Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BENTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMODATO FIM CONTRATUAL CAMPO DE FUTEBOL OBRAS BENFEITORIAS BENFEITORIAS ÚTEIS ACESSÃO INDUSTRIAL REGIME APLICÁVEL PRÉDIO URBANO PRÉDIO RÚSTICO POSSE DE MÁ FÉ LEVANTAMENTO DE BENFEITORIAS DIREITO À INDEMNIZAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA DIREITO DE RETENÇÃO OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA CRÉDITO ILÍQUIDO | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ COISAS/ O TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES/ GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITOS REAIS / POSSE/ DIREITO DE PROPRIEDADE | ||
Doutrina: | - Albaladejo, Manuel, Derecho Civil, III,1989, pp. 305-306. - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., p. 512. - António Carvalho Martins, Acessão, 1992, pp. 117-118 e nota 190. - B. Saint Macary, De l`accession artificielle immobiliére. Essai d`un fondement juridique rationnel, Bordeaux, 1929, p. 38, in Nuñez Boluda, Maria de los Desamparados, La accesion en las edificaciones, 1994, p. 38. - Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 1978, p. 418. - Diez-Picazo, L., Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, III, 5ª ed., 2008, p. 768-769. - Enciclopedia del Diritto, I, Accessione. - José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, 2008, pp. 683 -684. - Larenz, Derecho de Obligaciones. Tomo II, 1959, p. 265. - Manual Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol I, pp. 237, 243, 274, 276. - Manuel Rodrigues, A Posse, p. 312. - Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pp. 516-517. - Menezes Leitão, Direitos Reais, 2009, pp. 239-240. - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2000, p. 386-387, nota 885, 415 - Nuñez Boluda, Maria de los Desamparados, La accesion en las edificaciones, 1994, p. 38 e segs.. - Oliveira Ascensão, Direitos Civil Reais, 4ª ed., p. 302. - Pais de Vasconcelos, Pedro, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª ed., p.236. - Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pp. 195-198; Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., pp. 745, 757-758; Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pp. 42, 137, 163 e ss.. - Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, CJ – STJ, 1996, Tomo I, p.14. - Roberto de Ruggiero, Instituições de Direito Civil, vol. 3º, 1999, Campinas, p.484. - Santos Justo, Direitos Reais, 2007, pp. 125, 183, nota 858. - Silva Pereira, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, vol.III, 10ª ed., p. 215. - Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 16/7/74, RLJ 108º, p. 253 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 204.º, 216.º, 317.º AL. D), 342.º, N.º1 E 2, 479.º, 754.º, 755.º, 757.º, N.º2, 1129.º, 1131.º, 1132.º, 1134.º, 1138.º, N.º1, 1140.º, 1273.º, 1316.º, 1325.º, 1326.º, 1340.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º-A. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23-05-1985, 25-02-1987, 14-12-1994, 08-02-1996, 08-01-2004, 17-05-2011, 09-02-2012, TODOS ACESSÍVEIS NA INTERNET ATRAVÉS DE HTTP://WWW.DGSI.PT ; -DE 18-12-2003; -DE 23-11-2010; -DE 08-02-2011, ACESSÍVEL ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT ; -DE 12-07-2011. | ||
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Sumário : | I - O empréstimo gratuito de um prédio rústico para a instalação de um campo de futebol configura um contrato de comodato, não obstante o uso convencionado não se integrar na função e destino normal dos prédios rústicos. II - As obras, autorizadas pelo proprietário, de adaptação do terreno para servir esse fim configuram-se benfeitorias úteis na medida em que lhe aumentam o valor. III - Como tal, nunca constituiriam fundamento para a aquisição da propriedade do prédio por acessão industrial imobiliária, porquanto o traço distintivo entre esta forma de aquisição e as benfeitorias é a existência prévia de um vínculo ou relação jurídica entre o proprietário do prédio e o autor das obras incidindo, directa ou indirectamente, sobre o imóvel. IV - Face à noção legal de prédio rústico e urbano contida no art. 204.º do CC, um campo de futebol com vedações, sistema de rega e drenagem, postos de iluminação, bancadas metálicas montadas, edifícios para balneário/vestiário, bar, arrecadação, etc., não reúne as características para ser considerado prédio urbano. V - Sendo o comodatário equiparado ao possuidor de má fé quanto às benfeitorias úteis, uma vez cessado o contrato de comodato, tem direito a levantamento dessas benfeitorias que puderem ser separados do prédio, sem detrimento deste, isto é, sem dano permanente, irreparável ou dificilmente reparável do prédio. VI - A separação e levantamento de benfeitorias úteis que se encontrem ligadas ao solo de um prédio rústico é susceptível de causar alterações potenciadoras de serem qualificadas como dano que, dada a sua reduzida dimensão e reversibilidade pela capacidade de regeneração da natureza, são juridicamente irrelevantes. VII - As benfeitorias que constituem partes integrantes são, por via de regra, susceptíveis de serem levantadas sem detrimento, quer da coisa benfeitorizada, quer delas próprias. VIII - Diversamente, as benfeitorias que constituem partes componentes porque incorporadas na estrutura da coisa benfeitorizada, são insusceptíveis de serem levantadas sem tal detrimento. IX - Todavia, tratando-se de prédio rústico não é, em condições normais, configurável o seu detrimento, pois que a sua reposição é possível e facilmente realizável. X - As benfeitorias nele implantadas e incorporadas são impossíveis de dele serem levantadas e separadas, pois que isso implica a própria destruição delas. XI - O direito de propriedade tem a virtualidade de absorver tudo quanto se vier a incorporar no seu objecto, adquirindo o respectivo titular por acessão tudo o que, do exterior, lhe acrescer. XII - Por via disso, as benfeitorias implantadas e incorporadas por quem se encontra juridicamente relacionado com a coisa, objecto do direito de propriedade, integram-se imediatamente neste, restando ao autor daquelas o direito a, no caso de se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa, reclamar a restituição do valor correspondente ao enriquecimento para compensar o respectivo empobrecimento. XIII - A eventual iliquidez desse crédito não obsta ao reconhecimento do mesmo, relegando-se o apuramento do respectivo montante para execução de sentença. XIV - O comodatário goza de direito de retenção pelos créditos resultantes do contrato de comodato, nestes se incluindo também o crédito fundado em benfeitorias, não obstando a tal direito a iliquidez deste. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça RELATÓRIO A Associação Grupo Desportivo e Cultural dos AA demandou, em 27-06-2008, BB e mulher, CC em acção de processo ordinário, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio rústico composto de terra de cultura com árvores com a área de 11.700 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia dos AA, concelho de São Braz de Alportel sob o art. 13.884 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0000000000 com fundamento em usucapião já que lhe teria sido verbalmente doado pelos RR em 15-11-1990 e a partir daí teria exercido actos de posse pública, pacífica durante o tempo necessário à usucapião, como única e exclusiva proprietária de tal imóvel. Subsidiariamente, invoca a aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária, já que teriam sido realizadas, por si e com autorização dos RR, obras nesse prédio no valor de € 206.167,50 euros, com vista à construção de um campo de futebol, sendo certo que o prédio tinha anteriormente o valor de € 1.500 euros e as ditas obras lhe acrescentaram valor daquele montante de € 206.167,50 euros, pelo qe o prédio teria agora o valor de € 207.667,50 euros. Os RR defenderam-se por impugnação, reconduzindo as obras realizadas ao regime das benfeitorias por força do comodato do prédio que teriam celebrado e deduziram reconvenção, reivindicando o direito de propriedade sobre o imóvel e peticionado a sua restituição bem como a interdição da Autora de utilizar o prédio em actividades desportivas ou outras. A Autora replicou, contestando a reconvenção e ampliando o pedido e a causa de pedir, pedindo subsidiariamente a condenação dos RR a indemnizá-la pelas benfeitorias realizadas. Os RR treplicaram. Foi deferida a ampliação do pedido, a fixação à causa do valor de € 207.6676,50 euros, a admissão do pedido reconvencional de restituição do prédio e a não admissão do pedido reconvencional de interdição da utilização do prédio pela Autora. Seguidamente, foram discriminados os factos assentes dos ainda controvertidos. Depois de iniciada a audiência de julgamento, e já no decurso da produção de prova, a MMa Juiz ordenou oficiosamente a gravação da prova. Concluída a audiência e decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que – depois de, na respectiva fundamentação, haver entendido que a Autora não adquiriu nem podia adquirir, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio - julgou procedente o pedido deduzido subsidiariamente de reconhecimento do direito de propriedade adquirido por acessão industrial imobiliária, condenando-se os RR nesse reconhecimento mediante o pagamento pela Autora a eles da quantia