Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA | ||
Descritores: | ASSINATURA A ROGO DOCUMENTO PARTICULAR RECONHECIMENTO NOTARIAL FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL PROVA VINCULADA PROVA DOCUMENTAL NULIDADE CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FORMA / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / PROVA TESTEMUNHAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Adriano Vaz Serra, Anotação ao acórdão do STJ de 04-12-1973, RLJ, 107, p. 312 e 324; - Ana Prata, Código Civil Anotado, Almedina, 2017, anotação ao artigo 394.º; - António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição, Almedina, p. 532; - José Maria Pires, Direito Bancário, 2.º Volume, As operações bancárias, Editora Rei dos Livros, p. 50; - Luiz Carvalho Fernandes, A prova da simulação pelos simuladores, O Direito, 1992, IV, p. 598 a 609; - Mota Pinto e Pinto Monteiro, Arguição da simulação pelos simuladores/prova testemunhal, CJ, 1985, III, p. 12 e 13; - Pedro Pais de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, 1.ª Edição, p. 152. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 286.º, 373.º E 393.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.,º 4 E 639.º, N.º 1. CÓDIGO DE NOTARIADO (CN): - ARTIGOS 154.º E 155.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 11-05-1994, PROCESSO N.º 085127; - DE 17-03-1998, PROCESSO N.º 98A167, AMBOS IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 28-06-2001, PROCESSOS N.º 0130729, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 07-05-1991, PROCESSO N.º 0031511; - DE 27-11-2008, PROCESSO N.º 9044/2008-6, AMBOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - A assinatura a rogo é elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ler nem escrever e a falta de demonstração do reconhecimento notarial que lhe empresta ou confere validade implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita, de conhecimento aliás oficioso (arts. 220.º e 286.º do CC). II - Por regra, tal declaração negocial necessita de ser provada por escrito, sem admissibilidade de prova testemunhal (art. 393.º, n.º 1, do CC). III - Esta proibição da produção de prova testemunhal sobre declaração negocial que a lei exige ser prova por escrito não é, porém, absoluta e admite um desvio ou excepção: quando haja alguma prova documental (princípio de prova por escrito), já deve ser admitida a prova testemunhal que a complete. IV - Quando há um começo de prova por escrito, que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção, por, então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. V - No caso, a assinatura a rogo, o reconhecimento notarial, leitura e explicação do documento à rogante, reconstituíram-se primacialmente a partir de três documentos: no documento consubstanciador da autorização bancária, que contém no canto superior direito, o selo do cartório notarial indiciador da intervenção do notário; no documento produzido pelo cartório notarial a atestar o reconhecimento da assinatura no dia indicado; e, no Livro de Emolumentos e Selo dos Reconhecimentos que também o confirmam. VI - Ao dar como provado no ponto 47) que “AA, no dia 15-02-2003, entregou na agência uma nova autorização, com assinatura de BB, a rogo de AA e com reconhecimento notarial (10.º Cartório Notarial de Viana de Castelo) em folha autónoma e onde constava que o rogo fora dado naquele acto perante o respectivo notário que confirmara ter lido e explicado o conteúdo à referida AA”, com base também em prova testemunhal não foi infringida qualquer disposição de direito probatório material no acórdão recorrido. VII - Aliás, mesmo no caso de outra ser a solução a dar a esta questão, então com o desfecho contrário de se afirmar a invalidade da prova produzida com repercussão necessária na exclusão do aludido ponto 47, sempre subsistiria como válida a primeira autorização prestada por AA a CC, relativamente à qual não se suscitaram ou suscitam dúvidas legais referentes aos formalismos necessários ao estabelecimento da respectiva validade/autoria (cfr. os pontos 36) a 42) do elenco factual provado). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório
I – AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a BB, SA, alegando, em síntese, que: É a única herdeira de sua tia,CC, falecida em ......, que era titular de 3 contas bancárias domiciliadas na agência da ré em ........... Dadas as limitações decorrentes da sua avançada idade, a sua tia esteve ao cuidado de uma vizinha até 2008, ano em que ficou a seu cargo, tendo outorgado a favor daquela procuração para poder movimentar as ditas contas bancárias. As contas foram depauperadas, duas delas reduzidas a zero e outra reduzida a €8,25, através de movimentos realizados pela referida vizinha que não tinha autorização ou poderes para o efeito. Por não atentar nessa falta de poderes, a ré permitiu esses movimentos, gerando consequentes prejuízos para a titular das contas, alguns ainda não quantificáveis. Com tais fundamentos, concluiu por pedir o seguinte: “ a) Seja reconhecida e declarada a violação pela ré (seus funcionários) do contrato de depósito na realização da operação de transferência descrita em 36., 54. b) e d), 95. e ss (13 638,30 euros); b) Seja reconhecida e declarada a violação pela ré (seus funcionários) do contrato de depósito na realização da operação de transferência descrita em 52., 54. a) e d), e 135. (1 690,00 euros); c) Seja reconhecida e declarada a nulidade da autorização/rogo descrita em 37. e ss, 54. c) e d), 99. e ss., a sua ineficácia em relação à titular da conta CC e à autora, e em consequência a ilicitude-incumprimento contratual de todas as operações efectuadas ao abrigo de tal “autorização a rogo”. Consequente e respectivamente: A condenação da ré a repor nas referidas contas, ou a pagar-lhe: a) A quantia de 13 638,30 euros de capital, bem como a título indemnizatório, a quantia de 8 060,42 euros e ainda juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal; b) A quantia de 1 690,00 euros, bem como a título indemnizatório, a quantia de 357,45 euros e ainda juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal; c) A quantia a liquidar oportunamente correspondente às diversas parcelas irregularmente dispensadas pela ré ao abrigo da dita autorização/rogo, desde Dezembro de 2003 a Fevereiro de 2008, acrescida de indemnização a calcular nos mesmos termos”. A ré contestou a contrapor diferente versão factual e, após junção da documentação requerida em poder da ré, a autora liquidou a responsabilidade desta em €59 977,17. O processo seguiu a tramitação habitual, vindo a ser proferida a sentença de folhas 323 a 337 que, na total improcedência da acção, absolveu a ré do pedido. Discordando dessa decisão, apelou a autora, impugnando de facto e de direito, tendo a Relação de Guimarães, depois de alterar o ponto 26 da matéria de facto, confirmado a sentença (cfr. fls. 378 a 402), e a autora, persistindo inconformada, interpôs recurso de revista normal e, a título subsidiário, de revista excepcional. Distribuído o processo, no Supremo Tribunal de Justiça, o relator proferiu a decisão que constitui folhas 470 a 473, cujo teor aqui se tem por reproduzido, na qual entendeu ocorrer dupla conforme a tornar inadmissível o recurso de revista normal interposto, ordenando a remessa do processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, em ordem a decidir da verificação dos invocados pressupostos do também interposto recurso de revista excepcional. A autora reclamou para a conferência, insistindo pela inverificação de dupla conforme impeditiva da admissibilidade do recurso de revista normal. Após resposta da ré a pugnar pelo inêxito da reclamação, a conferência indeferiu a reclamação e confirmou a decisão do relator. Remetido o processo à formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, o recurso de revista excepcional foi admitido, através do acórdão de fls. 510 a 513, de que foi pedida reforma não atendida (cfr. fls. 539 a 541). A recorrente finalizou a alegação do admitido recurso de revista excepcional, com as conclusões que se transcrevem: I. 2.- A preterição dos requisitos formais essenciais da assinatura a rogo e seu reconhecimento, por não constarem ou por ter sido lavrado em conformidade o competente termo de reconhecimento, em violação das citadas normas imperativas, determina que a assinatura do documento, tal como a lei a prevê, falte. I. 3.- A assinatura é elemento integrante e essencial do documento particular e a falta dos requisitos passíveis de a integrarem, consubstanciadas e materializadas nas declarações que devem constar do termo escrito, traduzem-se na omissão de formalidades ad substantiam do documento, que acarretam a respetiva invalidade, na modalidade da declaração constante do documento não assinado em conformidade com os requisitos legais essenciais – arts. 220º e 286º C. Civil. I. 5.