Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
73/12.3TTVNF.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: MEIOS DE PROVA
VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
DIREITOS DE PERSONALIDADE
RESERVA DA VIDA PRIVADA
MOTORISTA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 11/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / DIREITOS DA PERSONALIDADE / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Amadeu Guerra, A privacidade no Local de Trabalho, Almedina, 2004, pp. 358 e 359.
- David Oliveira Festas, O Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada do Trabalhador no Código do Trabalho, R.O.A., Ano 64, Vol. I/II, Nov. 2004.
- José João Abrantes, Contrato de trabalho e direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2005, p. 220, 228, 230.
- José João Abrantes, Contrato de Trabalho e Meios de Vigilância da Atividade do Trabalhador em Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, vol. II, 2003, pp. 809 a 818.
- Pedro Romano Martinez e outros, “Código do Trabalho”, Anotado, 9ª edição, Guilherme Dray em anotação ao artigo 20º, p. 162.
- Regina Redinha, Os Direitos de Personalidade no Código do Trabalho: Actualidade e Oportunidade da sua Inclusão, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 166.
- Rui Assis, O Poder de direção do empregador, Coimbra Editora, 2005, pp. 217 – 219.
- Teresa Alexandra Coelho Moreira, A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador, Almedina, 2010, pp. 273, 277, 339, 368.
-André Pestana Nascimento, Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 79, 80 e 81, (2008), p. 239.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 80.º, 334.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 664.º, 684.º, N.ºS 2 E 3, 685.º-A, N.º 1, E 726.º.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGOS 20.º, N.º1, 21.º, 128.º, N.º1, ALÍNEAS A), E), G), H), I), J), 351.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º. --------------------------------------"-------------------------------------------------
CNPD, DELIBERAÇÃO N.º 61/2004 SOBRE “PRINCÍPIOS SOBRE O TRATAMENTO DE DADOS POR VIDEOVIGILÂNCIA”, DISPONÍVEL EM WWW.CNPD.PT .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22-05-2007, P. 07S054, EM WWW.DGSI.PT .
-*-
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
-DE 27/10/2009, P. N.º 122/08.0TTABT.E1;
-DE 9/11/2010, P. 292/09.0TTSTB.E1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-*-
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 20/09/1999, IN WWW.DGSI.PT COM O NÚMERO CONVENCIONAL JTRP00026526;
-DE 27/09/1999, IN WWW.DGSI.PT COM O NÚMERO CONVENCIONAL JTRP00026339.
Sumário :
1. O conceito de «meios de vigilância à distância» expresso no n.º 1 do art. 20.º do Código do Trabalho de 2009 está reportado aos equipamentos que traduzam formas de captação à distância de imagem, som ou som e imagem que permitam identificar pessoas e detetar o que fazem, como é o caso, entre outros, de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico.


2. O dispositivo de GPS instalado, pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respetivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho, nos termos definidos no referido preceito legal, porquanto apenas permite a localização do veículo em tempo real, referenciando-o em determinado espaço geográfico, não permitindo saber o que faz o respetivo condutor.


3. O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle, os quais, têm, no entanto, de se conciliar com os princípios de cariz garantístico que visam salvaguardar a individualidade dos trabalhadores e conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho em função dos valores jurídico-constitucionais.


4. Encontrando-se o GPS instalado numa viatura exclusivamente afeta às necessidades do serviço, não permitindo a captação ou registo de imagem ou som, o seu uso não ofende os direitos de personalidade do trabalhador, nomeadamente a reserva da intimidade da sua vida privada e familiar.


5. Existe justa causa para o despedimento do trabalhador quando está demonstrado que o mesmo, exercendo as funções de motorista de veículos de transporte de mercadorias perigosas, à revelia da empregadora, por 18 vezes, no período de 3 meses, conduziu o referido veículo para localidades fora do percurso determinado para o transporte da mercadoria desde o local de recolha ao local de entrega da mesma, o que se traduziu, não só, no acréscimo das distâncias percorridas e do período de tempo para o efeito despendido, suportados pela empregadora, mas, também, no aumento dos riscos derivados da circulação do veículo com combustível.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.

1. AA instaurou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (ocorrido em 10.01.2012) contra BB, S.A., ambos com os sinais nos autos.

2. A R. apresentou articulado motivador do despedimento, invocando ter procedido ao mesmo com justa causa, para o que alegou, em síntese, que o trabalhador efetuou diversos desvios à rota de transporte de combustíveis que devia observar, assim lhe causando prejuízos, o que torna impossível a subsistência da relação de trabalho.

3. O A. contestou, impugnando os factos alegados e sustentando que a R. veio invocar factos que não se encontram insertos na nota de culpa, nem na decisão de despedimento, factos que não podem ser agora atendidos, para efeitos de justa causa de despedimento.

Para além disso, pugna pela impossibilidade de utilização, como meio de prova, dos registos de GPS do veículo por si conduzido, por se tratar de meios de controlo à distância da atividade do trabalhador.

