coletivas, pelo menos no que toca à sua parte normativa, estão sujeitas, na sua interpretação, às mesmas regras que regem para a interpretação da lei. Assume, assim, particular importância o disposto no artigo 9.º do Código Civil. Por outro lado, a letra da convenção é de grande importância como ponto de partida da interpretação das cláusulas de uma convenção coletiva.”.

Quatro exemplos, cujos sumários sintetizam tal afirmação:

- Acórdão do STJ de 04.05.2011, proc. n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1:

“1. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

2. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.”.

- Acórdão do STJ de 16.12.2020, Proc. n.º 9906/17.7T8LSB.L1.S1:

“I. A interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei, atribuindo-se uma importância acrescida à letra da cláusula.”

- Acórdão do STJ de 14.04.2021, proc. n.º 378/19.2T8PNF.P1.S1

“I. A interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei.

II. O enunciado linguístico da norma é o ponto de partida da atividade interpretativa, cujo objetivo é procurar reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

III. Na atividade de interpretação devem ser considerados os limites do próprio texto, de forma a excluir entre os seus possíveis sentidos o pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”.

- Acórdão do STJ de 08.06.2021, proc. n.º 2276/20.8T8VCT.S1:

“I - A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;

II - Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.”, todos publicados in www.dgsi.pt.

[…]

9. - O artigo 9.º do Código Civil estabelece:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Interpretar a lei consiste em fixar, de entre os sentidos possíveis, o seu sentido e alcance decisivos. [cfr. MANUEL DE ANDRADE, «Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das leis», págs. 21 e 26].

Para alcançar tal desiderato, o ponto de partida consiste na sua interpretação literal, isto é, na apreensão do sentido gramatical ou textual da lei (“letra da lei”).

Este elemento tem, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.

O elemento gramatical ou textual tem sempre que ser utilizado em conjunto com o elemento lógico (que por sua vez se subdivide em três: o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico). Não pode haver uma interpretação gramatical e outra lógica.

O elemento sistemático (“a unidade do sistema jurídico”) compreende a consideração das outras disposições legais que formam o quadro legislativo em que se insere a norma em causa, bem como as disposições que regulam situações paralelas.

O elemento racional ou teleológico (“o pensamento legislativo”), consiste na “ratio legis”, no fim prosseguido pelo legislador ao elaborar a norma, a sua razão de ser.

Por último, o elemento histórico (“as circunstâncias em que a lei foi elaborada”) compreende o contexto em que foi elaborada, a evolução histórica do preceito, as suas fontes. [cfr. BAPTISTA MACHADO, «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», 12.ª reimpressão, págs. 175 e ss.].

É neste contexto normativo-jurídico que se impõe a apreciação do objecto do recurso.»

E – LITÍGIO DOS AUTOS

27. Os factos que relevam para o julgamento do litígio dos autos são os seguintes:

«1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público ocasional de mercadorias e transporte público internacional rodoviário de mercadorias e logística, comércio de vidros, utilidades, porcelanas, esmaltes e análogos.

3. No dia 01.07.2015 a Ré, então denominada J... UNIPESSOAL, LDA., admitiu o Autor ao seu serviço para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de motorista, através de contrato de trabalho a termo que se foi renovando no tempo.

5. Enquanto motorista ao serviço da Ré, o Autor faz o transporte de garrafas de vidro de e para a fábrica GALLO VIDRO, sita em Rua Vieira de Leiria, em Marinha Grande, de e para os dois armazéns da Ré, um sito na ... e outro na ..., também em Marinha Grande.

10. Os motoristas afetos aos transportes referidos em 5. têm um regime de trabalho de três turnos rotativos, semanalmente, de segunda-feira a domingo, a saber das 05h00 às 13h00, das 13h00 às 21h00 e das 21h00 às 05.h00.

11. Cada turno corresponde a oito horas diárias de trabalho, com uma pausa de 45 minutos.

12. Pelo facto de trabalhar em turnos, o Autor recebe mensalmente um subsídio de turno, no valor de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos), conforme recibos de vencimento juntos aos autos.

13. Sempre que o Autor prestou trabalho suplementar ou trabalho em dia de feriado, a Ré pagou os valores que eram devidos a esses títulos, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos.

14. Todos os motoristas que exercem as funções suprarreferidas recebem um prémio de função pelo trabalho de cargas e descargas que efetuam, trabalho esse que não é efetuado pelos restantes motoristas da Ré.