- Impende sobre o Banco a prova de estrito cumprimento das suas obrigações contratuais, nomeadamente quanto à existência e regularidade de eventuais movimentações por terceiros. I. 6.- A existência do termo de reconhecimento pelo qual se revele o cumprimento de todas e cada uma das formalidades legais aplicáveis, é requisito de validade das declarações que o documento corporiza, pois que sem tal termo de reconhecimento a lei não reconhece o documento como assinado pelo pretenso autor, como se estatui no n.º 3 do art. 373º C. Civil. I. 7.- A lei exige, assim, que a prova da regularidade da assinatura a rogo se faça exclusivamente através de um documento escrito, lavrado em Cartório Notarial, em reconhecimento presencial, sendo o rogo dado ou confirmado perante o notário, documento lavrado por oficial público que integra e contém, conferindo-lhe validade substancial e formal, a assinatura do autor da declaração negocial vertida no documento particular. I. 8.- Ocorre a situação prevista no n.º 1 do art. 393º C. Civil: - se a declaração negocial, por disposição da lei, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal. I. 10.- “Quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (art. 22º; cfr- art. 364º), sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova. Se a lei exige apenas que a declaração se prove por documento, está expressamente afastada a prova testemunhal” (P. de Lima e A. Varela C.C., Anotado, 4ª ed. 342). I. 11.- Não foi colocada, nesta acção, a título principal ou incidental, a questão da reforma de documento que, por isso, não é objecto da lide. I. 12.- Sem que se tenha procedido à reforma do documento, utilizando o meio próprio de a obter, a existência do mesmo, bem como o cumprimento das formalidades legais que ele tem de corporizar, não pode ser objecto de prova testemunhal. I. 13.- Não sendo admissível prova por testemunhas, vedada está também a prova por presunções – art. 351º C. Civil. I. 14.- Consequentemente, os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas EE e FF, atual gerente e antigo subgerente, respetivamente, da BB – .........., que terão servido de suporte aos factos 35 a 52, permitindo substituir o documento em falta por prova testemunhal, devem ser considerados não escritos e eliminados da fundamentação de facto, por substraídos aos poderes de livre apreciação do julgador, enquanto sujeitos ao regime da prova vinculada ou legal, que foi violado, por imposição do n.º 5 do art. 607º CPC. I. 15.- A Ré não impugnou o conteúdo do artigo 36. da petição inicial, como se vê na sua contestação, designadamente nos seus artigos 6) e 7). I. 16.- Assim sendo, o facto, tal como alegado, tem de haver-se como admitido por acordo, nos termos da confissão judicial, não sendo admissível qualquer prova testemunhal sobre o mesmo, como estipulado nos arts. 573º, 574º, n.ºs 1 e 2 e 607, n.º 5, todos do CPC e arts. 355º, n.º 1, 356º, n.º 1, 2 e 3, e 393º, n.º 2, estes do C. Civil. I. 17.- Impõe-se a alteração do facto contido no ponto n.º 27 da douta sentença, por forma a reproduzir o aqui transcrito artigo 36. da petição inicial, eliminando-se o segmento final em que se fez constar “tendo a dita operação sido efectuada na presença e com o consentimento de CC”, matéria esta que, acrescente-se, não foi alegada pela Ré e que, por isso e por ser enquadrável na previsão do citado art. 573º, n.º 2 e exceder manifestamente os limites do alegado, jamais poderia ser considerada e submetida a prova. I. 18.- Ainda sobre o segmento final do facto 27, não se vislumbra que o levantamento em causa – realizado, como é pacífico, para além do âmbito de qualquer autorização, pois que nunca concedida para a conta 000000 – tivesse sido “efetuado na presença e com o consentimento de CC”, fundamentando-se tal afirmação factual tão só em que a presença física da titular do depósito e a declaração negocial contendo o seu consentimento estão formalmente contidas e retratadas nos documentos juntos a fls. 217, que o comprovam. I. 19.- Está-se aqui perante prova vinculada, submetida a interpretação normativa, nos termos previstos no art. 238º C. Civil, que, por isso, escapa a critérios de uma eventual livre convicção, pelo que, também por esta via, o dito segmento final deve ser eliminado. II. 1.