Também deduziu reconvenção, peticionando a condenação da R. a pagar-lhe:


i. A quantia de € 2 500,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor com a conduta da Ré;
ii. A indemnização por antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção computada até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, a qual na data da propositura da ação ascende a € 26 622,18;
iii. A retribuição referente aos 30 dias anteriores à propositura da presente ação no montante de € 656,94;
iv. O subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no montante de € 656,94;
v. A retribuição das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no valor de € 656,94;
vi. O subsídio de Natal, férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado até à data da cessação do contrato de trabalho, no montante de € 82,13;
vii. As ajudas de custo e horas extraordinárias relativas ao mês de Novembro de 2011, bem como os vencimentos de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012, num total de € 1.133,17;
viii. O montante das retribuições vincendas desde a data da propositura da presente ação e até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;
ix. As retribuições referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que se vencerem desde a data da propositura da presente ação e até trânsito em julgado da decisão do Tribunal;
x. Os juros vencidos e vincendos sobre tais quantias.

4. Foi proferida sentença, a decidir:

a) Declarar lícito o despedimento, por existência de justa causa;
 
b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, assim, condenar a R. a pagar ao A., a título de créditos salariais, a quantia de € 2.243,80, acrescida de juros de mora, desde a data da citação da R. e até integral pagamento.



5. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação do Porto (TRP), julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu:

a) Julgar totalmente improcedente a impugnação da decisão de facto.

b) Julgar ilícito o despedimento e, em consequência, condenar a R. a pagar ao A.:

- Uma indemnização correspondente a 25 dias de retribuição base e diuturnidades (€ 547,45) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço (27 de Janeiro de 1987) até ao trânsito em julgado deste acórdão, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

- A quantia que vier a ser liquidada, a título de retribuições (incluindo a retribuição base e os subsídios de férias e de Natal) que deixou de auferir desde 10 de Janeiro de 2012 até ao trânsito em julgado deste Acórdão, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, devendo-se subtrair a este montante o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período que mediou entre o despedimento e o trânsito em julgado deste acórdão.

c) Manter o mais decidido.

6. Deste acórdão recorre agora, de revista, a R., sustentando essencialmente, e em síntese, nas conclusões das suas alegações:

- O GPS não é um meio de vigilância à distância no local de trabalho, enquadrável nos arts. 20.° e 21.° do C.T.

- Este meio tecnológico permite uma vigilância genérica, destinado a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não uma vigilância diretamente dirigida aos postos ou ao campo de ação dos trabalhadores, destinando-se a proteger a segurança de pessoas e bens.

- Enquanto instrumento que permite a localização e gestão em tempo real das viaturas, assegura que as mesmas não façam desvios de rota.

 - Esta funcionalidade do GPS justifica que a recorrente, por força das particulares exigências inerentes à natureza da atividade desenvolvida pelas viaturas (transporte de combustíveis e matérias altamente inflamáveis), tivesse que as equipar com aquele dispositivo.

- O GPS foi instalado no camião atribuído ao recorrente, por imposição da CC (entidade que contratou à recorrida a prestação de serviços de transporte de combustíveis), com a finalidade de proteger a segurança de pessoas e bens, atendendo às particulares exigências inerentes à natureza da atividade.

- A doutrina em que o acórdão recorrido apoia a sua decisão trata dos meios de vigilância à distância no local do trabalho que captam imagens e dados violadores do direito de reserva da vida privada do trabalhador, o que não é o caso do GPS .

- A instalação do GPS não estava dependente de autorização ou notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados.

- A legislação comunitária e nacional impõem ainda mais apertados controlos à atividade do motorista profissional, obrigando a que este se faça sempre acompanhar do seu cartão de condutor, composto por um chip electrónico, que regista todos os quilómetros e minutos que o condutor dedica à condução propriamente dita, ao repouso e ao trabalho que não envolve diretamente a condução.

7. O A. não contra-alegou.

8. A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, com a consequente manutenção da decisão de 1ª instância, em parecer a que as partes não responderam.

9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2]


A. - Se o GPS é um meio de vigilância à distância, sujeito ao regime dos arts. 20.º e 21.º, do Código do Trabalho (CT) de 2009.

B. - Se a utilização do GPS pela R. viola os direitos de personalidade do trabalhador.


C. - Se a utilização pela R., no âmbito disciplinar, dos dados provenientes dos registos do GPS é ilícita.


D. - Se os factos provados integram justa causa de despedimento.

10. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime introduzido no CPC pela Lei  41/2013, de 26/6, nos termos das disposições conjugadas dos seus arts. 5º, nº 1, e 7º, nº 1, bem como, quanto ao Código de Processo do Trabalho, o decorrente do  DL 295/2009, de 13/10 (a ação foi proposta em 2 de Fevereiro de 2012).

E decidindo.


II.

11. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

A - O trabalhador possuía um telemóvel fornecido pela entidade patronal, que devia permanecer ligado para se manter em contacto com a entidade patronal e a CC e para poder receber destas chamadas e instruções para o desempenho das suas tarefas, bem como para comunicar as ocorrências derivadas do desempenho das suas tarefas.

B - Ao trabalhador foi distribuído há mais de 12 meses o veículo -AG-.

C - O trabalhador tem já precedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada em 29/11/2004 uma pena disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento que cumpriu, nos termos da decisão de fls. 96, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

D - A empregadora elaborou a nota de culpa de fls. 110 e segs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.

E - A nota de culpa referida foi enviada ao Autor em 20/12/2011 e recepcionada por este a 22/12/2011.

F - O trabalhador respondeu à nota de culpa nos termos de fls. 100 e segs., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, não tendo sido apresentado ou requerido qualquer meio de prova.

G - A empregadora elaborou a decisão de fls. 124 e segs., datada de 10/01/2012, concluindo pelo despedimento do trabalhador com justa causa, nos termos que constam da mesma e que aqui se consideram integralmente reproduzidos.

H - Em 10/01/2012, o trabalhador auferia a quantia mensal de € 656,94, sendo € 582,06 de retribuição base e € 74,88 de diuturnidades.

I - O trabalhador foi admitido para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da empregadora para exercer as funções de motorista em 27/01/1987.

J - O trabalhador encontrava-se afecto ao serviço de transporte de combustível da CC, tendo-se obrigado através das respectivas ações formativas, normas internas e Manual do Motorista, a cumprir todos os procedimentos contratualizados com esta empresa.

L - Todos os dias carregava a mercadoria nas instalações da CC, e recebia instruções precisas para descarregar a mesma nos clientes daquela previamente anunciados.

M - O trabalhador sempre esteve obrigado a cumprir as instruções da CC, utilizando os equipamentos fornecidos por esta ou os fornecidos pela entidade patronal, e cumprindo as instruções do Manual do Motorista que conhece.

N - A atividade de cada motorista da empregadora é espelhada no relatório diário detalhado (equipamento Masternaut/GPS) e escala de serviço, folha de cálculo de ajudas de custo e horas extraordinárias.

O - A escala de serviço determina as tarefas a cumprir em cada dia e o equipamento Masternault/GPS regista, através de equipamento instalado no veículo, os trajetos percorridos, distâncias, tempos de paragem e horários.

P - Por vezes a escala de serviço era alterada por iniciativa da CC e comunicada ao motorista, existindo documento escrito que permitia a deslocação do combustível para os clientes que não constassem inicialmente da escala de serviço, documento esse que era emitido pelo próprio motorista, mediante as instruções dadas pela CC.

Q - As indicações que eram dadas ao trabalhador pela empregadora eram o nome e a morada dos clientes da CC que eram para abastecer e a quantidade de combustível que era para fornecer a cada um daqueles clientes naquelas moradas.

R - Essa informação constava da escala de serviço emitida diariamente.

S - O uso do equipamento GPS estava reservado à empregadora e à CC, podendo os registos ser consultados pelos trabalhadores, mas não tendo tido, antes destes factos, o trabalhador A. acesso a estes.

T - Os relatórios diários a que a empregadora se reporta correspondem aos registos de GPS e o trabalhador, antes destes factos, não teve acesso a eles.

U - No dia 02 de Dezembro de 2011, a empregadora foi contactada pelo programador da CC que alegou pretender contactar o motorista do veículo -AG-/L…, AA, e que não conseguia, pois tinha o seu telemóvel de serviço desligado, ou inacessível.

V - Os serviços da empregadora tentaram o contacto com o trabalhador em causa, mas pelas mesmas razões tal foi impossível.

X - Socorrendo-se da consulta ao equipamento Masternault/GPS, o quadro da entidade patronal responsável pelo tráfego verificou que o referido veículo conduzido pelo trabalhador circulava em área que não era abrangida pelo percurso que lhe foi destinado naquele dia.

Z - Nesse dia o trabalhador deveria carregar a mercadoria na refinaria da CC em Matosinhos e dirigir-se para sul: Vila Nova de Gaia, Albergaria-a-Velha, Vila Nova de Paiva, Arouca e Branca.

AA - Nesse dia, o trabalhador, contrariando as instruções recebidas, dirigiu-se por duas vezes à localidade de Vila do Conde, não estando no seu trajeto, nem no seu destino definido pela ordem de serviço respectivo, deslocar-se a esta localidade.

BB - Nessa localidade – Vila do Conde – fez duas paragens, uma de manhã outra de tarde com a duração respectiva de 0,50 e 1h,06 minutos.

CC - Ao longo de todo o dia de 02 de Dezembro de 2011 os serviços de tráfego tentaram ligar via telemóvel com o motorista, o que foi impossível pois este nunca atendeu.

DD - Pelas 20 horas do referido dia 02/12 quando o trabalhador regressou às instalações da empresa foi confrontado com os factos referidos, questionando-o porque não tinha o telemóvel disponível e porque circulou injustificadamente fora da sua área de serviço.

