Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2230/21.2T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
DENÚNCIA
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
EFICÁCIA
LEI APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
RENDA
VALOR LOCATIVO
EQUIDADE
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 09/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: -NEGADA A REVISTA INTERPOSTA PELA RÉ;
-CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA INTERPOSTA PELAS AUTORAS
Sumário :
I – A denúncia de um contrato de arrendamento como forma típica de cessação do contrato consiste na comunicação de uma parte à outra da sua intenção de pôr lhe pôr termos a partir de determinada data;

II – Tal comunicação tem natureza unilateral e receptícia e produz efeitos logo que chega ao conhecimento da outra parte, sendo-lhe aplicáveis os requisitos formais e substanciais vigentes nessa data, irrelevando as alterações legislativas posteriores quanto à exigência de prazo mais longo de pré-aviso ou de confirmação da intenção de fazer cessar o contrato na data anteriormente comunicada.

III – Tendo o valor devido pela ocupação do locado após a cessação do contrato de arrendamento sido fixado com base em critérios de equidade (artigo 566.º n.º 3 do Código Civil) a sua alteração pelo Supremo Tribunal de Justiça só se justifica se o valor concretamente arbitrado pelas instâncias não se contiver, de forma manifesta, no padrão dos critérios utilizados em circunstâncias semelhantes ou se a decisão assentar em premissas carecidas de fundamento factual, o que não sucede quando o valor da indemnização tem por referência o valor da renda que vinha sendo praticada.

IV – Ao valor da indemnização assim fixada equitativamente acrescem juros de mora, nos termos da parte final do artigo 805.º n.º 3 do Código Civil, a partir da citação.

Decisão Texto Integral:

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

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RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1) AA e BB, demandaram a Óptica C..., Ldª, com sede em ..., pedindo que, procedendo a acção, fosse a ré condenada nos seguintes termos:

a. A reconhecer que as autoras são proprietárias do prédio urbano que identificam na petição;

b. A reconhecer a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento correspondente ao rés do chão do prédio urbano, com efeito, senão antes, ao dia 1 de fevereiro de 2020;

c. A restituir às autoras o rés do chão do citado prédio urbano livre de pessoas e bens;

d. A pagar às autoras a quantia mensal de € 2.000,00 a título de indemnização pela ocupação do rés do chão a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de abril de 2021 até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 30.000,00;

e. A reconhecer o direito das autoras a fazerem sua a quantia de € 8.701,98 que foi paga pela ré, sendo este montante deduzido à indemnização que é devida.

Subsidiariamente, pediram as autoras a condenação da ré:

f. Para a hipótese de se considerar não ser devida a quantia mensal de € 2.000,00, a pagar às autoras a quantia mensal de, pelo menos, € 1.400,00 a título de indemnização pela ocupação do rés do chão a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de abril de 2021 até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 21.000,00;

g. Para a hipótese de se considerar não ser devida a quantia mensal de € 1.400,00, a pagar às autoras a quantia mensal de € 725,15 a título de indemnização pela ocupação do rés do chão a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de abril de 2021, até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 10.877,25.

Ainda subsidiariamente, pediram as autoras:

h. Para a hipótese de se considerar que a denúncia do contrato de arrendamento só produziu efeitos decorridos cinco anos após a comunicação à ré, a reconhecer que os efeitos se produziram no dia 1 de fevereiro de 2023 e a entregar o rés do chão livre de pessoas e bens nesta data, sem prejuízo das obrigações que resultam do contrato de arrendamento, nomeadamente a de pagamento das rendas devidas com o acréscimo legal resultante da mora.

2) Alegaram as autoras para tanto, e em síntese, que:

São proprietárias de um prédio urbano que descrevem, sito na Rua ... em ... relativamente ao qual celebraram com a ré, em 29 de dezembro de 2000, um contrato de arrendamento – com início em 1 de janeiro de 2001 – a fim de ali ser explorado pela ré um estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematográfico, audiometria e instrumentos de precisão.

No dia 28 de dezembro de 2017, nos termos do artigo 1101.º alínea c) do Código Civil, comunicaram à ré a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos a partir do dia 1 de fevereiro de 2020, não tendo a ré procedido à entrega do locado, pretendendo as autoras ser indemnizadas pelos prejuízos daí decorrentes.

