Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3828/23.0T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
IDENTIDADE DE FACTOS
REQUISITOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
CERTIDÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ATO INÚTIL
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário :
I. A questão fundamental de direito cuja identidade pode legitimar a contradição de julgados não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente, da norma jurídica, mas sim pela questão nuclear recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões.

II. Assim, se as diferentes soluções alcançadas em cada um dos arestos (recorrido e fundamento) assentaram em diferentes quadros factuais e nas distintas circunstâncias tidas como relevantes em cada um dos casos e não tanto numa diversa interpretação do regime legal aplicável, inexiste uma contradição decisória entre arestos que reclame uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.

III. Em contexto de procedimento cautelar, a admissibilidade de uma revista fundada na invocação da oposição de julgados cinge-se a aspectos relacionados com o próprio processo e com os pressupostos próprios da tutela cautelar, não abarcando, pois, a apreciação de questões estreitamente imbricadas com a definição do direito substantivo aplicável ao caso, já que, nessa hipótese, a respectiva discussão deve exclusivamente ter lugar na acção principal.

IV. A falta de certificação, pelo recorrente, do trânsito em julgado do acórdão invocado como fundamento da invocada oposição de julgados (artº 629º, nº2, al. d) CPC) importa a rejeição imediata do recurso, em estrita aplicação do comando contido no n.º 2 do artigo 637.º, sendo que a mera junção de cópia do referido aresto extraído da base de dados jurídico-documentais do IGFEJ e tendo em atenção o escopo eminentemente divulgador que subjaz à criação e manutenção desta importante ferramenta, é manifestamente inidóneo para o pretendido efeito.

V. E se em concreta homenagem ao princípio da cooperação (n.º 1 do artigo 7.º) se poderá convidar a recorrente a documentar o trânsito em julgado do enunciado acórdão-fundamento, todavia, segundo o princípio ínsito no artigo 137.º, tal convite apenas poderá/deverá ter lugar se se puder antever a admissibilidade da revista.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Audiência, no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível

I – RELATÓRIO

AA instaurou procedimento cautelar não especificado contra EDP COMERCIAL, Comercialização de Energia S.A. e E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A, requerendo que seja ordenado às RR. para efetuarem a ligação da energia elétrica no seu local de trabalho, morada do escritório, com urgência.

As Requeridas deduziram oposição, tendo a 1ª Requerida invocado a excepção de ilegitimidade passiva e a 2ª Requerida pugnado pela condenação da Requerente como litigante de má-fé, em multa e indemnização em montante não inferior a € 1.000,00.

A Requerente pugnou pela improcedência da excepção deduzida e da sua condenação como litigante de má-fé.

Foi julgada procedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da requerida EDP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., com a sua consequente absolvição da instância e, após produção da pertinente prova, foi proferida a seguinte

Decisão:

“Em face do exposto:

1) julgo o presente procedimento cautelar improcedente, por não provado, e absolvo a Requerida E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A. do pedido e

2) ao abrigo dos arts. 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil e 27º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, condeno a Requerente AA como litigante de má-fé, na multa de 5 (cinco) unidades de conta e em € 1.000,00 (mil euros) de indemnização à E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A.

Custas pela Requerente, a atender na acção principal, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art. 539º n.º 1 do C.P.C.

Inconformada, com a mesma, dela interpôs recurso a requerente, AA, recurso de apelação, vindo a Relação de Coimbra a “julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida”.

De novo inconformada, agora com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão a 1ª instância, interpôs «(…) nos termos do Art. 629 nº 1 e nº 2 al.d) , Art. 666 nº 1 e 2, 671º, 672 nº1 als.a) e c) todos do CPCivil dele interpor Recurso de Revista Excepcional (…)».

Apresentou – extensas e um tanto repetitivas – alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

“1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que antecede, na medida em que, confirmou a sentença da providência cautelar não especificada, ao considerar que não é a parte que envia uma carta para o domicílio da outra parte na relação contratual que tem o ónus de saber se a mesma chegou ou não ao conhecimento do destinatário, tal interpretação inverte o ónus de prova e viola o

disposto no art. 224º nº 1 do C.Civil e viola os arts. 20º, 268º da CRP.

2. A presente revista excepcional colhe fundamento no artigo 629 nº 2 al.d) do CPCivil por remissão da parte final do artigo 370.º/2 – o que se declara para os efeitos do artigo 637.º/2, todos do CPC.

3. O Acórdão sindicado perfilha doutrina oposta à aplicada no aresto da Veneranda Relação quanto à mesma questão fundamental de Direito sobre o ónus de prova de envio e prova de recepção de comunicações escritas simples, ónus sobre as declarações receptícias nos termos e para os efeitos do Art. 224º nº 1 do C.Civil, não sendo suficiente a alegação de envio de carta, mas a prova efectiva do envio e prova da recepção de comunicações ao destinatário.

4. O Acórdão fundamento e a vastíssima jurisprudência considera que a simples junção aos autos das cartas de comunicação e alegação de que foram enviadas à executada, não constitui por si só prova do envio e recepção das mesmas pela executada.(Cfr. Cópia do Acórdão fundamento que ora se junta)

5. A questão fundamental de Direito julgada nos acórdãos revidendo e fundamento formula-se nos seguintes termos: sobre as declarações receptícias ónus de prova de envio, alegação de não recebimento por parte da Requerente e ónus da Requerida de fazer prova efectiva da recepção de carta simples, não sendo suficiente a alegação e junção de alegada comunicação, mas a prova efectiva do envio e prova de recepção pelo destinatário.

6. O Acórdão recorrido padece de erro de julgamento ao considerar que se o fornecedor de energia elétrica(declarante) enviou para a morada constante do contrato uma carta, que não foi devolvida, praticou os aludidos atos necessários e suficientes, não tomou em consideração o facto de se tratar da alegação de uma carta simples, nem se pronunciou sobre o facto da Recorrente ter alegado o não recebimento de comunicação para a recorrida ter efectuado a interrupção de energia elétrica em 23/08/2023, e

7. da matéria de facto assente não consta a recepção da carta pela Recorrente, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido.

8. e tendo a Recorrente alegado o não recebimento da carta sobre interrupção de eletricidade, verifica-se que a Recorrida não praticou os actos necessários e suficientes para colocar na esfera da cognoscibilidade da Recorrente o conteúdo da alegada carta, pelo que a mera alegação de carta simples terá de se considerar ineficaz nos termos do art. 224º nº 1 do C.Civil.

9. Assim, no casu subjudice a Declarante alegou o envio de carta simples e a Declaratária/Recorrente alegou o não recebimento, pelo que cabe à declarante/Recorrida o ónus de prova do efectivo do envio e da efectiva recepção de correspondência, conforme acórdão fundamento Ac. TRÉvora de 28/09/2023 no qual segue e cita o entendimento vertido no Ac. do STJ de 13/04/2021.

10. Pelo que, o acórdão recorrido ao considerar que não é a parte que envia uma carta para o domicilio da outra que tem o ónus de saber se a mesma chegou ao conhecimento do destinatário, e que se o fornecedor de energia elétrica(declarante) enviou uma carta que não foi devolvida não demonstra que a Recorrida tenha praticado sequer os actos necessários e suficientes para colocar a alegada comunicação na esfera de cognoscibilidade da Recorrente, pelo que a interpretação efectuada pelo tribunal a quo viola o Art. 224º nsº 1 e 2 do C.Civil e viola o Art. 20º da CRP.

11. O Acórdão recorrido não tomou conhecimento de que a Recorrente alegou o não recebimento de carta sobre interrupção de eletricidade, conforme alegado na p.i e mencionado no recurso, e que a declarante apenas alegou uma carta simples e não registada, pelo que o Acórdão padece de omissão de pronúncia que determina a Nulidade prevista no Art. 615º nº 1 al.d) do CPCivil, Nulidade por omissão de pronúncia que se arguiu para todos os efeitos legais.

12. De igual modo, o Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao citar Jurisprudência seguida num Acórdão do STJ de 09/02/2012 sobre carta registada, quando na situação concreta dos presentes autos apenas foi alegado o envio de uma carta simples e inexiste carta registada, pelo que se impõe a revogação do acórdão recorrido e em sua substituição seja proferida decisão que julgue decretamento da providência cautelar.

13. O Acórdão recorrido baseia-se numa mera alegação de envio de carta simples, ora tendo sido alegado o não recebimento de carta pela recorrente, cabe à requerida/declarante o ónus de prova de envio e prova recepção de comunicação,

14. pelo que o Acórdão recorrido erra ao considerar que tendo sido a mesma enviada se impunha que a recepcionasse e tomasse conhecimento do respectivo conteúdo o que contraria o Acórdão fundamento que se junta com o presente recurso.

15. De igual modo, o Acórdão recorrido padece de NULIDADE por excesso de pronúncia, ao referir que “ ... a carta foi enviada para o local do consumo e que não foi devolvida. Se a Requerente não a leu, só disso se pode queixar e tal omissão só a si poderá ser imputada” e que cabia ao destinatário rececionar e tomar conhecimento da carta/declaração, nos termos do artigo 668° n.° 1 alínea d) do Código de Processo Civil, ao ter conhecido de questões que não podia ter tomado conhecimento, por se tratarem de suposições, conclusões vagas, presumindo o conhecimento apenas pela alegação de envio de carta,

16. Ora, atenta a ausência da matéria de facto para concluir pela omissão da Recorrente de não ter lido uma carta, quando a mesma nem sequer foi recebida,

17. a Recorrida não procedeu a mecanismos de envio que assegurassem a recepção, ora atenta a matéria assente inexistem factos que demonstrem culpa ou incúria da recorrente, pelo que o Acórdão padece de Nulidade prevista no Art. 615º nº 1 al.d) do CPCivil e viola o Art. 224º nº 3 do C.Civil, razões pelas quais se torna necessária a apreciação de tal questão para uma melhor aplicação do Direito.

