Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4118/19.8T80ER-A.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE SUBJETIVA
IDENTIDADE DE FACTOS
FACTOS ESSENCIAIS
OFENSA DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Apenso:
Data do Acordão: 05/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado, destinando-se a exceção de caso julgado a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual.

II. São requisitos do caso julgado, quando se propõe uma ação idêntica a outra, já transitada em julgado, a identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir.

III. Há identidade de sujeitos quando as partes sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adotem em ambos os processos.

IV. Há identidade de pedido quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito impetrado. O pedido, não deve ser entendido na pura literalidade em que se declara o petitório, mas com o alcance que decorre da respetiva conjugação como os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica.

V. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas demandas procede do mesmo facto jurídico, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender, independentemente da coloração jurídica dada, sendo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

I. A Exequente, Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda. vem intentar execução contra a Executada Pinto, Lima & Maias, Ld.ª, reclamando o pagamento da quantia de €76.789,92 acrescida de juros de mora, apresentando como título executivo uma sentença condenatória.

II. A Executada, Pinto Lima & Maias Lda. deduziu oposição mediante embargos à aludida execução, requerendo a extinção da execução.

Articulou, com utilidade, que na ação declarativa n.º 3553/18.7..., intentada pela Exequente contra si, na qual foi proferida a sentença dada à execução, após a sua citação, a Ré solicitou a concessão de apoio judiciário, juntando ao processo o comprovativo de o ter requerido e pedindo a suspensão do prazo para contestar.

A Ré não foi notificada da decisão da segurança social e só mais tarde soube que havia sido proferida sentença naquele processo, não tendo sido dela notificada, o que constitui uma nulidade, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC, só tomando conhecimento da mesma com a citação para a presente execução. Refere que a falta de intervenção em tal processo se justifica por motivo de força maior, integrando a previsão do artºs. 696º alínea e), subalínea iii) e 729º alínea d), ambos do Código de Processo Civil.

Mais alega que os factos que a Exequente invocou naquela ação são os mesmos que alegou e foram discutidos na ação declarativa que correu termos com o n.º 6999/13.0..., que contra ela foi intentada pela aqui Executada, na qual foi condenada, em virtude do reconhecimento do incumprimento do contrato de compra e venda celebrado, existindo por isso uma situação de caso julgado suscetível de integrar a previsão do art.º 729º alínea f) do Código de Processo Civil.

3. Recebidos liminarmente os embargos, veio a Embargada/Exequente/Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda. contestar, concluindo pela sua improcedência.

Começa por invocar a intempestividade dos embargos e mais defende que não existe caso julgado por não haver identidade de pedido e de causa de pedir nas duas ações e que a Executada foi citada regularmente na ação que correu termos e não a contestou, defendendo também a regularidade da ação da segurança social na tramitação do pedido de apoio judiciário.

4. Foi proferido despacho que considerou tempestivos os embargos, tendo sido solicitados elementos ao Processo n.º 6999/13.0... e à segurança social, que foram apresentados.

5. Foi designada data para a realização da audiência prévia, que se realizou a 1 de junho de 2023, constando da ata da diligência o seguinte:

“Após, pelo Mmº. Juiz foi dado início à audiência prévia, onde foi tentada a conciliação entre as partes, o que se mostrou infrutífero, mantendo as mesmas as suas posições controvertidas nos seus articulados.

Seguidamente foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para os efeitos do art.º 591º, nº 1 al) b do C.P.C., da qual fizeram uso, conforme resulta da gravação.

Assim, pelo Mmº. Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Abra conclusão nos presentes autos para prolação de despacho saneador.

Notifique.”

6. Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da lide e conheceu, desde logo, as questões suscitadas pela Embargada/Exequente/Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda., concluindo no sentido da improcedência dos embargos, nos seguintes termos que se reproduzem:

7. “A embargante invoca fundamentos de recurso de revisão (CPC 696º/e)), mas o presente Tribunal não é o competente para os apreciar (CPC 697º/1).

Mais alega que devia ter sido notificada da sentença exequenda (CPC 249º/5) – nulidade que invoca.

De acordo com a certidão junta, a sentença foi notificada para a sede da ora embargante (rua ... - ...), e veio devolvida com a indicação ‘mudou-se’; tendo a sentença sido remetida para a sede da embargante (conforme admitido no artigo 6º da p.i.), não se verifica a invocada nulidade.

Alega ainda existir caso julgado anterior (..-IV-..) à sentença exequenda (CPC 729º/f)) no processo 6999/13, mas, sendo a ora R. então A., desde logo se nota não existir coincidência de partes ou pedidos (CPC 581º).

Motivo por que se julga improcedente a excepção de caso julgado – sendo certo que não foi invocada qualquer “compensação” (tendo a aqui exequente sido então condenada a pagar à embargante a quantia de 39.586,30€, e juros).”

8. Inconformada com o decidido, recorreu a Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda., tendo a Relação conhecido do objeto da apelação ao proferir acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Embargada, mantendo-se a decisão recorrida.”

9. Novamente irresignada, a Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda. interpôs revista, formulando as seguintes conclusões.

“1. No caso em apreço, apesar de na decisão do Tribunal de Primeira Instância se referir expressamente, no quarto parágrafo, que se dispensava a realização da audiência prévia, o certo é que a mesma foi designada por despacho de 25/01/2023 (cfr. despacho judicial dessa data com a referência Citius n.º .......56) e formalmente realizada no dia 01/06/2023 (cfr. acta de audiência prévia – documento com a referência Citius n.º .......27).

2. Sucede, porém, e ao contrário do que se mostra expressamente previsto no n.º 2 do artigo 591.º, do Código de Processo Civil, o despacho que designou data para a realização da audiência prévia não mencionava o seu objecto e finalidade.

3. Acresce que, conforme se pode facilmente constatar da audição da gravação da diligência em questão, que durou uns singelos 7 minutos e 11 segundos, depois de ter sido tentada pelo Tribunal recorrido a conciliação das partes, algo que não se mostrou possível, «foi concedida a palavra aos Ilustres Mandatários das partes para os efeitos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, da qual fizeram uso, conforme resulta da gravação.”.