3) A ré deduziu contestação, alegando, além do mais, que:

O estabelecimento comercial que explora existe há 125 anos e funciona no rés do chão há mais de 100 anos, tendo o locado sempre sido utilizado pelos sucessivos proprietários do estabelecimento comercial como arrendatários;

No dia 29 de dezembro de 2000 não foi celebrado um novo contrato de arrendamento, sucedendo apenas que nessa data foi celebrado entre as autoras e a sociedade comercial constituída entre o anterior proprietário do estabelecimento, filho e netos, um acordo escrito nos termos do qual a sociedade comercial, ora ré, passava a figurar como arrendatária do locado.

Mais alega que o estabelecimento comercial em causa foi reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural, pelo que beneficia do regime previsto na Lei nº42/2017 de 14 de junho;

As autoras não têm direito à denúncia do contrato de arrendamento nos termos em que o fizeram e a ré não está obrigada a entregar o locado na data indicada pelas autoras.

4) No termo da tramitação do processo em primeira instância foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré:

- “a reconhecer que as autoras são proprietárias do prédio urbano de rés-do-chão e quatro andares sito na Rua ..., na União de Freguesias de ..., em ..., descrito no artigo 765º da matriz predial e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...73;

- A reconhecer o direito das autoras a fazerem sua a quantia de € 8.701,98 que foi paga pela ré.”

A sentença absolveu a ré dos demais pedidos contra ela formulados.

5) Inconformadas as autoras apelaram da sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por seu acórdão de 9 de março de 2023, decidiu julgar o recurso parcialmente procedente, revogando, também parcialmente, a sentença proferida em primeira instância e, desse modo:

- Condenou a Ré a reconhecer a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre ela e as autoras e que a denúncia produziu efeitos a partir de 1 de fevereiro de 2020;

- Condenou a ré a restituir às autoras o local objeto do contrato;

- Condenou a ré a pagar às autoras a quantia mensal de € 725,15 (setecentos e vinte e cinco euros e quinze cêntimos) desde 2 de fevereiro de 2020 até à entrega do mencionado local, livre de pessoas e bens, determinando que a esse valor seja descontado o valor entretanto pago pela Ré às autoras.


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Parte II – As Revistas

A) O recurso interposto pela ré

6) Inconformada com o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães mencionado no ponto anterior a ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça formulando as seguintes CONCLUSÕES nas suas alegações de recurso:

“I – A denúncia efetuada pelas Recorridas por carta datada de 20/12/2017 destinava-se a produzir efeitos a partir de 01/02/2020;

II – O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em 29/12/2020, reporta-se a um arrendamento para fins não habitacionais, sem duração limitada e na vigência plena do Decreto-lei nº 321-B/90 de 15/10;

III – O contrato de arrendamento em causa nunca transitou para o chamado NRAU por nunca as Recorridas terem dado cumprimento ao disposto no artigo 50.º da Lei nº 6/2006 de 27/02;

IV – Ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se considere que o designado regime do NRAU é aplicável ao contrato dos autos as Recorridas teriam que dar cumprimento ao disposto no artigo 1104.º do Código Civil o que manifestamente nunca foi cumprido.

Nos termos expostos entende a Recorrente que o Douto Acórdão, aqui sob censura, deve ser revogado na parte em que validou a eficácia da denúncia do contrato de arrendamento em apreciação nos autos com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020 e, em consequência, na parte em que condena a Recorrente a restituir às Recorridas o local arrendado.”

7) As autoras apresentaram articulado de resposta às alegações do recurso interposto pela ré, concluindo pela forma seguinte:

“1. A denúncia do contrato de arrendamento e seus efeitos, referenciados no ponto 11 e 12 da matéria de facto provada, rege-se pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, regime em vigor na data da comunicação, como decorre do art.º 12.º n.º 2, 1.ª parte do Código Civil, (cfr. Ac. STJ de 12-09-2019, n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1; Ac. STJ. de 23.03.2021, em que foi Relatora, a Exma. Conselheira Maria João Vaz Tomé, Processo: 6208/19.8T8PRT.P1.S1, JusNet 3948/2021; e Ac. RP de 9.11.2000, Relatora, Dra. Ana Paula Pereira de Amorim).

2. A alínea c) do art.º 1101.º do C.C., aplicável ao caso dos autos, dispunha na data da comunicação de denúncia que "o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada" "mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação", de modo que a denúncia a que se alude no ponto 12 dos factos provados é válida e juridicamente eficaz, produzindo, neste caso, relativamente à Ré, definitiva e irreversivelmente, o efeito extintivo visado pelas I e II AA.

3. A afirmação da Ré de que o contrato de arrendamento em causa (que agora já admite ser de 29.12.2000), “nunca transitou para o chamado NRAU por nunca as Recorridas terem dado cumprimento ao disposto no art.º 50.º da Lei n.º 6/2006 de 27/02”. (Conclusão III); além de nova e inócua, é contraditória com o que alude nas motivações, bem assim com a posição manifestada nas cartas da autoria da própria, materializadas nos documentos 9 e 11 juntos com a p.i. e não impugnados.