18. A eletricidade é um bem essencial para o exercício pleno da advocacia, sem eletricidade encontra-se violado o Direito de exercício pleno da advocacia para a Requerente, cabe ao fornecedor de eletricidade praticar actos necessários e suficientes para colocar na esfera de cognoscibilidade da Recorrente uma comunicação escrita para interromper a eletricidade no local de trabalho da recorrente, o que não fez.

19. Assim, a lesão é de difícil reparação atento o risco de insatisfação desse direito com a demora na decisão definitiva da causa, pelo que se impõe a revogação do acórdão recorrido e seja proferida decisão que considere julgada a verificação da lesão grave e de difícil reparação, e julgue procedente, por provada a providência Cautelar.

20. No casu subjudice, o risco da lesão é grave por desrespeitar o direito de usar ou de usar plenamente a fracção do escritório de Advocacia e o inerente Direito ao Trabalho consagrado no Art. 58 nº 1 da CRP, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido e seja proferida decisão que julgue procedente a providência cautelar.

21. No caso em apreço dos presentes autos, está em causa o não recebimento de carta sobre interrupção de eletricidade, e sendo a eletricidade um bem essencial, sempre teria a declarante que assegurar com garantia de enviar por correio que assegurasse a recepção da mesma, o que não fez.

22. Acresce ainda que requerida/recorrida, não só não alegou, nem provou, que tenha pedido a entrega da carta, em mão, ao próprio autor/destinatário, como também não alegou, nem provou qualquer de facto que indicasse culpa por parte da Recorrente nos termos do artigo 342.º, n.º 2 , do CC (o ónus da prova dos factos integradores da culpa, o que viola o artigo 224.º n.º 2 e 3 do C.Civil, e viola os art.20º da CRP, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido, e em consequência o Recurso julgado seja procedente por provado,e seja ordenada a religação da energia elétrica no local de trabalho da Recorrente.

23. Conforme o entendimento seguido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 636/2013 considerou que o envio de carta simples não representa índice seguro da sua recepção, “o envio de carta simples não representa índice seguro da sua recepção e dificilmente pode ser ilidido, forçoso é concluir que uma interpretação sindicada afeta a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz do respectivo destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do artigo 268º da Constituição e do Princípio constitucional da “proibição da indefesa” ínsito no art. 20º também da Constituição”., razões pelas quais se torna necessária a apreciação de tal questão para uma melhor aplicação do Direito.

24. Assim, a mera alegação da carta simples sem registo e que não veio devolvida, tendo a Recorrente alegado o não recebimento, significa que o fornecedor de eletricidade não adotou todos os mecanismos necessários e suficientes para colocar na esfera de cognoscibilidade da Recorrente uma comunicação escrita para interromper a eletricidade no seu local de trabalho, escritório de Advocacia.

25. O Acórdão Fundamento oponente sumaria: “...competindo à executada alegar o não recebimento e só então recair sobre o exequente o ónus de provar o efectivo envio e recebimento da correspondência” Cfr. Acórdão fundamento que ora se junta.

26. Apenas o correio registado representa um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através de recibo assinado pelo próprio destinatário, não tendo sido assegurado esse mecanismo no caso subjudice, uma vez que a Recorrida se limitou a alegar o envio de uma carta simples, e inexiste carta registada.

27. Segundo a Jurisprudência do Tribunal Constitucional nº 636/2013 considera que não pode ser afastado o risco de ausência ocasional, quer o risco de extravio da carta, de cujo envio não existe registo, e tendo a Recorrente alegado o não recebimento de carta sobre a interrupção de eletricidade, verifica-se que a Recorrente demonstrou que sem culpa da sua parte não foi recebida comunicação sobre interrupção de eletricidade no seu domicilio profissional,

28. impõe-se a revogação do Acórdão recorrido e que o Recurso seja julgado procedente por provado, considerando-se o corte de eletricidade ilegítimo e ordenando-se a religação da eletricidade.

29. A Recorrente na Petição inicial alegou o não recebimento de carta sobre interrupção de eletricidade.

30. Pelo que, a mera alegação da carta simples sem registo e que não veio devolvida, tendo a Recorrente alegado o não recebimento, não traduz que o fornecedor de eletricidade tenha adotado todos os mecanismos necessários e suficientes para colocar na esfera de cognoscibilidade do destinatário uma comunicação escrita para interromper a eletricidade no local de trabalho da recorrente.

31. Na insuficiência desses factos, cumpre ao julgador considerar ineficaz a mera alegação de envio de uma carta simples para o efeito do disposto no art. 224 nº 1 do C.Civil, uma vez que não há o mínimo indício de prova de recebimento de carta simples, nem alegação, nem prova de culpa da recorrente e porque inexiste culpa do destinatário, o Acórdão recorrido viola os artigos 224º, nºs 1 e 2 e 342º, nº. 1 ambos do Código Civil.

32. O procedimento cautelar comum consubstancia-se numa verdadeira acção cautelar geral para tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o seu decretamento a remoção do “periculum in mora” concretamente verificado e visando assegurar a efectividade do Direito ameaçado.

33. O “periculum in mora” traduz-se no prejuízo que poderá advir para a Requerente em consequência da demora na tutela efectiva dos seus direitos.

34. Resulta da factualidade exposta que o corte de eletricidade é ilegítimo por se mostrar sem aviso prévio, atento o não recebimento de comunicação e cujo ónus de prova de envio e prova de recepção que cabe à Recorrida, prova essa que não logrou fazer.

35. Atento o risco de lesão grave para a Recorrente, pelo que a Recorrente não pode continuar sem eletricidade no seu escritório de advocacia o que prejudica a Autora na sua vida profissional no seu espaço de trabalho, escritório de advocacia

36. Os danos que se fazem sentir na esfera da Requerente são contínuos e acumuláveis, impedem o pleno gozo e fruição de todas as utilidades do escritório onde exerce a Advocacia, agravar-se-á de forma efectiva com a demora normal de um processo judicial.

37. Pelo que, a providência cautelar é o único meio de por cobro aos danos que se vêm reflectindo na esfera da Autora/Recorrente, pelo que deverá ser revogado o Acórdão recorrido e em substituição seja ordenada a religação de eletricidade no escritório domicílio profissional da Requerente.

38. Requer-se a harmonização jurisprudência no sentido do Acórdão-fundamento, deve ser concedida a revista excepcional ora ajuizada de acordo com os elementos apurados e com a correcta aplicação e interpretação da norma do art. 224 nº 1 do C.Civil.

39. Assim, deve ser concedida a revista excepcional, atenta a a mera alegação de envio de carta simples, a alegação da Recorrente de não recebimento, a ausência de prova de recepção de carta simples sem registo, cabendo à Recorrida/Declarante o ónus de fazer prova de envio e de recepção, prova essa que não logrou fazer e não tendo a recorrida praticado os actos necessários para poder colocar na esfera da cognoscibilidade comunicação sobre a interrupção de eletricidade, que se mostra em oposição com o Acórdão Fundamento, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido.

40. Atenta a prova assente e verificação dos requisitos da lesão grave e difícil reparação, deverá o recurso ser julgado procedente por provado.

41. A presente revista excepcional colhe também fundamento no artigo 629 nº 2 al.d) e 672 nº 1 al.c) do CPCivil por remissão da parte final do artigo 370.º/2 – o que se declara para os efeitos do artigo 637.º/2, todos do CPC.

42. O Acórdão sindicado perfilha doutrina oposta à aplicada no aresto da Veneranda Relação quanto à mesma questão fundamental de Direito sobre a questão da litigância de má-fé, e interpretação do Art. 562º do C.P.Civil sobre a mesma questão fundamental de direito designadamente a não verificação de elementos seguros que integrem a litigância de má-fé,

43. atenta a inexistência de elementos seguros que integrem a litigância de má-fé, ausência de juízo intenso de dolo, exigindo-se um juízo de particular prudência na apreciação da litigância de má-fé, juízo de prudência que não se verificou no casu subjudice.

44. O Acórdão fundamento considera que o processo terá de fornecer elementos seguros da má-fé, exigindo-se um juízo de particular prudência e segurança para se afirmar a litigância de má fé, e um juízo intenso de dolo ou negligência grave, Cfr. Cópia do Acórdão fundamento que ora se junta)

45. A questão fundamental de Direito julgada nos acórdãos revidendo e fundamento formula-se nos seguintes termos : ausência de elementos seguros e não verificação da litigância de má-fé, juízo de particular prudência.

46. O Acórdão recorrido incorre em contradição entre a fundamentação sobre a litigância de má fé e a decisão sobre a condenação em litigância de má-fé, uma vez que na fundamentação para a litigância de má fé o mesmo refere: “Significa isto que a mera falta de razão -quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se mostra a versão factual oposta – não é suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé ; sendo necessário para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave(culpa lata) que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.” , de depois

47. concluir que a requerente tinha de ter conhecimento de factos pessoais, e que apresentou uma versão oposta, do que se veio a demonstrar, considerando integrar fundamento e condena a Recorrente como litigante de má-fé, o que padece da nulidade prevista no Art. 615º nº 1 al.c) do CPCivil, Nulidade que se arguiu para todos os efeitos legais.

48. No caso subjudice tendo em consideração a matéria de facto dada como provada e não provada, entende-se que a condenação da recorrente como litigante de má-fé não tem suporte factual.

49. Dos factos constantes do pontos 11º a 14º e 18º e 19º não ficou provado que a Recorrente tivesse recebido comunicação com vista à substituição do contador e/ou corte da eletricidade no escritório da Recorrente.

50. Da análise do facto 11 apenas resulta alegação de envio de carta simples e não resulta provada pela Recorrida prova da recepção da alegada comunicação pela Recorrente.

51. Dos factos 12 a 14 apenas consta alegada “uma visita técnica” sem concretizar a finalidade de tal visita técnica, tais SMS não se referem à interrupção de eletricidade, nem a mudança de contador.