4. No entanto, conforme se extrai do processado e até mesmo da gravação da diligência em questão, as partes em litígio, nomeadamente a Recorrente/Embargante, não foram previamente consultadas/informadas quanto à intenção do Tribunal recorrido decidir de imediato na audiência prévia do mérito da causa, nem tão foi efectuada a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes para que, de alguma forma, pudessem influenciar o juiz na discussão do mérito da causa.

5. Tal é por demais evidente quanto ao primeiro dos fundamentos invocados para a improcedência dos embargos - a circunstância de os fundamentos invocados pela Recorrente/Embargante serem exclusivamente fundamentos de recurso de revisão.

6. Dito de outra forma, nem antes, nem tão pouco no decurso da audiência prévia, foi dado às partes em litígio, nomeadamente à Recorrente/Embargante, o prévio conhecimento da intenção do Tribunal recorrido em decidir de imediato do mérito da causa, bem como não foi dada a possibilidade de fundamente tomarem posição quanto a tal intenção, nomeadamente quanto à solução encontrada pelo Tribunal para o litígio em apreço nos presentes autos.

7. Ainda que se possa admitir que o demais referido na decisão impugnada havia sido já debatido nos articulados - nulidade por falta de notificação da sentença e caso julgado anterior -, o certo é que o primeiro dos fundamentos invocados para o indeferimento dos embargos é algo completamente novo e que nunca foi debatido no processo, nem sequer no decurso da apelidada audiência prévia.

8. Trata-se, pois, e pelo menos nessa parte, de uma decisão-surpresa, violadora do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

9. Afigura-se, por conseguinte, que não só o despacho que designou data para realização da audiência prévia violou o disposto no n.º 2 do artigo 591.º, do Código de Processo Civil, como, analisada a acta e a gravação da diligência em questão, facilmente se constata que não existiu uma verdadeira audiência prévia, pelo menos nos termos legalmente previstos e supra explicitados, como ainda a decisão proferida na sua sequência é ilegal, por consubstanciar, pelo menos em parte, uma manifesta decisão-surpresa.

10. Não existindo uma tal audição prévia das partes em litígio pode afirmar-se que estamos perante uma situação de violação pelo Tribunal do dever de consulta, tendo sido omitida pelo Julgador, ao decidir de mérito nos termos que o fez e sem auscultar com vista ao assegurar do contraditório, uma formalidade de cumprimento obrigatório, donde depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica à decisão impugnada, de modo que a reacção da Recorrente/Embargante passa pela interposição do presente recurso, em cujos fundamentos se integra a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil.

11. Por conseguinte, a decisão recorrida é nula, por se ter pronunciado sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer.

12. A convocação e realização meramente formal da diligência, com o conteúdo que se extrai da acta e gravação da diligência, e com a impossibilidade, por desconhecimento da Recorrente/Embargante, de se pronunciar quanto a uma questão essencial que esteve na base do indeferimento dos embargos equivale, naturalmente, à circunstância da não realização daquela diligência em circunstância que a lei impunha a sua realização.

13. A preterição da aludida formalidade processual, que se reputa de essencial, gera, para além de nulidade processual, a nulidade da decisão impugnada e implica a anulação do processado, a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que designou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efectiva audição das partes em sede desta diligência.

14. Acresce que, na decisão agora impugnada o Tribunal da Relação de Lisboa parte de uma mera suposição – terá sido colocada à discussão das partes.

15. Interpretando mal a afirmação da Recorrente quando exarou nas alegações de recurso que “foram os mandatários informados, ainda que de forma resumida e oralmente, do sentido da decisão que agora se impugna”.

16. Ouvida a gravação da diligência facilmente se constata que nada foi colocado à discussão das partes. Foi tentada uma conciliação e, de seguida, por não ter sido obtida essa conciliação, foi comunicada pelo Tribunal o sentido da decisão, oralmente e de forma muito sintética.

17. Nada foi colocado à discussão das partes, nem à recorrente foi dada a oportunidade de se preparar para a diligência que acabou por ser realizada.

18. Ressalvando sempre o devido respeito por diferente opinião, é para a Recorrente claro que a tramitação processual desenvolvida pelo Tribunal de Primeira Instância é manifestamente violadora dos direitos de defesa e a decisão proferida constituiu uma decisão-surpresa.

19. Afirmar que o contraditório foi observado e que os direitos de defesa da Recorrente foram devidamente assegurados apenas e tão só com o que consta da forma tabelar exarada na acta da diligência é, perdoe-se-nos a expressão, manifestamente injusto.

20. Uma tal interpretação, para além de ilegal, é manifestamente inconstitucional, por violadora dos direitos de defesa da Recorrente, o que expressamente se invoca – tendo por referência o disposto no artigo 20.º, n. 4, da Constituição da República Portuguesa.

21. Ao decidir sem qualquer produção de prova adicional, nomeadamente a prova testemunhal arrolada pela Recorrente na petição de embargos, que se considera essencial, e sem qualquer justificação para a não realização dessa diligência probatória, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa dar como provados os factos descritos na decisão impugnada e concluir que “é por isso da sua inteira responsabilidade a circunstância (alegadamente) de não ter recebido a notificação da segurança social sobre o pedido que apresentou e que lhe foi enviado.”.

22. Sucede, porém, que a conclusão a que chegou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para além de não corresponder à realidade, não teve como fundamento toda a prova que sobre essa matéria poderia e deveria ter sido realizada.

23. E não se percebe, como o devido respeito por opinião contrária, a razão para a não realização daquela outra prova, nem tão pouco o motivo pelo qual essa mesma prova não foi considerada relevante.

24. Para além da gritante injustiça em que a Recorrente se vê envolvida com a instauração de uma nova acção judicial que mais não é, como se disse supra, do que a repetição de uma causa anterior devidamente julgada e transitada em julgado, a Recorrente ainda se vê penalizada por um clamoroso erro dos CTT e da própria Segurança Social.