4. Tal argumento só pode resultar de confusão ou equívoco, pois não se vislumbra a razão, bem assim a relevância ou efeito prático para o caso sub judice, nem, aliás, a Ré o explica, tornando-se, assim, ininteligível o argumento e alcance do mesmo para impedir a denúncia do contrato.

5. O art.º 1104.º do CC., com a redação que lhe era dada à data da denúncia, não obrigava as AA., Recorrentes, a confirmar essa denúncia, muito menos, e sob pena de ineficácia, com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efectivação.

6. Apesar da loja em causa, nada ter de “história e/ou histórico”, pese embora a errada fundamentação jurídica e ilegal “integração” do que o tribunal de primeira Instância entendeu e designou como “lacuna”, interpretando como aplicável à situação sub judice, e, de certo modo, como que “admitido” pelo tribunal a quo, é que o art.º 13.º, n.º 3 da lei 42/2017 de 14.06, conjugado com a al. d) do n.º 4 do art.º 51.º do NRAU (Lei 6/2006, de 27.02), apenas se aplica e/ou tem previsão quanto às situações de “oposição à renovação do contrato” e em relação aos arrendamentos que tenham transitado para o NRAU nos termos da lei então aplicável, sendo, por conseguinte, inconstitucional a interpretação em causa, bem assim, e no mínimo, estranho, que o legislador, ao contrário do que alude o tribunal a quo, se refira a estes dois pressupostos, fazendo constar expressamente a aplicação expressa à situação dos arrendamentos que transitaram para o NRAU, logo com prazo definido, e se possa sustentar que não previu situações como a decorrente em discussão nos autos.

7. A falta de razão da Ré é tão notória, que salta à vista que o propósito é protelar a entrega do prédio às AA., Recorridas, mesmo sabendo que os seus argumentos não têm o mínimo de cobertura legal, não sendo despiciendo a tal conduta o facto do Tribunal a quo ter fixado a título de indemnização a favor das AA. precisamente o exíguo valor mensal que a Ré paga de renda.

Pelo que o Tribunal a quo não violou qualquer das normas legais citadas pela Recorrente, devendo, por conseguinte, o recurso improceder in totum, com as devidas consequências legais…”


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B) O recurso interposto pelas autoras

8) As autoras, por sua vez, também inconformadas com o teor do decidido em segunda instância, interpuseram igualmente recurso de revista independente, cujas alegações rematam com as seguintes conclusões:

“I. Sobre o documento junto aos autos pela ré com a contestação (fotocópia de suposta declaração, tipo “diploma”, “lojas com história ...”), as autoras impugnaram o seu teor, letra e assinatura, sem que o tribunal a quo daí extraísse efeito, antes valorizou, (tal como havia feito o tribunal de primeira instância embora em moldes diferentes), para fundamentar o decidido, em claro erro de julgamento de valoração da matéria de facto e de direito e violação do disposto, entre outros, dos 640.º, 662.º n.º 1, 607., n.º 4, ex vi art.º 663.º n.º 2 todos do Código de Processo Civil.

II. Mesmo abstraindo da inaplicabilidade do referido diploma legal (Lei 42/2017 de 14.06), à situação sub judice, a dita loja e mesmo o prédio em que se insere não tem qualquer elemento diferenciador ou de relevo que suscite interesse e se enquadre na previsão legal, prova que, de todo o modo, e como se referiu já, competia à ré.

III. À ré incumbe não só a restituição do locado livre de pessoas e bens, com efeitos desde 01.01.2020, como o dever de suportar, desde essa data, o valor médio mensal (2.000,00 €) referenciado no ponto 16 da matéria de facto provada ou, se assim se não entender, o valor mínimo aí referenciado (1.500,00 €), a título de indemnização, pela ocupação indevida e ilegítima, que se mantém, até à entrega do locado livre de pessoas e bens.

IV. Impende sobre a ré, nos termos do disposto no art.º 805.º n.º 2 e 806.º n.º 1 e 2, ambos do Código Civil, o pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal, sobre a data de vencimento de cada uma das quantias mensais a que a ré foi ou vier a ser condenada.