15. O “prémio de função” consta de todos os recibos de vencimento e tem o valor mensal de € 155,16 (cento e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos).

20. Quando a Ré determina que o Autor preste trabalho suplementar, designadamente para substituir outro motorista, é-lhe paga a remuneração correspondente.

21. Sempre que o Autor trabalha em dia feriado esse trabalho é-lhe pago.

65. A partir de outubro de 2019 a rubrica “compensação trabalho noturno”, que se destinava efetivamente a compensar o trabalho em regime de turnos rotativos, passou a denominar-se “subsídio 3 turnos”.

- FACTOS ADITADOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- “ No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13 €/mês, prémio de função no valor de 100,00€/mês e subsídio noturno no valor de 150,00 €/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00 €/mês.”;

28. Chegados aqui e atendendo ao que se mostra descrito na factualidade dada como provada, está demonstrado nestes autos que o Autor, desde 1/7/2015 e enquanto motorista ao serviço da Ré, conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5 t, em funções que nunca se traduziram no transporte ibérico e internacional ou fora do concelho da Marinha Grande, mas antes no denominado transporte “interno” ou nacional.

Tal serviço de transporte é realizado pelo Recorrido e demais colegas em regime de 3 turnos rotativos [não havendo notícia nos autos de que tal também aconteça com os motoristas das outras modalidades de transporte] e por força do qual o trabalhador sempre recebeu uma importância mensal que constitui a contrapartida desse maior esforço derivado de título [independentemente dos diversos nomes que lhe foram atribuídos ao longo do tempo, no contrato de trabalho ou nos recibos de vencimento, como «subsídio noturno», «subsídio 3 turnos», ou «subsídio de turno»].

O Autor e os demais motoristas nacionais estão encarregues de proceder às cargas e descargas dos bens que transportam – no caso particular do Recorrido, de garrafas de vidro - por cujo trabalho, que é apenas efetuado pelos motoristas de transporte nacional e já não pelos demais, que se dedicam aos transportes internacionais e ibéricos, são remunerados com um chamado «prémio de função».

Ora, se cruzarmos estas duas prestações laborais, que foram aliás acordadas logo no contrato de trabalho firmado entre as partes, no ano de 2015, com o teor das Cláusulas 74.ª e 61.ª dos diversos CCT que antes transcrevemos, facilmente extraímos duas conclusões:

1) Os fundamentos que estão na base da consagração das diversas Cláusulas antes referenciadas radicam-se, necessariamente, no trabalho de transporte que é efetuado pelos motoristas por referência aos dias úteis de trabalho e ao período normal de trabalho [que, nos anos que estão em causa nos autos são, em termos legais e convencionais, de 40 horas semanais, conforme artigo 203.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009 e Cláusulas 19.ª e 48.ª dos correspondentes CTT] [5] e visam compensar os trabalhadores pelos diversos tipos de contingências e condicionalismos [tempo gasto nas cargas e descargas, trânsito, engarrafamentos, acidentes próprios ou alheios, obras na via, condições climatéricas, furos, problemas mecânicos, estado das estradas, operações de fiscalização pelas autoridades, etc.] a que esta atividade de condução e tranporte constante e repetitivo, em horas desencontradas do dia e da noite - em função do regime de turnos - está sujeita e que torna imprevisível e imprevisto o tempo de efetivo trabalho que irá ser ocupado na respetiva jornada normal de trabalho.

Ora, a serem essas as razões desse regime convencional das Cláusulas 61.ª , como nos parece manifesto – pois só assim se explica a desconsideração do trabalho suplementar prestado em dia útil de trabalho, bem como, no quadro do IRCT de 2018, a dedução da remuneração do trabalho noturno, na modalidade de subsídio de trabalho noturno, segundo o número 2 da Claúsula 48.ª -, fácil se torna afastar qualquer direito de compensação por parte da Ré relativamente ao «prémio de função» [que se achava contemplado no contrato de trabalho e se mostra previsto na regulamentação coletiva de 2019, na Cláusula 60.ª [6]] e ao «subsídio de turno» [que já estava contratualmente previsto, embora com outra denominação [«subsídio noturno»] e que se acha consagrado no último CCT, sob a cláusula 54.ª], que têm na sua origem motivos de base, relacionados com a maior dificuldade, penosidade e esforço do trabalho realizado, que são absolutamente distintos daqueles outros e que, nessa medida, não devem ser descontados na retribuição especial prevista nas Cláusulas 61.ª.