de € 1.496,39 euros, actualizados sob pena de caducidade e julgando improcedente a reconvenção. Os R.R. requereram que lhes fosse facultada cópia da gravação dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, e, em seguida, arguiram a nulidade do depoimento de parte do R. com fundamento em não ter ficado gravado nem transcrito na acta da audiência de julgamento, mas tendo, apesar disso, o Tribunal fundado nesse depoimento de parte a sua decisão, ao que a A. se opôs, invocando que a gravação dos depoimentos não era obrigatória e nenhuma das partes a requerera. O Mmo. Juiz indeferiu a arguida nulidade, com fundamento em não ter sido requerida a gravação da prova, o que teria significado renúncia das partes à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal superior, e na sua não obrigatoriedade, gravação que só teria sido decidida, por razões de ordem prática, depois de prestado o depoimento de parte do R. Os RR apelaram para o Tribunal da Relação de Évora. Debalde o fizeram, já que a sentença foi confirmada. De tal acórdão interpuseram os RR recurso de revista excepcional que a Formação a que alude o nº 3 do art. 721-A do CPC admitiu. Na sequência desse recurso, o STJ por acórdão de 06-09-2011, concedeu a revista e anulou a decisão recorrida, ordenando a baixa do processo à Relação a fim de se proceder à reforma do acórdão pelos mesmos Ex.mos Desembargadores, se possível, com apreciação da impugnação da matéria de facto. Cumprindo o assim determinado, o processo voltou ao Tribunal da Relação de Évora onde foi proferido novo acórdão que, depois de apreciar e desatender a impugnação da matéria de facto, manteve o anteriormente proferido acórdão de confirmação da sentença de 1ª instância. Novo recurso de revista excepcional interposto que a douta Formação aludida admitiu e que, como tal, foi distribuído. Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar.
FUNDAMENTAÇÃO Matéria de Facto As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:
1) O prédio rústico sito nos AA, Freguesia e Concelho de S. Brás de · Alportel, encontra-se descrito na Conservatória Reg. Predial de S. Brás de · Alportel sob o n° 0000000000 e inscrito na respectiva matriz sob o art.13884; 2) o prédio referido na alínea anterior e composto de terra de cultura com árvores, com a área de 11.700 m2, que confronta do Norte com DD, do Sul com o limite do Concelho, do Nascente com EE e do Poente com FF, e tem o valor patrimonial de € 53,68; 3) A A. não possui documento que lhe permita realizar o registo de aquisição a seu favor do referido prédio na Conservatória Reg. Predial de S. Brás de Alportel; 4) o prédio referido na alínea 1) encontra-se inscrito a favor dos R.R. desde ,19.5.1995; . 5) A A. é uma associação de carácter desportivo, recreativo e cultural, constituída por escritura pública no dia 15.11.1990, no Cartório Notarial de s. Brás de Alportel, e dotada de utilidade pública; 6) A A. utiliza o prédio referido na alínea 1) como campo de futebol, desde a data da sua constituição, ou seja, desde 15.11.1990; 7) A A. utilizou o prédio referido na alínea 1), inicialmente para a prática de futebol amador pelos sócios, e, posteriormente, também para a prática de futebol federado; 8) A A. utiliza e permite que os seus associados utilizem o prédio referido na alínea 1) desde 15.11.1990; 9) o prédio referido na alínea 1) foi adquirido pelos R.R. por sucessão : hereditária, por óbito de GG e de HH, pais do R. marido; 10) Os R.R., através de notificação judicial avulsa, notificaram a A. para, até ao dia 30.6.2008, proceder à devolução do terreno; 11) o negócio celebrado entre os R.R. e a A., referente à utilização do prédio referido na alínea 1), pelos primeiros à segunda, não foi reduzido a escrito; 12) Desde 15.11.1990 que a A. utiliza e frui o prédio referido na alínea 1), com exclusão de outrem, de forma contínua e ininterrupta, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja; 13) A A. tem como actividade principal a prática de futebol; . 14) A actividade referida na anterior alínea 13) era já praticada em meados de 1988, ainda antes da constituição da A., como entidade com personalidade · jurídica, por aqueles que vieram a ser os seus fundadores e futuros associados; 15) Os R.R. permitiram o uso do terreno para a prática de futebol, primeiro por aqueles que viriam a ser os corpos gerentes e associados da A. e, a partir de 15.11.1990 (data de constituição da A.), por esta; 16) Em meados de 1992, no prédio referido na alínea 1), a A.: - procedeu à limpeza do terreno; - Procedeu à abertura de caixa e ensaibramento do recinto de jogos; - Procedeu à execução de sistema de drenagem do recinto de jogos; - Fez vedações em rede de malha elástica nos topos do recinto de jogos, as quais foram assentes em murete de alvenaria no topo Sul e no terreno no topo Norte; - Procedeu à vedação do recinto de jogos em tubo galvanizado com sapata de betão; - Procedeu à abertura de caixa, ensaibramento e espalhamento de gravilha, em redor do recinto de jogos; - Procedeu à execução de um sistema de iluminação do campo de jogos, através de seis postes, com cerca de 14 metros de altura cada, possuindo cada poste dois projectores, cabos de alimentação e distribuição de energia, além de um quadro de manobra e comando; - Procedeu à construção de abrigos em estrutura tubular revestida a chapa metálica, pintada, para os elementos não activos das equipas em jogo; - Procedeu à construção de uma rede de rega do campo ao longo de toda a lateral Poente; - Procedeu à montagem de uma bancada metálica para a assistência oferecida pelo Futebol Clube Olhanense, com onze bancos e zonas de camarotes – com cerca de 24,00x7,00 atingindo uma altura aproximada de 4,90 metros, sendo a cobertura em chapa metálica perfilada e os assentos e circulação constituídos por lajetas de betão; - Colocou sete postes em tubo de aço galvanizado, fixados a bases de betão, equipados para içar bandeiras; - Procedeu à construção de um edifício preparado para posto médico e lavandaria; - Procedeu à construção de um edifício preparado para balneários/vestiários, bar, arrecadação e instalações sanitárias para o público; - procedeu à construção de uma plataforma, com pavimento de betão afagado, na frente dos edifícios mencionados nos dois pontos que antecedem. 17) Por carta datada de 6.12.1993, a A. solicitou à Comissão de Vistorias da Associação de Futebol do Algarve um pedido de vistoria ao campo de futebol, a fim de nele se poderem realizar provas oficiais, no escalão juvenil; I8) A A. organiza os eventos que têm lugar no prédio referido na alínea 1); 19) A A. procede à manutenção das infra-estruturas que construiu no prédio referido na alínea 1) e toma todas as decisões respeitantes ao mesmo; 20) Antes da realização das obras referidas na alínea 16}, ou seja, em · 15.11.1990, o prédio referido na alínea 1) valia 300.000$00 (€ 1.496,39); 21) As obras referidas na alínea 16) ascendem o valor de € 185.197,00; 22) As obras referidas na alínea 16) não podem ser retiradas sem danificar o · prédio referido na alínea 1); 23) As obras referidas na alínea 16) aumentaram o valor económico do prédio · referido na alínea 1) em € 185.197,00; 24) As obras referidas alínea 16) foram realizadas à vista de toda a gente, dos R.R., inclusive, sem qualquer oposição; 25) Os R.R. autorizaram a A. a fazer obras de manutenção e de melhoria no prédio; 26) Em 1990, um grupo de pessoas voluntárias, maioritariamente naturais do · SJtio dos AA, S. Brás de Alportet decidiu constituir a A., tendo como objectivo ocupar os tempos livres de jovens e menos jovens primordialmente daquele sítio do Município, através de actividades lúdicas, nomeadamente a prática de futebol amador, com fins meramente recreativos; 27) De entre os fundadores que comungavam desse espírito de voluntariado encontrava-se GG, filho dos R.R; 28) Os fundadores da A. solicitaram aos R.R. a cedência temporária do prédio referido na alínea 1); 29) Os R.R. cederam temporariamente à A. o prédio referido na alínea 1); 30) No dia 10.12.2007, foi noticiado, no Jornal “Notícias de S. Braz”, com referência ao 17° aniversário do Grupo Desportivo e Cultural dos AA, que: “II Presidente da Direcção centraria o seu discurso num título M...... não esquecerá e enumerou os nomes de pessoas e entidades que o Grupo Desportivo e Cultural dos AA jamais esquecerá. JJ e esposa, doadores do terreno da sede, BB e esposa, emprestando o terreno para implantação do campo de futebol, Câmara Municipal de São Brás ( … )”; 31) A A. está autorizada pelos R.R. a praticar determinadas modalidades recreativas, nomeadamente, futebol amador, no prédio referido na alínea 1); 32) Para a realização das obras referidas na alínea 16) pela A foi necessário · arrancar árvores do prédio referido na alínea 1), perdendo este a aptidão agrícola que tinha; 33) O prédio referido na alínea 1) tem mais de 1 hectare. Matéria de Direito: Antes de mais, importa delimitar o objecto do recurso, ou seja, as questões que o recorrente pretende submeter à apreciação do tribunal ad quem e que, como se sabe, devem constar da síntese conclusiva proposta no final da respectiva alegação na qual ele resume as razões da sua discordância. As conclusões oferecidas pelos RR são as seguintes: Como se infere das conclusões transcritas, as questões a apreciar são as seguintes: 1 - O contrato de comodato: a relevância principal