V. Tendo decidido como decidiu o tribunal a quo violou, entre outros, os artigos disposto nos artigos 374.º n.º 1, 376.º n.º 1, “a contrario”, 342.º n.º 1, 2 e 3, 352.º, n.º 1, 357.º n.º 1, 360.º, 361.º, 483.º, 487.º, 562.º, 566.º n.º 3, 805.º n.º 2 e 806.º n.º 1 e 2, 1067.º e 1079.º, 1101.º al. c), na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, todos do CC.; art.º 441, n.º 1, 465.º n.º 1, al. a), 466.º, n.º 1 e 3, 640.º, 662.º n.º 1, 607., n.º 4, ex vi art.º 663.º n.º 2 todos do Código de Processo Civil;

VI. Atento o supra exposto, resulta que o Acórdão em causa deve alterar-se, dando-se como não provado o ponto 17 da matéria provada, no segmento de que o estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural, bem assim condenando a recorrida a pagar às autoras indemnização nos termos do ponto III das conclusões, incluindo juros de mora, assim se fazendo Justiça.”

9) A ré apresentou resposta ao recurso interposto pelas autoras defendendo, em suma, que ele carece de sentido e que a solução do presente litígio passa pela procedência do recurso por si interposto e pela revogação do acórdão recorrido e confirmação da decisão proferida em primeira instância.


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10) Colhidos os vistos legais dos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o presente acórdão, importa agora decidir as questões colocadas pelos autores, ora recorrentes.

Atendendo às conclusões das alegações do recurso apresentadas pelos recorrentes enunciam-se as seguintes questões carecidas de apreciação:

A) No recurso de revista interposto pela ré a da validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento celebrado em 29 de dezembro de 2000;

B) No recurso de revista interposto pelas autoras a do alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a do valor mensal da indemnização devida pela ocupação da fracção identificada nos autos e a do direito das autoras aos juros de mora sobre esse valor.

Comecemos por elencar os factos provados.


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FUNDAMENTAÇÃO

Parte I – Os Factos

A) Factos Provados

São estes os factos considerados provados tal como descritos no acórdão recorrido e de acordo com as modificações então introduzidas:

“1. As autoras são proprietárias do prédio urbano de rés-do-chão e quatro andares sito na Rua ..., na União de Freguesias de ..., em ..., descrito no artigo 765º da matriz predial e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...73;

2. A mãe das autoras era titular de metade do usufruto deste prédio urbano;

3. Por escritura pública outorgada no dia 23 de agosto de 2010, a mãe das autoras renunciou ao usufruto;

4. No rés-do-chão do prédio urbano é explorado o estabelecimento comercial denominado Óptica C..., Ldª;

5. Este estabelecimento comercial existe desde, pelo menos, 1983, altura em que era explorado por CC;

6. Desde, pelo menos, essa data que o estabelecimento funciona naquele local ao abrigo de um contrato de arrendamento.

7. Após o falecimento do fundador passou por várias gerações, sempre de pai para filho;

8. A partir do ano de 1963, passou a ser explorado por DD que era neto do fundador;

9. O estabelecimento comercial sempre funcionou no rés-do-chão ao abrigo de um contrato de arrendamento que se manteve o mesmo ao longo de várias dezenas de anos, tendo sido sempre entregue a renda mensal acordada e emitidos os recibos;

10. (Eliminado do elenco dos factos provados pelo acórdão recorrido) 1;

11. No dia 29 de dezembro de 2000, por acordo entre todos, foi celebrado um documento escrito entre a mãe das autoras, que ainda era titular de metade do usufruto, as autoras e a ré em que foi acordado o seguinte:

- A mãe das autoras e as autoras arrendavam à ré o rés-do-chão do prédio urbano mediante o pagamento da renda anual de € 7.481,96;

- A renda era paga em duodécimos mensais no valor de € 623,49;

- O arrendamento era pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 1 de janeiro de 2001;

- O rés-do-chão arrendado destinava-se a estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematográfico, audiometria e instrumentos de precisão.

12. No dia 28 de dezembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, as autoras comunicaram à ré que denunciavam o contrato de arrendamento com efeito no dia 1 de fevereiro de 2020, carta que a ré recebeu 2.

13. A ré não entregou o rés-do-chão às autoras;

14. As autoras pretendem fazer obras no prédio urbano mantendo o rés do chão destinado a comércio, mas transformando os andares de um edifício adaptado a escritórios para um edifício residencial;

15. O prédio urbano está situado no centro da cidade de ...;

16. Atualmente, a renda mensal para o arrendamento de espaços idênticos ao rés-do-chão é no valor entre € 1.500,00 e € 2.500,00;

17. O estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural desde 1 de junho de 2018.

18. A ré depositou na conta conjunta das autoras um valor mensal igual ao que era devido a título de renda relativa a janeiro de 2020 a março de 2020, no global de 2.175,45 €, valor que as autoras devolveram à ré, que os recebeu e fez seu.


