Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | REAPRECIAÇÃO DA PROVA CONHECIMENTO PREJUDICADO MORA INICIO DA MORA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL JUNÇÃO DE DOCUMENTO CERTIDÃO SENTENÇA VALOR PROBATÓRIO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE QUE IMPUGNE A DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E ORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO EM MORA. | ||
Doutrina: | - ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, p. 412; - PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2.ª edição, 1981, p. 57. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 05-05-2005, PROCESSO N.º 05B691; - DE 07-11-2006, PROCESSO N.º 06A2874; - DE 12-02-2019, PROCESSO N.º 654/13.8TBPTL.G1S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I. Estando certa questão prejudicada por solução já dada pelo tribunal, deixa de ser obrigatória a pronúncia sobre tal questão. II. A autoridade do caso julgado, enquanto efeito deste, pode obstar a que se conheça de questão, anteriormente, decidida em termos definitivos, sem necessidade do preenchimento dos três requisitos da exceção do caso julgado. III. A certidão de uma sentença, constituindo documento autêntico, faz prova plena, provando que tal sentença existe com o conteúdo indicado. IV. Tratando-se de prova sujeita a livre apreciação do juiz, a derradeira palavra sobre o eventual erro de apreciação cabe à Relação, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça intervir e modificar a decisão. V. Perante a irrelevância dos depoimentos para a prova e face a outras razões apresentadas para ditar a improcedência da impugnação da matéria de facto, não era justificável a audição dos depoimentos, independentemente do sentido normativo conferido ao requisito previsto no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil. VI. Havendo culpa do devedor na falta da liquidação da obrigação, não se justifica que a mora comece a correr apenas com a liquidação, nos termos do n.º 3 do art. 805.º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, S.A., instaurou, em 12 de junho de 2002, na então 1.ª Vara Mista da Comarca de … (Juízo Central Cível de …, Comarca de Lisboa Oeste), contra BB e mulher, CC, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo, designadamente, que os Réus fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 31 078,37, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial. Para tanto, alegou em síntese, que é proprietária do complexo turístico denominado Piscina Praia DD, sito na …., em …; desde maio de 1985, o R., por contrato verbal, explora, no complexo, o “Restaurante EE” e o “Self-Service”, mediante a retribuição correspondente a 15 % da faturação da exploração; foi ainda estipulado que o R. pagaria os encargos relativos ao telefone e à eletricidade dos estabelecimentos, ainda que diretamente fossem pagos pela A.; em 28 de outubro de 1994, a A. rescindiu unilateralmente o contrato, intimando o R. a entregar-lhe os estabelecimentos até 31 de dezembro de 1994, o que não aconteceu; contra a sua vontade, o R. continuou a explorar os estabelecimentos, usufruindo das linhas telefónicas e da eletricidade, sem nada pagar; o R., apesar de interpelado, não pagou vários gastos com o serviço telefónico e, desde julho de 1995, deixou de pagar a eletricidade consumida, sendo a dívida da responsabilidade de ambos os RR. Contestaram os RR., por exceção, arguindo a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da R. e a prescrição dos créditos, e por impugnação, alegando a arbitrariedade dos valores fixados, e concluíram pela improcedência da ação. Replicou a A. no sentido da improcedência das exceções. Foi proferido o despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções arguidas, e organizada a base instrutória. Em 9 de maio de 2014, a A. requereu a ampliação do pedido, a que responderam os RR., que veio a ser admitida, por despacho de fls. 949. Em 9 de dezembro de 2016, os RR., respondendo à junção de documentos requerida pela A., que viria a ser indeferida, requereram também a junção de documentos (decisões judiciais), e que também foi indeferida, nos termos do despacho de 13 de dezembro de 2016 (fls. 1244 a 1247). Em 2 de janeiro de 2017, os RR. vieram arguir, designadamente, a exceção de caso julgado, a que respondeu a A., no sentido da sua improcedência, requerimento que foi indeferido, em 9 de janeiro de 2017, nos termos do despacho de fls. 1345/6. Os RR. interpuseram recurso desses dois despachos. Em 