- O regime do DL n.º 41/2000, de 17/3, sobre transferências bancárias, invocado no douto acórdão da Relação – para, a partir da posição em que quando estejam em causa operações não sujeitas a forma especial, concluir que a assinatura a rogo inválida só contamina o documento se o negócio por ele titulado exigir a forma escrita (cfr. pg. 23 do Acórdão) – não se apresenta como portador de potencialidade para influir no que se deixou exposto sobre autorizações a rogo e de respeito pelas respectivas formalidades, revelando-se, salvo melhor opinião, completamente indiferente. II. 3.- A aceitação de tal doutrina equivaleria à destruição pura e simples das cautelas impostas pelo Legislador no art. 373º do Código Civil quanto à assinatura a rogo, deixando os incapazes ao sabor da ingerência de terceiros na sua esfera jurídica, desde que os actos praticados não estivessem sujeitos a forma especial. II. 4.- Esse regime de legitimação do autorizado insere-se, naturalmente, no âmbito da protecção do interesse e ordem pública. II. 5.- Ter como válidas e eficazes tais operações – levantamentos e transferências – porque dispensadas de forma, sem que, por instrumento válido, se mostre a legitimação do autorizado, equivaleria à postergaçãodo contrato de depósito e a responsabilidade do banqueiro. III - Deverá ser concedida a revista, revogado o acórdão recorrido e a ação proceder nos termos constantes dos pedidos formulados na petição inicial, complementados na liquidação de fls. 208, e no facto 26 (44.715,30€). IV - Em qualquer caso, subsidiária e residualmente, sempre, no entender da recorrente, o recurso e a ação terão de proceder relativamente ao pedido de condenação formulado sob as alíneas a) da petição, enquanto reportado a levantamento não coberto por qualquer autorização. V - Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão impugnado violou, por erro de interpretação e aplicação, entre outras mencionadas na motivação, as identificadas no lugar próprio destas conclusões. A ré ofereceu contra-alegação que foi mandada desentranhar, por falta de pagamento da taxa de justiça e da multa devidas (cfr. fls. 461). Foram colhidos os vistos, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:
III – Fundamentação de direito O presente recurso de revista excepcional, delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), gravita nuclearmente sobre as formalidades da assinatura a rogo previstas nos artigos 373.º do Cód. Civil e 154.º e 155.º do Cód. de Notariado e questiona a sua observância na autorização de movimentação das contas bancárias concedida por CC a DD. Percorrendo a matéria de facto provada, no que toca à visada autorização bancária consta do ponto 47) que “CC, no dia 15-02-2003, entregou na agência uma nova autorização, com assinatura de II o, a rogo de CC e com reconhecimento notarial (10.º Cartório Notarial de ..........) em folha autónoma e onde constava que o rogo fora dado naquele acto perante o respectivo notário que confirmara ter lido e explicado o conteúdo à referida CC”. Do confronto deste ponto factual com o disposto nos artigos que a Recorrente considera violados (os artigos 373.º do Cód. Civil e 154.º e 155.º do Cód. de Notariado) retira-se que as formalidades aí previstas foram, afinal, observadas. Houve inquestionavelmente reconhecimento notarial da assinatura a rogo, mas o documento comprovativo desse reconhecimento notarial não foi junto ao processo. Por outras palavras: o que foi inobservado, em rigor, não foram aquelas formalidades legais, porque sobre elas recaiu prova e concluiu-se pelo seu cumprimento; o que foi inobservado foi a junção aos autos do reconhecimento notarial da assinatura a rogo. E isso sucedeu, porque, como se alcança do ponto factual 48), se encontrava numa folha anexa a autorização, que se extraviou aquando da digitalização de documentos na agência. Reconduzida a falta de formalidades legais à não junção aos autos do reconhecimento notarial da assinatura a rogo aposto em autorização de movimentação bancária, a questão a resolver, retomando o recurso e o acórdão que admitiu o recurso de revista excepcional, é então a seguinte: - na falta do documento que corporiza o reconhecimento notarial de assinatura a rogo aposta em autorização bancária, pode o reconhecimento notarial ser reconstituído através de outros meios de prova? A questão, por equacionar a admissibilidade de prova testemunhal, alternativa ou complementar, sobre determinado facto em face de específicas regras de direito probatório material, constitui uma questão de direito e, como tal, não subtraída ao conhecimento deste Tribunal enquanto tribunal de revista, ainda que o seu desfecho se projecte na manutenção ou na eliminação de facto tido como provado. Esta virtualidade reflexa sobre a matéria de facto unicamente se coloca, propriamente, relativamente ao ponto n.