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Parte II – O Direito

1) Foram interpostos dois recursos de revista independentes.

No recurso de revista interposto pela ré o inconformismo da recorrente reporta-se à solução dada à questão da validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento realizada pelas autoras.

Já o recurso de revista interposto pelas autoras tem por objecto três questões diversas:

- a do eventual erro de julgamento da matéria de facto por alegada desconsideração da sua posição em relação ao documento junto pela ré e da qual o acórdão recorrido extraiu a resposta dada ao facto 17 – nesta parte pretendem as autoras que seja dado como não provado o aludido facto no segmento relativo ao reconhecimento do estabelecimento comercial como estabelecimento de interesse histórico e cultural;

- a do valor da indemnização arbitrada pela ocupação da fracção do imóvel de que as autoras são proprietárias após a cessação por denúncia das autoras do contrato de arrendamento;

- a da condenação da ré no pagamento dos juros de mora desde a data do respectivo vencimento sobre as importâncias mensais arbitradas a título de indemnização pela ocupação do imóvel a partir de fevereiro de 2020.

Vejamos, começando pelo recurso interposto pela ré.


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A) DA REVISTA INTERPOSTA PELA RÉ

2) A revista interposta pela ré está centrada, como já se assinalou, na questão da validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento nos termos em que foi levada a cabo pelas autoras.

Importa por isso, ainda que sumariamente, descrever o regime da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio que se encontrava vigente à data em que ele teve lugar.

Provado está que no dia 20 de dezembro de 2000 foi celebrado entre as autoras e a ré um contrato de arrendamento relativo a uma fracção de um imóvel, propriedade daquelas, para exercício da actividade comercial a que a ré se dedica, pelo prazo de um ano, renovável, com início em 1 de janeiro de 2001.

À data da celebração do contrato vigorava o Regime do Arrendamento Urbano (RAU) na redacção original, isto é, a dada pelo Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de outubro.

3) De acordo com o estipulado no artigo 117.º n.º 1 do referido diploma (na redação do Decreto-Lei 257/95 de 30 de setembro então vigente) era lícita a convenção através da qual as partes de um contrato de arrendamento fixavam um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria, desde que a respectiva cláusula constasse inequivocamente de contrato escrito assinado pelas partes.

Assim sucede no caso presente, conforme resulta da análise do contrato de arrendamento junto aos autos, em especial da cláusula primeira – as partes fixaram de forma inequívoca o prazo de duração do contrato prevendo, no entanto, a respectiva renovação.

Para este tipo de contratos de arrendamento previa, por sua vez, o artigo 118.º do mesmo diploma a sua renovação automática no fim do prazo de duração do contrato, e por igual período, se – como sucede no caso presente – outro não tivesse sido expressamente estipulado, quando o contrato não fosse denunciado nos termos legais por qualquer das partes.

No caso presente as partes, podendo ter estipulado por escrito um prazo de pré-aviso para a denúncia do contrato, nada acordaram sobre essa matéria.

4) A Lei 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU) veio repor no Código Civil os artigos 1064.º a 1113.º reintroduzindo naquele diploma basilar do direito civil vigente o regime do arrendamento dos prédios urbanos, nomeadamente a respeito da cessação do contrato (artigos 1079.º e seguintes) servindo como elemento diferenciador dos regimes, qualquer que fosse o seu fim, a circunstância de o contrato ter prazo certo ou duração indeterminada.

Para os contratos com prazo certo o artigo 1097.º do Código Civil previa a possibilidade de oposição à renovação por parte do senhorio mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a um ano e para os contratos de duração indeterminada previam os artigos 1099.º e 1101.º do Código Civil a cessação do contrato de arrendamento por denúncia do senhorio, sendo que nos casos da alínea c) deste último preceito – denúncia não motivada – a comunicação ao arrendatário teria que ser feita com a antecedência mínima de cinco anos.

Por sua vez a Lei 31/2012, de 14 de agosto veio alterar a redação da alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil reduzindo a antecedência mínima para a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio para dois anos.

Estas disposições têm natureza imperativa e são aplicáveis aos contratos existentes à data da entrada em vigor da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro (e da Lei 31/2012, de 14 de agosto).

5) A denúncia é o meio de que qualquer das partes se pode socorrer para fazer cessar o contrato de arrendamento de duração indeterminada, sendo equivalente nos seus efeitos à oposição da renovação dos contratos com prazo certo, ainda que a antecedência da comunicação à outra parte obedeça a regras diferentes.