25. Depois disso vê-se ainda penalizada pela Justiça, uma vez que não lhe é permitido demonstrar, como prevê a Lei, que não é da sua responsabilidade a circunstância de não ter recebido a notificação da Segurança Social sobre o pedido que apresentou, até porque efectivamente não recebeu essa notificação.

26. Cremos, por isso mesmo e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, que também nesta parte a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não pode manter-se, devendo ser substituída por outra que respeite integralmente os direitos de defesa da Recorrente, sob pena de violação da Lei e da Constituição da República Portuguesa, nos moldes já supra referidos e igualmente invocados no recurso anteriormente apresentado da decisão do Tribunal de Primeira Instância.

27. A ora Recorrente/Embargante/Executada, ré na acção declarativa que serve de fundamento à execução embargada, além de não ter deduzido qualquer oposição, não constituiu mandatário, nem interveio de qualquer forma relevante no referido processo antes da prolação da sentença, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 566.º e por não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 568.º, incorreu em situação de revelia absoluta operante ou manifestamente equivalente, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

28. Sucede, porém, que aquela falta de intervenção da Recorrente/Embargante/Executada no processo declarativo justifica-se por motivo de força maior, a que alude a subalínea iii) da alínea e) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil, e, por via disso, a alínea d) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil, devendo o mesmo ser entendido como uma qualquer daquelas situações reconduzível a evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários.

29. No caso em apreço, a não apresentação de contestação no processo declarativo por parte da ora executada deveu-se à falta de notificação e posterior notificação extemporânea da decisão da Segurança Social, que, erradamente como se viu no subsequente pedido de protecção jurídica apresentado por força dos presentes autos), indeferiu o pedido de protecção jurídica para benefício de apoio judiciário (dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento da compensação de patrono) no âmbito daquele processo declarativo.

30. Apesar de, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o prazo para apresentação de contestação naquele processo declarativo ter sido interrompido com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, o certo é que tal prazo iniciou-se com fundamento uma suposta notificação à executada da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono e antes da repetição da notificação, efectuada pela Segurança Social atentas as dúvidas existentes quanto à efectivação da alegada primeira notificação.

31. E dizemos suposta, porquanto tal notificação nunca chegou a efectivar-se.

32. Aliás, foi certamente por via disso e no reconhecimento, ainda que tácito, de tal falta de notificação, que os Serviços da Segurança Social procederam à repetição da referida notificação, nos moldes supra explanados.

33. Sucede, porém, que quando a ora Recorrente/Embargante/Executada tomou conhecimento efectivo deste indeferimento, por força da repetição da notificação, já havia sido proferida sentença no referido processo n.º 3551/18.7...

34. O circunstancialismo agora descrito, justificativo da falta de intervenção da Recorrente/Embargante/Executada no processo de declaração antes da prolação da sentença, deve, naturalmente, ser qualificado de motivo de força maior e susceptível de preencher a subalínea iii) da alínea e) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil.

35. No processo n.º 6999/13.0... – ... – Instância Central – 2ª Secção Cível – J5 – Comarca de Lisboa Oeste –, a ora Recorrente/Embargante/Executada pediu, e conseguiu, a condenação da ora Recorrida/Embargada/Exequente no pagamento de determinada quantia, em virtude do incumprimento por parte desta do contrato de compra e venda celebrado entre as partes referente a uns jogos de xadrez.

36. Nessa acção contestou a ora Recorrida/Embargada/Exequente, invocando que os jogos de xadrez vendidos começaram a apresentar defeitos e que, feita a reclamação, a aqui Recorrente/Embargante/Executada começou a recolher os jogos e procedeu a algumas substituições, que não concluiu por supostamente a empresa que os fabricou ter encerrado.

37. Do decurso daquele processo, e atenta a prova produzida, ficou cabalmente demonstrado, conforme se extrai do texto da sentença, que a ora Recorrente/Embargante/Executada substituiu ou reparou todos os jogos de xadrez que padeciam de defeito.

38. No processo n.º 3551/18.7..., que serve de fundamento à execução embargada, a Recorrida/Embargada/Exequente peticionou a declaração de incumprimento do contrato relativo à venda de vinte e nove jogos de tabuleiro e a condenação na quantia ali referida.

39. Alegou, igualmente, a celebração do contrato de compra e venda dos referidos jogos de xadrez, que os mesmos padeciam de defeitos, que não foram reparados e que, por via disso, perdera o interesse na manutenção do vínculo assumido, mais exigindo a devolução do preço pago.

40. São, pois, as mesmas partes a litigar, ainda que agora em posições inversas, está em causa o mesmo contrato de compra e venda e os mesmos factos já alegados pela Recorrida/Embargada/Exequente naquele outro processo judicial – a existência de defeitos (não verificados).

41. Cremos, pois, que não só é indubitável que se verifica a tríplice identidade de elementos nas lides em causa – sujeitos, causa de pedir e pedido –, como se mostra oponível a excepção da força e autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo n.º 6999/13.0..., cujo objecto foi o referido contrato de compra e venda.

42. No caso vertente, o Tribunal a quo entendeu erradamente, conforme vimos supra, não se verificar a excepção do caso julgado, por inexistir identidade de partes ou pedidos.

43. Sucede que, em ambos os processos são as mesmas partes a litigar, ainda que em posições inversas, está em causa o mesmo contrato de compra e venda e os mesmos factos inicialmente alegados pela Recorrida/Embargada/Exequente – a existência de defeitos (não verificados).

44. O circunstancialismo agora descrito deve, naturalmente, ser qualificado como integrador do conceito de caso julgado (anterior à sentença que se executa) e susceptível de preencher a alínea f) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil.

45. Por fim, a Recorrente/Embargante/Executada só no dia 30/12/2019, data em que foi citada para a acção executiva, é que foi efectivamente notificada da sentença proferida no processo declarativo.