º 47 – atinente ao reconhecimento notarial da assinatura a rogo – e não também aos pontos 35 a 46 e 48 a 52 (aludidos na conclusão I.14) os quais contêm matéria sujeita a prova livre. Ainda relativamente à matéria de facto, e fechando a questão de identificação do objecto do recurso a conhecer, a Recorrente pretendeu também a eliminação da parte final do ponto 27. e do ponto 36. (aludidos nas conclusões I.15 a I.19), embora com fundamento diverso do subjacente à eliminação do ponto 47. Trata-se, portanto, de outra questão, para além da já identificada, sobre a qual a Recorrente não alegou qualquer dos pressupostos de admissibilidade da revista excepcional previstos no artigo 672.º do Cód. Proc. Civil e que, ante a dupla conformidade das decisões das instâncias já afirmada no acórdão proferido a fls. 470 a 473 e a ausência de sinalização no acórdão que admitiu a revista excepcional, está excluída da nossa apreciação neste momento. Clarificado isto, foquemos a nossa atenção na dilucidação da aludida questão. Tanto quanto é possível depreender da leitura do acórdão recorrido, nele se sufragou – a respeito da questão a resolver – o entendimento de que, por um lado, a prova de que a assinatura a rogo foi sujeita a reconhecimento por notário podia ser feita também por prova testemunhal e, por outro lado, a autorização para movimentação da conta (v.g. para levantamentos e/ou transferências bancárias) não exige forma específica, pelo que o eventual desrespeito pelos formalismos prescritos para uma assinatura a rogo não torna necessariamente nula a declaração negocial, podendo esta ser provada, e suprida a falta de assinatura, por qualquer outro meio. A abordagem à questão, envolve rememorar os contornos do litígio e respigar, a propósito, o quadro fáctico essencialmente apurado: - a autora, herdeira única de CC (facto provado 1)), que não sabia ler ou escrever (facto provado 30)) e era titular de três contas bancárias domiciliadas no banco réu (facto provado 3)), entendeu que as movimentações bancárias ocorridas nessas contas, com esvaziamento do dinheiro nelas existentes (facto provado 22)), por DD (factos provados 26), 27)), foram feitas sem autorização daqueloutra, sendo o réu responsável perante a autora, por ter violado os deveres bancários a que estava obrigado; - o réu, por sua vez, defendeu-se dizendo existirem tais autorizações de movimentação bancária concedidas por CC a DD, sendo que a primeira, com restrição para requisição de 2.ª via de depósitos, tem a assinatura a rogo reconhecida notarialmente (pontos 37) a 41) do elenco factual provado), e a segunda, que visou ampliar os poderes da anterior (ponto 50) desse elenco) para permitir um mais fácil manuseio (pontos 43) a 45) do mesmo elenco), teve a assinatura reconhecida notarialmente (ponto 47) desse elenco), mas o respectivo documento extraviou-se (ponto 48) do elenco provado), tendo neste contexto sido produzida outra prova, também documental e ainda testemunhal, sobre a ocorrência desse reconhecimento notarial. É precisamente a admissibilidade desta prova alternativa que se suscita e deve ser resolvida. A relação bancária estabelecida entre CC e o banco réu decorre da existência de três contas, que implicam a necessária celebração de contrato(s) de abertura de conta, que marcou o início de uma relação bancária complexa e duradoura, fixando as margens fundamentais em que ela se irá desenrolar, e representa um acto nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos actos bancários subsequentes[2]. Com efeito, no direito bancário o facto jurídico mais relevante na constituição e modificação de relações jurídicas é, consabidamente, o contrato[3], sendo que implícita na abertura de conta, há uma “convenção de giro”, pela qual o banqueiro faculta ao cliente um conjunto imediato de operações ou “produtos”, como sejam as