EE - O trabalhador AA mostrou-se então constrangido e limitou-se a dizer quanto ao telemóvel, que o tinha deixado em casa e quanto ao facto de ter circulado por trajectos não previstos e fora da sua área de serviço que tinha ido almoçar com um amigo.

FF - Perante estes factos, fizeram-se várias pesquisas, tendo-se verificado que no dia 09/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Viseu, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa, mais concretamente para a Rua …, onde permaneceu 1,40h.

GG - No dia 13/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila Nova de Gaia – S. Pedro do Sul, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu parado cerca de 1,00h.

HH - No dia 16/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Arouca, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a IC1 – Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 1,00h.

II - No dia 19/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Viseu, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa (Estrada nº 14), onde permaneceu cerca de 0,20m.

JJ - No dia 27/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Mira e Figueira de Foz, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para a Rua …, Trofa, onde permaneceu cerca de 0,37m.

LL - No dia 28/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Aveiro, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a IC1 Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 49m.

MM - No dia 30/09/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila do Conde, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila Conde, onde permaneceu cerca de 55m.

NN - No dia 07/10/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para S. João da Madeira, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila Conde, onde permaneceu cerca de 0,50m.

OO - No dia 13/10/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Albergaria e Seia, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa, onde permaneceu cerca de 0,49m.

PP - No dia 17/10/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Penacova e Santa Comba Dão, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 1h,08m.

QQ - No dia 25/10/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila Nova de Gaia, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa (Rua …), onde permaneceu cerca de 1h,16m.

RR - No dia 28/10/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila Nova de Gaia, Estarreja e Aveiro, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 57m da parte da manhã, voltando a esta localidade da parte de tarde, onde permaneceu 0,44m.

SS - No dia 02/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Oliveira de Frades e Sever do Vouga, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa onde permaneceu na Rua … cerca de 15m e na Rua … cerca de 39m, ambas estas localidades da Trofa.

TT - No dia 04/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila Nova de Gaia, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 0,51m.

UU - No dia 10/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Vila Nova de Gaia e Cantanhede, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para Rua ..., Trofa, onde permaneceu cerca de 0,47m.

VV - No dia 11/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Castelo de Paiva, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para IC1 Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 0,46m.

XX - No dia 17/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Mealhada, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para Rua ... – Trofa, onde permaneceu cerca de 0,48m.

ZZ - No dia 25/11/2011, estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na CC se dirigisse para Penacova e Mortágua, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para Rua ..., Trofa, onde permaneceu cerca de 0,45m.

AAA - Estas deslocações à Trofa e a Vila do Conde não constavam de alterações à escala de serviço.

BBB - Nestas deslocações, o trabalhador AA percorreu um total de 866,20 quilómetros não justificados, saindo do trajeto que permitiria a deslocação do veículo da CC aos clientes de cada desses dias, despendendo 49 horas em paragens que não se encontram justificadas nas ordens de serviços e que contabilizou como tempo de trabalho, consequentemente, pago, determinando ainda o pagamento de horas extraordinárias e ajudas de custo acrescidas.

CCC - Os quilómetros percorridos a preço de tabela praticados pela empresa atingiram pelo menos o valor de € 866,20.

DDD - O trabalhador com os referidos procedimentos expôs o veículo e a respectiva carga a riscos não previstos e se ocorresse algum acidente seria a empregadora BB, SA a responsável pelo mesmo, perante a sua cliente e proprietária da mercadoria transportada.

EEE - Os comportamentos do trabalhador poderão pôr em causa as relações com a cliente CC, que não deixará de tomar os seus procedimentos.

FFF - O trabalhador vivia dos rendimentos do seu trabalho.

GGG - O trabalhador receia não encontrar novo emprego.


III.


A. - Se o GPS é um meio de vigilância à distância, sujeito ao regime dos arts. 20.º e 21.º, do CT/2009.

12. O artigo 20º do CT 2009, epigrafado “Meios de vigilância a distância“, dispõe o seguinte:

“1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

2 – A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.

3 – Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.

4 – (...)”.

Por seu turno, na parte que agora releva, o art. 21º: estipula que a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados; regula o procedimento tendente à sua obtenção; e estipula as regras de conservação e destruição dos dados pessoais recolhidos através daqueles meios.

13. Em termos que continuamos a adotar, este Supremo Tribunal já deu resposta negativa à questão de saber se (para estes efeitos) o GPS é um meio de vigilância à distância, no Ac. de 22-05-2007, P. 07S054 (relatado por Pinto Hespanhol, que no presente acórdão intervém como 1º Adjunto), assim sumariado:

1. Embora a formulação literal do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho não permita restringir o âmbito da previsão daquela norma à videovigilância, a verdade é que a expressão adoptada pela lei, «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, quando e durante quanto tempo, de forma tendencialmente ininterrupta, que podem afectar direitos fundamentais pessoais, tais como o direito à reserva da vida privada e o direito à imagem.