46. Apesar da situação de revelia absoluta em que a Recorrente/Embargante/Executada se encontrava no âmbito do processo declarativo, ainda que não por vontade própria, e de se admitir que, por via dessa situação e do disposto no n.º 3 do artigo 249.º, do Código de Processo Civil, não lhe deveriam ser feitas notificações no decurso do processo, o certo é que tinha de ser notificada da sentença, conforme impõe o artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

47. Tanto mais que, no processo declarativo era não só conhecida a sede da ali ré, como também, por força dos vários documentos juntos aos autos, a morada onde se encontrava efectivamente a laborar.

48. No caso em apreço, e conforme se extrai do alegado, a Recorrente/Embargante/Executada não foi imediatamente notificada da sentença, como deveria ter sido, por imposição do mencionado artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

49. Acresce que, tendo sido inicialmente enviada para a sede da Recorrente/Embargante/Executada a notificação da decisão e devolvida com a indicação «mudou-se», e sendo conhecida no processo a morada onde a Recorrente/Embargante/Executada se encontrava a laborar, deveria a notificação ter sido repetida, agora para essa mesma morada.

50. Por conseguinte, e atento o desenvolvimento do processado, a não notificação da sentença nos moldes explanados significa a omissão de um acto prescrito na supra aludida norma legal, configuradora de uma irregularidade geradora de nulidade, por susceptível de influir na decisão final da causa (cerceado ficou o direito ao recurso, por parte da Recorrente/Embargante/Executada, no processo declarativo) – cfr. artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Exmos. Senhores Juízes(as) Conselheiros(as) do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, aqui chegados terminamos, peticionando que se dignem receber o presente recurso no modo e com o efeito supra requeridos, determinando-se, no final, a sua procedência, com a consequente extinção da execução no seu todo ou, se assim se não entender, com a declaração de nulidade da decisão impugnada e subsequentes efeitos.

Em qualquer caso, V. Exas. sempre farão a acostumada Justiça.”

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

11. Foram cumpridos os vistos.

12. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pela Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda. consistem em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a exceção de caso julgado, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, verifica-se a existência de caso julgado decorrente da sentença proferida no Processo n.º 6999/13.0..., anterior à sentença dada à execução, reconhecendo-se a tríplice identidade de elementos nas lides em causa, sujeitos, causa de pedir e pedido?

(2) O acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronuncia, porquanto ao pretender o Tribunal conhecer do mérito da causa não lhe é possível dispensar a audiência prévia, por forma a assegurar o princípio do contraditório e evitar decisões surpresa, donde,

a preterição da aludida formalidade processual gera, para além de nulidade processual, a nulidade da decisão impugnada e implica a anulação do processado, a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que designou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes em sede desta diligência?

(3) A circunstância de a embargante/executada, ré na ação declarativa que serve de fundamento à presente execução, não ter deduzido qualquer oposição a esta, não ter constituído mandatário, nem ter tido intervenção de qualquer forma relevante no referido processo antes da prolação da sentença, incorrendo em situação de revelia absoluta operante, justifica-se por motivo de força maior, sustentado em factos apurados nos autos?

(4) A embargante/executada, ré na ação declarativa que serve de fundamento à presente execução só quando notificada para a execução tomou conhecimento da sentença que a havia condenado no processo declarativo, omitindo o Tribunal um ato prescrito na lei adjetiva civil, configuradora de uma irregularidade geradora de nulidade processual, por suscetível de influir no direito ao recurso e na decisão da causa?

II. 2. Da Matéria de Facto

“São os seguintes os factos provados, com interesse para a decisão da causa, que resultam dos documentos que constituem as certidões das peças processuais relativas aos proc. 6999/13.0... e 3551/18.7... e aos ofícios da Segurança Social que se encontram juntos aos autos:

1. Correu termos o proc. 6999/13.0..., na Instância Central Cível de ..., 2ª Secção, J5, Comarca de Lisboa Oeste, intentado pela aqui Executada Pinto Lima & Maias, Ld.ª contra a Premium Rate II, Ld.ª aqui Exequente – certidão da sentença junta com o r.i.

2. A Executada, A. em tal processo, aí pediu a condenação da Exequente, ali R., a pagar-lhe quantia de € 56.791,00, acrescido de juros de mora até integral e efetivo pagamento – certidão da p.i. junta.

3. Invocou para o efeito o incumprimento por parte desta, por falta de pagamento de parte do preço, do contrato de compra e venda celebrado entre as partes referente a uns jogos de xadrez - certidão da p.i. junta.

4. A Exequente/R., contestou a ação, concluindo pela improcedência do pedido, invocando o incumprimento do contrato pela Executada/A., o que alega que lhe causou avultados danos patrimoniais e não patrimoniais, referindo que os jogos de xadrez vendidos começaram a apresentar defeitos e que, feita a reclamação, a A. aceitou-a e começou a recolher os jogos e ainda procedeu a 32 substituições dos 45 jogos, tendo a R. procedido à suspensão dos pagamentos devido ao número elevado de devoluções e tendo assumido os prejuízos que não vai reclamar – certidão da contestação junta aos autos, que se dá como reproduzida.

5. No decurso do processo, e atenta a prova produzida, resultou provado que A., perante a reclamação da R., recolheu 46 jogos, substituiu 32 e foram reparados outros 14 – certidão da sentença junta com o r.i.

6. Foi proferida sentença datada de 13.04.2015 que decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando a aí R. a pagar à A. a quantia de € 39.586,30 acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a R. do demais pedido - certidão da sentença junta com o r.i.

7. A aqui Exequente intentou no dia 20.11.2018 na instância Central Cível de ..., ação declarativa de condenação contra a Executada/Embargante, indicando a sua sede na Rua ..., ..., pedindo que se declare incumprido pela R. o contrato relativo à venda de jogos de tabuleiro, condenando a mesma a pagar-lhe a quantia de € 76.789,92 acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento – certidão da p.i. de tal processo junta aos autos.

8. Tal processo correu termos com o n.º 3551/18.7... na Instância Central Cível de ..., Juiz 4, Comarca de Lisboa Oeste, tendo nele sido proferida a sentença apresentada à execução - título executivo.