É uma figura privativa dos contratos cuja execução se prolonga no tempo de forma continuada e que se renovam ou persistem por vontade, real ou presumida, das partes ou por imposição legal e consiste numa declaração feita por uma das partes à outra, com determinada antecedência em relação ao termo do período temporal do contrato em curso, de que pretende fazer cessar o contrato.

A finalidade típica da denúncia é a de fazer cessar unilateralmente o contrato ou impedir a sua renovação automática, extinguindo a relação obrigacional vigente.

6) Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de março de 2021 desta 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio tem de ser realizada com antecedência em relação ao termo do período negocial em curso, “isto é, com observância do prazo não inferior àquele para o efeito legalmente previsto”, sendo a indicação da data concreta em que se extingue a relação contratual um elemento necessário dessa denúncia.

Com o citado acórdão se dirá que, atenta a sua natureza receptícia, “para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário”, sendo irrelevantes as alterações legislativas que possam ocorrer em relação aos requisitos formais da sua validade e eficácia, como claramente decorre do disposto no artigo 12.º n.º 1 e 2 do Código Civil.

Daí que se conclua que não é aplicável ao caso presente o artigo 1101.º alínea c) do Código Civil, na redação dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, mas sim a redacção anterior, vigente à data da comunicação realizada pelas autoras.

7) As autoras procederam à denúncia do contrato de arrendamento objecto dos autos em 28 de dezembro de 2017, comunicando à ré através de carta registada por esta recebida, que não pretendiam a continuação do contrato a partir de 1 de fevereiro de 2020.

Considerando que o contrato de arrendamento teve início em 1 de janeiro de 2001 e se tinha vindo a renovar por períodos anuais, há que concluir que a denúncia do contrato de arrendamento foi efectuada pelas autoras com a antecedência devida, no caso, de dois anos.

Assim sendo, e mesmo que dúvidas se suscitassem acerca da aplicação ao caso presente do regime de oposição à renovação pelo senhorio em caso de contrato de arrendamento com prazo certo (artigo 1097.º do Código Civil) ou de denúncia pelo senhorio de contrato de arrendamento por tempo indeterminado (artigo 1101.º alínea c) do Código Civil), sempre se deveria concluir que as autoras observaram o período de antecedência mínima necessário a fazer cessar o contrato de arrendamento ou impedir a sua renovação com efeito a partir de 1 de fevereiro de 2020.

8) Sendo irrelevante para a solução do caso presente a redacção introduzida ao artigo 1101.º do Código Civil pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro (que alargou o prazo da denúncia imotivada do contrato de arrendamento para cinco anos e repristinou a necessidade de confirmação da denúncia que havia sido instituída pela Lei 6/2006, de 27 de fevereiro no artigo 1104.º do Código Civil revogado pelo artigo 13º da Lei 31/2012, de 14 de agosto e se encontrava revogada) há que concluir que as autoras comunicaram validamente à ré a sua intenção de fazer cessar o contrato respeitando o prazo legal de antecedência mínima de dois anos então estabelecido no artigo 1101.º c) do Código Civil, levando regularmente ao conhecimento da ré a sua intenção de impedir a renovação do contrato de arrendamento vigente a partir de fevereiro de 2020.

9) É igualmente irrelevante para o caso presente a circunstância de o contrato de arrendamento respeitar a um local onde funciona um estabelecimento comercial reconhecido como de interesse histórico e cultural pelo Município de..., nos termos da legislação respectiva, desde 1 de junho de 2018.

Tendo a denúncia do contrato efectuada pelas autoras natureza unilateral e receptícia no caso dos autos foi levado ao conhecimento da ré, e produziu por isso imediatamente efeito quando conhecida do destinatário, a comunicação à ré da intenção de fazer cessar o contrato com a antecedência prevista na lei em data anterior à do reconhecimento do interesse histórico e cultural do locado.

A qualificação posterior do estabelecimento comercial explorado pela ré como de interesse histórico e cultural não tendo efeito retroativo à data da denúncia, não tem a virtualidade de lhe conferir a proteção estabelecida no artigo 51.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro na redação da Lei 42/2017, de 14 de junho.

10) Do que vem de ser dito se conclui que não assiste razão à ré quanto à questão central colocada nas suas alegações do presente recurso de revista, tendo ela deixado de ter qualquer título legítimo de ocupação da fracção do imóvel arrendado a partir de 2 de fevereiro de 2020.

A revista interposta pela ré improcede.


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B) DA REVISTA INTERPOSTA PELAS AUTORAS

11) E quanto ao recurso de revista interposto pelas autoras?