2. Não se pode qualificar o dispositivo de GPS instalado no veículo automóvel atribuído a um técnico de vendas como meio de vigilância a distância no local de trabalho, já que esse sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes.

14. Com efeito:

Só por si, a expressão “meio de vigilância à distância” remete, em termos interpretativos imediatos, “para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem”.

Não podendo desconhecer esta conotação hermenêutica, o legislador reforça sensivelmente o sentido que lhe está subjacente, ao desenhar o  nº 3 do art. 20º em moldes que permitem mesmo questionar se não estaremos aqui perante uma definição implícita do conceito “meios de vigilância a distância”.

Na verdade, segundo o estatuído, o empregador ao cumprir o dever de informação a que se encontra adstrito, deve, nomeadamente, afixar dísticos com os dizeres «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.

São bem sintomáticas do “pensamento legislativo” as fórmulas assim utilizadas na lei, às quais apenas estão associados mecanismos de captação de imagem e/ou som, como é o caso, entre outros, de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico.[3]

No mesmo sentido aponta o elemento teleológico deste conjunto normativo, uma vez que com ele se visa limitar e regular a utilização de meios que tenham “a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador” (art. 20º, nº 1, in fine), ou seja, os que “podem alcançar o que se faz, quando e durante quanto tempo” (na expressão de Regina Redinha, Os Direitos de Personalidade no Código do Trabalho: Actualidade e Oportunidade da sua Inclusão, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 166, citado no supra mencionado acórdão).

Ora, o GPS apenas permite a localização de veículos em tempo real, referenciando-‑os em determinado espaço geográfico. Não se dirigindo diretamente à vigilância do campo de ação dos trabalhadores, não permite saber o que fazem os respectivos condutores, mas, tão somente, onde se encontram e se estão parados ou em circulação.

A resposta à questão em análise é, pois, negativa.

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B. - Se a utilização do GPS pela R. viola os direitos de personalidade do trabalhador.

15. O poder de direção do empregador, enquanto realidade naturalmente inerente à prestação de trabalho e à liberdade de empresa, inclui os poderes de vigilância e controle.

De facto, “não teria lógica que o empregador pudesse ditar ordens e instruções ao abrigo do seu poder diretivo e, depois, não pudesse verificar se elas estariam a ser bem cumpridas”[4].

Contudo, é sabido que o exercício de tais poderes tem de conciliar-se com toda uma série de princípios de cariz garantístico, que visam não só salvaguardar a individualidade dos trabalhadores, mas também – e, porventura, sobretudo - conformar o sentido da ordenação jurídica das relações de trabalho (e, em geral, das relações sociais) em função de determinados valores jurídico-constitucionais, ou seja, mais concretamente, em função de um projeto de ordem social assente na dignidade da pessoa humana e na liberdade individual.[5] 

Para além das normas atinentes aos direitos fundamentais (mormente daqueles que são específicos dos trabalhadores) e à tutela dos direitos de personalidade, há ainda a destacar, neste âmbito, as exigências legais (e constitucionais) de boa fé, finalidade legítima, adequação, necessidade, proporcionalidade e harmonização (sem prejuízo do princípio da intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais) de todos os interesses conflituantes presentes em cada caso concreto.

Deste modo, a eficácia dos direitos fundamentais é comprimível pela operatividade de outros interesses dignos de proteção, do empregador ou de terceiros, que, em concreto, se mostrem merecedores de adequada tutela, em regra concernentes à proteção e segurança de pessoas e bens ou a particulares exigências inerentes à natureza da atividade desenvolvida pelo trabalhador[6], constituindo afloramento de um princípio geral os parâmetros a este propósito consagrados no art. 20º, nº 2, CT.

16. Em grande medida, o acórdão recorrido assenta no pressuposto de que in casu a utilização do GPS violou o direito do autor à reserva da intimidade da vida privada (consagrado no art. 26º, CRP, e no art. 80º, C. Civil).

Ao invés, não consideramos os factos relativos à localização geográfica de um camião de transporte de combustível abrangidos pelo direito à reserva da intimidade da vida privada do respectivo motorista (no âmbito da relação jurídico-laboral existente entre este e o respectivo empregador) ou, em geral, pela esfera de proteção dos direitos de personalidade.

Com efeito:

Embora obedeça a critérios axiológicos definidos, o “padrão de reserva” não é rígido, variando, como se compreende, em função das circunstâncias e elementos de cada caso concreto, nomeadamente, a condição e tipo de relação das pessoas envolvidas[7].

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[8], o critério constitucional de distinção entre a esfera da vida privada e familiar que goza de reserva da intimidade e o campo que é mais aberto à publicidade deve partir dos conceitos de privacidade e de dignidade humana, de modo a definir-se um conceito de esfera privada culturalmente adequado à vida contemporânea.

