Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/14.0GABNV.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: RECURSO PENAL
HOMICÍDIO QUALIFICADO
EXEMPLOS-PADRÃO
CONSTITUCIONALIDADE
MOTIVO FÚTIL
FRIEZA DE ÂNIMO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
MOTIVO TORPE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
Doutrina:
- Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, 21-24.
- Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, revista e actualizada, edição da AAFDL, Lisboa, 2007, 24-27.
- Eduardo Correia, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, edição do Ministério da Justiça, Lisboa – 1979, 23, 25; Apontamentos Sobre as Penas e sua Graduação no Direito Criminal Português, Coimbra, 1953, pp. 296-7.
- Elisabete Amarelo Monteiro, Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída, Coimbra Editora, 2012, p. 36.
- Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição (revista e actualizada), 2008, 50-51.
- Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, 27 e ss.; in C.J., ano XII, 52.
- Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I – artigos 131.º a 201.º –, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, anotação 1.ª ao artigo 132.º, 48-49, 51-52, 54-55.
- João Curado Neves, «Indícios de culpa ou Tipos de Ilícito? A difícil resolução entre o n.º 1 e o n.º 2 do art.132.º do Código Penal», Direito Penal – Parte especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 247.
- Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código Penal” Português, Anotado e comentado, 3.ªEd., 1977, Almedina, Coimbra, 118; 17.ª edição, 2005, Livraria Almedina, Coimbra, 474-475.
- Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 41-45, e bibliografia citada.
- Maria Margarida da Silva Pereira, Direito Penal II – Os Homicídios, 2008, Edição da AAFDL, 82.
- Teresa Beleza, A Revisão da Parte Especial na Reforma do Código Penal: legitimação, equilíbrio, privatização, «individualismo», in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, org. Maria Fernanda Palma e Teresa Pizarro Beleza, Edição da AAFDL, 1998, 106.
- Teresa Quintela de Brito, «O Homicídio Qualificado (art. 132.º)», Direito Penal – Parte especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra editora, 2007, 178.
- Teresa Serra, Homicídio Qualificado – tipo de culpa e medida da pena, 4.ª reimpressão da edição de 1995, 2003, Almedina, Coimbra, 63-64, 70 e ss., 122, 123, 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALS. E), J), H) E E).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 410.º, N.º 2, 412.º, N.º 1, 427.º, 432.º, N.OS 1, ALÍNEA C), E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12/5/1983, IN BMJ N.º 327, 458, DE 8/2/1984, IN BMJ N.º 334, 258, DE 5/1/1983, IN BMJ N.º 323, 121, DE 26/4/1989, IN BMJ N.º 386, 273; E DE 5/12/1990, IN BMJ N.º 402, 195.
-DE 10/02/1998, PROC. N.º 478/98, DE 29/5/1995, PROC. N.º 48517, DE 11/12/1997, PROC. N.º 1050/97, E DE 11/11/1996, PROC. N.º 152/97, ACESSÍVEIS, QUANDO OUTRA FONTE NÃO FOR ESPECIFICADA, NA BASE DE DADOS DO IGFEJ EM HTTP://WWW.DGSI.PT/ .
-DE 15/10/2003, PROC. N.º 03P2024.
-DE 5/3/2008, PROCESSO N.º 08P210, TAMBÉM PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA (CJ), 2008, TOMO I, P. 243.
-DE 21/1/2009, PROCESSO N.º 08P2387.
-DE 18/3/2010, PROCESSO N.º 1374/07.8PBCBR.C2.S1.
-DE 9/6/2011, PROCESSO N.º 132/08.7JAGRD.C1.S1. NO MESMO SENTIDO, ENTRE OUTROS, O ACÓRDÃO DE 2/2/2011, PROCESSO N.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2.
-DE 23/11/2011, SUMÁRIO IN CJ STJ, 2011, T III, 221.