52. Dos factos 17 e 18 resultou que após a interrupção de eletricidade sem prova de recepção sobre a mesma, a Recorrente contactou a linha telefónica da 2ª requerida a solicitar o restabelecimento de energia elétrica sem substituição do contador tendo sido informada que iria ser religada a eletricidade, nessa chamada de 24/08/2023 foi garantido à Recorrente que a eletricidade seria religada no dia 25/08/2023 e que sobre a mudança de contador iria ser enviada uma carta registada com A/R, o que não veio a acontecer por parte da Recorrida.

53. O tribunal a quo erra ao referir que a requerente só admitiu a existência do contacto telefónico no item 19º, depois de ter sido junta a respectiva gravação, uma vez tal situação não constitui fundamento para imputar à Recorrente a litigância de má-fé,

54. se alguém se apresentou numa posição de Venire Contra factum proprium foi a Recorrida que efectivamente no dia 25/08/2023 no período agendado entre as 10h30 e as 13h00 para a religação da eletricidade não apareceu, nem contactou a Recorrente nesse período,não agindo a Recorrida em conformidade com que tinha garantido na chamada do dia 24/08/2023, conforme se mencionou na resposta às excepções da contestação.

55. O facto 19 não se trata de um facto essencial, nem de um facto que a Recorrente tenha baseado a sua pretensão, tendo a alegado o não recebimento comunicação escrita para a interrupção de energia elétrica no seu local de trabalho, cabe à recorrida fazer prova do envio e da recepção da alegada carta,

56. pelo que recorrida tem o ónus de prova de envio e recepção da alegada carta simples mencionada em 11, prova essa que não logrou fazer,

57. pelo que se impõe a revogação do Acórdão proferido e em sua substituição seja proferida decisão de absolvição da Recorrente da condenação em litigância de má-fé.

58. A Requerente/Recorrente não alterou a verdade dos factos relevantes e essenciais para a decisão da causa, pelo que não se encontram preenchidos, no caso dos presentes autos, os requisitos do n.º 2, do artigo 542.º do CPC e, por tal efeito, não pode a conduta da Recorrente ser integradora do conceito jurídico da litigância de má-fé.

59. No caso subjudice tendo em consideração a matéria de facto dada como provada e não provada, entende-se que a condenação da recorrente como litigante de má-fé não tem suporte factual.

60. À luz dos concretos factos apurados inexiste um juízo intenso de censura pela actuação da requerente/Recorrente, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido e seja proferida decisão de absolvição da Requerente/Recorrente de litigância de má-fé.

61. Acresce ainda que, a decisão proferida pelo tribunal “a quo” contém uma análise errada da matéria em causa e do Direito aplicável, sendo que, in casu, inexistem fundamentos para a referida condenação da aqui Recorrente em litigância de má-fé.

62. O Acórdão sindicado perfilha doutrina oposta à aplicada no aresto da Veneranda Relação quanto à mesma questão fundamental de Direito sobre o juízo de particular prudência necessária, prudência objectiva face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé e que o processo teria de fornecer elementos seguros, tal juízo de prudência não se verifica in casu.

63. Contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo”, do quadro factual apresentado não resultou provado que existisse nem negligência grave, nem dolo da parte da aqui recorrente, requisitos plasmados no artigo 542.º, n.º 2 do CPC.

64. Conforme entendimento seguido no Acórdão fundamento do TRGuimarães, o processo deve fornecer elementos seguros para se concluir da litigância de má fé, exige-se uma particular prudência e ponderação objectiva, e suficiente nitidez nos elementos, ora atenta a matéria de facto assente inexistem elementos seguros para imputar à Recorrente uma conduta que consubstancie a litigância de má-fé.

65. Acresce ainda que o Acórdão fundamento cita o entendimento seguido no Acórdão do S.T.J de 11/12/2003, pelo que não é por “se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má fé”, pois a verdade revelada no processo não é mais que a verdade do convencimento do juiz, uma verdade judicial e relativa, “não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico”.”Exige-se, pois, particular prudência e fundada segurança para se afirmar a litigância de má fé“, razões pelas quais se torna necessária a apreciação de tal questão para uma melhor aplicação do Direito.

66. ora in casu o tribunal a quo não assumiu particular prudência, nem fundada segurança ao decidir pela condenação da Recorrente em litigância de má-fé, uma vez inexistem elementos factuais, seguros e nítidos para a mesma, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido e em substituição seja proferida decisão de absolvição da Recorrente como litigante de má-fé.

67. A conduta processual da Recorrente é desprovida de qualquer actuação dolosa, ou gravemente negligente, não sendo possível formular um qualquer juízo de censura sobre a mesma, pelo que não poderá concluir pela atuação dolosa ou gravemente negligente da recorrente - vd. A contrario sensu n.º 2, art.º 542.º CPC.

68. Assim, os factos provados são insuficientes para concluir por uma culpa da Requerente/destinatária por não ter recebido uma carta simples, não pode a mera alegação de envio ser considerada eficaz a declaração nos termos e para os efeitos do artigo 224.º n.º 2 do CCivil.

69. No casu subjudice não resultou verificada a violação de um dever de adequada conduta que tenha sido violado ou se quer falta de cuidado por parte da Recorrente, pelo que a resposta conferida pelo Acórdão fundamento à questão de Direito afigura-se acertada, em detrimento da decisão recorrida.

70. A decisão proferida pelo tribunal “a quo” contém uma análise errada da matéria em causa e do Direito aplicável, sendo que, in casu, não existem fundamentos para a referida condenação da aqui Recorrente em litigância de má-fé.

71. O Acórdão Recorrido violou o Princípio da Proibição do non liquet e o disposto no art. 224º nºs 1, 2 e 3 do C.Civil, bem assim o disposto nos artigos 3º, 5º nº 1, 68º, 154 nº 5, 193 nº 3, 376º nº 3, 542º nº 2 al.a), 615 nº 1 als.c) e d) ,629 nº 2 al.d) todos do CPC,

72. Face ao exposto, o Tribunal da Relação de Coimbra ao considerar que não é a parte que envia uma carta para o domicílio da outra parte na relação contratual que tem o ónus de saber se a mesma chegou ou não ao conhecimento do destinatário e que “Se o fornecedor de energia elétrica (declarante) enviou para a morada constante do contrato uma carta, que não foi devolvida, praticou os aludidos atos necessários e suficientes, pelo que, se a contraparte (declaratário) não a leu, só disso se pode queixar e tal omissão só a si é imputável.” , pelo que tendo a Recorrente alegado o não recebimento de carta simples deverá ser declarada ineficaz a mera alegação de envio de carta simples para o efeito do disposto Art. 224 nº 1 do C.Civil, por não terem assegurada a garantia de recepção, inexistindo culpa da Recorrente, o Acórdão recorrido na interpretação efectuada viola o art. 224 nºs 1 e 2 do C.Civil em violação grave do disposto nos artigos 1º, 2º, 10º, 20º, 58º nº 1 e 205º todos da Constituição da Republica Portuguesa e, bem assim, dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao direito e aos Tribunais.

73. Acresce ainda que, o tribunal a quo ao considerar que a alegação de envio de carta simples pela declarante e que cabia ao destinatário recepcionar e tomar conhecimento do conteúdo da carta/declaração sem mais , presumindo culpa sua ou incúria, sem ter sido dados factos como provado de que resulte a culpa grave ou negligência, ao concluir que a comunicação tem-se por eficaz nos termos do Art. 224º nº 2 do Código Civil, tal interpretação efectuada pelo tribunal a quo viola o art. 224º nº 2 do C.Civil e padece de inconstitucionalidade ao não ter sido assegurada a garantia de que a comunicação tenha chegado à cognoscibilidade da recorrente, o que afecta as garantias constitucionais previstas no art. 20º e 206º ambos da CRP,

74. Acresce ainda que o Acórdão recorrido viola as disposições previstas nos artigos 227 nº 2, 243º ambos do C.Civil, e os artigos 459º, 542º, 545º, 615º als. c) e d) do CPCivil e o Art. 20º, 25º,26º, 202º todos da CRP.

Nestes termos e melhores de Direito deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, atenta a contradição de julgados e ser concedida Revista Excepcional nos termos do Art. 629º nº 2 al.d) do CPCivil e 671º nº 1 al.c), designadamente sobre a mesma questão de Direito, sobre as declarações receptícias que dispõe que o ónus de prova cabe à Declarante o ónus de prova efectivo de envio e recepção, tendo sido alegado pela Recorrente o não recebimento de carta simples, inexistindo prova de recepção da carta simples sobre interrupção de eletricidade no local de trabalho da Recorrente, tornando-se necessária a apreciação de tal questão para uma melhor aplicação do Direito, bem sobre a questão da litigância para uma melhor aplicação do Direito, consequentemente:

A) Deve ser revogado o Acórdão proferido pelo tribunal “a quo” , substituindo-o por outro Acórdão que decida pelo decretamento da providência cautelar ordenando à recorrida a religação de energia elétrica no local de trabalho da Recorrente,

B) Atenta a contradição de julgados sobre a mesma questão de Direito, designadamente os requisitos da Litigância de má-fé, e face a ausência de elementos seguros, deverá decidir-se não verificação da litigância de má-fé, por se afigurar necessária a apreciação para uma melhor aplicação do Direito, bem como seja proferida decisão que absolva a Requerente/Recorrente como litigante de má-fé.».

Contra-alegou a recorrida “E-Redes – Distribuição de Eletricidade, S.A.” em que pugnou pela inadmissão da revista e, subsidiariamente, pela sua improcedência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – DA ADMISSIBILIDADE DA REVISTA

A situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e encontra-se devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

Entende-se, porém, que a presente revista “atípica” não deve ser admitida.

Vejamos.

*

O princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais para os tribunais superiores – e, em particular, para o STJ – contempla inúmeras excepções.