11 de janeiro de 2017, a A. apresentou articulado superveniente, com alteração do pedido, nos termos de fls. 1364 a 1367, liminarmente admitido, por despacho de 12 de janeiro de 2017 (fls. 1374 a 1376). Realizada a audiência de discussão e julgamento, com várias sessões, foi proferida, em 4 de abril de 2017, a sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 31 682,95 (€ 2 160,40, referente às faturas de serviço telefónico, e € 29 522,55, à indemnização pelos consumos de energia suportados pela Autora e não reembolsados pelos Réus), acrescida de juros à taxa comercial, desde a citação até 30 de setembro de 2004, e às demais taxas que lhe sobrevierem até efetivo e integral pagamento. Inconformados, os Réus apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 12 de junho de 2018, negou provimento ao recurso do despacho de 9 de janeiro de 2017 e concedeu parcial procedência à apelação da sentença, nomeadamente na aplicação de “juros de mora à taxa comercial de 4 %, desde a citação até efetivo e integral pagamento”. Continuando ainda inconformados, os Réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam em resumo as numerosas conclusões: a) As decisões definitivas no processo n.º 2138/03.3TCSNT não podem deixar de atuar como autoridade de caso julgado, obstando ao conhecimento do mérito da causa relativamente às questões definitivamente decididas. b) A primeira apelação deve ser julgada totalmente procedente, julgando-se não provados os factos sob os n.º s 10, 11 e 12 da sentença. c) Verifica-se a nulidade do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por falta de pronúncia sobre a prescrição arguida na resposta ao articulado superveniente apresentado pela A., em 9 de maio de 2014. d) O facto provado sob o n.º 2 deverá ser alterado por efeito de documento autêntico. e) Os factos provados sob os n.º s 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 22, 23, 24 e 25 foram incorretamente julgados. f) No ónus de alegação da impugnação da matéria de facto deve adotar-se interpretação conciliável com as exigências de um princípio fundamental de proporcionalidade e adequação. g) Os Recorrentes identificaram os pontos de facto considerados mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, indicou os documentos e depoimentos das testemunhas que entendem terem sido mal valorados, bem como qual deveria ter sido o resultado probatório. h) Está também adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação. i) O acórdão recorrido violou o disposto no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, impondo-se que a Relação proceda à integral apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. j) Os juros de mora, a serem devidos, só a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, por a responsabilidade contratual estar fora do âmbito do n.º 3 do art. 805.º do CC. k) A falta de liquidez da obrigação não é imputável aos RR. l) O acórdão recorrido violou, nomeadamente o disposto nos artigos 310.º, alíneas d) e g), 371.º, 762.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, do Código Civil, 8.º, 411.º, 414.º, 423.º, 542.º e ss., 573.º, n.º 2, 578.º, 581.º, 607.º, n.º s 4 e 5, 608.º, n.º 2, 611.º, 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), 617.º, 640.º e 662.º, do CPC. Por sua vez, a Autora contra-alegou, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Por acórdão da Relação, de 8 de janeiro de 2019, foi declarado não haver nulidade no acórdão recorrido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, está essencialmente em discussão, para além da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, o caso julgado, o erro na apreciação da prova, designadamente da resultante de documento autêntico, o ónus de alegação na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, em particular quanto ao requisito do art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, e a mora do devedor. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1. A A. é dona do complexo turístico denominado “Piscina Praia DD”, em …, …. 2. Na sequência de acordo verbal com a A., o R., desde maio de 1985, passou a usar e fruir imóveis em tal complexo, onde explora um estabelecimento denominado “Restaurante EE” e outro de “Self-Service”, de apoio à piscina desse complexo turístico. 3. Em tais imóveis estavam instalados os telefones com os n.º s 01….7 e 01…0, em nome da A., bem como o contrato de fornecimento de eletricidade também se encontrava em nome desta. 