transferências bancárias (simples ou internacionais), os pagamentos por conta bancária, as cobranças por conta bancária e a outras operações de transferências de fundos. Sucede que essas operações bancárias, facultadas pelo contrato de abertura de conta, podem ser ordenadas pelo cliente, titular da conta, mas também podem ser ordenadas por terceiro, conquanto autorizado pelo cliente, configurando a autorização constitutiva um “acto destinado especificamente a provocar, em conjunto com a autonomia privada do autorizado, a aquisição de legitimidade por este, através da paralisação dos meios de defesa da situação jurídica do autorizante e da reflexa constituição, na esfera jurídica do autorizado, de uma posição jurídica do beneficiário dessa paralisação, o que possibilita a sua actuação”[4]. Feitas estas considerações preliminares sobre o enquadramento da relação jurídica estabelecida entre a falecida e o banco réu, abordemos as particularidades do caso. Perante uma primeira autorização bancária, concedida por CC, titular das contas domiciliadas no banco réu, a DD, que continha restrição de solicitação de segunda via de depósitos impeditiva de inserção em sistema informático e causadora de embaraços na realização das normais operações bancárias, o banco réu entregou àquela um impresso de nova autorização, sem restrições, solicitando-lhe que assinasse a rogo e que reconhecesse a assinatura em notário (pontos 44) a 46) do elenco factual provado). Dado que a CC não sabia ler nem escrever (e, nessa medida assinar), a subscrição da autorização só obrigava legalmente “quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor”, devendo igualmente o “rogo ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante” (artigo 373.º, n.ºs. 3 e 4 do Cód. Civil), estabelecendo as leis notariais que: - a assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar (artigo 154.º, n.º 1, do CN); - o rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante (artigo 154.º, n.º 2, do CN); - o reconhecimento deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 155.º do CN e é lavrado no próprio documento a que respeita ou em folha anexa (artigo 36.º, n.º4 do CN). Quer isto dizer que, sendo a assinatura a rogo elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ler nem escrever, a falta de demonstração do reconhecimento notarial que lhe empresta ou confere validade – em concreto motivada por motivo de extravio – implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita, de conhecimento aliás oficioso (artigos 220º e 286º do Cód. Civil)[5] e, por regra, tal declaração negocial necessita de ser provada por escrito, sem admissibilidade de prova testemunhal (artigo 393.º, n.º 1, do Cód. Civil). Esta proibição da produção de prova testemunhal sobre declaração negocial que a lei exige ser prova por escrito não é, porém, absoluta e admite um desvio ou excepção: quando haja alguma prova documental (princípio de prova por escrito), já deve ser admitida a prova testemunhal que a complete[6]. Com efeito, quando há um começo de prova por escrito, que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção, por, então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. Também no nosso direito, se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova de testemunhas é de admitir, pois não oferece os perigos que teria quando desacompanhada de tal começo de prova. (…) A simples possibilidade da reforma de documentos desaparecidos não é bastante para defesa da parte que os perder sem culpa sua, pois trata-se de um processo mais ou menos demorado e dispendioso»[7]. O acórdão recorrido e, antes dele, a sentença deram por provado a assinatura a rogo e o reconhecimento notarial apostos na segunda autorização bancária (ponto 47) do elenco factual provado), com recurso não apenas à prova testemunhal. Na verdade, atenta a prova de que no mesmo mês em que o banco réu facultou um impresso de autorização e lhe exigiu o reconhecimento notarial da assinatura a rogo do mesmo, CC veio a entregar esse impresso no banco réu – pontos 45 a 47, primeira parte do elenco provado –, entendeu o acórdão recorrido que “Para além disso, permaneceu no canto superior direito do original da autorização um carimbo do cartório notarial (fls. 244). Foi pedido ao cartório notarial o comprovativo, tendo o mesmo atestado ter aí sido efectuado um reconhecimento de