Entre elas, conta-se a irrecorribilidade, para o STJ, do acórdão da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, expressamente prevista no n.º 2 do artigo 370.º do Código de Processo Civil1. O que bem se compreende: num domínio em que deve imperar a celeridade, entendeu-se que a respectiva compatibilização com valor da segurança jurídica da decisão se bastava com a existência dois graus de jurisdição.

A ressalva contida na parte final daquele preceito2 remete o intérprete para a previsão do n.º 2 do artigo 629.º, no qual se contemplam os casos em que qualquer recurso é sempre admissível.

Entre esses casos, conta-se aquele que é invocado pela recorrente, qual seja a oposição de julgados entre arestos proferidos pela Relação (cfr. alínea d) do referido preceito).

A razão de ser da previsão legal é facilmente entendível: visa-se permitir a intervenção do STJ na resolução de conflitos de jurisprudência ocorridos nas Relações em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo STJ por motivos alheios à alçada, de que são exemplo maior, justamente, as lides cautelares3.

Para que seja admissível o recurso de revista com este específico fundamento, requer-se que a impugnação do acórdão recorrido seja inviável por determinação expressa da lei (de que é exemplo a citada disposição) ou por outro motivo que não o simples funcionamento das regras atinentes à alçada e ainda que a solução adoptada no aresto impugnado não seja consonante com a doutrina de um antecedente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.

Exige-se, simultaneamente, que a contradição decisória se verifique no domínio da mesma legislação e incida sobre a mesma questão fundamental de direito.

Deve-se considerar que existe oposição de julgados quando, por um lado, exista identidade da questão fundamental de direitoo que pressupõe que o núcleo factual seja idêntico ou, em larga medida, coincidente – decidida num e noutro aresto e, por outro, que a interpretação e aplicação dos mesmos preceitos haja sido efectuada de modo oposto ou, pelo menos, diverso4. Como lapidarmente se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio 20155 «(…) A questão de direito cuja identidade pode legitimar a contradição não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente, da norma jurídica, mas sim pela questão nuclear recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões (…)».

Note-se que a oposição que releva é a que se manifesta pelo antagonismo das soluções de direito e não apenas pela contraposição de fundamentos ou de afirmações, apenas se tomando, outrossim, em consideração as soluções jurídicas expressas – e não meramente implícitas – tomadas a título principal6.

Como requisito formal – implícito – , é ainda indicado o prévio trânsito em julgado do acórdão fundamento7. Este exigido requisito assenta na ponderação de que assim se obvia à possibilidade de o acórdão-fundamento já se mostrar ultrapassado por posterior Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça8, o que, como se compreende, tornaria manifestamente inútil a prolação de novo aresto por este Supremo, correndo-se até o desnecessário risco de ocorrer uma indesejada contradição decisória entre acórdãos proferidos neste Tribunal.

Em sede cautelar, deve-se ainda ter em atenção que a admissibilidade de uma revista fundada na invocação da oposição de julgados se cinge a aspectos relacionados com o próprio processo e com os pressupostos próprios da tutela cautelar9, não abarcando, pois, a apreciação de questões estreitamente imbricadas com a definição do direito substantivo aplicável ao caso, já que, nessa hipótese, a respectiva discussão deve exclusivamente ter lugar na acção principal.

Este entendimento assenta na premissa de que a decisão de mérito que viesse a ser proferida pelo STJ nesta sede não constitui caso julgado em relação ao que viesse a ser decidido na acção principal (cfr. n.º 4 do artigo 364.º).

Partindo deste pressuposto, torna-se evidente a importância de acautelar o risco de, na acção principal, se decidir em sentido oposto ou, pelo menos, diverso daquele que viesse a ser adoptado no procedimento cautelar, assim se evitando, também, que a sorte da acção principal venha a ser traçada por uma decisão tomada pelo STJ no âmbito do presente procedimento, o que, como se antevê, perturbaria a ordenação subjacente à relação de instrumentalidade que se acha delineada naquele preceito.

*

Regressemos ao caso vertente.

Tenha-se, primeiramente, em consideração que, como dito, é legalmente inadmissível a interposição de recurso de revista de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação em contexto de procedimento cautelar.

Logo, não sendo a revista “regra” admissível, não é igualmente admissível a revista excepcional interposta pela recorrente10. É que, à margem da verificação dos pressupostos específicos a que aludem o n.º 3 do artigo 671.º e o n.º 1 do artigo 672.º, a revista excepcional apenas é admissível nos mesmíssimos casos em que normalmente seria admitida a revista, não fora a dupla conformidade verificada entre as decisões das instâncias.

Daí que não caiba remeter à formação de apreciação preliminar a presente revista.

*

Resta, pois, aferir da admissão atípica da revista, ou seja, a admissão da revista tendo em conta a ressalva a que acima se aludiu.

E, nesta análise, logo nos deparamos com o facto de não se mostrar certificado o trânsito em julgado (cfr. artigo 619.º) de qualquer um dos acórdãos invocados como fundamento das invocadas oposições de julgados. Com efeito, a recorrente limitou-se a juntar cópias dos referidos arestos que extraiu da base de dados jurídico-documentais do IGFEJ, o que, tendo em atenção o escopo eminentemente divulgador que subjaz à criação e manutenção desta importante ferramenta, é manifestamente inidóneo para o pretendido efeito11.

Acresce que, ao contrário do que sucede no domínio do recurso para uniformização de jurisprudência (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 688.º), não se presume, nesta sede. o trânsito em julgado do acórdão fundamento.

Ora, não estando certificado o trânsito em julgado dos acórdãos das Relações que a recorrente tem como contraditórios com as apreciações formuladas no acórdão recorrido e com as decisões nele contidas, tal importaria a rejeição imediata do recurso, em estrita aplicação do comando contido no n.º 2 do artigo 637.º.

Prudentemente e em concreta homenagem ao princípio da cooperação (n.º 1 do artigo 7.º), poder-se-ia convidar a recorrente a documentar o trânsito em julgado de cada um dos enunciados acórdãos-fundamento.

Todavia, segundo o princípio ínsito no artigo 137.º, apenas será útil endereçar à recorrente o dito convite se se puder antever a admissão atípica da revista.

Admissão que se não almeja, dada a inexistência da invocada oposição de julgados, como se passa a demonstrar.

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DA OPOSIÇÃO DE JULGADOS

Como acima ficou dito, há que ter em conta, antes de mais, que nos procedimentos cautelares a admissibilidade de uma revista fundada na oposição de julgados (ut artº 629º, nº2, al. b), ex vi do artº 370º, nº2, fine, do CPC) se cinge a aspectos relacionados com o próprio processo e com os pressupostos próprios da tutela cautelar, não abarcando, como tal, a apreciação de questões atinentes à definição do direito substantivo aplicável ao caso, já que essa discussão é relegada para o processo principal.

Pergunta-se, então, se a decisão recorrida incidiu sobre os pressupostos específicos da tutela cautelar comum ou sobre normas processuais, ou, ao invés, procedeu a uma apreciação de mérito que recaiu sobre a titularidade e a existência do direito que a recorrente pretende ver acautelado.

Numa leitura “aligeirada” do acórdão recorrido, somos tentados a concluir que a Relação se limitou a discorrer sobre a titularidade do direito à reposição do fornecimento de energia eléctrica em virtude de, alegadamente, jamais ter sido comunicada à requerente a respectiva interrupção no decurso do processo de substituição de contadores12.

Da mesma forma, comparando o teor das alegações recursórias com o que se veio de expor, parece resultar que, por seu intermédio, a censura dirigida ao acórdão recorrido se centra, concomitantemente, na questão de mérito nele decidida, pretendendo-se que se profira uma decisão definitiva sobre a mesma.

Ou seja, aparentemente não nos deparamos, pois, com uma invocação com ressonância puramente adjectiva, notando-se aliás, que a alusão13 aos pressupostos da tutela cautelar aludidos no n.º 1 do artigo 362.º nos remetem para um plano estritamente substantivo. O que nos levaria a concluir que não se pretende discutir o aspecto cautelar da causa.

Daí que, na senda do que viemos de expor, fosse de considerar que o conhecimento do mérito do recurso implicaria a concretização dos riscos supra enunciados, o que é forçoso impedir.

A assim se entender, impor-se-ia concluir pelo não conhecimento deste segmento do objecto do recurso, por, não sendo de aplicar a previsão da al. d) do n.º 2 do art. 629.º, ser o mesmo inadmissível em face do que se dispõe no n.º 2 do art. 370.º.

*

Uma leitura mais cuidada do aresto recorrido leva-nos, porém, a diferente conclusão.

Efectivamente, a decisão recorrida é, no seu âmago, uma decisão relativa à (in)existência de um dos dois pressupostos da tutela cautelar, seja a não verificação do fumus boni juris, isto é, incide sobre um dos pressupostos processuais da tutela cautelar.

Efectivamente, não apenas a sentença já era bastante expressiva a tal respeito14, como também o acórdão tratou da questão em sede de requisitos do procedimento cautelar apesentado. Isso mesmo ressalta dos termos da questão enunciada sob B): “Se o presente procedimento cautelar deve ser julgado procedente, com fundamento em a requerida não ter demonstrado ter comunicado à requerente que iria proceder à interrupção do fornecimento de energia eléctrica, encontrando-se verificados os respectivos requisitos” - destaque nosso.

E assim sendo, não deverá ser excluída – em resultado da interpretação restritiva do artigo 629.º, n.º 2, al. d) do CPC, acima referida – a admissibilidade da revista para efeitos da apreciação da invocada contradição de julgados. Ou seja, não é de excluir a admissibilidade de recurso, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, na hipótese de o acórdão recorrido estar em contradição com outro sobre a questão da probabilidade séria da existência do direito.

Contradição essa que, sem mais delongas, se passa a analisar.

Da primeira questão sobre a qual se invoca a contradição jurisprudencial

Diz a recorrente que o acórdão recorrido está em contradição com o (designado acórdão fundamento) acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-09-2023 (processo 609/21.T8CLV.E).

Sem qualquer razão.