4. As partes acordaram, designadamente, que os encargos com consumos relativos a telefone e eletricidade nesses imóveis e estabelecimentos seriam suportados pelo R., embora fossem pagos diretamente pela A. à Portugal Telecom e à EDP. 5. Acordaram que o R. pagaria à A. os consumos de telefone e eletricidade que esta pagasse diretamente às empresas fornecedoras. 6. Nos estabelecimentos referidos em 2., o R. tem vindo a efetuar chamadas telefónicas cujo pagamento não satisfez à A. 7. A A. colocou um contador de passagem, de modo a controlar a eletricidade consumida pelo R. na exploração dos estabelecimentos. 8. A partir de julho de 1995 que o R. deixou de pagar à A. a eletricidade consumida. 9. O R. facultou à A. as seguintes leituras de eletricidade, retiradas do contador de passagem: agosto de 1995, 3118 Kwh; setembro 1995, 1890 Kwh; outubro 1995, 1430 Kwh; novembro 1995, 1475 Kwh. 10. Uma vez que a A. havia enviado ao R. uma carta de rescisão do contrato entre ambos celebrado, a A. deixou de solicitar a este a leitura do contador. 11. Não obstante o referido em 9., e uma vez que o R. não aceitou o termo do contrato com a A., permanecendo nos estabelecimentos, a A. tentou novamente recomeçar a leitura do contador de passagem, por forma a proceder à contagem da eletricidade gasta nos estabelecimentos referidos em 2., o que não lhe foi permitido. 12. Razão pela qual não foi possível à A., a partir de dezembro de 1995, precisar com exatidão a eletricidade consumida pelo R. e respetivo custo. 13. Relativamente ao telefone com o n.º 01…7, decorrente da utilização do mesmo pelo estabelecimento explorado pelo R., a A. pagou à Portugal Telecom, a título de unidades de conversação e assinatura mensal: € 36,90, em agosto de 1995; € 33,23, em setembro de 1995; € 33,63, em outubro de 1995; € 47,40, em novembro de 1995; € 32,60 em dezembro de 1995; € 40,92, em janeiro de 1996; € 52,86, em fevereiro de 1996; € 63,95, em março de 1996; € 61,14, em abril de 1996; € 46,99, em maio de 1996; € 42,94, em junho de 1996; € 40,75, em julho de 1996; € 33,96, em agosto de 1996; € 27,60, em setembro de 1996; € 32,84, em outubro de 1996; € 39,13, em novembro de 1996; € 43,99, em dezembro de 1996; € 48,61, em janeiro de 1997; € 56,25, em fevereiro de 1997; € 53,69, em março de 1997; € 90,32, em abril de 1997; € 63,52, em maio de 1997; € 69,24, em junho de 1997; € 62,21, em julho de 1997; € 49,11, em agosto de 1997; € 63,52, em setembro de 1997; € 70,25, em outubro de 1997; € 65,40, em novembro de 1997; € 66,15, em dezembro de 1997; € 63,89, em janeiro de 1998; € 53,44, em fevereiro de 1998; € 63,49, em março de 1998. 14. Relativamente ao telefone com o n.º 01…0, decorrente da sua utilização pelo estabelecimento explorado pelo R., a A. pagou à Portugal Telecom, a título de unidades de conversação e assinatura mensal: € 30,52, em agosto de 1995; € 28,63, em setembro de 1995; € 28,57, em outubro de 1995; € 13,43, em novembro de 1995; € 9,93, em dezembro de 1995; € 9,93, em janeiro de 1996; € 11,72, em fevereiro de 1996; € 10,82, em março de 1996; € 10,82, em abril de 1996; € 10,82, em maio de 1996; € 10,89, em junho de 1996; € 16,50, em julho de 1996; € 27,66, em agosto de 1996; € 29,40, em setembro de 1996; € 36,39, em outubro de 1996; € 14,88, em novembro de 1996; € 10,95, em dezembro de 1996; € 11,07, em janeiro de 1997; € 14,38, em fevereiro de 1997; €11,70, em março de 1997; € 11,83, em abril de 1997; € 11,97, em maio de 1997; € 12,04, em junho de 1997; € 12,17, em julho de 1997; € 12,71, em agosto de 1997; € 23,55, em setembro de 1997; € 12,50, em outubro de 1997; € 11,90, em novembro de 1997; € 11,70, em dezembro de 1997; € 11,83, em janeiro de 1998; € 12,65, em fevereiro de 1998; € 12,65, em março de 1998. 15. Tendo por referência os anos de 1993 e 1994, o consumo médio anual de eletricidade em tais estabelecimentos foi de 34 901,5 kwh, o que perfaz um valor médio mensal de 2 908,45 kwh. 16. O valor aproximado do Kwh, cobrado pela EDP, em 1993, era de 0,1185 e, em 1994, de 0,1175 (com IVA incluído à taxa legal de 5 %). 17. A A. suspendeu o consumo de energia ao R., em 23 de dezembro de 2002 e, posteriormente, em 7 de fevereiro de 2003, cortando a energia elétrica no quadro geral do posto de transformação média tensão. 18. Na sequência da suspensão do fornecimento de energia ao R., este intentou uma ação contra a A. e a EDP, que correu termos no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Juízo de Grande Instância … (J…), com o n.