do uso convencionado e subsidiariedade da função normal das coisas 2 - Pressupostos da qualificação das obras realizadas em prédio alheio como acessão e benfeitoria. Sua distinção. O poder de transformação é um direito do proprietário. - A (in)existência de prévio vínculo jurídico entre o proprietário do prédio e o autor das obras. - Desconsideração da inovação e da alteração da substância. - A distinção entre prédios rústicos e urbanos: os critérios da distinção 3 - A recondução ao regime das benfeitorias e a solução do conflito de direitos daí resultante: a integridade da coisa principal como critério determinante da satisfação do direito do benfeitorizante. Apreciação: Quanto à 1ª questão: O contrato de comodato: a relevância principal do uso convencionado e subsidiariedade da função normal das coisas. Sustentam os recorrentes, discordando do acórdão recorrido, que entre as partes foi celebrado um contrato de comodato de um prédio rústico. O contrato de comodato é definido como um contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela com a obrigação de a restituir (art. 1129º CC). A entrega da coisa ao comodatário tem por fim o uso dela: para que se sirva dela…; o comodato é um empréstimo de e para uso… Logo, se é um empréstimo de e para uso, para que se sirva da coisa, está em princípio, vedado ao comodatário o aproveitamento do que ela produz periodicamente, natural ou civilmente, sem prejuízo da sua substância; estes frutos continuam a pertencer ao comodante; mas esta regra, porém, não é absoluta, podendo ser afastada por convenção expressa (art. 1131º CC). O fim do comodato pode resultar do respectivo contrato e das respectivas circunstâncias ou não: naquela hipótese, o comodatário só pode usar a coisa, aplicando-a ao destino convencionado, nesta, pode aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza (art. 1131º CC). A matéria de facto mostra-nos que, no caso em apreço, estamos perante um contrato de comodato de imóvel para a prática de futebol; este foi, portanto, o uso convencionado como fim do contrato: basta atentar nos factos provados sob os nºs 6, 7, 8, 14, 15, 28, 29,30, 31. Não entendeu assim o acórdão recorrido. Segundo ele, não estaria demonstrada a existência de um contrato de comodato, porquanto esse fim – a prática de futebol – não se incluiria na função normal das coisas de igual natureza, a Autora fruiria o prédio cedido, contrariando o art. 1132º CC, (segundo o qual o comodatário não pode fruir a coisa a menos que tal tenha sido expressamente convencionado, o que não se teria provado) e o valor das obras seria muito superior ao do prédio. Ora, como flui do art. 1131º citado, o uso da coisa dentro da função normal das coisas de igual natureza é subsidiário para a hipótese de as partes nada haverem convencionado no contrato ou de o uso não resultar das circunstâncias do mesmo. “Por convenção entre as partes pode fixar-se livremente o fim a que a coisa emprestada se destina, desde que esse fim seja lícito” (cfr. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., p. 745). Para afastar o contrato de comodato, entendeu o acórdão recorrido, por um lado, “estar claramente afastado o uso do prédio rústico pela A. “dentro da função normal das coisas de igual natureza” e por outro, que o valor das obras realizadas pela recorrida ascenderam a € 185.197,00, valor muito superior ao valor do prédio antes das ditas obras que era de € 1.496,39. Não lhe assiste, porém, razão. Com efeito, “o uso para o qual a coisa é dada ou já ficou expressamente determinado ou deverá determinar-se com base na sua natureza e normal destino económico, Pode, assim, consistir em todas as utilidades de que é susceptível ou só em algumas, conforme a vontade do comodante” (cfr. Roberto de Ruggiero, Instituições de Direito Civil, vol. 3º, 1999, Campinas, p.484). No caso em apreço, como se disse, o uso foi convencionado pelas partes. É certo que tal fim não se integra nas finalidades normalmente associadas a prédios rústicos (exploração ou actividade agrícola, pecuária, florestal, etc). Mas a definição normativa de comodato não impõe a coincidência do fim convencionado com a função normal das coisas de igual natureza; este funciona apenas como critério integrativo do silêncio da declaração negocial das partes, como vontade presumida destas. Por outro lado, a noção jurídico-civil de prédios rústicos e urbanos prescinde da respectiva finalidade; esta não integra os critérios diferenciais que presidem à qualificação dos prédios como rústicos ou urbanos. Assim sendo, a circunstância de o uso convencionado para o prédio cedido não se enquadrar na função normal dos prédios rústicos é irrelevante para a descaracterização da relação jurídica ao abrigo da qual teve lugar a cedência do prédio, como contrato de comodato. E o valor das obras nele efectuadas também não: um comodato não deixa de o ser pelo facto de comodatário realizar obras na coisa comodada de valor muito superior ao que esta tinha. A fruição não convencionada do prédio pelo comodatário também não exclui a qualificação jurídica do contrato; quando muito integra um fundamento resolutivo do contrato que o comodante exercitará ou não, conforme lhe aprouver, por integrar justa causa de resolução (art. 1132º e 1140º CC). Aliás, em bom rigor, nem se descortinam, na matéria de facto, os frutos (naturais ou civis) que a comodatária retirou do imóvel. Por conseguinte, quanto à 1ª questão enunciada, podemos concluir estarmos perante um contrato de comodato de um prédio rústico para à prática de futebol. Quanto à 2ª questão: Pressupostos da qualificação das obras realizadas em prédio alheio como acessão e benfeitoria. O poder de transformação é um direito do proprietário. Mostra-nos a matéria de facto que, tendo sido cedido o prédio rústico para a prática de futebol, a beneficiária da cessão realizou as seguintes obras, em meados de 1992: - limpeza do terreno: - execução do sistema de drenagem do recinto de jogos; - fez vedações em rede de malha eláticva nos topos do recinto de jogos, assentes em murete de alvenaria no topo Sul e no terreno no tollo Norte; - procedeu à vedação do recinto de jogos em tubo galvanizado com sapata de betão; - procedeu à abertura de caixa, ensaibramento e espalhamento de gravilha, em redor do recinto de jogos; - procedeu à execução de um sistema de iluminação do campo de jogos, através de seis postes, com cerca de 14 metros de altura cada, possuindo cada poste dois projectores, cabos de alimentação e distribuição de energia, além de um quadro de manobra e comando; - procedeu à construção de abrigos em estrutura tubular revestida a chapa metálica, pintada, para os elementos não activos das equipas em jogo; - procedeu à construção de uma rede de rega do campo ao longo de toda a lateral Poente; procedeu à montagem de uma bancada metálica para a assistência oferecida pelo Futebol Clube Olhanense, com onze bancos e zonas de camarotes – com cerca de 24,00x7,00 atingindo uma altura aproximada de 4,90 metros, sendo a cobertura em chapa metálica perfilada e os assentos e circulação constituídos por lajetas de betão; - colocou sete postes em tubo de aço galvanizado, fixados a bases de betão, equipados para içar bandeiras; - procedeu à construção de um edifício preparado para posto médico e lavandaria; - procedeu à construção de um edifício preparado para balneários/vestiários, bar, arrecadação e instalações sanitárias para o público; - procedeu à construção de uma plataforma, com pavimento de betão afagado, na frente dos edifícios mencionados nos dois pontos que antecedem; Trata-se, sem dúvida, de obras realizadas em prédio alheio que implicam uma alteração do mesmo, logo, do objecto imediato do respectivo direito real de propriedade. E se “em princípio, as modificações da coisa, objecto do direito, são indiferentes para a determinação do conteúdo do direito (o direito continua a ser o mesmo, o respectivo objecto é que foi alterado), o certo é que “nem sempre assim acontece. Certas alterações do objecto do direito real provocam alteração no seu conteúdo. É o que se passa, por exemplo, quando um estranho realiza benfeitorias na coisa; ou nas situações materiais que são base da acessão” (cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Civil Reais, 4ª ed., p. 302). Importa, no entanto, observar o seguinte: o art. 1134º CC prescreve a regra de que o comodante não responde pelos vícios ou limitações da coisa, a menos que se tenha expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo. Quer dizer: por força desta regra, a coisa é entregue ao comodatário tal como é ou tal como está; o comodante não está obrigado a colocar a coisa em estado adequado ao uso convencionado; o comodatário recebe a coisa tal como esta se acha, sem que exista para o comodante a obrigação de a pôr em estado de servir (cfr. Larenz, Derecho de Obligaciones. Tomo II, 1959, p. 265; Silva Pereira, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, vol.III, 10ª ed., p. 215) Logo, por via desta regra, é ao comodatário que compete preparar e adequar a coisa para o uso convencionado, realizando as obras para tal necessárias. Questão diversa é a de saber, cessado o contrato, qual o destino dessas obras bem como a sua influência no direito de propriedade sobre a coisa dada em comodato. Ora, como se depreende do que supra se referiu, as alterações realizadas na coisa dada em