-DE 23/11/2011, PROCESSO N.º 508/10.0JAFUN.S1 E OS ACÓRDÃOS NELE CITADOS DE 21/5/2008, PROCESSO N.º 1224/08, DE 13/2/1997, PROCESSO N.º 986/96, DE 21/5/1997, PROCESSO N.º 188/97, DE 10/12/1997, PROCESSO N.º 1207/97, DE 18/2/1998, PROCESSO N.º 1086/97, DE 3/6/1998, PROCESSO N.º 301/98, E DE 8/7/1998, PROCESSO N.º 646/98.
-DE 7/12/2011, PROCESSO N.º 830/09.8PBCTB.C1.S1.
-DE 15/12/2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1.
-DE 18/12/2012, PROCESSO N.º 735/10.0JACBR.C1.S1.
-DE 14/3/2013, PROCESSO N.º 341/08.9GAMTA.L2.S1.
-DE 12/3/2015, PROCESSO N.º 40/11.4JAAVR.C2.S1.
-DE 14/10/2015, PROCESSO N.º 473/12.9GCPTM.E1.S1.
-DE 28/10/2015, PROCESSO N.º 411/14.4PFVNG.P1.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 852/2014, DE 10/12/2014, DISPONÍVEL NO SÍTIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NO ENDEREÇO HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/19990096.HTML, E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA (DR), II SÉRIE, N.º 48, DE 10 DE MARÇO DE 2015, 5909-5916.
-N.º 496/2015, DE 13 DE OUTUBRO DE 2015, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .



Sumário :

I - A partir do tipo penal de homicídio simples, que constitui a matriz dos diversos tipos de homicídio previstos no código, o art. 132.º, do CP prevê e pune o crime de homicídio qualificado, incorporando um tipo de culpa especialmente acentuado, modelado e delimitado pelas circunstâncias enunciadas no n.º 2 que concretizam os conceitos de especial censurabilidade ou perversidade.
II -Sendo conceitos indeterminados, a especial censurabilidade ou perversidade são representadas por circunstâncias que denunciam e são descritas como exemplos-padrão, que representam situações que indiciam uma culpa agravada, mas a ocorrência destes exemplos não determina, por si e automaticamente, a qualificação do crime, do mesmo modo que a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos.
III - Para a qualificação crime do homicídio não basta o preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do artº 132.º do CP, que deverá ser referida à verificação de uma estrutura valorativa comum aos exemplos-padrão, constantes do n.º 2 do preceito, não sendo suficiente o mero preenchimento dos exemplos-padrão quer no seu literalismo, quer em circunstâncias valorativamente equivalentes, ou de idêntico grau de gravidade equivalente, ou de estrutura valorativa ou axiológica semelhante, sem proceder o substrato constante do n.º 1.
IV - Inexistindo uma recondução direta da conduta delinquente a qualquer dos exemplos-padrão aludidos no n.º 2 do artº 132.º do CPP, mas estando presente a identificação de uma ideia condutora agravante que conduz ao reconhecimento judicial de uma situação reconduzível a uma estrutura valorativa comparável àquele que subjaz ao exemplo padrão constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, este juízo interpretativo conforma-se com a jurisprudência constitucional.
V - A conduta do arguido, pela persistência, intensidade e violência é reveladora de características particularmente desvaliosas e censuráveis, e de um desprezo intolerável pela vida e pessoa da vítima, sendo tal conduta análoga, por equiparável em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, às hipóteses exemplificativamente previstas nas als. do n.º 2 do art. 132.º do CP, designadamente àquela a que se referem as als. e) – determinação por motivo fútil, uma vez que a conduta, na sua intensidade, se revela excessiva, e como tal desnecessária, face ao fim visado - ou j) – quanto à atuação com frieza de ânimo, do n.º 2 do art. 132.º do CP, ainda que se não subsuma às respetivas previsões.