º 2138/03, na qual peticionou, entre outros, a condenação da A. a abster-se de impedir o acesso ao PT e a facultar ao ora R. a chave de acesso ao PT, bem como a permitir o acesso da EDP ao PT, a fim de colocar um contador autónomo para fornecimento de energia elétrica aos seus estabelecimentos. 19. Em sede de sentença de foi a ora A. condenada a permitir o acesso ao seu terreno por parte da EDP, “com vista a ser restabelecida a energia elétrica, devendo a suas expensas realizar as obras necessárias a que o cabo elétrico seja restabelecido” e a “permitir o acesso ao seu terreno por parte do Autor, ou quem este indicar, com vista à realização das obras que sejam necessárias efetuar para a conclusão de um contador autónomo para as instalações do Autor” (...). 20. A sentença foi objeto de recurso, quer por parte da ora A., quer do ora R., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, na parte que aqui releva, julgado improcedente o recurso interposto pela ora A. 21. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo Autor, veio este Tribunal a conceder parcial provimento à revista, (i) condenando a ora A. a pagar uma indemnização ao ora R., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos e que se venham a verificar posteriormente à data da propositura da ação, a liquidar em execução de sentença, (ii) e determinando que os juros de mora se passariam a vencer a partir da data de prolação da decisão atualizadora do montante indemnizatório. 22. Os RR. vivem em economia conjunta, sendo a exploração dos referidos estabelecimentos a sua fonte de subsistência. 23. A falta de pagamento pelo R. dos serviços de telefone e eletricidade agravou a saúde financeira da A. e, face à necessidade que esta teve de fazer investimentos para a modernização das piscinas, influiu, juntamente com outras circunstâncias, na necessidade de contrair empréstimos. 24. Encontrando-se a A. a pagar juros sobre o capital que lhe foi emprestado. 25. Desde o início do contrato que era a A. quem emitia os recibos de telefone e eletricidade, colocando neles o valor pago pelo R., tendo em consideração as faturas da Portugal Telecom e as leituras do contador de passagem, neles incluindo o IVA proporcional à parte que havia suportado. 26. A A. intentou uma ação judicial com vista à declaração de nulidade do contrato celebrado com o R. e à condenação deste a entregar-lhe, livres e devolutas, as áreas identificadas como “Restaurante-Bar” e “Self-Service”, assim como no pagamento de uma indemnização. 27. Por sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo que correu termos na … Vara Mista de …, sob o n.º 319/95, em que era A. a ora A. e R. o ora R., foi considerado que as partes se encontravam vinculadas por um contrato de arrendamento para comércio (e não por um contrato de cessão de exploração) e a ação julgada improcedente. 28. A partir de dezembro de 1995, a A. não mais interpelou o R. para o pagamento de valores de telefone e eletricidade referentes aos espaços arrendados. *** 2.2. Descrita a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, do caso julgado, do direito material probatório e dos juros de mora. Os Recorrentes arguiram a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente sobre a prescrição, arguida na resposta ao articulado superveniente apresentado pela Recorrida. Na verdade, ao tribunal compete resolver todas as questões suscitadas pelas partes, que, no recurso, são determinadas pelas respetivas conclusões, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso. O acórdão recorrido, porém, ao contrário do alegado, pronunciou-se sobre a questão da omissão de pronúncia da sentença, quanto à alegada prescrição, concluindo-se que, tendo sido decidida no despacho saneador, a “questão ficou prejudicada” (fls. 1617). Estando certa questão prejudicada por solução já dada pelo tribunal, deixa de ser obrigatória a pronúncia sobre tal questão, como resulta do disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC. O acórdão recorrido, ao fundamentar a improcedência da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto à prescrição, justificou não se verificar a nulidade da sentença, em virtude da prescrição ter ficado prejudicada pela decisão que, a propósito, foi proferida no despacho saneador. Bem ou mal, não importa, o acórdão recorrido pronunciou-se, expressamente, sobre a omissão de pronúncia referente à prescrição, o que implica a improcedência da arguição da nulidade do acórdão. Nestes termos, improcede a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia. 2.3. Os Recorrentes impugnaram o despacho de 9 de janeiro de 2017 (fls. 1345/6), que desatendeu a exceção de caso julgado, decisão que a Relação confirmou no acórdão recorrido, passível de recurso, ao abrigo do disposto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC. O acórdão recorrido chegou a tal decisão depois de concluir que não se verificava qualquer dos requisitos no art. 581.