comodato podem ser perspectivadas como benfeitorias ou acessões; naquela hipótese, geram um direito de crédito contra o proprietário, nesta podem determinar alteração da titularidade do direito de propriedade. O acórdão recorrido entendeu que as obras realizadas determinaram a aquisição do direito de propriedade do prédio por acessão industrial imobiliária, pela Autora, comodatária, solução esta que os recorrentes não aceitam, defendendo a aplicação ao caso do regime jurídico das benfeitorias. A acessão é, juridicamente, um conceito ambíguo: tanto significa uma situação de facto pela qual uma coisa (acessória) se encontra em posição subordinada relativamente a outra (principal) à qual se une materialmente como se refere à actuação de forças internas ou externas sobre as coisas como às consequências jurídicas desta actuação em termos de atribuir o direito de propriedade ao resultado dessa actuação (Cfr. Enciclopedia del Diritto, I, Accessione, p. 261). Com efeito, a acessão é um dos modos de aquisição do direito de propriedade (art. 1316º CC) e o respectivo momento coincide com o da verificação dos factos respectivos (art. 317º-d) CC) e dá-se quando com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora uma coisa que lhe não pertencia (art. 1325º CC). Por via de regra, o direito de propriedade “absorve”, “atrai” tudo quanto se unir ou incorporar na coisa – força centrípeta da propriedade; daí que os requisitos da acessão sejam a união ou mistura (confusão) de duas ou mais coisas e a inseparabilidade da coisa resultante dessa união ou mistura de coisas autónomas. Podendo resultar da acção da natureza, a acessão pode ser também consequência da actividade humana (art.1326º nº1 e 2 CC). Para o nosso caso, interessa apenas esta última incidindo sobre imóveis. Consoante o autor da obra desconhecia ou não a alieneidade da coisa ou actuava ao abrigo de autorização do dono desta, a união ou incorporação diz-se de boa ou má-fé e, sendo de boa-fé suscita um conflito de valores de liquidação que se resolve a favor do valor superior, mediante compensação (art. 1339 e segs CC); assim, a realização de obras em prédio alheio desencadeia um conflito de direitos de propriedade – a da obra e a do solo – que importa resolver. “Porém, nem todas as situações de união ou mistura de coisas pertencentes a proprietários diferentes desencadeiam a aplicação das regras da acessão”; delimitando negativamente a aplicabilidade deste regime, pode dizer-se que ele “não tem aplicação sempre que a disciplina do negócio jurídico celebrado entre as partes regule a união ou mistura de coisas pertencentes a elas. A regulação própria do negócio jurídico afasta, assim, o regime da acessão” (Cfr. Vieira, José Alberto C., Direitos Reais, 2008, p. 683). Adianta este Autor que, para além do próprio negócio jurídico celebrado, também o regime próprio de um direito ou disposição expressa da lei podem afastar o regime da acessão; assim, os casos em que titulares de direitos, reais ou de crédito, têm o poder de actuar materialmente sobre coisa corpórea alheia em termos de o resultado de tal actuação se unir à coisa são submetidos pela ordem jurídica portuguesa ao regime das benfeitorias e não ao da acessão industrial; logo, o regime da acessão só se aplica à hipótese dessa união ou mistura ser promovida por quem não se encontra vinculado por qualquer relação jurídica cujo objecto (mediato ou imediato) seja a própria coisa; logo, a união de coisas realizada por uma das partes de um contrato cuja disciplina jurídica prevê a hipótese como benfeitoria não é regulada pelas regras da acessão, sob pena de insanável contradição na ordem jurídica. Por conseguinte, a acessão só é chamada a solucionar o problema se as partes, expressamente ou a lei supletivamente, no que pode ser designado por estatuto legal do contrato (constituído pelas normas imperativas ou supletivamente predispostas no silêncio da convenção) não preverem a aplicação do regime das benfeitorias; o mesmo é dizer que a acessão tem carácter subsidiário ou supletivo (Cfr. Autor e ob cit., p.683-684). A distinção entre as benfeitorias e a acessão nestes casos de obras realizadas em coisa alheia é um tema clássico na doutrina dos direitos reais. “A benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada (…) à falta (…) de um título que dê, de per si, a origem e a disciplina da situação criada. São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo antigo enfiteuta, pelo possuidor (arts. 1273º - 1275.°), pelo locatário (arts. 1046.°, 1074.° e 1082.°), pelo comodatário (art. 1138.-) e pelo usufrutuário (art. 1450.0); são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional.” (Cfr. Pires de Lima – A- Varela, Código Civil Anotado, vol. III., 2ª ed., p. 163 e segs De um modo geral e com variações de pormenor, é esta interpretação – a previsão da aplicação da disciplina das benfeitorias, directa ou indirectamente (esta última pela prévia existência de uma relação jurídica entre as partes relativamente à utilização do prédio) afasta a da acessão industrial - que a doutrina portuguesa mais recente faz do regime normativo do Código Civil (cfr. Vieira, José Alberto C., ob loc cit; Menezes Cordeiro, Direitos Reais,, p. 516-517; Menezes Leitão, Direitos Reais, 2009, p.239-240). Diferentemente, o Prof. Vaz Serra assenta a distinção na finalidade e no regime jurídico das benfeitorias e da acessão; as benfeitorias destinavam-se a conservar e a melhorar a coisa, não a criar um direito sobre a coisa e a sua realização conferia ao respectivo autor um direito ao levantamento ou um direito de crédito; a acessão implica a construção de uma coisa nova (não conservar ou melhorar a coisa de outrem) mediante a alteração da substância daquela em que a obra é feita, atribuindo a lei ao autor da obra a propriedade da coisa (cfr. Anotação ao Ac. STJ de 16/7/74, RLJ 108º, p. 253 e segs). O entendimento do Prof. Vaz Serra recuperou a ideia de inovação preconizada pelo Prof. Manuel Rodrigues, para distinguir a benfeitoria da acessão. Segundo este Prof. “das benfeitorias distingue-se a acessão. Nesta há, como nas benfeitorias, a valorização do objecto possuído, mas os actos de acessão distinguem-se daquelas, porque alteram a substância do objecto da posse, porque inovam” (cfr. A Posse, p. 312). O Prof. Manuel Andrade parece secundar este entendimento: para ele, quer as benfeitorias, quer as acessões melhoram a coisa, mas estas, para além de melhorarem, alteram a substância da coisa (transformação), porque inovam. “Dentro deste critério - mas com alguma diferença – está a ideia, corrente quanto às obras e plantações feitas em terreno alheio, e segundo a qual será benfeitoria o simples melhoramento ,de obra ou plantação existente e acessão toda a obra ou plantação nova, incluindo a acrescentada, uma vez entendida a palavra em termos hábeis (cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, I, p.274, nota 4). Também Cunha Gonçalves se pronunciou sobre esta questão; para ele a palavra benfeitoria significa o acto de melhorar, aperfeiçoar, fazer bem a uma coisa e, por isso, a benfeitoria é sempre um acessório; mas quem a faz procede como dono ou legitimo possuidor tanto da coisa principal, como da acessória, ou como mandatário, expresso ou tácito, do dono da primeira, servindo de exemplo, para o ilustrar, as benfeitorias feitas pelo locatário. Na; acessão, pelo contrário, uma das coisas não pertence a quem a uniu a outra ou a quem a transformou; o autor da acessão não procede na convicção de ser dono ou legítimo possuidor das coisas unidas, ou como mandatário de quem o é duma delas, antes sabe que não o é. Para além disso, o critério da alteração inovatória ou substancial é claramente insuficiente e está longe de ser exacto, pois, uma construção, sementeira ou plantação não altera a substância do terreno em que foi feita nem modifica a sua anterior aplicação exactamente como as benfeitorias úteis e, sem prejuízo desta razão, a construção, sementeira ou plantação são actos possessórios e quem as faz em nome próprio tem a posse do terreno, sendo certo que, segundo o regime jurídico da posse, deveriam ser tratadas como benfeitorias (cfr. Martins, António Carvalho, Acessão, 1992, p. 117-118 e nota 190). A inovação não é, pois, o critério decisivo da distinção: as inovações introduzidas pelo locatário ou pelo usufrutuário sujeitavam-nos ao regime das benfeitorias e não da acessão (cfr. Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, CJ – STJ, 1996, Tomo I, p.14). Por conseguinte, a distinção fundada na inovação e na alteração da substância tem natureza doutrinal sem qualquer suporte legal. Suporte legal tem, sim, o critério doutrinal que assenta na (in)existência de uma relação jurídica entre o autor das obras e o proprietário da coisa e no respectivo regime jurídico, tido como o mais adequado para resolver o nosso problema. Segundo ele, como se disse, “a acessão não se verifica nos casos em que existe uma relação jurídica prévia de natureza contratual ou real entre os titulares da propriedade das coisas unidas (o do solo, por um lado, e o dos materiais – a obra - por outro), pois nesses casos deve aplicar-se a disciplina normativa dessa relação jurídica; logo, sempre que os bens se unem ou incorporam com base numa convenção entre os respectivos proprietários (do solo e da obra - materiais aplicados), o direito de acessão não intervêm: o conflito de interesses deve ser resolvido pelas normas dessa convenção” (Cfr. Nuñez Boluda, Maria de los Desamparados, La accesion en las edificaciones, 1994, p. 38 e segs). E, nesta conformidade, as obras efectuadas configurar-se-iam como benfeitorias. As normas da acessão e de matérias conexas (v.g., indemnizações devidas ao dono de coisa adquirida por outra) só serão aplicáveis se o caso não estiver ao abrigo de outro regime real ou contratual mais específico, hipótese em que será este o chamado a regular a matéria; é necessário, pois, que quem faz obra em terreno alheio actue fora de toda a relação com o dono do terreno de modo que a solução da questão da propriedade dos materiais empregados na obra (edificação ou melhoramento) não seja regulada pelas normas que disciplinam a relação entre ambas as partes. Compreende-se: se existe qualquer relação jurídica de natureza contratual ou real a suportar a detenção ou a posse do terreno pelo autor das obras (este será normalmente ou detentor ou verdadeiro possuidor ou então titular de um direito real menor, v.g. usufruto) e então o conflito entre ele, como autor das obras, e o dono do terreno deverá ser resolvido pelas normas próprias das benfeitorias (Cfr. Albaladejo, Manuel, Derecho Civil, III,1989, p.305-306). Portanto, as normas sobre acessão só podem ser aplicadas se o caso não estiver sob o império de outro regime jurídico específico que, nesse caso, terá preferência na respectiva regulação; se as incorporações foram feitas em terreno alheio por quem está ligado a ele por razões contratuais ou reais há que respeitar estas e aplicar as respectivas disposições específicas. Por conseguinte, “toutes les fois que les biens s`unissent ou s`incorporent a moyen d`une convention passée entre les propriétaires de ces biens, le droit d`accession n´intervient plus: c`est la convention qui régle la situation des parties” (Cfr. B. Saint Macary, De l`accession artificielle immobiliére. Essai d`un fondement juridique rationnel, Bordeaux, 1929, p. 38, in Nuñez Boluda, Maria de los Desamparados, La accesion en las edificaciones, 1994, p. 38). Portanto, o princípio fundamental da acessão, como modo de aquisição da propriedade, é este: a propriedade dos bens estende-se a tudo o que eles produzem, se lhes une ou incorpora, natural ou artificialmente, em suma, a tudo o que lhe “acede”, a menos que isto ocorra ao abrigo e em consequência de qualquer relação jurídica entre as partes pois, neste caso, o problema deve ser solucionado pelas regras desta relação, prevalecendo sobre as da acessão. É, pois, a existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada que distingue a benfeitoria da acessão; logo, existindo tal relação jurídica, é à luz da respectiva regulamentação que devem ser qualificadas as obras pois que estas, em princípio, devem ser de conservação ou de melhoramento da coisa – benfeitorias (regime regra) Inexistindo tal relação, o regime a aplicar será o da acessão (excepcional). E também esta a orientação quase unânime da jurisprudência que vem distinguindo a benfeitoria da acessão a partir da (in)existência de relação jurídica contratual ou real, vinculando o autor das obras de incorporação à coisa beneficiada (benfeitoria se existir tal vínculo jurídico), acessão, no caso contrário), como se depreende dos Acs STJ de 23-05-1985, 25-02-1987, 14-12-1994, 08-02-1996, 08-01-2004, 17-05-2011, 09-02-2012, todos acessíveis na INTERNET através de http://www.dgsi.pt.”. No caso em apreço, existia, como se demonstrou um contrato de comodato entre as partes; logo, de acordo com o art. 1138º nº1 CC, o regime jurídico, as obras efectuadas no prédio será o das benfeitorias, pois que o comodatário está equiparado, quanto a estas, ao possuidor de má-fé. Não foi, porém, este o entendimento do acórdão recorrido que, como se disse, aplicou às ditas obras o regime da acessão industrial imobiliária; e porque o valor que as obras efectuadas de boa-fé trouxeram ao prédio seria superior ao valor que este tinha antes, atribuiu a propriedade do prédio cedido em comodato à recorrida mediante o pagamento por esta da indemnização correspondente ao valor do prédio antes das obras. Fundamentou-se o acórdão recorrido, designadamente, no carácter inovador das obras que teriam determinado a alteração da natureza do prédio de rústico para urbano. Escreveu-se no acórdão recorrido, referindo-se às obras efectuadas pela recorrida: “… essas obras efectuadas constituíram inovação, já que transformaram um terreno (prédio rústico) num campo de futebol. Ora, à face do art.204° nº 2-2ª parte-Cód. Civil, um campo de futebol constitui um prédio urbano que, como aí vem definido, “… é qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro” (terrenos que não têm autonomia económica, como resulta “a contrario” na definição de prédio rústico)”. Não tem razão. Prédio rústico é uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia e prédio urbano é qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 204º nº2 CC). Essencial à natureza de prédio urbano é a noção de edifício; a lei, porém, não define o que seja edifício, tratando-se de uma noção “pré-jurídica” (cfr. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., p. 195). Assim, “edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais ou industriais, arrecadação de produtos, etc.), constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos.” e que se encontra unido ou ligado ao solo, fixado com carácter de permanência por alicerces, estacas, colunas ou qualquer outro meio” Quer dizer, o edifício é elemento essencial à qualificação como urbano de um determinado prédio; sendo o urbano (tal como o rústico) uma parte delimitada do solo, deve aquele constituir com o solo uma “unidade estrutural - unidade esta que há-de aferir-se através dos seus elementos essenciais, designadamente através das paredes mestras, dos pilares e vigas de sustentação, da cobertura (telhado ou terraço), dos alicerces, estacas ou qualquer outro meio de fixação permanente ao solo (incorporação), das instalações de água, de electricidade. etc.” (cfr. Pires de Lima-A. Varela, ob loc cit.; Santos Justo, Direitos Reais, 2007, p. 125). É por falta de incorporação (ligação fixa, material e permanente ao solo, de tal modo que dele não possa separar-se sem destruição ou danificação do respectivo objecto) que as estruturas desmontáveis (casas ou, como no caso em apreço, bancadas) não constituem prédios urbanos; a incorporação faz nascer uma unidade entre o solo e a obra nele implantada, constituída por materiais de construção (cimento, tijolos, placas, telhas, pedras, areia, canalizações, fios de electricidade, etc) que antes tinham individualidade própria e autonomia económica e jurídica, devidamente combinados e justapostos pelo trabalho humano, em termos de, uma vez incorporados, não mais possam ser separados sem destruição dessa unidade. Ora, não é isto que constatamos no caso em apreço. Desde logo, um campo de futebol no sentido vulgar de relvado ou recinto de jogo, é obviamente incompatível com a existência (note-se, “dentro das quatro linhas”) de qualquer edifício. Das obras referidas no nº16 da matéria de facto, apenas serão qualificáveis como construções, os edifícios preparados para posto médico e lavandaria e o preparado para balneário/vestiário, bar, arrecadação e instalações sanitárias para o público. Todavia, não são decisivos para a qualificação do prédio como urbano, dada a sua ausência de autonomia económica; recorde-se que a noção de prédio rústico não exclui a existência de construções desprovidas de autonomia económica. E, na verdade, da sua relação de proximidade física e funcional com o campo de futebol – que os afecta economicamente à actividade aí desenvolvida - conclui-se que estão ao serviço deste, quer servindo os praticantes, quer o público (enquanto assistente de jogos); serão, pois, partes componentes do “complexo” desportivo mínimo, formado pelo campo de futebol (cfr. Pires de Lima-A. Varela, ob cit, p. 196). E o ecinto desportivo (neste se incluindo o campo de jogos com a respectiva vedação, muretes de fixação da rede, sistema de rega e de drenagem, bancada metálica, sistema de iluminação, etc) não é, nem pode ser qualificado, como edifício. Não houve, por conseguinte, alteração da natureza do prédio: este era rústico e, apesar da construção do campo de jogos com as instalações anexas, continuou a ser rústico… Improcedendo a invocada aquisição do direito de propriedade sobre tal prédio com fundamento em acessão industrial imobiliária, a questão das obras aí efectuadas será resolvida através do regime das benfeitorias. As benfeitorias são despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (art. 216º nº1 CC); podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 216º nº2 CC). As benfeitorias necessárias são as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, as úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (art. 216º nº3 CC). Ao passo que as benfeitorias necessárias se definem pela sua indispensabilidade e essencialidade para a conservação da coisa e pelo fim ou propósito que preside à sua realização, independentemente do seu resultado efectivo, as úteis, apesar de dispensáveis, definem-se pelo aumento do valor objectivo que trazem à coisa principal; ou seja, as benfeitorias úteis caracterizam-se pelo critério do