2) O direito ao recebimento desses créditos laborais sempre estaria, em regra, protegido pelo teor das Cláusulas 82.ª do CCT de 2018 e 89.ª do CCT de 2019.

29. Resta-nos abordar a matéria relativa ao trabalho suplementar executado em dias de descanso obrigatório ou complementar ou em dia feriado para dizer que, face ao que antes deixámos sustentado quanto à génese e razão de ser do regime contido nas Cláusulas 61.ª dos dois instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, que, frize-se, afastam apenas o trabalho suplementar desenvolvido em dias úteis de trabalho [7], afigura-se-nos que não é juridicamente defensável, como pretende a Ré recorrente, fazer qualquer compensação entre a retribuição específica da Cláusula 61.ª e a retribuição liquidada pela empregadora ao trabalhador a título desse trabalho suplementar executado em dias de descanso ou em dia feriado [assim como no que respeita ao trabalho noturno, dado o que se mostra referenciado na Nota de Rodapé número 7].

Pensamos que o CCT de 2019 é muito claro quanto a tal matéria, ao estipular o seguinte [achando-se a Cláusula 50.ª transcrita mais acima, na fundamentação deste Aresto]:

«2 - O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respetivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª.

3 - O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV [8], não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos.».


*


30. Chegados aqui e perante o que se deixou antes explanado e atendendo ainda aos factos que foram dados como assentes pelas instâncias, onde nada se refere de efetivo quanto às concretas condições de trabalho dos demais motoristas ao serviço da Ré, que fazem transportes de mercadorias, de cariz internacional ou ibérico, não se pode falar, por um lado, em qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, na modalidade de salário igual para trabalho igual ou equivalente [artigos 13.º e 59.º, número 1, alínea a) da CRP], por falta de elementos de confronto, comparação e aferição de tal afronta a esse princípio, assim como não se pode assacar ao Autor o exercício abusivo dos direitos reclamados nestes autos [artigo 334.º do Código Civil], face ao seu efetivo reconhecimento, como finalmente de um cenário de enriquecimento sem causa [artigos 473.º e seguintes do Código Civil], pois pelo menos parte das quantias pedidas são-lhe efetivamente devidas.

Logo, também quanto a esta parte do recurso de revista da Ré, tem o mesmo de ser julgado improcedente, o que implica o seu total não provimento e a confirmação integral do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

IV – DECISÃO

31. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré VIDRALA LOGISTICS UNIPESSOAL, LDA., com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Custas da presente revista a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa 12 de novembro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro Adjunto]

Antero Dinis Ramos Veiga [Juiz-Conselheiro Adjunto]

_____________________________________________




1. Embora nada seja referido no dispositivo, o Tribunal da Relação aditou os seguintes factos ao elenco de factos provados:

- “ No contrato de trabalho inicial (01/07/2015) consta que a Ré se obrigou a pagar ao Autor a retribuição base no valor de 715,13 €/mês, prémio de função no valor de 100,00 €/mês e subsídio noturno no valor de 150,00 €/mês, tendo-se tais valores se mantido nas suas renovações com exceção do prémio de função, que a partir da segunda renovação (01/01/2016) passou a ser de 150,00 €/mês.”;

- “O Autor sempre esteve afeto, em exclusivo, ao transporte “interno” da Ré, nos termos referidos no facto 15.”;

- “O Autor conduz viaturas com tonelagem superior a 7,5t”.

2. Nesta matéria da compensação, para além do disposto no artigo 279.º do Código do Trabalho de 2009 - que deverá ser devidamente concatenado com a alínea j) do número 3 do mesmo diploma legal - há ianda que considrara ass eguintes cláusulas dos CCT de 2018 e 2019:


Cláusula 63.ª

(Compensações e descontos)


1 - Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.

2 - O disposto no número anterior não se aplica, nas situações previstas no artigo 279.º, número 2 do Código do Tra- balho e ainda nas seguintes situações:

a) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de sinistros, coimas e outras com estas relacionadas, quando a responsabilidade seja do trabalhador;

b) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de perda ou uso indevido dos instrumentos de trabalho da entidade empregadora ou de terceiros e desrespeito de instruções de trabalho relacionadas com o trânsito de viaturas.

3 - Nas situações previstas na alínea a) do número anterior o desconto poderá ser realizado pelo empregador após decisão condenatória proferida em processo disciplinar não impugnada judicialmente no prazo de 30 dias.