º do CPC, designadamente da identidade do pedido e da causa de pedir. A exceção do caso julgado, pressupondo a repetição de uma causa, tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, garantindo a segurança e certeza jurídicas e preservando o prestígio e a credibilidade dos tribunais. Os pressupostos legais do caso julgado encontram-se definidos no art. 581.º do CPC. Na verdade, é manifesto que, no caso sub judice, não ocorrem os requisitos do caso julgado, nomeadamente quanto ao pedido e à causa de pedir, que são claramente distintos, como aliás os próprios Recorrentes acabam por admitir expressamente nas alegações (fls. 1709). Os Recorrentes, no entanto, invocam ainda a autoridade do caso julgado, decorrente da decisão final proferida no processo n.º 2138/03. A autoridade do caso julgado, enquanto efeito deste, pode obstar a que se conheça de questão, anteriormente, decidida em termos definitivos, sem necessidade do preenchimento dos três requisitos da exceção do caso julgado contemplados no art. 581.º do CPC – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de fevereiro de 2019 (654/13.8TBPTL.G1S1), acessível em www.dgsi.pt. Com semelhante figura pretende-se garantir a coerência e prestígio das decisões judiciais, sendo certo que o caso julgado se forma sobre a decisão relativa à pretensão jurídica (pedido) formulada na respetiva ação. Os fundamentos da decisão, por outro lado, apenas aproveitam para se fixar o sentido e alcance da decisão, de modo a determinar o efeito do caso julgado. No caso vertente, é igualmente manifesto não existir a autoridade do caso julgado a refletir na ação donde emerge esta revista, porquanto não foi decidida, na ação n.º 2138/03, qualquer pretensão jurídica que constituísse causa prejudicial. Para tanto, basta confrontar as pretensões jurídicas de uma ação e outra e a decisão proferida na ação n.º 2138/03, com referência aos factos descritos em 18, 19 e 21. Na verdade, entre a decisão dessa ação e a decisão final da ação a que respeita esta revista, não pode haver qualquer contradição ou incompatibilidade, tal como se concluiu no acórdão recorrido. Conclui-se, assim, pela improcedência do caso julgado. No âmbito do despacho de 9 de janeiro de 2017, que foi confirmado pelo acórdão recorrido, os Recorrentes insistem na junção de certidão de decisões judiciais, cuja junção foi indeferida, por decisão transitada em julgado, como se declarou no acórdão recorrido, e sem que os Recorrentes impugnassem expressamente a natureza definitiva da referida decisão. Nestas circunstâncias, formado o caso julgado formal, a questão da junção do documento encontra-se claramente prejudicada. 2.4. Já no âmbito da sentença, também confirmada em termos de facto pelo acórdão recorrido, os Recorrentes questionam parte da matéria de facto (2, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 22, 23, 24 e 25), pretendendo a sua alteração, designadamente por efeito de prova documental, em grande parte numa repetição da alegação apresentada na apelação. No entanto, por regra, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de direito. Todavia, no caso de violação do direito probatório material, nomeadamente havendo ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objeto de revista (art. 674.º, n.º 3, do CPC). Nesta situação excecional, o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da matéria de facto, cabendo à Relação, nos demais casos, a derradeira palavra. Relativamente aos factos referidos em 2, 10, 11 e 12, os Recorrentes remetem para sentença já proferida no âmbito de processo que envolveu as partes. A certidão de uma sentença, constituindo documento autêntico, faz prova plena, nos termos do art. 371.º, n.º 1, do Código Civil (CC), provando que tal sentença existe com o conteúdo indicado. Trata-se, com efeito, da força probatória formal do documento, que se distingue da força probatória material. Na verdade, os factos dados como provados nesse outro processo, só por isso, não podem ser tidos como provados nesta ação. Tais factos, sendo autónomos da respetiva decisão, não estão cobertos pela eficácia do caso julgado, como repetidamente se sustenta no acórdão recorrido. Por outro lado, a eficácia extraprocessual da prova, consagrada no art. 421.