Com efeito, o ac. fundamento foi proferido em processo de execução e a questão que aí se discutia era de saber se o envio pelo Banco de cartas simples a comunicar a integração do executado no Persi cumpria a exigência prevista no artigo 14.º, n.º 4 do DEcre-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, ou seja, se havia comunicado a integração através de comunicação em suporte duradouro.

O acórdão decidiu que o envio da carta simples constituía um começo de prova; que cabia à executada alegar o não recebimento; e que se ela alegasse tal cabia ao exequente o ónus de provar o envio efectivo e o recebimento da correspondência. Com base nestes critérios, o acórdão decidiu que, como a executada não alegou o não recebimento, era de concluir que os autos indiciavam que a exequente deu cumprimento às formalidades impostas por lei quanto à integração e extinção da devedora em sede de PERSI.

Ora, em bom rigor, o que se discutia em tal acórdão era uma questão de facto e não de direito.

Diferentemente, no nosso processo está provado que a empresa enviou a carta a avisar do corte para a morada. E a questão que se coloca é a da eficácia desta declaração (ut artigo 224.º do CC).

Logo, inexiste aqui qualquer contradição de julgados.

Aliás, acresce que nunca se poderia falar aqui em contradição de julgados, pois, obviamente, não há contradição entre um acórdão que, em sede de tutela cautelar, diz que, em certas circunstâncias, ocorre a aparência de inexistência de um direito e outro acórdão que diz que, a título definitivo, apreciando as mesmas circunstâncias, ocorre a existência do direito!

Da segunda questão sobre a qual se invoca a contradição jurisprudencial: a verificação dos pressupostos de que depende a condenação da recorrente como litigante de má-fé.

Sobre a temática da condenação da recorrente como litigante de má-fé, impõe-se rememorar o quadro fáctico fixado no acórdão recorrido, no qual consta o seguinte:

«1- A Requerente é titular do contrato de eletricidade, serviço de eletricidade pela EDP Comercial, S.A. no local sito na Rua ..., ... ..., contrato que teve o seu início em Dezembro de 2012 (art. 1º da p.i. e 27º da oposição da 1ª Requerida).

2- A 2ª Requerida exerce as funções de operadora de rede de distribuição de eletricidade (art. 20º da oposição da 2ª Requerida).

3- A atividade de distribuição de eletricidade é exercida em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, mediante a exploração da Rede Nacional de Distribuição (RND) e das redes de distribuição de eletricidade em baixa tensão (art. 17º e 21º da oposição da 2ª Requerida).

4- Na qualidade de concessionária, a 2ª Requerida efetua a ligação à rede elétrica de serviço público das instalações de consumo, cujos titulares tenham celebrado um contrato de fornecimento de energia elétrica com um comercializador que opere no mercado regulado ou no mercado livre (art. 22º da oposição da 2ª Requerida).

5- Aquando da ligação das instalações de consumo à rede elétrica, a concessionária instala equipamentos de medição, destinados a registar os consumos efetuados, e procede à selagem dos referidos equipamentos para evitar a sua violação e adulteração dos registos por parte de pessoas não autorizadas (art. 23º da oposição da 2ª Requerida).

6- O equipamento de mediação instalado pela ora 2ª Requerida na instalação referida em 1), encontra-se no interior da mesma, sem acesso através da via pública (art. 36º da oposição da 2ª Requerida).

7- No dia 15/05/2023, em cumprimento da decisão proferida nos autos de Procedimento Cautelar n.º 2037/23.2...-A, que corre termos no Juízo Local Cível de ... Juiz 3, a E-Redes S.A. restabeleceu o fornecimento de energia elétrica à instalação da Requerente (arts. 2º e 4º da p.i.).

8- No dia 06.06.2023 foi enviado SMS para o contacto telefónico associado à Requerente (.......79), por esta recebido em 7-6-2023, às 9h51m20s, a informar que seria realizada uma deslocação para substituição do contador entre os dias 26-6-2023 e 26-7-2023 (art. 35º da oposição da 2ª Requerida).

9- No dia 07.06.2023 foi enviada comunicação eletrónica à Requerente a informar que seria realizada uma deslocação para substituição do contador (art. 34º da oposição da 2ª Requerida).

10- No dia 28-7-2023, a 2ª Requerida telefonou à Requerente e tentou agendar a mudança do contador, tendo a mesma respondido que lhe mandassem uma carta escrita (art. 32º da oposição da 2ª Requerida).

11- No dia 02.08.2023 a 2ª Requerida enviou à Requerente uma carta, dirigida à morada referida em 1), com o seguinte teor: “No dia 02-08-2023, pelas 15:00, uma equipa técnica ao serviço da E-REDES deslocou-se à sua instalação para verificar o contador de eletricidade e não foi possível o acesso Lembramos que o acesso ao contador é obrigatório De acordo com as disposições legais e regulamentares do setor elétrico, o acesso ao contador de eletricidade é obrigatório, sempre que a E-REDES o solicite. Vai receber visita de uma equipa técnica devidamente identificada A nova visita técnica à instalação vai ser realizada no próximo dia 23-08-2023, no período das 15:30 às 18:00 horas. A sua presença, ou a de alguém que o represente, é indispensável para nos facultar o acesso ao contador de eletricidade. Evite a interrupção do fornecimento de eletricidade à sua instalação Se o acesso ao contador de eletricidade continuar a não ser possível, de acordo com a regulamentação em vigor, iremos proceder à interrupção de fornecimento de eletricidade à sua instalação, na data acima indicada. As despesas associadas ao corte e religação da energia elétrica variam entre 25,08 e 122,14 euros (mais IVA à taxa legal), em função dos meios utilizados para sua realização”. (art. 38º e 39º da oposição da 2ª Requerida).

12. No dia 02.08.2023 foi enviado SMS para o contacto telefónico associado à Requerente (.......79), por esta recebido nesse mesmo dia, às 15h03m41s, com o seguinte teor: “No dia 2-8-2023, pelas 15h00, uma equipa técnica deslocou-se à Rua (…) não tendo sido possível o acesso. Irá receber uma nova comunicação (por e-mail e carta) com uma nova proposta de agendamento da visita técnica” (art. 38º da oposição da 2ª Requerida).

13- No dia 02.08.2023 foi enviado SMS para o contacto telefónico associado à Requerente (.......79), por esta recebido nesse mesmo dia, às 15:04:21, com o seguinte teor: “Confirmamos o agendamento de visita técnica para o dia 23-08-2023, entre as 15:30 e as 18:00 horas…” (art. 41º da oposição da 2ª Requerida).

14- No dia 21.08.2023 foi enviado SMS para o contacto telefónico associado à Requerente (.......79), por esta recebido nesse mesmo dia, às 12:12:06, com o seguinte teor: “Recordamos o agendamento de visita técnica para o dia 23-Aug-2023 (4ª feira), entre as 15:30 e as 18:00 horas…” (art. 42º da oposição da 2ª Requerida). 15- No dia 23.08.2023, pelas 16h43m, a equipa técnica ao serviço da 2ª Requerida deslocouse às instalações da Requerente e não pôde aceder ao contador, por não se encontrar ninguém no local (art. 43º da oposição da 2ª Requerida).

16- Tendo sido tentado estabelecer contacto telefónico com a Requerente, a mesma não atendeu (art. 45º da oposição da 2ª Requerida).

17- Foi interrompido o serviço de fornecimento de energia elétrica (art. 47º da oposição da 2ª Requerida).

18- No dia 24/08/2023, pelas 17h43, a Requerente contactou a linha telefónica da 2ª Requerida, a solicitar o restabelecimento de energia elétrica sem substituição do contador, tendo sido informada que no dia 25/08/2023, entre as 10h30 e as 13h00, um técnico iria religar a eletricidade (arts. 7º e 8º da p.i. e art. 48º da oposição da 2ª Requerida).

19- Na sequência do contacto referido em 18), no dia 25.08.23 o call center da 2ª Requerida contactou a Requerente, tendo-a informado que o restabelecimento de electricidade só seria realizado, caso o acesso ao contador fosse desimpedido, havendo que proceder à respectiva substituição, o que a mesma recusou (art. 49º da oposição da 2ª Requerida).

20- A Requerente encontra-se sem eletricidade no local contratado, que é o seu escritório e local de trabalho, onde exerce a actividade de advogada (arts. 26º da p.i.).

21- Em virtude do corte de eletricidade, desde 23/08/2023 a Requerente não pode por o computador portátil a carregar, utilizar a impressora e acender as luzes do escritório (arts. 27º da p.i.).

22- Em virtude do corte de eletricidade, a Requerente deixou de atender clientes, no escritório (arts. 28º da p.i.).

23- A morada para a qual foi enviada a comunicação referida em 11) corresponde à morada de contacto indicada à 2ª Requerida pela 1ª Requerida aquando da celebração do contrato de fornecimento de energia elétrica entre a última e a Requerente e não foi devolvida (art. 81º da oposição da 2ª Requerida).

24- O facto de a Requerente impedir o acesso ao contador, desconhecendo-se o estado e condições em que tal equipamento atualmente se encontra, constitui um facto potencialmente perigoso (arts. 16º da oposição da 2ª R.) (…)».

Após, deixaram-se, no aresto sob censura, as seguintes considerações:

«(…) D. Se a requerente litiga de má fé.

No que a esta questão respeita, alega a recorrente que não litigou de má fé, com o fundamento em que não actuou dolosamente nem com negligência grave, nem com o intuito de prejudicar a requerida, até porque não recebeu a comunicação de 23/8, informando da possibilidade do corte.

Na sentença recorrida, em resumo, concluiu-se pela existência de má fé por parte da requerente, com o fundamento em que a mesma alegou no requerimento inicial, factos de que tinha conhecimento que não correspondiam à verdade e que tinham importância no desfecho da acção, designadamente que não lhe foi enviada qualquer comunicação escrita avisando da possibilidade de corte de electridade, vindo-se, ao invés, a apurar que lhe foram enviadas cartas e SMS, a disso avisar, bem como a indicar/agendar as datas de visita de um técnico para a mudança do contador, bem como contactos telefónicos, com vista à mudança do contador, o que tudo resultou infrutífero.