resultado; as voluptuárias seguem também este critério do resultado, mas o benefício delas emergente produz-se apenas na pessoa do seu autor que tem com elas “um prazer acrescido no disfrute da coisa; logo, as benfeitorias voluptuárias aumentam o valor subjectivo da coisa (cfr. Pais de Vasconcelos, Pedro, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª ed., p.236). Quer dizer: as benfeitorias úteis trazem à coisa principal (benfeitorizada) novas utilidades, isto é, aptidão para satisfazer necessidades novas ou, no mínimo, melhoram as aptidões que ela já tinha; a qualificação “úteis” não é inocente…porque o valor da coisa está associado às utilidades que dela se podem extrair e às necessidades que com ela se podem satisfazer; em suma, as benfeitorias úteis aumentam o valor objectivo (também chamado valor venal, valor comum ou real, valor de comércio expresso pelo preço de mercado, sempre num determinado tempo e lugar). Nesta perspectiva, as obras descritas no nº16 da matéria de facto são, todas elas, benfeitorias úteis: aumentaram o valor do terreno afecto ao campo de futebol, através da ampliação e melhoramento das respectivas utilidades e introdução de outras novas (drenagem, vedações, iluminação, bancada, equipamentos dos balneários, da lavandaria, do posto médico, do bar, da arrecadação, etc). O comodatário está equiparado, no que concerne a benfeitorias, ao possuidor de má-fé (art. 1138º nº1 CC). E o possuidor de má-fé tem direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela (entenda-se, da coisa principal); e quando, para evitar o detrimento da coisa (principal) não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor – in casu, satisfarão os proprietários ao comodatário – “o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa” (art. 1273 nº1 e 2 CC). Conjugando este preceito com o art. 216º, somos levados a concluir com o Prof. Castro Mendes, que o conceito de benfeitoria é complexo: abrange coisas, acrescentadas a outra para seu melhoramento, mas também valores ou despesas, feitas com certa coisa” (cfr. Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 1978, p. 418). A benfeitoria é o que fica, depois de realizadas essas despesas… Perante o proprietário, a benfeitoria realizada por outrem afirma-se através de direitos de crédito do respectivo autor (contra o proprietário), seja tal direito: - o direito à separação e ao levantamento, se estes não acarretarem detrimento da coisa benfeitorizada; ou - o direito à indemnização, se tal detrimento se verificar, indemnização essa que, no caso das benfeitorias úteis, será, como se disse, calculado pelas regras do enriquecimento sem causa, já que se pretende evitar que o proprietário se locuplete à custa do correlativo empobrecimento do possuidor ou detentor, sem qualquer contrapartida; se emprestou uma coisa que lhe foi posteriormente restituída com um valor superior, mercê de benfeitorias introduzidas, é óbvio que se enriqueceu na medida desta valorização cujos custos foram suportados pela pessoa a quem entregou… Para conhecer o valor da indemnização devida por benfeitorias úteis, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, importa apurar o valor que a coisa teria, sem as benfeitorias, na data em que deveria ser restituída (valor hipotético ou eventual) e o que tinha nessa mesma data com as benfeitorias (valor real ou objectivo); no caso de a indemnização se fundar no aumento de valor causado pelas benfeitorias úteis, impossíveis de ser levantadas, o crédito indemnizatório não deve ser calculado mediante a diferença entre o valor que coisa tinha quando chegou às mãos da pessoa obrigada a restituí-la e o que tem quando é devolvida, mas sim através da diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias e o que tem com elas no momento da restituição (cfr. Diez-Picazo, L., Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, III, 5ª ed., 2008, p. 768-769). Pois que a medida dessa diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias na data da restituição e o valor da mesma coisa com as benfeitorias na mesma data corresponde ao valor que o enriquecido obtém à custa do empobrecido (art. 479º nº1 CC). A medida do enriquecimento (e do correlativo empobrecimento) é, portanto, dada pela diferença, reportada esta ao momento em que a restituição deveria ter lugar - o que se considera em 31-07-2008, data da notificação da contestação /reconvenção à Autora - entre o valor (hipotético) que o prédio teria sem quaisquer benfeitorias e o valor (real e objectivo) que tem com as mesmas benfeitorias. Ou, nas palavras de Menezes Leitão, “em se tratando de benfeitorias úteis, o enriquecimento não consiste na poupança da despesa pelo proprietário (pois este poderia não as realizar), mas antes no correspondente incremento do valor da coisa, que pode ser restituído através do ius tollendi (que corresponde à restituição em espécie, nos termos do art. 479º nº1) ou através da restituição do valor correspondente em caso de impossibilidade….” (cfr. Direito das Obrigações, vol I, 2000, p. 386-387, nota 885, itálico nosso). Este enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias decorrente de despesas realizadas por outrem gera, portanto, a obrigação de restituir o valor que essas despesas acrescentaram. Ora, a matéria de facto mostra-nos que o prédio tinha antes das obras, em 1990. o valor de € 1.496,39 euros (Esc. 300.000$00), que as obras ascenderam a € 185.197,00 euros e que aumentaram o valor do prédio nesse mesmo valor de € 185.197.00 euros. O direito a indemnização pelas benfeitorias não se confunde, todavia, com o reembolso das respectivas despesas (cfr. Pires de Lima - A. Varela, Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed., p. 757). Escreveu-se no Ac deste STJ de 23-11-2010: “… o pedido de indemnização por benfeitorias que não podem levantar-se sem detrimento da coisa destina-se a evitar um enriquecimento sem causa, à custa do possuidor, que é obrigado a entregar a coisa benfeitorizada. É que a possibilidade de o levantamento poder ser efectuado com ou sem detrimento do prédio depende do dono da coisa (…).. Por outro lado, o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias refere-se não a estas, mas antes à coisa benfeitorizada, sendo necessário alegar quais as obras que correspondem a cada uma das espécies, a valorização da coisa, como consequência necessária e directa das mesmas, a deterioração resultante do levantamento e o respectivo custo e actual valor A isto acresce que sendo constitutivo o direito ao valor das benfeitorias úteis, a prova do facto de que o seu levantamento pode causar detrimento à coisa cabe aquele que o invoca”. Pretendendo o autor das benfeitorias ser indemnizado pecuniariamente, deve alegar e demonstrar, para alem dos valores do seu empobrecimento (e correlativo enriquecimento do proprietário), que o levantamento das benfeitorias provocará detrimento na coisa principal, como facto constitutivo do seu direito (art. 342º nº1 CC); de outro modo, pretendendo o levantamento das benfeitorias, competirá ao proprietário opor-se, invocando o detrimento da coisa, defesa esta que constituirá matéria de excepção (art. 342º nº2 CC). Ora, no caso em apreço, as instâncias consideraram provado que as obras referidas na alínea 16 não podem ser retiradas sem danificar o prédio (cfr. nº22). A separação e o levantamento das benfeitorias podem causar danos a coisa principal benfeitorizada e à própria benfeitoria em si; contudo, só aquele é relevante: o detrimento refere-se à coisa, não à benfeitoria, carecendo de relevância jurídica o detrimento desta (cfr. Pires de Lima – A. Varela, Cód. Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., p. 42; M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol I, p. 276). O art. 1273º nº1, in fine, pretende salvaguardar a integridade e funcionalidade da coisa principal, benfeitorizada, não a da benfeitoria: se a separação e o levantamento das benfeitorias causarem detrimento àquela, serão substituídas pela indemnização. O obstáculo ao levantamento é, portanto, o detrimento da coisa ou, de outro modo dito, a ofensa à integridade do seu património. Importa, agora, determinar quando é que ocorre detrimento. O detrimento é, inequivocamente, um dano. Mas não é qualquer dano que constitui detrimento. Com efeito, o exercício do direito ao levantamento das benfeitorias (ius tollendi) é sempre susceptível de causar um dano à coisa que foi beneficiada, por mínimo que seja; aliás, a possibilidade de retirar as benfeitorias sem causar qualquer dano é remota já que na maioria dos casos, em condições normais, as operações materiais de separação e levantamento implicam estragos na coisa beneficiada; o que a lei não admite é que esse dano constitua um detrimento, o que deve ser entendido como um dano considerável, irreparável ou de difícil reparação. O detrimento a que alude o nº1 do art. 1273º in fine é, portanto, a “danificação significativa da coisa onde as mesmas (benfeitorias) foram implantadas” (cfr. Ac STJ 08-02-2011, acessível através de www.dgsi.pt, itálico nosso). Como condição do seu reconhecimento, a efectividade do direito à separação e ao levantamento das benfeitorias há-de deixar incólume a coisa beneficiada ou, no máximo, há-de causar-lhe danos de pouca monta e facilmente reparáveis. O detrimento da coisa impeditivo do levantamento consiste, portanto, num estrago