º do CPC, também não permite tal prova. Trata-se, aliás, de jurisprudência corrente, da qual se cita, designadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2005 (05B691), acessível em www.dgsi.pt. Relativamente aos restantes factos, não pode o Supremo Tribunal de Justiça julgar do eventual erro na apreciação da prova, porquanto lhe está vedada tal competência, como antes se referiu. Com efeito, os Recorrentes indicaram, quando o fizeram, prova testemunhal e ou prova documental, sem força probatória plena. Contudo, tratando-se de prova sujeita a livre apreciação do juiz, a derradeira palavra sobre o eventual erro de apreciação cabe à Relação, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça intervir e modificar a decisão. No tocante ao facto descrito sob o n.º 22, foi alegado corresponder a um “conceito jurídico”, devendo considerar-se como não provado. Consta desse facto que “os RR. vivem em economia comum, sendo a exploração dos referidos estabelecimentos a sua fonte de subsistência”. Ainda que se admita que a expressão “economia comum” pode ser tida como um conceito jurídico, e, assim sendo, devesse considerar-se como não escrita, também é certo que a expressão, como muitas outras conhecidas, reveste um sentido duplo, envolvendo quer uma pura questão de facto, quer uma questão de direito (ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 412). Por outro lado, e quanto aos factos descritos sob os n.º s 13 e 14, importa ainda acrescentar que não existe qualquer contradição, nomeadamente, com o facto descrito sob o n.º 5. Efetivamente, a realidade é distinta e compatível, pois enquanto neste último facto está consubstanciada factualidade que tipifica uma obrigação pecuniária, já nos factos 13 e 14 estão contemplados factos que permitem quantificar a obrigação pecuniária. Neste contexto, não se enquadrando a alegação dos Recorrentes no erro da apreciação da prova contemplado no n.º 3 do art. 674.º do CPC, nem se revelando qualquer matéria de direito ou em contradição com outra, a matéria de facto apurada não é suscetível de modificação, mantendo-se nos termos definitivos que foram decididos pela Relação, a quem coube, nesse âmbito, a última palavra. Ainda no âmbito da matéria de facto, cuja decisão foi impugnada na Relação, os Recorrentes alegam, na revista, ter cumprido o ónus de alegação previsto no art. 640.º do CPC. Desde logo, impõe-se afirmar que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, deduzida na apelação pelos Recorrentes, não foi rejeitada pela Relação, nomeadamente por incumprimento do ónus de alegação, e em particular do requisito especificado no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC. A Relação, na verdade, fez uma apreciação especificada dos factos impugnados, enumerando as razões pelas quais a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não podia proceder. Na parte relativa à impugnação de certos factos (n.º s 13 e 14), a Relação, para além de outras razões, descreve, em concreto, que os Recorrentes “cingem-se a depoimentos que não identificam especificamente (limitando-se a uma remissão genérica para transcrições parcelares de depoimentos, mas que não obedece ao estatuído no artigo 640.º do CPC) ”. Na realidade, a Relação apontou irregularidade na indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos especificados (fls. 1613). Todavia, essa razão não foi a única para o julgamento da impugnação da matéria de facto, tendo sido ditadas outras, como a pretensão de obter prova mediante documentos cuja admissão não fora autorizada, a ineficácia do caso julgado e a ausência do exercício crítico a demonstrar ter havido erro na apreciação da prova. Independentemente do sentido normativo conferido ao requisito previsto no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, para o qual não pode deixar de concorrer uma certa ideia de proporcionalidade e também de secundarização da formalidade, a falta de audição dos respetivos depoimentos não se manifesta como sendo relevante. Com efeito, para além de se verificarem outros motivos para a improcedência da impugnação, tais depoimentos, tal como são contextualizados pelos Recorrentes, não são sequer determinantes para a prova dos factos, os quais correspondem às importâncias pagas pela Recorrida pelos dois telefones utilizados no estabelecimento explorado pelo Recorrente. Esta circunstância, a revelar a irrelevância