Sendo indissociável da autonomia pessoal, a dignidade tem de ser entendida, não obstante, na relação de cada pessoa com os demais, pressupondo a dignidade de cada a de todos os outros. [9] Tem, basicamente, duas implicações: a pessoa humana está primeiro e só depois a “organização”; a pessoa humana é o fim e não mero instrumento das relações jurídico-sociais.

Quanto à privacidade laboral, ela traduz, exceptuadas certas circunstâncias e determinados requisitos, o “direito a ter um âmbito de reserva inacessível no local de trabalho (...), estendendo-se (...) à intimidade das relações com os companheiros de trabalho, à (...) atividade sindical, às comunicações por qualquer meio, (...),à recolha e tratamento de dados, e não só os dados sensíveis, à captação de imagens e sons, (...), à realização de testes de saúde (...), assim como à realização de testes para consumo dessubstancias estupefacientes ou álcool“.[10]

No caso dos autos, o GPS encontrava-se instalado numa viatura exclusivamente afecta às necessidades do serviço, pelo que não estamos perante qualquer tipo de intrusão na vida privada do autor (assim se decidiu no acima aludido acórdão de 22-05-2007 deste Supremo Tribunal).

Na mesma perspectiva, ainda mais concludentemente, decidiu o Ac. da Rel. Évora de 27/10/2009, P. n.º 122/08.0TTABT.E1 (Gonçalves Rocha, atualmente a exercer funções nesta Secção Social do STJ), a que tivemos acesso: “não havendo captação ou registo de imagem ou som, (...) não podemos concluir que se ponha em causa os direitos da personalidade que o A invoca, nomeadamente a reserva da intimidade da vida privada e familiar, (...), pois [o GPS] apenas permite à empresa saber pontualmente, e em certo momento, a localização aproximada [do trabalhador], ou seja apenas poderá ficar a saber que ele se encontra numa certa localidade, mas não numa certa rua ou em determinado local”.

                                                                           

Efetivamente:

A utilização do GPS, nos moldes constantes da factualidade provada, de forma alguma afecta a esfera de intangibilidade dos valores privacidade e dignidade humana, relembrando-se, mais uma vez, que o que se discutiu no processo disciplinar foi a questão de saber se o trabalhador estava em local consentâneo com o destino que lhe havia sido definido para entrega de combustível e não o que estava em concreto a fazer nos locais em que foi referenciado, sendo certo que o que estava efetivamente a fazer não foi sequer alegado/invocado pela empregadora.

 

Por outro lado, é apodítico que riscos muito particulares estão associados ao transporte de combustíveis e matérias altamente inflamáveis em viaturas, sendo indiscutivelmente legítimo minimizá-los e, à partida, adotar as medidas necessárias para o efeito.

A utilização do GPS, em situações como a dos autos, facilita ações de socorro em caso de avaria, acidente ou quaisquer outras situações de risco, tal como contribui para a prevenção de acidentes.

Vale isto por dizer, pois, que, tendo em conta as finalidades visadas e demais circunstâncias do caso concreto, o recurso ao GPS se afigura aqui inequivocamente pertinente, adequada, proporcional e não excessiva, tendo em conta a globalidade  dos interesses em jogo.


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C. - Se a utilização pela R., no âmbito disciplinar, dos dados provenientes dos registos do GPS é ilícita.

17. Todas as razões expendidas a propósito da questão anterior apontam já, claramente, no sentido da legalidade da utilização no processo disciplinar (e, posteriormente, no âmbito dos presentes autos) dos dados e registos provenientes do GPS.

Acresce que os autos não noticiam que, anteriormente à instauração do processo disciplinar, o A. tenha alguma vez questionado a legalidade da utilização do GPS, o que permitiria mesmo configurar como abusiva a sua invocação nos autos, apenas para evitar a sua responsabilização pela prática dos factos, de muito elevada gravidade, que estiveram na base do seu despedimento (cfr. art. 334º, C. Civil).

18. No sentido assim preconizado, há ainda a considerar alguns elementos jurisprudenciais e doutrinários  lapidarmente elencados no Ac. da Rel. de Évora de 9/11/2010, P. 292/09.0TTSTB.E1. (Gonçalves Rocha)[11], a propósito de gravações vídeo, embora em termos integralmente aplicáveis, por maioria de razão, aos registos de GPS. A saber:[12] 

“(...)

 [O] Supremo Tribunal de Justiça, (acórdão de 9 de Novembro de 1994, in www.dgsi.pt com o número convencional JSTJ00026386) entendeu que “São válidas e a sua utilização em julgamento não viola o disposto nos artigos 179º e 180º, gravações vídeo feitas por dona de Casino, na sua propriedade em que explora a indústria de jogo de fortuna ou de azar, com a finalidade de detecção de eventuais anomalias de acesso a máquinas de jogo ou fichas de jogo. Nestes casos, como meios de prova contra a atuação de seus trabalhadores, não se pode falar em intromissão ou devassamento da vida privada de outrem” .