9. Invocou a ali A. a celebração de contrato de compra e venda com a R. dos referidos jogos de xadrez, alegando que 32 desses jogos padeciam de defeitos, que não foram devidamente reparados pela A., continuando a apresentar defeitos quando os levantou a 19.06.2017 como estando reparados, e que, por via disso, perdeu o interesse na manutenção do vínculo assumido, mais exigindo a devolução do preço pago e indemnização pelos prejuízos sofridos - certidão da p.i. junta aos autos.

10. A Executada, ali R., recebeu no dia 24.01.2019 a citação para a ação declarativa identificada em 7, por carta registada enviada para a sua sede que consta do registo como Rua ..., ..., ...- doc. junto com o r.i.

11. A Executada tem instalações na Av. ..., ... ..., ... – acordo das partes.

12. No dia 26.02.2019 a Executada requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento da compensação de patrono, o que informou no processo em tal data, requerendo a suspensão do prazo para contestar a ação – doc. junto com o r.i.

13. No requerimento de proteção jurídica que formulou a Requerente indicou a sua morada: Rua ..., ..., ..., ... – doc. junto r.i..

14. A Executada apresentou no dia 16/09/2019 requerimento no Centro Distrital ... da Segurança Social referindo não ter até à data recebido decisão sobre o pedido de proteção jurídica, mais solicitando que o enviem para a morada: Av. da ..., ... ..., referindo não ter confiança nos serviços de entrega dos CTT da morada anterior – doc. junto com o r.i.

15. Na sequência do referido requerimento foi a Executada informada por ofício da Segurança Social expedido em 07.10.2019 que, por carta registada de 03.04.2019, devolvida com indicação não reclamada, havia sido notificada que o requerimento de proteção jurídico por si formulado “foi objecto de uma Proposta de Decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento”, que se converteu em definitiva por falta de resposta ao solicitado, o que foi comunicado ao tribunal – doc. junto com o r.i. e ofício enviado pela segurança social a 01. 07.2019 e junto aos autos.

16. Não tendo sido apresentada contestação, foi proferida sentença que considerou incumprido pela R. o contrato relativo à venda de 32 jogos de tabuleiros e condenou a mesma a pagar à A./Exequente a quantia de € 76.789,92 acrescida de juros à taxa legal em desde a citação até efetivo e integral pagamento- certidão da sentença junta aos autos.

17. Foi enviada a notificação da sentença à R. em 10.10.2019 para a sua sede social, onde a mesma havia sido citada, tendo a carta sido devolvida em 18.10.2019 com a indicação de mudou-se– doc. junto aos autos.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1 O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a exceção de caso julgado, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que, contrariamente ao que consta do acórdão recorrido, verifica-se a existência de caso julgado decorrente da sentença proferida no Processo n.º 6999/13.0..., anterior à sentença dada à execução, reconhecendo-se a tríplice identidade de elementos nas lides em causa, sujeitos, causa de pedir e pedido? (1)

3.1.1. Como sabemos os autos de Oposição à execução destinam-se a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de exceção.

Os autos de Oposição à execução por embargos introduzem, assim, no processo executivo, uma fase declarativa independente, com a particularidade do oponente, devedor presumido da dívida exequenda, poder evidenciar quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente.

Na verdade, citado o executado para os termos da execução, este tem a faculdade de se opor a esta execução, deduzindo Oposição à execução por embargos.

A este propósito, é, pacificamente, defendido na nossa Doutrina que “Devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva”, neste sentido, Amâncio Ferreira, in, Curso de Processo Execução, página 145.

Os autos de Oposição à execução por embargos visam a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 141, sendo que a demanda executiva tem como objetivo permitir ao credor a satisfação do interesse patrimonial, entendido este no mais amplo sentido, contido na prestação não cumprida - art.º 10º n.º 4 do Código de Processo Civil - e reconduz-se à atividade, por virtude da qual os Tribunais visam, atuando por iniciativa e no interesse do credor, a obtenção coativa de um resultado prático equivalente àquele que deveria ter sido oferecido pelo devedor, no cumprimento de uma obrigação, o dever de prestar do devedor modifica-se e dá origem ao dever de indemnizar, neste sentido, Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra, 1994, página 161.

O objeto da ação executiva, é, por isso, um direito a uma prestação que, quando reduzido a uma faculdade de exigência da prestação, se designa por pretensão.

Assim e porque a execução tem uma vocação instrumental, o nosso ordenamento jurídico estabelece pressupostos processuais e condições processuais de procedência para que seja possível admitir-se o exercício jurisdicional daquelas posições jurídicas subjetivas (direitos subjetivos e interesses legítimos).

Os requisitos processuais (a competência, a personalidade, a capacidade judiciária, a representação em juízo, o patrocínio, a legitimidade e o interesse em agir), resultam da ação executiva integrar-se no direito processual civil.

As condições de procedência (o título executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação) são específicas da ação executiva.

O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado, neste sentido, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 8, a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois, que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efetiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação, neste sentido, Teixeira de Sousa, in, A exequibilidade, página 17.

Observa-se, aliás, que a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí a suscetibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afetem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda ou, máxime, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.

Ou seja, a pretensão é exequível intrinsecamente se inexistir qualquer vício material ou exceção perentória, que impeça a realização coativa da prestação, por outro lado a pretensão é exequível extrinsecamente quando a exequibilidade radica na atribuição pela incorporação da pretensão, num título executivo, isto é, num documento que formaliza, por disposição expressa na lei, a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida.

Por isso, estabelece o nº. 5 do citado art.º 10º do Código de Processo Civil que todas as execuções têm por base um título, e é este que define o fim e os limites da ação executiva, estatuindo o art.º 703º, do Código de Processo Civil:

“1 - À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;

b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”

Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão.

Todavia, não obstante, o título ser condição necessária, não é hoje condição suficiente, apesar de se dispensar qualquer indagação probatória, para além do que se contem nos autos.