dos depoimentos, foi expressamente mencionada no acórdão recorrido. Acresce ainda, neste âmbito, não poder deixar de se considerar que, para o efeito, a prova determinante foram as faturas emitidas pela Portugal Telecom, como resulta da sentença (fls. 1443) e é realçado pelo acórdão recorrido. Assim, perante a irrelevância dos depoimentos para a prova, até pela alegação dos próprios Recorrentes, e face ainda a outras razões apresentadas para ditar a improcedência da impugnação da matéria de facto, não era justificável a audição dos depoimentos, pois não eram suscetíveis de poder influir na reapreciação da prova. Por isso, está excluída, de forma clara, a violação do disposto no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC. A mesma motivação vale, igualmente, quanto aos factos 15 e 16, referentes ao consumo médio de eletricidade e ao valor aproximado do Kwh cobrado pela EDP, para além dos Recorridos estarem a pretender ir além da contestação, como se explica na sentença (fls. 1443v.), sendo certo ser neste articulado que se concentra, na ação, toda a defesa dos Recorrentes. Assim, improcedendo a alegação dos Recorrentes, mantém-se inalterável a matéria de facto, nomeadamente nos termos da decisão consubstanciada no acórdão recorrido. 2.5. No âmbito meramente substantivo, os Recorrentes impugnaram os juros de mora, designadamente serem devidos desde a citação, como decidiram as instâncias, assim pondo em causa o começo da mora e defendendo, quanto a isso, que só são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória. A existência de mora, por parte do Recorrente, nem sequer se questiona, porquanto, por motivo que lhe é imputável, não pagou à Recorrida os consumos acordados de telefone e eletricidade dos estabelecimentos do Recorrente, cobrados diretamente à Recorrida (art. 804.º do CC). Ainda que, com a sentença, se admita que a obrigação deixou ser ilíquida, no sentido de ter ficado fixado o seu montante, nem por isso a mora deixa de se contar a partir da citação (art. 805.º, n.º 1, do CC). Embora, por regra, no âmbito da responsabilidade contratual, a mora não comece a correr antes da liquidação da obrigação, por efeito da regra in illiquidis non fit mora, consagrada no n.º 3 do art. 805.º, do CC, no entanto, sendo a culpa imputável ao devedor, considera-se este em mora, por falta do pressuposto que justifica a ausência de mora enquanto a obrigação permanece ilíquida (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, 2.ª edição, 1981, pág. 57). Na verdade, considerando a materialidade apurada, verifica-se que, a partir de julho de 1995, o Recorrido deixou de pagar, como contratualmente lhe competia, os consumos de eletricidade e telefone a que se vinculara perante a Recorrida, sendo certo que era esta quem, desde o início do contrato, emitia os recibos de telefone e eletricidade, colocando neles o valor pago pelo Recorrido, tendo em consideração as faturas da Portugal Telecom e as leituras do contador de passagem (facto 25). Por outro lado, o Recorrente chegou ao ponto de impedir, à Recorrida, nomeadamente a partir de dezembro de 1995, a leitura do contador da eletricidade, obstando à determinação exata do respetivo custo (factos 11 e 12). Neste contexto, sendo clara a culpa do Recorrente na falta de liquidação da obrigação, não se justifica que a mora do devedor comece a correr apenas com a liquidação, nomeadamente nos termos do n.º 3 do art. 805.º do CC. Como bem refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de novembro de 2006 (06A2874), se o devedor está em condições de saber o que deve e quanto deve, não há motivo juridicamente relevante para o considerar isento de culpa, sendo a iliquidez meramente aparente ou subjetiva (acessível em www.dgsi.pt). Assim, no caso vertente, os juros de mora devem ser contados a partir da citação para a ação, tal como decidiram as instâncias. Em face de tudo quanto precede, não tendo o acórdão recorrido violado qualquer disposição legal, nomeadamente as especificadas pelos Recorrentes, conclui-se no sentido de ser negada a revista. 2.7. Os Recorrentes, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC. No entanto, as custas são inexigíveis, nomeadamente por efeito do benefício do apoio judiciário de que os Recorrentes gozam. III – DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. 2) Condenar os Recorrentes (Réus) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. Lisboa, 9 de maio de 2019 Olindo Geraldes (Relator) Maria do Rosário Morgado José Sousa Lameira |