Por outro lado, a Relação do Porto (acórdãos de 20 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026526, (...) e de 27 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026339), decidiu igualmente que a “A Lei do jogo não proíbe que as imagens gravadas nas salas de jogo sejam usadas como meio de prova em ação emergente de contrato de trabalho, quando nela se discutam comportamentos imputados ao trabalhador que exercia funções no Bar de uma sala de jogo”.

(...)

Por outro lado, na doutrina são também muitas as posições neste sentido.

            Assim, André Pestana Nascimento, Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 79, 80 e 81, (2008), pgª 239, sustenta que a posição [contrária] não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de proteção e segurança de pessoas e bens para a qual foi concedida.

            Nesta linha David Oliveira Festas (O Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada do Trabalhador no Código do Trabalho, R.O.A., Ano 64, Vol. I/II, Nov. 2004) considera abusiva a invocação pelo trabalhador do direito à reserva da intimidade da vida privada para que se possa prevalecer dos seus comportamentos ilícitos durante a execução do trabalho.

(...).

Também José João Abrantes sustenta que sendo o poder de controlo da atividade laboral do trabalhador imanente ao próprio conceito de subordinação jurídica, elemento caracterizador essencial do contrato de trabalho, serão, todavia, proibidos os meios de vigilância e controlo dessa atividade para os quais não exista uma razão objectiva, v.g., em função de exigências organizativas e/ou de segurança ou da necessidade de tutela do património do empregador, bem como as modalidades desse controlo que (ao menos potencialmente) sejam lesivas da dignidade do trabalhador, maxime por revestir carácter vexatório” (Contrato de Trabalho e Meios de Vigilância da Atividade do Trabalhador em Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, vol. II, 2003, pp. 809 a 818).

A própria CNPD teve oportunidade de esclarecer que “sendo pressuposto que as imagens recolhidas possam servir de prova em processo penal (cfr. art. 13º, n.º 2, do DL 35/2004 [o qual corresponde, com alterações, ao artigo 12.º/2 do revogado DL 231/98, de 22 de Julho]), não podemos deixar de considerar esta finalidade e englobar a recolha de dados, bem como a obtenção dos meios de prova, numa estratégia integrada que visa a proteção de pessoas e bens. Ou seja, para além de estar em causa, objectivamente, a prevenção e dissuasão da prática de atos ilícitos (...) a informação recolhida pode vir a ser utilizada como prova da infracção” (Deliberação n.º 61/2004 sobre “Princípios sobre o tratamento de dados por videovigilância”, disponível em www.cnpd.pt.

Também Amadeu Guerra (...) entende que “o facto de o DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro referir que os «dados recolhidos só podem ser utilizados nos termos da lei penal» não invalida que a entidade patronal possa utilizar sistemas de tratamento (som, imagem e registos informáticos – v.g. «tracing« por razões de controlo de acessos e de segurança) para a instrução de processo disciplinar que tenha subjacente factos imputáveis ao trabalhador e indiciadores de atos lesivos da segurança de pessoas e bens” (A privacidade no Local de Trabalho, Almedina, 2004, pp. 358 e 359 (...).

Efetivamente, se é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua atividade laboral, não é menos verdade que não beneficiam de uma especial proteção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho, continua este autor, obra citada.

 (...)”.

Concluímos, pois, no sentido da legalidade da utilização dos registos do GPS no caso vertente.

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D. - Se os factos provados integram justa causa de despedimento.

19. Na apreciação desta questão, em termos que reputamos incontroversos, consignou-se na sentença proferida na 1ª instância:

 

“(…)

Na situação em discussão, a empregadora imputa ao trabalhador a violação dos deveres impostos pelo art. 128º, 351º, nºs 1, 2, alíneas a), d), e) h) e m), do C. do Trabalho, assim comprometendo, de forma irremediável, a manutenção da relação laboral.

(…)

Estabelece o art. 351º do C. do Trabalho vigente que constituiu justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

(…)

Perante determinado comportamento, ilícito e culposo, só é pensável a sanção máxima do despedimento, quando a relação laboral, por força daquele comportamento, não possa ser mantida por tal não poder ser exigível ao empregador.

O art. 351º do C. do Trabalho estabelece, como critérios aferidores da justa causa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores, e todas as outras circunstâncias, enfim, que relevam no caso, a aferir no contexto da gestão da empresa.

(...)

A culpa e a gravidade da infracção disciplinar há-de procurar-se na figura do ‘bom pai de família’ e em face do caso concreto, segundo critérios de razoabilidade e objectividade, só se podendo considerar como grave o que resultar da aplicação destes critérios, devendo, por outro lado, a sanção disciplinar aplicada ao trabalhador ser proporcionada à gravidade da sua infracção e ao grau da sua culpa.

(...) [D]ificilmente nos depararíamos com uma situação tão ostensivamente violadora da relação de confiança que o empregador tem de ter num motorista que conduz veículos de transporte de mercadorias perigosas.