Decorre, assim, a necessidade de apreciar a qualidade do título exequendo para, de acordo com a lei adjetiva civil, determinar quais os fundamentos de oposição, na medida em que qualquer executado pode opor-se à execução.

“O risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efectivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução”, neste sentido, Anselmo de Castro, in, A Acção Executiva Singular, Comum e especial, 3º edição, 1977, páginas 46 e 47.

Dir-se-á, pois, que o título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em oposição que venha a deduzir à ação executiva.

Quer se considere a oposição à execução como contestação à petição inicial da ação executiva, quer como uma contra ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, certo é que a oposição à execução consubstancia o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de exceção, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 162. Na verdade, como refere Lopes Cardoso, in, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressão, 1992, página 250 “pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção”.

3.1.2. No caso em escrutínio, o acórdão recorrido assume inquestionável domínio dos conceitos e institutos jurídicos atinentes à decisão da causa, acompanhando, no essencial, o decidido em 1ª Instância, sendo inteligível o processo cognitivo trilhado, sustentado numa lógica congruente, decidindo com segurança, no que a este segmento recursivo respeita, concluindo pela improcedência da exceção de caso julgado, por não se verificarem os requisitos da identidade de pedido e de causa de pedir.

3.1.3. Como já adiantamos, a Recorrente/Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda., afirma que o acórdão deixou de respeitar a sentença proferida no Processo n.º 6999/13.0..., que já tinha transitado em julgado, sendo anterior à sentença dada à execução, donde, estando em causa a invocada ofensa de caso julgado, impõe-se admitir a revista ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil.

3.1.4. Admitindo-se a revista ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, o objeto da revista circunscreve-se, necessariamente, apenas e só à questão de saber se ocorreu ofensa do caso julgado, como, aliás, vem sendo, repetidamente, afirmado na Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

3.1.5. O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - artºs. 619º n.º 1 e 628º, ambos do Código de Processo Civil.

Conforme decorre da lei adjetiva civil, o instituto do caso julgado constitui exceção dilatória - art.º 577º alínea i) do Código de Processo Civil - de conhecimento oficioso - art.º 578º do Código de Processo Civil - que, a verificar-se, obsta que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância - art.º 576º do Código de Processo Civil.

O conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objeto em debate), sendo aquela primeira vertente a que interessa, sobremaneira, ao caso trazido a Juízo.

De acordo com o n.º 1 do art.º 580º do Código de Processo Civil “as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à listispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa, ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.

Ao definir a aplicação do conceito de exceção do caso julgado, Miguel Teixeira de Sousa, in, O objecto da sentença e o caso julgado material, in, Boletim do Ministério da Justiça, 325/171 e seguintes, defende que “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada”.

Outrossim, o Professor Manuel de Andrade, in, Noções Elementares de Processo Civil, páginas, 305 e 306, sustenta que a exceção do caso julgado manifesta-se porquanto “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.

De harmonia com o prevenido no n.º 1 do art.º 581º do Código de Processo Civil que estatui sobre os requisitos da litispendência e caso julgado, divisamos consagrado que “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir”, não deixando de, nos sequentes números do citado normativo, consignar a respetiva previsão quanto à exigida tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir).

“Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, ou seja, as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adotem em ambos os processos.

“Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico”, isto é, considera-se que existe identidade quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito impetrado.

Salienta-se que o pedido, enquanto efeito jurídico pretendido pelo demandante, declarado no efeito prático-jurídico que o demandante pretende, não deve ser entendido na pura literalidade em que se declara o petitório, mas com o alcance que decorre da respetiva conjugação como os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica, neste sentido, Anselmo de Castro, in, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, página 203 “basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico. Por outras palavras, o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objeto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão”.

“Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5º n.º 3, e nos limites do art.º 609º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, independentemente da coloração jurídica dada pelo demandante.

O n.º 4 do art.º 581º do Código Processo Civil, atinente à identidade de causa de pedir, acolhe a doutrina da substanciação, pelo que, a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido.

Sublinhamos que importa identificar, por um lado, os factos essenciais nucleares da causa de pedir, e, por outro lado, os factos complementares, a par de que se reconhece que, para circunscrever concreta causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.

A este propósito e neste sentido, Teixeira de Sousa, in, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, páginas 395, 401 e 402 “A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada.

O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico.

É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.

(…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.”

Daqui resulta que será dentro destes princípios que se procurará traçar a identidade objetiva das ações em confronto para efeitos de configuração da exceção de caso julgado, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14 de Janeiro de 2021, no âmbito do Processo n.º 2460/15.6T8LOU-C.P1.S1, in, www.dgsi.pt, em que também referencia, a propósito desta temática, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018, in, www.dgsi.pt, outrossim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2017, in, www.dgsi.pt, onde se consignou “objectivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado; do ponto de vista subjectivo, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram, embora se possa projectar, conforme o caso, na esfera jurídica de terceiros”.

Ademais, dever-se-á atender ao preceito adjetivo civil (intimamente relacionado com um dos enunciados critérios identificados com a exigência da tríplice identidade, qual seja, a causa de pedir), que textua sobre o alcance do caso julgado, colhendo-se do mesmo - art.º 621º do Código de Processo Civil - que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto; a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo preencha ou o facto se pratique.”

3.1.6. Atendendo ao quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, acabado de enunciar, conjugado com a facticidade demonstrada, reconhecemos não merecer censura a decisão escrutinada.

Do confronto das duas ações declarativas em presença, conquanto não sofra reserva o reconhecimento da identidade de sujeitos, importa reconhecer, no entanto, que inexiste identidade de pedido e de causa de pedir, aduzidos em uma e outra demanda, que nos permita concluir por uma repetição de ações e consequente verificação da exceção de caso julgado.

Na verdade, já na discussão e instrução da demanda onde foi proferida a sentença exequenda (Processo n.º 3551/18.7...) foram tidos em devida conta os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica formulada no Processo nº 6999/13.0..., cuja sentença encerra o caso julgado com que a Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda. pretende evitar que o Tribunal seja colocado numa situação em que se contradiga ao executar a sentença exequenda, proferida no Processo n.º 3551/18.7...