Para além de que negou a chamada telefónica referida no item 19.º, apenas vindo a admitir a sua veracidade após a junção aos autos da respectiva gravação, o que tudo constitui “comportamento processual reprovável”.

Posto isto, impõe-se começar por clarificar, antes de nos debruçarmos sobre o “mérito” de tal consideração/condenação, que, para tal juízo de censura processual, relevam apenas e só os factos dados como provados; ou seja, no raciocínio lógico (silogismo judiciário) que conduz à condenação de alguém como litigante de má-fé, a premissa menor só pode ser composta pelo cotejo entre o que a parte alegou e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados.

Dito doutra forma, o tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto (e, muito menos, na de direito); assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.

Tendo isto presente, importa salientar que, cotejando a alegação da requerente constante do requerimento inicial e os factos dados como provados verifica-se, efetivamente, que contrariamente ao alegado pela requerente, demonstrou-se a veracidade de todas as comunicações efectuadas entre as ora partes, melhor descritas nos itens 11.º a 14.º e 18.º e 19.º, com vista à substituição do contador e/ou corte/religação da electricidade no escritório da requerente.

Mais do que isso, a requerente só admitiu a existência do contacto telefónico mencionado no item 19.º, depois de ter sido junta a respectiva gravação.

Trata-se do núcleo dos factos essenciais em que a requerente baseia a sua pretensão.

Assim, em nossa opinião tem de se concluir que a requerente alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão de causa.

Pode/deve ser considerado litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (cfr. art. 542.º/2/a) e b) do CPC).

Significa isto que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da sua pretensão ou oposição); sendo necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.

Trata-se de factos pessoais, relativamente à requerente, de que esta, necessariamente, tinha de ter conhecimento, de que apresentou uma versão completamente oposta do que se veio, efectivamente, a demonstrar, o que, face ao exposto, integra os fundamentos para que a requerente seja, como o foi, condenada como litigante de má fé. (…)

Assim, igualmente, improcede esta questão do recurso. (…)».

Na cópia do Acórdão que o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu no processo n.º 4561/22.5... que a recorrente juntou (como alegado ac. fundamento, neste ponto da oposição de julgados) consta o seguinte acervo factual:

«(…) Factos provados:

1. A sociedade Construções O..., Lda., foi constituída a 6 de fevereiro de 1991, tendo como sócios DD, EE e o Réu FF.

2. Tem como objeto social a construção de edifícios e a compra e venda de imóveis.

3. À data da sua constituição, tinha como gerentes os seus identificados sócios, obrigando-se com a assinatura de dois deles.

4. O capital social, após aumento, inscrito a 29 de março de 2006, passou a ser de € 5 000,00, dividido em três quotas de igual valor (€ 1 666,67), pertencendo uma a cada um dos sócios.

5. Na referida data, o sócio DD renunciou ao cargo de gerente e dividiu a sua quota em duas novas quotas, cada uma delas no valor de € 833,33, que cedeu aos sócios EE e Réu.

6. A sociedade foi a responsável pela construção de edifícios nos seguintes prédios: prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o art. ...38; prédio urbano situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP sob o n.º ...45 e inscrito na matriz sob o art. ...78.

7. Em abril de 2007, o Réu renunciou ao cargo de gerente, passando este a ser exercido apenas pelo sócio EE, tudo conforme certidão permanente com o código de acesso ...19, apresentada como documento ... com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

8. Desde então, o Réu manteve-se afastado da atividade da sociedade.

9. Em setembro de 2018, o referido EE comunicou ao Réu a existência de uma pessoa interessada em adquirir as quotas da sociedade, a qual era representada por GG.

10. O Réu respondeu que o assunto deveria ser tratado junto do seu ilustre advogado.

11. Com data de 17 de setembro de 2018, o referido GG remeteu ao ilustre advogado do Réu um email do seguinte teor: “GG, vem no seguimento das conversas tidas com os sócios das Construções O...,Lda., (…) enviar a minuta para a cedência da quota do Sr. BB (…) e apresente duas soluções: 1.ª Ou o Sr. BB e mulher cede a sua quota a custo de € 1,00, por contrato assinado pelos dois com assinatura reconhecida com termo de autenticação; ou 2.1 O Sr. EE cede pelo mesmo preço a sua quota, mas como é gerente o Sr. BB e mulher, assumem por contrato assinado e reconhecido, nas mesmas condições, todas as responsabilidades da empresa (ativo e passivo) já existente e as que vier a aparecer até à data da cedência da quota, escusa do cargo de gerente e registo destes atos (dívidas fiscais, registo de contas desde 2010, custos com a contabilidade e todos os outros). Porque quem compra a quota está em ..., vem tratar de assuntos na próxima quarta-feira, agradecia que tomasse uma posição sobre esta proposta para

fazer o registo ou não antes de regressar”, conforme documento ... apresentado com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

12. Com esse email foi enviada uma minuta de contrato de cessão de quotas em que figurava como cessionária a Autora, conforme documento ... apresentado com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

13. O ilustre advogado do Réu, seguindo indicações deste, respondeu por email datado de 18 de setembro de 2018, do seguinte teor: “O meu constituinte (…) não tem qualquer interesse em adquirir a quota ao Sr.QQ. Também não tem interesse em ceder a quota que lhe pertence ao Sr. QQ pelo valor de € 1,00. Uma vez que há um interessado na aquisição das quotas, o meu constituinte admite a possibilidade de ceder a sua quota ao terceiro interessado pelo valor de € 2 500,00”, tudo conforme documento ... apresentado com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

14. O referido GG enviou novo email ao ilustre advogado do Réu, datado de 17 de setembro de 2018, dizendo que, “[d]a parte do interessado não há negociação possível. Se mantiver essa posição não vale continuar a perder tempo”, conforme documento ... com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

15. O Réu foi convocado, por carta datada de 11 de outubro de 2018, assinada por EE, na qualidade de gerente da sociedade Construções O..., Lda., para uma assembleia de sócios, a realizar no dia 27 de outubro de 2018, pelas 12 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: “1. Discutir situação financeira da empresa. 2. Solução para o pagamento das dívidas às Finanças, TOC, registo de conta e outras (…)”, conforme documento ... apresentado com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

16. Naquela assembleia, realizada na data indicada, estiveram presentes, para além dos sócios da sociedade, o Réu e EE, os respetivos filhos, RR e EE, e ainda o referido GG.

17. Este começou por dizer que a sociedade tinha várias dívidas, que teriam de ser suportadas pelos sócios, reiterando a intenção da sua representada adquirir as quotas do Réu pelo valor de € 1,00.

18. O Réu disse que aceitava essa proposta, dando indicações ao referido GG para contactar com o seu advogado para formalização do contrato.

19. O GG enviou ao ilustre advogado do Réu um email datado de 29 de outubro de 2018, do seguinte teor: “Conforme combinado envio os contratos. (…) Como lhe disse, tenho o problema da assinatura da D. AA, posso precisar de mais uns dias para o registo.”

20. Esse email tinha, em anexo, um escrito denominado contrato de cessão de quotas em que figurava como cedente EE e como cessionária a Autora, cujos nomes estavam manuscritos no final, declarando o primeiro ceder à segunda a quota de que era titular na sociedade Construções O..., Lda., pelo preço de € 1,00, conforme documento ...com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

21. Tinha, também em anexo, uma minuta de um contrato de cessão de quotas em que eram indicados como cedentes os Réus e como cessionária a Autora, conforme documento ...0 com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

22. Por escrito particular, com assinaturas reconhecidas por ilustre advogado, no dia 6 de novembro de 2018, os Autores, como primeiros outorgantes, e a Ré, como segunda outorgante, declararam que: “1.ª: Os 1.ºs outorgantes são donos e legítimos possuidores de uma quota com o valor nomina de € 2 500,00 inscrita em nome dele, cônjuge marido na sociedade comercial por quotas denominada Construções O..., Lda. (…) 2.ª: Pelo presente contrato, os 1.ºs outorgantes, cedem esta sua

identificada quota à 2.ª outorgante, pelo valor de € 1,00. 3.ª O preço de compra da quota foi pago no ato da assinatura do presente contrato dando os 1.ºs outorgantes inteira quitação (…)”, conforme documento ...apresentado com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

23. Encontrava-se registada a favor da Autora (pensamos tratar-se de um lapso, uma vez que o documento ... cujo conteúdo se reproduz, mostra que o registo está em nome de Construções O..., Lda.) uma parcela de terreno destinada a construção, com a área de 340m2, sita no Lugar ..., freguesia ..., concelho ... que confronta a nascente com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...38 e descrito na Conservatória do Registo Predial no número ...30 da freguesia ..., a norte com o caminho público, a sul com a Rua ... e a Poente com HH e que se encontra inscrito na matriz urbana sob o artigo ...36, descrito na Conservatória do Registo Predial ... no número ...05, conforme documento ... apresentado com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

24. Desde o ano de 2003, está inscrito, na matriz rústica, sob o art. ...26, em nome da sociedade Construções O..., Lda., um prédio sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 0,78000 ha, a confrontar do norte com II, do sul com caminho público, do nascente com JJ e do poente como caminho público, conforme documento ... apresentado com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

25. A Autora decidiu-se a adquirir as quotas dos Réus por estar convencida, a partir da análise dos balancetes que foram facultados ao seu representante pelo gerente EE, que a sociedade Construções O..., Lda., era proprietária dos prédios identificados em 23. e 24.

26. A sociedade Construções O..., Lda., intentou contra KK, LL, MM, NN,... e OO a ação declarativa que correu termos por este Juízo Central Cível ... sob o n.º 3335/10...., a pedir o reconhecimento da sua qualidade de proprietária do prédio identificado em 23.