VI -Perante tal enquadramento e considerando esses elementos, a morte da vítima foi produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade e perversidade por parte do arguido, pelo que, encontrando-se preenchidos os restantes elementos típicos, objetivos e subjetivos, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se ter sido cometido pelo arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131.º e 132.º, n.º 1, do CP.
VII - A vítima apresentava 38 ferimentos, dos quais, 16 deles, devidamente discriminados, foram causa necessária e direta da morte daquela, enquanto outras, em número de 22, foram indiferentes à produção do resultado pretendido.
VIII - As lesões «gravíssimas» na vítima, muito para além das que seriam necessárias para causar a morte, algumas delas reveladoras de grande crueldade e vontade de causar sofrimento que revelam uma conduta de extrema violência, até pela sua desnecessidade ao fim visado, reveladora de um grau de culpa particularmente intenso acomodam-se à verificação de um crime de homicídio qualificado atípico, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 131.º e 132.º, n.º 1, embora tendo presente os exemplos-padrão enunciados nas alíneas e) – determinação por motivo fútil, ou j) – atuação com frieza de ânimo, do CP, aos quais seria equiparável, em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, a conduta havida.
IX - Apesar de afastada a verificação das circunstâncias do meio particularmente perigoso e motivo torpe ou fútil, previstas nas alíneas h) e e), respetivamente, do n.º 2 do art. 132.º do CP, surpreende-se na conduta do arguido, pela sua persistência, intensidade e violência, analisada no contexto global do facto, um especial tipo de culpa resultante de circunstancialismo estruturalmente análogo àquelas, que irradia uma maior censurabilidade ou perversidade do agente.
X - A pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa, devendo, na determinação concreta daquela, atender-se às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigos 40.º e 71.º, n.os 1 e 2, do CP).
XI - Tendo em atenção todo o circunstancialismo que milita contra o recorrente – em particular a elevada intensidade do dolo e da ilicitude, onde, nesta, impera uma violência dos factos causadores de lesões muito para lá do necessário, os quais foram levados a cabo contra um amigo de há mais de 20 anos, que o tinha recebido na sua família e lhe dava guarida há cerca de 2 anos, a inexistência, no presente, de atividade laboral, a ausência de remorsos e a não confissão –, mas atendendo às circunstâncias pessoais do agente com ausência de antecedentes e um passado laboral, e as funções que competem ao STJ na uniformização de critérios da medida da pena com vista a um tratamento dos diversos casos tão igualitário quanto possível, a pena é reduzida de 19 para 17 anos de prisão, que projeta a imagem global do facto, a elevada intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral e especial, e não ultrapassa a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida, derivada da severidade do facto global.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, que correram termos pela Secção Central da Instância Central da Comarca de Santarém com a referência n.º 122/14.0GABNV, o arguido AA, identificado nos autos, foi, por acórdão de 8 de janeiro de 2015, (fls. 603-637, do 4.º vol.), condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido (p. e p.), pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.
2. Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso o arguido (Fls 673-696) e os assistentes BB (Fls 657-672) e CC (Fls 699-704), o primeiro restrito a questão de direito, e os assistentes suscitando questões de facto e de direito, a todos tendo respondido o Ministério Público (fls 735 a 757, 768 a 781 e 735 a 757). À motivação de recurso do arguido responderam os assistentes BB (fls 785 a 791) e CC (fls 809 a 829).