Analisemos separadamente cada uma das questões suscitadas.

A primeira questão colocada pelas autoras prende-se com o erro de julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação.

Não cabe, porém, no âmbito do presente recurso de revista a apreciação desta questão.

Conforme dispõe o artigo 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil não pode ser objecto de recurso de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

Só assim não sucede quando a decisão em causa contrarie disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a afirmação da existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Não sendo esse o caso, isto é, quando o Tribunal da Relação avalie as provas disponíveis de acordo com a sua livre convicção (artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil) na ausência de norma expressa sobre a exigência de um determinado meio de prova ou sobre o seu valor probatório, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar a decisão recorrida sobre a matéria de facto.

12) No caso dos autos pretendem as autoras impugnar a relevância atribuída no acórdão recorrido a um documento emitido pela entidade competente – o Município de ... – de cujo teor resulta o reconhecimento do estatuto de loja de interesse histórico e cultural.

Ainda que, em função da prova testemunhal indicada pelas autoras, se pudesse divergir dos critérios adotados pela entidade competente para reconhecer o estabelecimento comercial como local de interesse histórico e cultural, o certo é que, nem por isso deixaríamos de estar perante um erro de julgamento e é seguro que não se verifica a hipótese excepcional da parte final do artigo 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

O que inviabiliza a apreciação nesta sede do alegado erro de julgamento da matéria de facto.

13) A segunda questão colocada pelas autoras é a do valor da indemnização arbitrada pela ocupação da fracção do imóvel de que as autoras são proprietárias após a cessação decorrente da já analisada comunicação das autoras para fazer cessar o contrato de arrendamento.

O Acórdão recorrido fixou o valor da indemnização devida pela ocupação ilegítima do imóvel a partir de 1 de fevereiro de 2020 com recurso a critérios de equidade, tomando por referência o valor da renda mensal que era paga à data da cessação da vigência do contrato – € 725,15 (setecentos e vinte e cinco euros e quinze cêntimos).

Defendem as autoras ora recorrentes que o valor da indemnização deve ser fixado tendo em conta o facto descrito sob o ponto 16) do elenco dos factos provados – “Atualmente, a renda mensal para o arrendamento de espaços idênticos ao rés-do-chão é no valor entre € 1.500,00 e € 2.500,00”

14) Extrai-se da fundamentação da decisão recorrida 3 que através da prova produzida em audiência não resultou provado o concreto valor de arrendamento de espaços idênticos ao ocupado pela ré naquela zona da cidade de ..., estimando-se apenas que ele poderia variar entre 1.500,00 euros e 2.500,00 euros mensais.

O valor do prejuízo sofrido pelas autoras com a ocupação ilícita da fracção a partir de fevereiro de 2020 deriva da privação da sua utilização, muito embora se desconheça que destino pretendiam as autoras dar à fracção do imóvel se dela dispusessem livremente.

Certo é que, conforme decidido no acórdão recorrido, cessado o contrato de arrendamento que legitimava a ocupação da fracção do imóvel por parte da ré esta não procedeu à sua entrega às autoras por forma a permitir que estas, no exercício do seu direito de propriedade, a utilizassem do modo que entendessem.

E não se tendo apurado o valor exacto do dano sofrido pelas autoras, foi o mesmo fixado co recurso a critérios de equidade, partindo do valor da renda praticado à data da cessação da vigência do contrato.

15) Constitui jurisprudência sedimentada neste Supremo Tribunal de Justiça que, tendo as instâncias fixado o valor da indemnização devida com recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 566.º n.º 3 do Código de Processo Civil, por não envolver a apreciação de uma questão de direito, a alteração de tal decisão só se justifica se o valor concretamente arbitrado extravasar os critérios utilizados em circunstâncias semelhantes ou se assentar em premissas carecidas fundamento factual, “cingindo-se a sua apreciação ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” , como se escreve, por exemplo, no Acórdão desta secção de 23 de fevereiro de 2021, publicado in www.dgsi.pt.

Ora no caso presente o acórdão recorrido socorreu-se de um critério objectivo e não arbitrário alcançando uma solução equilibrada ao fazer corresponder o valor da indemnização pela ocupação ilegítima ao valor da renda que, tendo sido oportunamente fixada por vontade das partes, era praticada à data da cessação do contrato.

O acórdão recorrido não merece, também nesta parte, qualquer censura.

16) A terceira questão colocada na revista das autoras é relativa aos juros de mora que as recorrentes entendem ser devidos sobre o montante arbitrado a título de indemnização pela ocupação ilegítima da fracção após a cessação do contrato de arredamento.