27. Os referidos Réus formularam, em sede de reconvenção, o mesmo pedido.

28. Por sentença proferida no dia 28 de janeiro de 2021, transitada em julgado, foi decidido julgar: a ação improcedente e, consequentemente, absolver os RR. dos pedidos; a reconvenção parcialmente procedente, e, consequentemente, a) condenar-se a A./Reconvinda a reconhecer que a parcela de terreno a que alude na alínea A) dos factos provados faz parte integrante, em toda a sua extensão, da área comum do logradouro e/ou área descoberta do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ...Guimarães, e que os Reconvintes são donos e legítimos comproprietários da mesma com os demais proprietários das restantes frações autónomas do edifício constituído em propriedade horizontal.

29. Nessa sentença foi dado como provado que: “Quando a A. adquiriu o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... no número ...19, a EE e mulher PP, este tinha a área de 800m2 e confrontava do Norte e Nascente com o caminho público, do sul com a Rua ... e do poente com HH. C) Em 30 de setembro de 1992, dele foi desanexada uma parcela de terreno, com a área de 460m2, que passou a constituir o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial no n.º ...92, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...38, que confronta do norte e nascente com o caminho público, do sul com a Rua ... e do poente com a Autora.”

30. Na fundamentação dessa sentença foi escrito que: “A testemunha BB, construtor civil reformado, foi sócio e gerente da A. até vender as suas quotas há 3 ou 4 anos; disse que o terreno onde foi construído o prédio foi comprado a EE e mulher; a parte sobrante e o barraco ficaram para os moradores; o barraco tinha sido construído pelo Sr. EE e ficou tudo para os moradores; não sabe de destaque nenhum. Esclareceu que quando andavam a construir o prédio passavam pelo limite norte do terreno para trás para o barraco onde tinha o estaleiro, caminho de cerca de 3 metros de largura; a sociedade não tinha bens quando vendeu a sua quota; estava sem atividade há anos. Referiu que tinham deixado uma abertura num prédio que estavam a construir e que dava para aquele terreno; um dos moradores disse-lhes que não podiam fazer aquilo e eles taparam. Confrontado com o doc. ...9, disse que o desconhece; a sociedade acabou a obra e foi-se embora nunca mais quis saber daquilo; as condutas para os esgotos atravessavam o terreno e iam ter a uma fossa e poço sumidouro que ficavam num quintal dum familiar do Sr. EE; pensa que o EE não continuou a ir lá porque não tinha nada para fazer lá”, tudo, conforme documento ...7 apresentado com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

31. No dia 6 de novembro de 2018, a sociedade Construções O..., Lda., tinha dívidas à Autoridade Tributária que, depois de estabelecidos acordos de pagamento, totalizavam € 5 439,62 e € 2 142,00, cf. documentos ... e ... apresentados com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

32. Para além das dívidas atrás referidas, era ainda a sociedade Construções O..., Lda. devedora à Autoridade Tributária da quantia de € 131,80, conforme documentos ...0 a ...2 apresentados com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

33. A sociedade Construções O..., Lda., tinha ainda, perante a Autoridade Tributária, uma coima do montante de € 388,60, conforme documento ...3 apresentado com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

34. Essas dívidas continuaram a vencer-se nos seguintes termos: IMI de 2018, € 95,58€; IMI de 2019, € 191,16; IMI de 2020, € 180,24; IMI de 2021, € 90,12; AIMI de 2017, € 113,92; AIMI de 2018, € 113,92; AIMI de 2019, € 109,24; AIMI de 2020, € 109,24; AIMI de 2021, € 109,24; AIMI de 2022, € 109,24, tudo conforme documentos ... a ...9 apresentados com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.

35. Com a citação para a presente ação, os Autores (pensamos existir lapso, pois quer-se referir os réus e não os autores) sentiram preocupação. (…)».

E ali teceram-se, sobre o tema, as seguintes considerações:

«(…) Insurge-se, também, a apelante, contra a sua condenação como litigante de má-fé.

Entendeu o tribunal recorrido condenar a autora como litigante de má-fé nos termos do disposto no artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do CPC, ou seja, por ter deduzido, com dolo ou negligência grave, pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e por ter alterado, com o mesmo dolo ou negligência grave, a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.

Na sentença recorrida considerou-se que a autora não podia deixar de conhecer o modo como decorreu o processo negocial, designadamente a reduzida intervenção dos réus, pelo que deveria ter concluído que, afinal, não houve qualquer engano provocado ou mantido pelo réu e, consequentemente, deveria ter-se abstido de propor a ação. Por outro lado, ainda que a tivesse proposto, devia ter tido o cuidado de calcular a indemnização de acordo com os ditames legais.

Discordamos do entendimento aí sufragado.

Apesar das extensas considerações doutrinais e jurisprudenciais que a sentença encerra (seguindo, aliás, de perto um Acórdão da Relação de Lisboa de 16/12/2021, também ele repleto das mesmas considerações), cremos que a decisão deverá ser a oposta. (…)

Ora, da análise do comportamento processual da autora não pode concluir-se pela sua litigância de má fé.

É certo que a autora não logrou provar o engano a que teria sido sujeita por parte dos réus (veja-se que a autora alega mais do que uma ação, uma omissão dos réus que não a teriam alertado para o facto de a sociedade já não ser proprietária dos imóveis que foram determinantes para a sua vontade de celebrar o contrato), mas provou que se decidiu a adquirir as quotas por estar convencida de que a sociedade era proprietária dos prédios em causa e provou, ainda, que o réu, pouco tempo depois prestou depoimento como testemunha num processo em que referiu que um dos imóveis não era da sociedade. Entende a autora que, nas negociações existentes, o réu estaria obrigado a alertá-la para o facto de os imóveis não serem propriedade da sociedade. Já vimos que a pequena intervenção do réu se limitou a aceitar o valor proposto para o negócio, sendo até normal considerar que o réu, face ao valor em causa, estaria convencido que a compradora estava a par da situação patrimonial da sociedade e que desconhecia a motivação da autora para efetuar o negócio.

Isto foi o que se provou, mas daqui não decorre que a autora tenha litigado com má-fé, no sentido supra definido, ou seja, inobservando as mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, de forma a ser censurável ou reprovável o seu comportamento.

Tal não decorre, também, do facto de ter peticionado a indemnização que peticionou, pois se é certo que apenas pagou € 1,00 pelas quotas, a verdade é que a sociedade tinha muitas dívidas e, caso o negócio incluísse os imóveis, a sua situação patrimonial seria completamente diversa (concorde-se, ou não, com a forma de cálculo utilizada para se chegar à indemnização pretendida).

Não podemos, aliás, esquecer-nos, como já supra salientámos, que a verdade revelada no processo não é mais que uma verdade judicial e relativa, “não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico. Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (…)

Já vimos, assim, que tal não basta para que se possa concluir pela litigância de má fé, no sentido de uma conduta desrespeitosa perante o tribunal ou perante a parte contrária, não derivando do seu comportamento uma vontade consciente e reprovável com vista a impedir ou entorpecer a ação da justiça.

Do que fica dito resulta a parcial procedência do recurso da apelante, com a necessária revogação da sentença recorrida, no que toca à condenação desta como litigante de má fé. (…)».

Do plasmado se conclui que, tanto o acórdão recorrido como o acórdão-fundamento se debruçaram sobre os pressupostos em que deve assentar a condenação da parte vencida como litigante de má-fé. É nessa apreciação que se devem ter em conta a particular prudência e a presença elementos seguros que a recorrente erige como elementos configuradores da questão que tem como divergentemente decidida naqueles arestos.

Porém, os quadros factuais que sustentaram as (diferentes) decisões tomadas em cada um desses arestos são, como se percebe pelas antecedentes transcrições, assaz diversos.

Efectivamente, no conjunto factual fixado no acórdão recorrido figuram factos que, segundo ali se ajuizou, são absolutamente opostos à facticidade pessoal vertida pela recorrente no requerimento inicial, o que permitiu considerar que a recorrente não poderia desconhecer a inveracidade do que ali alegara. Já no quadro factual vertido no acórdão-fundamento é apenas descortinável o insucesso na demonstração de factos pessoais, o que, a par da concitação dos termos da indemnização peticionada pela recorrente, decisivamente contribuiu para a decisão absolutória ali tomada.

As diferentes soluções alcançadas assentaram, pois, nos diferentes quadros fácticos fixados e nas distintas circunstâncias tidas como relevantes em cada um dos casos e não tanto numa diversa interpretação do regime legal aplicável ou, sequer, das particulares cautelas que, usualmente, rodeiam a condenação de uma parte como litigante de má-fé.

Assim, facilmente se conclui que, neste conspecto, inexiste uma contradição decisória entre arestos da Relação que reclame uma intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça.

A bem ver, o que a recorrente pretende discutir na presente revista mais não é, afinal, do que um putativo erro de julgamento.

Em suma, entre o acórdão recorrido e o acórdão (reputado como fundamento) proferido no processo n.º 4561/22.5... inexiste, nos termos acima enunciados, identidade da questão fundamental de direito.

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Termos em que se não verifica a invocada oposição de julgados, o que inviabiliza a admissibilidade da revista.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em não admitir a revista (atípica).

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 04 de Julho de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Emídio Santos (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Catarina Serra (Juíza Conselheira 2º Adjunto)

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1. Diploma ao qual pertencem todos os preceitos infra invocados sem outra menção,

2. Que reproduz a última proposição do artigo 387.º-A, que fora introduzido no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro e revogado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

3. Neste sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2015, proferido no proc. n.º 149/14.2YHLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

4. Neste sentido, v. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, pág. 116 e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª Edição, págs. 58 e 59.

5. Proferido no processo n.º 321/12.0YHLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

6. Assim, Abrantes Geraldes, loc. cit. e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, pág. 315 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2010, proferido no proc. n.º 3272/04.8TB.VISC.l.S.1 e acessível em www.dgsi.pt.

7. Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, vol. II, pág. 20.