4 - O empregador que pretenda proceder a desconto, compensação, ou dedução nas situações previstas na alínea b) do número dois da presente norma, deve entregar ao trabalhador, juntamente com o respetivo recibo de vencimento, documento de suporte do valor a descontar, que permita identificar a natureza e responsabilidade da dívida, dispondo o trabalhador de 30 dias para se pronunciar.

5 - Após o pagamento das despesas referidas nas alíneas a) e b) por parte do trabalhador, o empregador deverá entregar-lhe um documento comprovativo da despesa que foi efetivamente paga.

6 - As compensações previstas na alínea b) do número dois não poderão ultrapassar um décimo da retribuição mensal líquida do trabalhador.


Cláusula 54.ª

(Compensações e descontos)


1 - Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.

2 - O disposto no número anterior não se aplica, nas situações previstas no artigo 279.º, número 2 do Código do Trabalho e ainda nas seguintes situações:

a) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de sinistros, coimas e outras com estas relacionadas, quando a responsabilidade seja comprovadamente do trabalhador;

b) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de perda ou uso indevido dos instrumentos de trabalho da entidade empregadora ou de terceiros e desrespeito de instruções de trabalho relacionadas com o trânsito de viaturas.

3 - Nas situações previstas na alínea a) do número anterior, o desconto poderá ser realizado pelo empregador após decisão condenatória proferida em processo disciplinar não impugnada judicialmente no prazo de 30 dias.

4 - O empregador que pretenda proceder a desconto, compensação, ou dedução nas situações previstas na alínea b) do número dois da presente norma, deve entregar ao trabalhador, juntamente com o respetivo recibo de vencimento, documento de suporte do valor a descontar, que permita identificar a natureza e responsabilidade da dívida, dispondo o trabalhador de 30 dias para se pronunciar.

5 - Após o pagamento das despesas referidas nas alíneas a) e b) por parte do trabalhador, o empregador deverá entregar--lhe um documento comprovativo da despesa que foi efetivamente paga.

6 - As compensações previstas na alínea b) do número dois não poderão ultrapassar um décimo da retribuição mensal líquida do trabalhador.↩︎

3. Não será despiciendo trazer à colação o regime convencional do trabalho noturno, que consta do CCT de 2018, por não apenas ser especialmente referido no número 3 da Cláusula 61.ª, como ainda por estabelecer distinções entre categorias de trabalhadores como o aqui Autor, no que respeita às modalidades de pagamento do trabalho noturno, assim como quanto à sua obrigatoriedade [sublinhados e negrito da nossa responsabilidade]:


Cláusula 48.ª

(Remuneração do trabalho noturno)


1 - O trabalho noturno será remunerado com um acréscimo de 25 % em relação à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.

2 - A entidade empregadora poderá optar pelo remuneração do trabalho noturno como previsto no número anterior ou pela atribuição de um subsídio de trabalho noturno no valor de 10 % da remuneração base, caso em que se entenderá que a retribuição foi estabelecida atendendo à circunstância de o trabalho dever ser prestado em período noturno, nos termos do artigo 266.º, número 3 alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

3 - O pagamento do subsídio de trabalho noturno referido no número anterior, é obrigatório para os trabalhadores com a categoria profissional de motorista afetos ao transporte ibérico ou internacional, sendo devido por 13 meses.

4 - No caso dos trabalhadores com a categoria profissional de motorista afetos ao transporte nacional, o pagamento do subsídio de trabalho noturno é facultativo.↩︎

4. Não será despiciendo trazer à colação, de novo, o regime convencional do trabalho noturno, que consta do CCT de 2019 e que se desdobra em duas Cláusulas, pelas diferenças que possui relativamente à clásula correspondente do CCT de 2018, que transcrevemos numa Nota de Rodapé anterior:


Cláusula 48.ª

(Trabalho noturno)


O trabalho nocturno será remunerado com um acréscimo de 25 % em relação à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia.

SUBSECÇÃO II

Retribuições especificas dos motoristas afectos ao transporte nacional

Cláusula 62.ª

(Remuneração do trabalho noturno)


1 - A entidade empregadora pagará obrigatoriamente a todos os trabalhadores com a categoria profissional de motoristas afetos ao transporte nacional, um subsídio de trabalho noturno no valor mínimo de 10 % da remuneração base, tendo em vista a circunstância de o trabalho prestado poder ter de ser realizado em período noturno, nos termos do artigo 266.º, número 3 alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com exceção do previsto no número seguinte.