17) As autoras formularam de facto o pedido de pagamento do valor dos juros de mora sobre a quantia que viesse a ser fixada pela indemnização pela ocupação da fracção do imóvel a partir da cessação do contrato de arrendamento, sem olvidar que, tal como reconhecido no acórdão recorrido, sempre elas teriam direito a fazer suas quantias entretanto entregues pela ré.

De acordo com os princípios gerais sobre a mora do devedor, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo a indemnização ao valor dos juros a contar do dia da constituição em mora.

No caso dos autos, porém, o valor da indemnização a suportar pela ré pela ocupação ilegítima da fracção do imóvel de propriedade das autoras com base na violação do respectivo direito a partir de fevereiro de 2020 apenas foi tornado líquido e determinado no acórdão recorrido, servindo para o seu cálculo global, a apurar aquando da entrega, a referência a um valor mensal fixado equitativamente.

Tratando-se de responsabilidade civil por facto ilícito o devedor ficou constituído em mora a partir da citação, tal como previsto na parte final do artigo 805.º n.º 3 do Código Civil.

18) São, pois, devidos juros de mora à taxa legal para os juros civis, contabilizados sobre o valor da indemnização a calcular tendo em conta a data da efectiva entrega da fracção do imóvel e a quantia que as autoras foram autorizadas a fazer coisa sua, desde a data da citação da ré.

Sendo o acórdão recorrido omisso quanto à condenação da ré em juros de mora nos termos indicados, deve a revista ser julgada parcialmente procedente e alterado o acórdão recorrido.

19) As custas do recurso de revista interposto pela ré são da sua exclusiva responsabilidade por ter ficado vencida.

Quanto ao recurso de revista interposto pelas autoras, dada a representação económica da respectiva procedência parcial, limitada à questão dos juros de mora, fixa-se a responsabilidade das custas em 2/3 para as autoras e em 1/3 para a ré, tendo em conta as regras gerais em matéria de tributação.


֎ ֎


DECISÃO

Termos em que julgam:

- improcedente o recurso de revista interposto pela ré, confirmando nessa parte o acórdão recorrido;

- parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelas autoras, e confirmar integralmente o acórdão recorrido no que tange à condenação da ré:

- a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes por denúncia das autoras, a partir de 1 de fevereiro de 2020;

- a restituir às autoras o local que era objecto do contrato;

- a pagar às autoras indemnização calculada de acordo com a quantia mensal de 725,15 € (setecentos e vinte e cinco euros e quinze cêntimos) desde 2 de fevereiro de 2020 até à entrega do mencionado local, livre de pessoas e bens, descontando o valor entretanto pago;

- condenar a ré a pagar os juros de mora à taxa legal para os juros civis, contabilizados sobre o valor da indemnização a calcular nos termos atrás expressos, desde a data da citação da ré para a acção.

As custas do recurso interposto pela ré ficam a seu cargo.

A ré suportará ainda 1/3 das custas relativas ao recurso de revista interposto pelas autoras que fica responsável pelo pagamento do valor dos restantes 2/3.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 20 de setembro de 2023


Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Jorge Manuel Arcanjo Rodrigues

António Pedro de Lima Gonçalves

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1. O facto eliminado tinha a seguinte redação: “10. No mês de novembro de 2000, o referido DD constituiu a sociedade comercial ré juntamente com o filho EE e os netos FF e GG.”↩︎

2. A parte final deste ponto da matéria de facto resulta da decisão de aditamento tomada pelo acórdão recorrido sobre o ponto 12.↩︎

3. Pode ler-se no acórdão recorrido:

“Quanto ao valor dos preços de arrendamento que as AA. dizem serem praticados para imóveis semelhantes na zona e também referidos neste ponto, não houve prova segura dos mesmos.

Na verdade, as testemunhas HH (arquiteto que fez o projeto para alteração do prédio das AA.), II (trabalha na área de promoção e construção de imóveis) e JJ (trabalha na área de marketing) referiram valores díspares. O primeiro disse que as lojas naquela zona têm rendas que podem chegar aos 5.000/6000€. O segundo disse que uma loja semelhante pode ser arrendada por 3000/4000€ e terceiro adiantou valores na ordem dos 1700/2000€. Por outro lado, a referências aos valores de arrendamento, por parte das mencionadas testemunhas, não foram fundamentadas, nomeadamente com áreas e idade dos imóveis que referem e exemplos concretos. Deste modo, os valores referidos, por não estarem apoiados em factos, não podem ser atendidos por este Tribunal.↩︎