8. Assim, Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 126 e nota 218 e Fernando Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 297; no domínio do pretérito regime do recurso de agravo em 2.ª instância, v. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, págs. 41 e 42; e, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 2411/15.8T8LRA.C1.S1 e assim sumariado nas bases de dados interna deste STJ:

  I - Para o efeito do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, deve o recorrente eleger, como fonte de contradição com o acórdão recorrido, o «acórdão fundamento», comprovadamente transitado em julgado, o que não se presume, ao contrário do que sucede com a situação contemplada pelo art. 688.º, n.º 2, do CPC, a propósito do recurso de uniformização de jurisprudência (…)».

9. Assim tem decidido este Supremo Tribunal, como bem ilustram os arestos que seguem:

  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2022, proferido no proc. n.º 387/19.1T8CSC-D.L2.S1 e sumariado nas bases de dados interna deste STJ:

  I - De acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar não é admitido recurso de revista para o STJ, nos termos do art. 370.º, n.º 2, do CPC, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, apenas os previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC.

  II - A admissibilidade da revista em caso de oposição de julgados implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) identidade do quadro factual; (ii) identidade da questão de direito expressamente resolvida; (iii) identidade da lei aplicável; (iv) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final e, por fim; (v) oposição concreta de decisões.

  III - De acordo com a interpretação conjugada e teleológica dos arts. 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, a admissibilidade do recurso para o STJ de decisões proferidas nos procedimentos cautelares com fundamento em oposição de julgados está limitada às situações em que a matéria objeto de contradição respeite aos pressupostos do procedimento cautelar e não ao mérito da questão decidida cautelarmente.

  IV - Respeita ao mérito da causa a alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, quando a recorrente alega apenas que essa contradição respeita a um ponto do sumário do acórdão fundamento no qual se escreveu que: “O princípio da presunção da verdade registal consiste na presunção de que a situação jurídica resultante do registo por transcrição definitivo existe e existe nos precisos termos nele definida (cf. art. 11.º do CRgCom), presunção que pode ser impugnada mediante a ação de declaração de nulidade do registo ”.

  V - Neste caso, a existir a alegada oposição de julgados, diz a mesma respeito à definição do direito substantivo aplicável ao caso e não aos pressupostos específicos do procedimento cautelar, pelo que, a admitir-se a revista com base nesta alegada contradição invocada pela recorrente, tal sempre acarretaria o risco de vir a haver contradição entre o que fosse decidido pelo STJ em sede cautelar e o que vier a ser decidido na acção principal.

  VI - A admitir-se a revista com fundamento em contradição de julgados, ficaria subvertida a lógica inerente à relação de instrumentalidade que deve existir entre a acção e o procedimento, pois a sorte da acção principal (a decisão ainda não proferida na 1.ª instância) poderia ser traçada pela decisão cautelar que visse a ser tomada neste STJ.

  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2021, proferido no proc. n.º 17369/19.6T8PRT.P1.S2 e acessível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt):

  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 2018, proferido no proc. n.º 331/16.8YHLSB.L1.S1 e assim sumariado nas bases de dados interna deste STJ:

  I - Tratando-se de decisão proferida no âmbito cautelar, a especial recorribilidade que é conferida pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC cinge-se a aspectos relacionados com os pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar, não se estendendo, consequentemente, às questões atinentes à definição do direito substantivo aplicável ao caso, posto que estas encontram a sua sede própria na acção principal.

  II - O que resulta da interpretação, conjugada e teleológica, dos arts. 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, é que a oposição de julgados que ali se prevê, para efeitos de admissibilidade do recurso para o STJ de decisões proferidas nos procedimentos cautelares, é apenas a que se relacione com os pressupostos referidos em I, sob pena de se subverter a lógica inerente à relação de instrumentalidade que deve existir entre a acção principal e o procedimento já que, a ser de outra forma, seria a decisão tomada no âmbito deste último que ditaria a sorte daquela.

  III - Centrando-se a discordância da requerida relativamente ao acórdão recorrido não propriamente nos pressupostos específicos da tutela cautelar mas sim na questão de mérito a ser apreciada a final, na acção declarativa, o recurso de revista não é admissível, estando o STJ impedido de sindicar ou apreciar o (des)acerto do decidido pela Relação, em sede cautelar.

  IV - Acresce que respeitando o acórdão recorrido a decisão proferida no âmbito cautelar, enquanto o acórdão fundamento se reporta a decisão proferida em acção declarativa, e uma vez que o primeiro constitui uma decisão necessariamente instrumental e transitória que poderá ou não vir a ser sufragada a final e o segundo tem por base factos definitivamente provados, inexiste o fundamento de oposição de julgados invocado em ordem a admitir o recurso de revista.

  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2016, proferido no proc. n.º 89/13.2TBMAC-A.E1.S1 e acessível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt).

  Acórdão de 14 de Julho de 2016, proferido no proc. n.º 46/14.1YHLSB.L1.S1 e assim sumariado nas bases de dados interna deste STJ:

  I - A previsão da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do NCPC (2013) tem como objectivo garantir que são dirimidos pelo STJ conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, de acordo com a regra geral, nunca poderiam vir a ser apreciadas por aquele tribunal.

  II - Porém, sempre que as questões colocadas no recurso não incidam sobre qualquer pressuposto de natureza cautelar e se centrem na questão de mérito, é inviável conhecer o respectivo objecto, pois importa evitar a possibilidade de haver contradições entre o que fosse decidido pelo STJ em sede cautelar e na acção principal e também que a sorte da acção principal seja traçada por uma decisão tomada no âmbito cautelar, o que subverteria a lógica inerente à relação de instrumentalidade que deve existir entre a acção e o procedimento.

  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015, proferido no proc. n.º 332/14.0TVLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt; contra, porém, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, pág. 50.

10. Neste sentido, v., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, proferido no proc. n.º2101/19.2T8CSC.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

11. Neste sentido, v.g:

  O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 20230, proferido no proc. n.º 3334/16.9T8LOU-D.P1-A.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

  O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2021, proferido no proc. n.º10969/12.7TBVNG.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.

  O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, proferido no proc. n.º 579/13.7TBBCG.P1.S1 e assim sumariado nas bases de dados interna deste STJ: (…)

  IV - A base de dados do ITIJ (IGFEJ) é, como o nome indica, um repositório das decisões jurídicas produzidas nas várias áreas do direito, que se destina a dar a conhecer à comunidade jurídica as várias orientações jurisprudenciais, sendo certo que a circunstância de se estar perante um sítio informático a ser gerido pelo Ministério da Justiça, não é susceptível de conferir aos documentos insertos a natureza de autênticos ou autenticados e muito menos lhes confere a natureza de que os mesmos se encontram transitados em julgado.

12. Escreveu-se, com efeito, no Acórdão:

  «(…) B. Se o presente procedimento cautelar deve ser julgado procedente, com fundamento em a requerida não ter demonstrado ter comunicado à requerente que iria proceder à interrupção do fornecimento de energia eléctrica, encontrando-se verificados os respectivos requisitos.

  No que a esta questão concerne, alega a requerente que não se poderia dar como provado o envio de comunicação escrita por parte da E-Redes avisando sobre o corte de energia, com o argumento (não já que seria necessário o recurso a carta registada com aviso de recepção) em que foi enviada uma carta para o endereço que constava como sendo o do contrato, a que se deu relevância na decisão recorrida, em violação do disposto no artigo 224.º, do Código Civil, uma vez que não se provou que a requerente, efectivamente, a tenha recebido. (…)

  Impõe-se, pois, que se averigue da eficácia da carta enviada a comunicar a intenção de se proceder à interrupção do fornecimento de energia eléctrica no escritório da requerente, se não fosse facultado o acesso ao contador, a fim de o substituir.

  Carta, esta, que foi enviada para o local de consumo e que não foi devolvida (cf. itens 1.º, 11.º e 23.º)

  De acordo com o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CC: (…)

  Sem esquecer que também as obrigações acessórias dos contratos devem ser pontualmente cumpridas (cf. artigo 406.º, n.º 1, CC), o que implicava que a E-Redes enviasse a referida carta para a morada constante do contrato e, igualmente, faz impender sobre a requerente a diligência devida de molde a que fosse efectivamente assegurada a recepção e conhecimento das comunicações relevantes e atinentes, que lhe fossem enviadas pelo fornecedor de electricidade.

  Por outro lado, como resulta dos supra citados itens, a carta foi enviada para a morada acordada e não foi devolvida. (…)

  Ora, reitera-se, no caso em apreço, a E-Redes enviou para a morada constante do contrato, a referida carta que não foi devolvida. Se a requerente não a leu, só disso se pode queixar e tal omissão só a si mesma poderá ser imputada.

  Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que, tendo sido a mesma enviada, nos moldes já expostos, a recepcionasse e tomasse conhecimento do respectivo conteúdo, o que não fez por culpa sua ou incúria, pelo que a referida comunicação se tem de ter por eficaz, nos termos do disposto no artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil, sufragando-se a solução a que se chegou na decisão recorrida.

  De resto, a requerente, não alegou qualquer facto que inculque a ideia de que tal não recebimento se ficou a dever a acto de terceiro, fortuito ou de força maior que isso justificasse.

  Pelo que, nesta parte, não merece censura a decisão recorrida. (…)».

  Para chegar a esta conclusão, a Relação, abordando, designadamente, a “distinção entre declarações “receptícias e não receptícias”, socorre-se, até, nomeadamente, de apoio doutrinal, que cita.

13. Cfr. conclusões n.os 32 a 36, supra.

14. Escreveu-se ali: “No caso concreto a 2ª Requerida demonstrou ter cumprido com o dever de envio do pré-aviso para a morada indicada e que a respectiva carta não foi devolvida. A Requerente, por seu turno, não demonstrou não a ter recebido.

  Não logrou, assim, a Requerente demonstrar a possibilidade da existência do direito a que se arroga, termos em que não pode o presente procedimento cautelar deixar de improceder”.