A este propósito foi adquirido nos autos que correram seus termos como Processo n.º 3551/18.7...

“1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica a um mercado como a publicidade e divulgação de produtos financeiros.

2. Nessa sequência, em 2007, foi contratada para divulgar produtos financeiros do FINIBANCO, SA.

3. Para tanto, e com o intuito de promover a imagem da mesma instituição financeira, desenvolveu uma campanha que visava criar no “Cliente Finibanco” a sensação de fazer parte dum grupo distinto que, ao invés de promover jogos e desportos mais comuns, promovia o ancestral jogo de xadrez (associado a uma imagem mais elitista).

4. Posto isto, tratou de encomendar à Ré quarenta e nove jogos de tabuleiro com o objectivo de as colocar à consignação do FINIBANCO, SA.

5. Depois de terminada a campanha publicitária, teria direito a uma comissão.

6. Conforme Sentença que resultou do processo judicial nº 6999/13.0..., que correu termos em ... – Inst. Central – 2ª Secção Cível – J5, na Comarca de Lisboa Oeste, foi declarado existente um contrato de prestação de bens entre a Autora e a Ré.

7. Na sequência, foi a ora Autora condenada a liquidar a integralidade da Fatura nº 13, datada de 20/03/2008, emitida pela Ré por força de quarenta e nove jogos de tabuleiro de xadrez que encomendou.

8. A autora pagou à ora Ré a quantia total de 66 586,30€ (Sessenta e Seis Mil Euros Quinhentos e Oitenta e Seis Euros e Trinta Cêntimos).

9. Sucede que, nos mesmos autos e relativamente à mesma fatura, a Ré (naqueles autos Autora) declarou: ter reparado 46 jogos, ter substituído 32 jogos e ter a entregar 14 jogos.

10. Na sequência, e uma vez que liquidou a totalidade da fatura, procedeu a Autora a solicitar que todos os jogos de xadrez e peças lhe fossem entregues.

11. Sucede que os referidos jogos, ao contrário do que a Ré declarou não se encontravam reparados.

12. Na sequência, foi a Ré por diversas vezes interpelada para proceder à reparação dos mesmos jogos.

13. No princípio de 2017, reconheceu a Ré que devia reparar todos os jogos danificados e levantou-os mais uma vez para os reparar.

14. No dia 19/06/2017, enviou a Ré à Autora trinta e três jogos.

15. Destes jogos de tabuleiro recebidos, 32 (trinta e dois) continuam a apresentar defeitos, nomeadamente: 6 (seis) jogos de bronze e 26 (vinte e seis) jogos de

bronze com banho de prata.

16. As mesmas peças, que se querem novas, brilhantes e polidas, apresentam-se manchadas com bolor, verdete e com marcas de corrosão. Até mesmo os estojos (destinados a guardar e proteger os mesmos jogos) e suas fechaduras e dobradiças apresentam verdete e riscos, sendo que alguns se desmancharam.

17. Comunicou a Autora à Ré o estado dos referidos jogos de tabuleiro, informando que perdera o interesse na manutenção do vínculo; mais exigindo a devolução do preço pago.

18. Até à presente data, não restituiu a Ré qualquer quantia.

19. Pelos referidos trinta e dois jogos, pagou a Autora à Ré o preço de 49.053,40€ (Quarenta e Nove Mil e Cinquenta e Três Euros e Quarenta Cêntimos) com a expectativa de em campanha publicitária os revender e, com essa mesma campanha, obter um ganho económico.

20. Contudo, mesmo querendo vender a Autora os jogos de tabuleiro a terceiros sem qualquer margem de lucro, não consegue vender qualquer vender qualquer jogo pelo simples facto de qualquer cliente não querer desembolsar entre 2 150,00€ (Preço de Venda ao Público de jogo de bronze) ou 3 350,00€ (Preço de Venda ao Público de jogo de bronze com banho de prata) para comprar um jogo de tabuleiro de aspecto visivelmente danificado.

21. A autora adquiriu os referidos jogos com o intuito de cumprir uma campanha publicitária que se obrigara a promover.

22. Tal campanha publicitária, a ser cumprida, geraria um ganho à Autora de 25% sobre a diferença entre o preço de compra final e o preço de venda.

23. Assim, por cada jogo de bronze vendido, ira ganhar 289,45€ (Duzentos e Oitenta e Nove Euros e Quarenta e Cinco Cêntimos).

24. E por cada jogo de bronze com banho de prata vendido a autora iria ganhar um valor de 423,07€ (Quatrocentos e Vinte e Três Euros e Sete Cêntimos).

25. Uma vez que se encontram danificados 6 jogos de bronze (que, caso fossem vendidos, corresponderiam a um lucro de 1.736,70€) e 26 jogos de bronze com banho de prata (que, caso fossem vendidos, corresponderiam a um lucro de 10.999,82€) deixou a Autora de ter possibilidade de ganhar um total de 12.736,52€ (Doze Mil Setecentos e Trinta e Seis Euros e Cinquenta e Dois Cêntimos).

26. Mais sucede que, com isto tudo, ficou a imagem da Autora lesada, nomeadamente junto dos corpos directivos e sociais do seu cliente.

27. O mercado de clientes da Autora é um mercado nacional, e, por isso mesmo, limitado aos cerca de oito bancos que efectivamente oferecem produtos financeiros aos portugueses.

28. Pelo que, tendo o seu nome, a sua honra e a sua imagem maculada, muito fácil foi às pessoas das mesmas entidades trocarem entre si opiniões negativas sobre a Autora e, com isso mesmo, colocar em causa a viabilidade económica da Autora.”