assinatura no dia indicado, comprovado com o constante do Livro de Emolumentos e Selo dos Reconhecimento (fls. 302/305). Com base nestes elementos, é de considerar que a dita autorização foi acompanhada do respectivo reconhecimento notarial da assinatura a rogo efectuada pela testemunha II, que reconheceu a assinatura como sua (…)”. Não existe dúvida que a assinatura por II a rogo de CC e o reconhecimento notarial da assinatura a rogo e leitura e explicação do documento à rogante reconstituíram-se primacialmente a partir de três documentos: no documento consubstanciador da autorização bancária, que contém no canto superior direito, o selo do cartório notarial indiciador da intervenção de notário; no documento produzido pelo cartório notarial a atestar o reconhecimento da assinatura no dia indicado; e, no Livro de Emolumentos e Selo dos Reconhecimentos que também o confirme. Foi este princípio de prova documental que permitiu ao tribunal considerar o depoimento de outras testemunhas e dar por provado o referido ponto 47, comungando, desse modo, com a doutrina citada o entendimento de que a proibição da produção de prova testemunhal afirmado no artigo 393.º, n.º 1, do Cód. Civil conhece esta excepção, em concreto verificada. Decorre, pois, do exposto que não foi infringida qualquer disposição de direito probatório material no acórdão recorrido e que se tem de manter o ponto n.º 47 do elenco factual provado (os demais visados pela Recorrente não se inserem sequer nesta problemática), à luz do que está estabelecida a autoria da referida autorização bancária na pessoa de CC, não se vendo como perante ela o Banco tenha violado qualquer dever fundador de putativa responsabilidade perante a autora. A resolução da questão suscitada no recurso – tal como foi atrás enunciada, então com as explicações necessárias a ela atinentes – no sentido de que a prova da assinatura a rogo e do reconhecimento presencial na segunda autorização bancária, prestada por CC a DD, redunda na validade total dessa autorização e, em função do seu teor, na legitimidade (à sua luz) das operações bancárias ordenadas pela autorizada e do seu cumprimento pelo banco réu ordenado, cuja responsabilidade perante a autora não existe por não demonstrada a violação de qualquer dever legal, conduz à confirmação do verecdito judiciário da 2.ª instância. Aliás, não deixa de se notar que, mesmo no caso de outra ser a solução a dar à questão de mérito do recurso, então com o desfecho contrário de se afirmar a invalidade da prova produzida com repercussão necessária na exclusão do aludido ponto 47, sempre a acção seria julgada improcedente. De facto, nesse caso, subsistiria como válida a primeira autorização prestada por CC a DD, relativamente à qual não se suscitaram ou suscitam dúvidas legais referentes aos formalismos necessários ao estabelecimento da respectiva validade/autoria (cfr. os pontos 36) a 42) do elenco factual provado), e, nessa medida, a segunda autorização, se inválida, nunca produziria efeitos revogatórios sobre a primeira, tanto mais que apenas a visou ampliar (cfr. pontos 44), 45) e 50) desse elenco factual), isto é, corrigir a restrição existente de pedido de segundas vias de depósitos efectuados com o que se não relacionam as transferências bancárias visadas na acção. Deste modo, sempre com base nesta autorização originária, o banco estaria não apenas legitimado, como obrigado, a cumprir as ordens de DD, tanto mais que, ao longo dos anos CC (ou alguém a seu pedido) não manifestaram perante a BB qualquer oposição ou discordância a tais movimentações a débito das contas daquela e as autorizações em causa exibiam-se como naturais e compreensíveis em face da idade, deficientes condições físicas e iliteracia por parte da titular das contas e da relação de confiança que existia entre esta e a autorizada (cfr. pontos 51) e 52) do mesmo elenco factual). Nesta conformidade, improcedem as conclusões da Recorrente, a quem não assiste razão em se insurgir contra o decidido no acórdão recorrido que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola as disposições legais que indica.
IV – Decisão Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pela Recorrente. * Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC). * Lisboa, 21 de Março de 2019
António Joaquim Piçarra (Relator) Olindo Geraldes Maria do Rosário Morgado ________________ |