2 - No momento da contratação ou por acordo escrito estabelecido posteriormente, as partes podem determinar que o trabalho será prestado maioritariamente em período diurno caso em que o subsídio mencionado no número anterior não será devido, devendo antes, neste caso, ser o trabalho noturno prestado remunerado com um acréscimo de 25 % em relação à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o período diurno.

3 - Relativamente aos contratos de trabalho celebrados antes da publicação do presente CCTV, as partes deverão manter o regime que vigorava em matéria de pagamento do trabalho nocturno, sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser alterado em face da alteração superveniente do modo de execução específica do contrato de trabalho.

NOTA EXPLICATIVA:

Com o presente artigo pretenderam as partes tornar tendencialmente obrigatório o pagamento de subsídio de trabalho nocturno. Foi, porém, intenção das partes, respeitar as situações em que os trabalhadores não realizam ou apenas realizam esporadicamente trabalho nocturno, ou seja, situações em que não se justifica o pagamento deste subsídio. Nesse caso, como resulta do número 2 da presente cláusula, devem as partes reconhecer expressamente tal circunstância no momento da contratação.

Para além disso, e no que diz respeito aos contratos já em execução à data de aplicação do presente CCTV, verificamos que não havia lugar ao pagamento obrigatório de qualquer subsídio nocturno. Ora, se ao abrigo do anterior CCTV não ocorria o pagamento daquele subsídio, certamente porque não se verificavam os pressupostos da sua atribuição, então o subsídio não deverá passar a ser devido por força da entrada em vigor do presente CCTV e apenas poderá vir a ser pago se e quando o trabalho passar a ser prestado maioritariamente em período nocturno.

No que respeita ao conceito de remuneração base, indicado para efeitos de cálculo do valor do subsídio de trabalho noturno, refere-se apenas e só à retribuição/salário base e cujo valor mínimo está previsto na tabela salarial constante do anexo III, por referência à cláusula 44.ª do CCTV. A ser assim, se um trabalhador motorista tiver uma retribuição base no valor de 700 €, o seu subsídio de trabalho noturno será de 70 €; já no caso da sua retribuição base ser no valor de 750 €, o seu subsídio de trabalho noturno será de 75 €.↩︎

5. Cf., ainda, a Cláusula 54.ª do Contrato Coletivo de Trabalho de 2019, que possui a seguinte redação:


Cláusula 54.ª

Regime de turnos


1 - Considera-se trabalho em regime de turnos o prestado em turnos de rotação contínua ou descontínua, em que o tra­balhador está sujeito a variações de horário de trabalho.

2 - Em caso de prestação de trabalho em regime de turnos, deverá observar-se, em regra, o seguinte:

a) Em regime de dois turnos, o período normal de trabalho é de 40 horas, distribuídos de segunda a sexta-feira;

b) Em regime de três turnos, o período normal de trabalho poderá ser distribuído por seis dias, de segunda-feira a sá­bado, não podendo exceder 40 horas semanais e as horas de turno predominantemente noturno serão em regra distribuí­das de segunda-feira a sexta-feira;

c) Em regime de três turnos, em que o período normal de trabalho poderá ser distribuído por três turnos em laboração continua, não podendo exceder 40 horas semanais.

3 - A distribuição do período normal de trabalho semanal poderá fazer-se de outra forma, desde que o empregador justifique por escrito a sua necessidade, devendo solicitar o pedido de aprovação ao Ministério do Trabalho.

4 - A prestação de trabalho em regime de turnos confere aos trabalhadores o direito a um complemento de retribuição no montante de:

a) 15 % da retribuição de base efetiva no caso de trabalho em regime de dois turnos de, de que apenas um seja total ou parcialmente noturno;

b) 25 % da retribuição de base efetiva no caso de trabalho em regime de três turnos, ou de dois turnos total ou parcial­mente noturnos;

c) 35 % da retribuição de base efetiva no caso de trabalho em regime de três turnos e laboração continua.

5 - O acréscimo de retribuição previsto no número anterior inclui a retribuição especial de trabalho como noturno.

6 - Os acréscimos de retribuição previstos no número 4 in­tegram para todos os efeitos a retribuição dos trabalhadores, mas não são devidos quando deixar de se verificar a presta­ção de trabalho em regime de turnos.

7 - Nos regimes de dois e três turnos haverá um período diário de trinta minutos para refeição nas empresas que dis­ponham de refeitório ou cantina onde as refeições possam ser servidas naquele período e de quarenta e cinco minutos quando não disponham desses serviços. Este tempo será con­siderado para todos os efeitos como tempo de serviço.