Como flui da matéria de facto provada, em menos de três meses, foram 18 as vezes em que o trabalhador, tendo como destino de entrega de combustível uma localidade situada a sul de Matosinhos, rumou a norte e, ora em Vila do Conde ora na Trofa, esteve imobilizado, com o veículo carregado de combustível, por períodos variáveis, mas sempre dentro do respectivo horário de trabalho.

Desconhece-se o que esteve o A. a fazer.

O que se sabe é que a empregadora – e por via indireta a CC enquanto cliente daquela a cujo serviço o trabalhador estava afecto – não lhe determinou tais deslocações.

Está assim em causa, por um lado, os Kms que foram por si a mais percorridos e, por outro, o tempo de trabalho despendido a fazer algo que não estava no plano de trabalho do trabalhador e que gerou para a R. o pagamento de horas extraordinários ao A. pois que o tempo restante não foi suficiente para a conclusão do transporte que lhe havia sido efetivamente determinado.

Está em causa também a irresponsabilidade de quem não percebe os riscos de circulação de um veículo pesado de combustíveis e que, por não o perceber, circula com o mesmo para além do percurso estritamente necessário ao transporte da mercadoria do local de recolha ao local de entrega.

Está em causa também o comportamento de quem ignora que circulando em locais onde não era suposto encontrar-se (porque simplesmente não se situam geograficamente entre os pontos de recolha e entrega da mercadoria), corre o risco de ser fiscalizado pelas autoridades policiais e, dessa

forma, a cliente da sua empregadora, no caso a CC, tomarem conhecimento que a mercadoria – perigosa, com restrições de circulação – cujo transporte solicitaram andava sem qualquer controlo na estrada, elevando os riscos que o transporte destas mercadorias já potencia e que deve restringir-se ao necessário para abastecimento dos respectivos clientes – veja-se o que dispõe o DL 147/2003, de 11/07 que disciplina os documentos que devem sempre acompanhar as mercadorias em circulação, estando em violação a tal diploma a circulação de uma mercadoria em Vila do Conde cujo local de carga foi Matosinhos e tem como local de descarga Aveiro.

A mercadoria perigosa transportada andou, literalmente, a “passear” entre as localidades de Matosinhos, Vila do Conde e Trofa sem qualquer explicação e pela livre iniciativa do trabalhador que a transportava.

O A. violou assim os deveres que resultam das alíneas a), e), g), h), i), j) do no1 do art. 128º do C. do Trabalho.

Não é legítimo defender-se que é ainda exigível que uma empresa mantenha ao seu serviço um trabalhador que coloca em causa o contrato que a empregadora tem com a cliente CC, causa prejuízos económicos – o custo dos Kms percorridos a mais e o tempo de trabalho pago e que não aproveitou á empregadora -, mas que, sobretudo, revela irresponsabilidade numa matéria tão sensível como é o transporte de mercadorias perigosas.

Entendemos assim que o comportamento do trabalhador viola efetivamente, de forma grave e irremediável, os deveres a que está obrigado enquanto trabalhador, pelo que existe justa causa que legitima a cessação do contrato de trabalho por preenchimento do disposto no art. 351o, no1, do C. do Trabalho.

O despedimento realizado foi assim lícito.

Não assiste ao A. o direito de receber da R. qualquer das quantias peticionadas com base na ilicitude do despedimento.

(...)”.

20. Acompanhamos estas considerações, que dispensam quaisquer desenvolvimentos complementares, bem como o sentido decisório atingido, que acolhe a tese da recorrente.

Procede, pois, a revista.


IV.


21. Em face do exposto, concedendo a revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, ficando a prevalecer, nos seus precisos termos, a decisão da 1ª instância.

As custas da revista e da apelação ficam a cargo do autor, repristinando-se igualmente o decidido na 1.ª instância quanto a custas.

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 13-11-2013


Mário Belo Morgado (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

____________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas à versão mencionada no ponto n.º 10 do presente acórdão.
[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 660.º, n.º 2, 684.º, n.ºs 2 e 3, 685.º-A, n.º 1, e 726.º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 664.º, CPC.
[3] cfr. Guilherme Dray em anotação ao artigo 20º, in Código do Trabalho Anotado (Pedro Romano Martinez e outros),  9ª edição, p. 162.

[4] Teresa Alexandra Coelho Moreira, A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador, Almedina, 2010, p. 368.

[5] Cfr. José João Abrantes, Contrato de trabalho e direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2005, p. 220 e 228.

[6] Ibidem, p. 230.

[7] Cfr. Rui Assis, O Poder de direção do empregador, Coimbra Editora, 2005, p. 217 – 219.
[8] Citados por Teresa Alexandra Coelho Moreira, ob. cit.,  p. 277.

[9] Ibidem, p. 273.

[10] Ibidem, p. 339.
[11] Disponível em www.dgsi.pt.
[12] Todos os realces constantes das transcrições do acórdão são dos seus autores.