elevado, definitivo ou de difícil reparação que, in extremis, pode ir à própria destruição da coisa. “O detrimento verifica-se sempre que as benfeitorias se tenham constituído partes componentes da coisa possuída; por isso, não se podem retirar sob pena de destruição. Se se traduzirem em partes integrantes (v. g., pára-raios, instalação eléctrica em relação a prédios urbanos) são distraíveis materialmente. E sucede o mesmo com as partes acessórias…” (cfr. Santos Justo, Direitos Reais, 2007, p. 183, nota 858). Ora, o art. 204º CC, depois de no seu nº1-e) do CC, prescrever que são coisas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos, esclarece-nos no nº 3 que “é parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência”. Partes integrantes de prédios são, portanto, coisas móveis a ele ligadas material e permanentemente (e que, enquanto tais, são havidas como coisas imóveis), exemplificando-se com os esteios e ferros de uma ramada, os motores eléctricos, a instalação de água e luz, o aquecimento central (cfr. Pires de Lima – A. Varela, ob cit, p.197-198). Originariamente, são coisas móveis que, muito embora depois de ligadas material e permanentemente ao prédio, são havidas como coisas imóveis, mantendo, todavia, a sua individualidade, não se fundindo na estrutura da coisa imóvel nem sendo indispensáveis à função normal dela, embora possam aumentar a sua utilidade; como escrevia o Prof. Manuel Andrade, “não chegam a ser elementos da própria estrutura do prédio, que sem elas não deixaria de existir completo e prestável para o uso a que se destina. Só que aumentam a utilidade do mesmo prédio, enquanto servem para o tornar mais produtivo, ou para a sua maior segurança, comodidade ou embelezamento” (cfr. ob cit., p. 237). Muito embora haja quem sustente que essa ligação possa consistir numa afectação meramente económica, tal questão não se coloca no caso sub judice; assim, com o requisito da ligação material e permanente, quer significar-se que a parte integrante deve estar fixada, presa ou unida ao prédio, não bastando o mero contacto físico com ele. Sendo coisas móveis ligadas materialmente ao prédio podem ser dele separadas, cessando nesse momento a sua natureza de coisas imóveis e retomando elas a plenitude da sua natureza mobiliária; como dizia o Prof. M. Andrade, a desimobilização (ou mobilização) das partes integrantes só tem lugar, uma vez operada a correspondente separação material (cfr. ob cit, p. 243). A separação das partes integrantes não se confunde com a sua destruição; uma vez distraídas do prédio a que estavam ligadas tanto podem ser utilizadas noutro local como podem se objecto de relações jurídicas (compra e venda, locação, comodato, doação, etc). No caso em apreço em que está em causa a separação das benfeitorias, já se disse que um dos requisitos do seu levantamento, pressupondo a sua prévia separabilidade, é o de que tal não cause detrimento ao prédio, detrimento esse que, como dissemos, deve ser entendido como dano significativo, considerável e não consistir em estragos de reduzido valor; assim, por exemplo, a separação de estruturas fixas no solo pode implicar o revolvimento da terra e a abertura de buracos ou covas, escalavrando o terreno; mas estes danos no solo, sendo irrelevantes, são facilmente suportáveis e regeneráveis num prédio rústico tendo em conta as respectivas aptidões naturais. Por isso, se escreveu no acórdão deste STJ de 18-12-2003 (Rel Cons Duarte Soares), a propósito de um caso em que se discutiam as benfeitorias úteis consistentes na adaptação de um terreno rústico a stand de automóveis que “enquanto benfeitorias úteis, poderão sempre ser levantadas pois, tratando-se de prédio rústico, nunca estará em causa o detrimento deste”; este mesmo entendimento veio a ser sufragado num outro aresto posterior, versando, tal como o presente, sobre um caso de adaptação de um terreno a campo de futebol, e em que o STJ também entendeu que “a coisa sobre a qual haveria de se verificar o “detrimento” é um terreno …, cuja reposição, esta sim, dada a natureza da coisa, será, em regra, notoriamente possível e facilmente realizável” (cfr Ac 12-07-2011, Rel Cons. Alves Velho). Outrotanto não acontece com as benfeitorias que são partes componentes de prédios urbanos, ou seja, quando fazem parte da sua estrutura, designadamente por via da incorporação. Neste caso, compreende-se que a efectivação da separação da benfeitoria (que seja parte componente) cause um prejuízo irreversível ou considerável ao prédio. No conflito de interesses entre o proprietário (que pretende salvaguardar a integridade e incolumidade da coisa) e o benfeitorizante (que pretende o levantamento e a separsação da obra), o art. 1273º CC dá prevalência ao interesse daquele, mas impõe-lhe, em contrapartida, a obrigação de neutralizar o seu enriquecimento e o correlativo empobrecimento do benfeitorizante. O preceito citado não resolve, porém, o conflito de interesses entre o proprietário (de um terreno rústico) e o benfeitorizante, no caso de impossibilidade de levantamento e separação da benfeitoria, por tal implicar a sua própria (dela, benfeitoria…) destruição, se bem que com danos reversíveis e não definitivos no prédio. O que não configura qualquer lacuna. A questão não é solucionada pelo art. 1273º CC, mas é-o por força dos princípios gerais da acessão no direito de propriedade; “dá-se a acessão quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra que lhe não pertence” (art. 1325º CC). Que, como flui da anterior exposição, não funciona a favor do benfeitorizante juridicamente relacionado com a coisa, como meio de lhe facultar a aquisição do direito de propriedade sobre esta (pois que o seu direito se resolve num crédito por benfeitorias), mas funciona sempre a favor do titular do direito de propriedade, absorvendo “tudo o que, por força da natureza ou do homem, se vier a incorporar no seu objecto” (cfr. Pires de Lima – A. Varela, ob cit, p. 137). É a chamada força centrípeta ou atractiva do direito de propriedade. Ora, o funcionamento da acessão no caso de benfeitorias cujo “levantamento” implica a sua própria destruição, sem acarretarem dano apreciável e relevante à coisa principal – hipótese, como se disse, não prevista no art. 1273º CC – configura, quanto a nós, pressuposta a valorização que dela resulta, mais um caso de enriquecimento injustificado do proprietário que a ordem jurídica deve reprimir (art. 473º e segs CC). Porque, estando obrigado a entregar um prédio rústico, a comodatária entrega um prédio com algumas benfeitorias cujos custos suportou, disso resultando um enriquecimento dos comodantes à sua custa. Nos termos do art. 479º nº1 e 2 CC, não sendo possível a restituição em espécie, a obrigação de restituir compreende o valor correspondente a tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido mas sem exceder a medida do locupletamento à data da citação judicial para restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento. Interpretando este preceito, o Prof. Almeida Costa escreve que “o objecto da obrigação de restituição se encontra submetido a um duplo limite: o do enriquecimento e o do empobrecimento. Por outras palavras, o beneficiado deve entregar, em princípio, na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo e não real; nunca mais, todavia, do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior àquele, De contrário, a obrigação de restituir determinaria, por seu turno, um enriquecimento injustificado” (cfr. Direito das Obrigações, 10ª ed., p. 512). Por outro lado, o valor correspondente a que alude o art. 479º nº1 é o valor objectivo ou de mercado, sem consideração do seu valor subjectivo para o adquirente (cfr. Menezes Leitão, ob cit., p. 415). Volvendo ao caso sub júdice e sabendo que estão em causa as benfeitorias descritas no nº16 da matéria de facto, já qualificadas como úteis, importa discriminar, de entre elas, as que são susceptíveis de ser levantadas e separadas incólumes do prédio, das demais. Ora, à luz das considerações expostas dificilmente deixarão de se qualificar como partes integrantes susceptíveis de levantamento sem dano relevante quer ao prédio, quer a elas próprias, as seguintes benfeitorias: - vedações em rede de malha elástica; - vedação do recinto de jugos em tubo galvanizado; - sistema de ilumonação dso campo de jogos, através de seis postes e rspectivos prjectores, cabos de alimetação e distribuição de energia eléctrica e de um quadro de manobra e comando; - abrigos em estrutura tubular revestidos a chapa metálica pintada para os elementos não activos das equipas em jogo; - montagem de bancada metálica para a assistência e respectiva cobertura; - postes em tubo de aço galvanizado para bandeiras.