8 - Qualquer trabalhador que comprove através de atestado médico a impossibilidade de continuar a trabalhar em regi­me de turno, passará imediatamente ao horário normal. As empresas reservam-se o direito de mandar proceder a exame médico, sendo facultado ao trabalhador o acesso ao resultado deste exame e aos respetivos elementos de diagnóstico.

9 - Considera-se que se mantém a prestação de trabalho em regime de turnos durante as férias e durante qualquer sus­pensão da prestação de trabalho ou do contrato do trabalho, sempre que esse regime se verifique até ao momento imedia­tamente anterior ao das suspensões referidas.

10 - Na organização de turnos deverão ser tomados em con­ta, na medida do possível, os interesses dos trabalhadores.

11 - São permitidas trocas de turnos entre os trabalhadores da mesma categoria profissional e nível, desde que previa­mente acordadas entre os trabalhadores interessados e o em­pregador.

12 - Os trabalhadores só poderão mudar de turno após o pe­ríodo de descanso semanal obrigatório.

13 - O empregador obriga-se a fixar a escala de turnos com pelo menos um mês de antecedência.

14 - Nenhum trabalhador pode ser obrigado a prestar tra­balho em regime de turnos sem ter dado o seu acordo por forma expressa.»↩︎

6. A Cláusula 60.ª do Contrato Coletivo de Trabalho de 2019, possui a seguinte redação:


Clausula 60.ª

(Subsídio de operações de cargas e descargas)


Os motoristas com a categoria profissional de pesados que, tenham que realizar operações de cargas e descargas nos termos previstos neste CCTV, com excepção das operações com as mercadorias perigosas líquidas e gasosas a granel transportadas em cisternas, têm direito a um subsídio de operações no valor constante no anexo III, por cada dia de trabalho efectivo em que tenham de realizar tais operações, independentemente da sua duração.↩︎

7. Assim como, no primeiro IRCT e cumulativamente, se mostrava prevista a dedução da retribuição por trabalho noturno, na modalidade de subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da Claúsula 48.ª do mesmo CCT [número 3 da Cláusula 61.ª].

O IRCT de 2019 introduziu o regime da Cláusula 62.ª, acima reproduzida em Nota de Pé de Página com o número 4, em que tal dedução já não se mostra contemplada, independentemente do tipo de trabalho noturno em presença.

Importa dizer quanto a esta questão e por referência ao caso concreto dos autos que não se acha demonstrado nos autos que o Autor tenha alguma vez recebido o subsídio de trabalho noturno, nos moldes previstos no número 2 da Claúsula 48.ª do CCT de 2018, o que, nessa medida, nunca permitiria o funcionamento do regime do número 3 da Cláusula 61.ª do mesmo IRCT, por referência ao Recorrido.

Faça-se notar que não é seguro que a Ré pudesse recorrer do Aresto do TRC quanto a esta matéria do trabalho noturno, pois aquele terá tratado o subsídio noturno como uma prestação destinada a pagar o trabalho efetuado por turnos rotativos e não como um genuíno pagamento do trabalho noturno realizado pelo Autor.

De qualquer maneira, para afastar quaisquer equívocos e dúvidas quanto a tal problemática, deixamos aqui a mesma tratada, concluindo pela inviabilidade legal da compensação da retribuição a título de trabalho noturno com a retribuição específica da Cláusula 61.ª.↩︎

8. As Cláusulas 21.ª dos CCTV de 2018 e 2019 estatuem o seguinte:


Cláusula 21.ª

(Limites da duração do trabalho)


1 - A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas.

2 - A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado.

3 - Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho.

4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade.


Cláusula 21.ª

(Limites da duração do trabalho)


1 - A duração do trabalho semanal dos trabalhadores móveis, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta horas, nem quarenta e oito horas em média num período de dezassete semanas.

2 - A duração do trabalho, incluindo trabalho suplementar, no caso de abranger, no todo ou em parte, o intervalo entre as 0 e as 5 horas, não pode exceder dez horas por dia salvo quando, por motivos objetivos, nomeadamente razões técnicas ou de organização do trabalho, tal seja justificado.

3 - Entende-se por conceito de dia referido no número anterior, o período de 24 horas, a contar do início da jornada de trabalho.

4- Para efeitos do disposto nos números anteriores da presente cláusula, é excluído o tempo de disponibilidade como previsto na alínea c) do número 1 da cláusula 18.ª

[contém uma NOTA EXPLICATIVA que nos escusamos de aqui reproduzir também].