Ademais, no Processo nº 6999/13.0..., pese embora estivesse em causa, conforme adquirido processualmente, o contrato de compra e venda de jogos de xadrez, celebrado entre as partes, que está na génese da demanda tramitada no Processo n.º 3551/18.7..., onde a aqui Embargada/Exequente/Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda., vem pedir o cumprimento do contrato pela ora Embargada/Exequente/Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda., reclamando a condenação desta ao pagamento do remanescente do preço acordado que não foi pago, importa sublinhar, no entanto, ter sido também discutido os factos alegados pela demandada, aqui embargada/exequente, atinentes aos invocados vícios redibitórios dos bens objeto do negócio jurídico outorgado entre os litigantes, cuja existência ficou demonstrada, tendo sido, porém, substituídos ou reparados.

Confrontado o Processo n.º 3551/18.7... distinguimos, ao invés, a alegação de factos novos e ulteriores aos alegados e demonstrados no Processo n.º 6999/13.0..., relativos aos jogos que foram substituídos e reparados, que vieram posteriormente a apresentar defeitos, pedindo a demandante, aqui Embargada/Exequente/Premium Rate II – Divulgação de Produtos Financeiros, Lda., a condenação da demandada, aqui Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda., no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, pretensão jurídica manifestamente diversa daqueloutra deduzida no Processo n.º 6999/13.0... e enunciada supra.

Reconhecida a alteração das condições e dos factos, enunciados e adquiridos na demanda que correu seus termos no Processo n.º 3551/18.7..., entretanto conhecida por sentença já transitada em julgado, relativamente aqueloutras condições e factos verificados posteriormente, encerram estes diferentes factos essenciais nucleares da causa de pedir que circunscrevem as concretas causas de pedir, sendo, à sua maneira, relevantes para determinar o quadro normativo aplicável, em cada uma das situações trazidas a Juízo, como decorre da sentença proferida, já transitada em julgado, e do acórdão recorrido, importando, por isso, concluir pela dissemelhança da respetiva causa de pedir e dos pedidos formulados, daí a inverificada ofensa de caso julgado.

Assim, acompanhamos a solução encontrada no aresto em escrutínio, donde respigamos, com utilidade e a propósito do confronto das duas ações declarativas em presença, cuja apreciação é determinante para o conhecimento da invocada exceção de caso julgado: “À luz do que se expôs, no confronto das duas ações declarativas em presença, podemos dizer, contrariamente ao que afirmou a sentença recorrida, que há identidade de sujeitos, nos termos previstos no art.º 581.º n.º 2 do CPC, uma vez que são as mesmas sociedades que se apresentam a litigar em ambos os processos, ainda que numa posição processual diferente.

Já não podemos, no entanto, dizer que há identidade de pedido e de causa de pedir, que nos permita concluir por uma repetição de ações e consequente verificação da exceção de caso julgado, de acordo com o disposto no art.º 581.º n.º 1, 3 e 4 do Código de Processo Civil.

Se é verdade que em ambas as ações o litígio se centra no contrato de compra e venda de jogos de xadrez que foi celebrado entre as partes, verifica-se que: no primeiro processo, a A. vem pedir o cumprimento do contrato pela R. no sentido da sua condenação no pagamento do remanescente do preço acordado que não foi pago, tendo-se discutido também os factos alegados pela ali R. relativos aos defeitos dos bens, que não obstante se tenha apurado que existiram ficou também provado que foram substituídos ou reparados; no segundo processo, a A., R. na primeira ação, vem invocar factos novos e posteriores, que se reportam aos jogos que foram substituídos e reparados, alegando que estes vieram posteriormente a apresentar os mesmos defeitos, pedindo a condenação da R. no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos sofridos.

Na segunda ação a A. não vem pretender uma indemnização pelos factos que estiveram em apreciação na primeira ação, antes vem suportar o seu pedido em factos posteriores à sentença ali proferida, alicerçado na circunstância dos jogos que foram objeto do contrato de compra e venda que foram substituídos e reparados pela R. virem mais tarde a revelar os defeitos que os inviabilizam.

Não é submetida de novo ao tribunal a apreciação dos mesmos factos já julgados na primeira ação, mas antes factos novos, que partem da realidade que ali foi reconhecida – a reparação e substituição de jogos, que vieram mais tarde a apresentar defeitos, tendo a ação um novo objeto, não existindo por isso uma repetição da anterior ação.

O pedido e a causa de pedir não são os mesmos nas duas ações, que não visam a discussão dos mesmos factos, incidindo a segunda em factos posteriores à sentença proferida na primeira ação, dando como assente e partindo do que ali foi decidido e não a “revogando”. A nova ação não vem contrariar o que ficou decidido anteriormente, nem tão pouco a sentença proferida na segunda ação se apresenta como contraditória com a primeira.

Os factos alegados pela A. na segunda ação não põem em causa, nem pretendem representar de uma forma diferente a situação contratual das partes já apreciada e decidida na primeira ação, antes correspondem a factos novos que surgem mais tarde ainda no desenvolvimento daquela relação contratual, não podendo dizer-se que correspondem ao núcleo essencial de factos que já haviam sido objeto de julgamento, o que revela a diversidade das causas de pedir.”

Do cotejo da enunciada materialidade, cremos ser linear afirmar, resultar do confronto das duas demandas (Processo n.º 3551/18.7... e Processo n.º 6999/13.0...), por um lado, a identidade de sujeitos, pois, as partes são as mesmas, enquanto portadoras do mesmo interesse substancial, ficando-se, por aqui, a identidade entre os enunciados litígios, pois são diversas, não só as respetivas causas de pedir como também os pedidos formulados, conforme discreteado, daí a inverificada ofensa de caso julgado, objeto da presente revista e que Tribunal ad quem conhece nos termos acabados de consignar.

Na improcedência das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda. concluímos que as mesmas não encerram virtualidades no sentido de alterarem o destino da ação, e, neste sentido, mantém-se inalterado o destino da demanda, traçado na Instância recorrida.

III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o acórdão proferido.

Custas pela Recorrente/Embargante/Executada/Pinto Lima & Maias Lda..

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 28 de maio de 2024

Oliveira Abreu (relator)

Fátima Gomes

António Barateiro Martins