Das demais, a saber: - limpeza do terreno; - sistema de drenagem do recinto de jogos; - abertura de caixas, ensaibramento e espalhamento de gravilha, em redor do recinto de jogos; - construção de uma rede de rega do campo ao longo da lateral Poente; - construção de um edifício preparado para posto médico e lavandaria; - construção de um edifício preparado para balneários/vestiários, bar, arrecadação e instalações sanitárias para o público; - construção de uma plataforma com pavimento de betão afagado na frente destes edifícios. - bases, sapatas, muretes, são todas elas insusceptíveis de levantamento sem a sua própria destruição e, passando a integrar o imóvel, aumentam-lhe o respectivo valor, enriquecendo os respectivos proprietários em prejuízo do comodatário. A Autora pediu a condenação dos RR no pagamento das benfeitorias, limitando-se à alegação, genérica e vaga, de danos, cuja existência se concede mas que não constituem facto constitutivo do seu direito a indemnização – como se disse, o facto constitutivo, é o detrimento e se todo o detrimento é um dano, nem todo o dano constitui detrimento... Todavia, com fundamento no princípio geral de direito que veda o enriquecimento injusto à custa de outrem, a pretensão da Autora procede parcialmente no que concerne a estas benfeitorias insusceptíveis de levantamento (por – repete-se - o mesmo implicar a sua destruição) e que, por isso, e também porque os RR não peticionaram a sua remoção, passaram a integrar o direito de propriedade, relegando-se, contudo, para momento ulterior, em execução de sentença, a liquidação do valor que, a título de restituição do locupletamento, os proprietários devem pagar à Autora e que, por força do art. 479º CC, deve corresponder ao valor ou do enriquecimento ou do empo0brecimento, qual destes se apurar seja o inferior. Importará, por isso, determinar o valor real e comum do prédio sem as benfeitorias (valor hipotético) na data em que deveria ser restituído aos RR – e que se convenciona na da notificação da contestação / reconvenção à Autora, ou seja, 31-07-2008 – e o valor do prédio com as ditas benfeitorias (valor real e efectivo) nessa mesa data, bem como o custo destas, correspondendo a medida do locupletamento a restituir, ao da diferença entre aqueles valores ou ao do custo, consoante aquele for inferior a este ou este for inferior àquele. Resta, por fim, aludir ao direito de retenção cujo reconhecimento a Autora, recorrida, peticionou. Como se disse, a Autora, comodatária, é credora dos RR, comodantes, pelo valor ainda ilíquido correspondente à restituição do enriquecimento que estes obtiveram com a perda definitiva por aquela das seguintes benfeitorias: - limpeza do terreno; - sistema de drenagem do recinto de jogos; - abertura de caixas, ensaibramento e espalhamento de gravilha, em redor do recinto de jogos; - construção de uma rede de rega do campo ao longo da lateral Poente; - construção de um edifício preparado para posto médico e lavandaria; - construção de um edifício preparado para balneários/vestiários, bar, arrecadação e instalações sanitárias para o público; - construção de uma plataforma com pavimento de betão afagado na frente destes edifícios. - bases, sapatas, muretes, por impossibilidade do seu levantamento e separação, dado que estes implicam a sua destruição. Ora, depois de o art. 754º CC prever que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, o art.755º prevê que “gozam ainda do direito de retenção”, entre outros, “…o comodatário sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes”. E entre os créditos deles resultantes, inclui-se, por imperativo legal, o direito de retenção do comodatário sobre a coisa que está obrigado a entregar até ao pagamento da indemnização de que é credor pelas benfeitorias úteis, que fez ou suportou, e não pode levantar. “Tendo direito a indemnização, o comodatário goza do direito de retenção que lhe é conferido, especialmente, pela alínea e) do nº1 do artigo 755º” (cfr. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado. V ol II, 4ª ed., p. 758). A iliquidez do crédito não constitui obstáculo ao direito de retenção, pois que, como prescreve o nº 2 do art. 757º CC, não depende da liquidez do crédito do respectivo titular. Assim sendo, impõe-se reconhecer à Autora o direito de retenção sobre o prédio rústico que está obrigada a entregar aos RR até ao pagamento da importância correspondente à valorização que as obras referidas trouxeram ao prédio ou ao respectivo custo, se inferior, valorização e custo estes a liquidar em execução de sentença. Do exposto resulta a concessão da revista com a revogação parcial do acórdão recorrido por: - improcedência do pedido subsidiário formulado na acção, de condenação dos RR no reconhecimento da aquisição do direito de propriedade da Autora por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento de indemnização; - procedência do pedido reconvencional de restituição da posse do prédio rústico referenciado aos RR; - procedência parcial do pedido de condenação dos RR na restituição do valor correspondente à valorização que as benfeitorias indicadas (e cujo levantamento implicava a sua própria destruição por estarem incorporadas no imóvel), trouxeram a este, valor esse a apurar em execução de sentença; - reconhecimento à Autora do direito de retenção sobre o imóvel até à satisfação desse crédito de restituição. Concluindo: I – O empréstimo gratuito de um prédio rústico para a instalação de um campo de futebol configura um contrato de comodato, não obstante o uso convencionado não se integrar na função e destino normal dos prédios rústicos. II – As obras, autorizadas pelo proprietário, de adaptação do terreno para servir esse fim configuram-se benfeitorias úteis, na medida em que lhe aumentam o valor. III – Como tal, nunca constituiriam fundamento para aquisição da propriedade do prédio por acessão industrial imobiliária, porquanto o traço distintivo entre esta forma de aquisição e as benfeitorias é a existência prévia de um vínculo ou relação jurídica entre o proprietário do prédio e o autor das obras incidindo, directa ou indirectamente, sobre o imóvel. IV - Face à noção legal de prédio rústico e urbano contida no art. 204º CC, um campo de futebol com vedações, sistema de rega e de drenagem, postos de iluminação, bancadas metálicas montadas, edifícios para balneário/vestiário, bar arrecadação, etc, não reúne as características para ser considerado prédio urbano. V – Sendo o comodatário equiparado ao possuidor de má fé quanto às benfeitorias úteis, uma vez cessado o contrato de comodato, tem direito a levantamento dessas benfeitorias que puderem ser separados do prédio, sem detrimento deste, isto é, sem dano permanente. Irreparável ou dificilmente reparável do prédio. VI – A separação e levantamento de benfeitorias úteis que se encontrem ligadas ao solo de um prédio rústico é susceptível de causar alterações susceptíveis de serem qualificadas como dano que, dada a sua reduzida dimensão e reversibilidade pela capacidade de regeneração da natureza, são juridicamente irrelevantes. VII – As benfeitorias que constituem partes integrantes são, por via de regra, susceptíveis de serem levantadas sem detrimento, quer da coisa benfeitorizada, quer delas próprias. VIII – Diversamente, as benfeitorias que constituem partes componentes porque incorporadas na estrutura da coisa benfeitorizada, são insusceptíveis de serem levantadas sem tal detrimento. IX – Todavia, tratando-se de prédio rústico não é, em condições normais, configurável o seu detrimento, pois que a sua reposição é possível e facilmente realizável. X – As benfeitorias nele implantadas e incorporadas são impossíveis de dele serem levantadas e separadas, pois que isso implica a própria destruição delas. XI – O direito de propriedade tem a virtualidade de absorver tudo quanto se vier a incorporar no seu objecto, adquirindo o respectivo titular por acessão tudo o que, do exterior, lhe acrescer. XII – Por via disso, as benfeitorias implantadas e incorporadas por quem se encontra juridicamente relacionado com a coisa, objecto do direito de propriedade, integram-se imediatamente neste, restando ao autor daquelas o direito a, no caso de se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa, reclamar a restituição do valor correspondente ao enriquecimento para compensar o respectivo empobrecimento. XIII – A eventual iliquidez desse crédito não obsta ao reconhecimento do mesmo, relegando-se o apuramento do respectivo montante para execução de sentença; XIV – O comodatário goza do direito de retenção pelos créditos resultantes do contrato de comodato, nestes se incluindo também o crédito fundados em benfeitorias, não obstando a tal direito a iliquidez deste. .ACÓRDÃO Pelo exposto, acorda-se neste STJ em conceder parcialmente a revista e, revogando o douto acórdão recorrido: - quanto à acção: · absolver os RR do pedido subsidiário de reconhecimento da aquisição pela Autora do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária; · condenar os RR no pagamento do montante correspondente à valorização - a liquidar em execução de sentença segundo as regras do enriquecimento sem causa - que as benfeitorias indicadas (insusceptíveis de levantamento por tal implicar a sua própria destruição), trouxeram ao prédio rústico, valor esse a encontrar através da diferença entre o valor do prédio sem quaisquer benfeitorias e o valor do mesmo prédio com essas mesmas benfeitorias, reportado a 31-07-2008, se for inferior ao custo das referidas benfeitorias e, no caso contrário, através do valor de custo destas. · Reconhecer à Autora o direito de retenção sobre tal prédio até à satisfação desse referido direito de crédito fundado no enriquecimento sem causa dos RR. - quanto à reconvenção: · condenar a Autora a restituir o prédio rústico referido aos RR.
As custas serão suportadas pela Autora e RR, na proporção de metade. Lisboa e STJ, 27 de Setembro de 2012 Os Conselheiros Fernando Bento (Relator) Tavares de Paiva Abrantes Geraldes |