3. Na sua motivação (fls 673 a 696, corrigidas a fls 678, 707 e 717, do 4.º vol.), o recorrente formula as seguintes conclusões[1]:
«1)   Nos termos do que se deixou supra (pontos 4) a 25) destas alegações de recurso), o artigo 72.º do Código Penal implica que, na ponderação da pena concretamente aplicável, se devam mobilizar em favor do arguido todas as circunstâncias de facto que lhe aproveitem ou sejam favoráveis;
2)    Embora na respetiva “MOTIVAÇÃO” o acórdão em crise tenha, por mais de uma vez, imputado ao arguido afirmações (que correspondem efetivamente ao que pelo próprio foi dito e revelado em audiência de discussão e julgamento) correspondentes a uma confissão (que o arguido entende ser total, o Tribunal nem tanto), também elas hão de corresponder a um mínimo de benefício do arguido;
3)     Na verdade, mesmo que assumindo o livre arbítrio do Tribunal na apreciação da confissão do arguido, não pode ser aceitável que, considerando o Tribunal que está diante de um arguido que “admite ter causado os golpes sofridos pela vítima” (P. 12 do Acórdão recorrido), que diz, inclusivamente, “só posso ter sido eu” (P. 12 do Acórdão recorrido), que admite que ele e falecido “acabaram por cair (…) para dentro de uma chaminé, onde ficaram cara a cara” (P. 11 do Acórdão em crise) se omita por completo que se esteve perante um arguido que, pelo menos não mentiu;
4)     E se é verdade que tem de se reconhecer aos arguidos o direito ao silêncio, não deixa de ser menos verdade que por algum motivo (legal) os mesmos não prestam juramento, se decidirem prestar declarações (são limitadas pela lei as declarações a que, mesmo um arguido, tem dever de obedientemente responder com verdade);
5)    E portanto há que destrinçar entre o arguido que mente, o arguido que decide não falar, o que decide mentir, e aquele outro grupo de arguidos que, falando verdade, podem ter mais ou menos coerência e alinhamento de discurso, mas que não contradizem os factos que sabem ser reais, em colaboração com a realização da justiça;
6)    E o Tribunal, no Acórdão em crise, ao aceitar, julga-se suficientemente, que o arguido reconheceu a prática dos factos, pelo menos dos essenciais – ainda que lhe impute algum vício de lógica e coerência no discurso o que aparentemente terá sido determinante para considerar que a confissão não foi integral e sem reservas – há de ter de valorar esse facto (a que chamamos, pelo menos, de “confissão parcial”) em sede de determinação de medida da pena;
7)     Ora, na escolha da medida da pena, a favor do arguido, o Tribunal apenas valorou a inexistência de antecedentes criminais;
8)     O que, nesta parte, faz o Acórdão em crise incorrer em clara violação dos ditames do artigo 72.º do Código Penal, já que a confissão – ainda que entendida como parcial – deveria ter sido tida em conta como elemento favorável ao arguido (aceita-se: em menor medida que uma confissão integral e sem reservas, se no entendimento do tribunal esta não existiu) em sede de determinação da medida da pena, naturalmente como uma sua atenuante;
9)    O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, entra em contradição lógica quando refere que (p. 22 do Acórdão) “no caso dos autos nada se logrou provar quanto ao motivo que levou à prática dos atos imputados ao arguido, não podendo pois, na ausência de qualquer motivo apurado, concluir-se que o mesmo seria torpe ou fútil”;
10)   Para logo depois, “acabar” a qualificar o crime de homicídio por se entender ter o arguido agido sob uma conduta de especial perversidade e censurabilidade (fundamentos melhor expressos a pp 25 e 26 do Acórdão em crise);
11)  Salvo o devido respeito, a qualificação de um crime de homicídio ao abrigo do próprio conceito de especial perversidade surge associado a um conjunto de circunstâncias, envolventes do próprio crime, que têm de se provar e que, grosso modo, poderão traduzir-se elas mesmos em “motivo”;
12)   Nos autos não estão provados factos suscetíveis de integrar a conduta do arguido no conceito legal de “especial perversidade ou censurabilidade” (até pelo contrário, resultam provados factos que demonstram a ausência dessa especial perversidade: a confissão do arguido em audiência, o facto de voluntariamente se ter entregue na GNR logo a seguir à prática dos factos, e mesmo o facto de estar demonstrado que a morte é produzida não com 38 facadas como em toda a “motivação” o tribunal expendeu, mas sim com 6 golpes como resulta dos factos provados);
13)   Não resulta de nenhuma matéria provada um único facto que permita a conclusão de que o arguido teve “a intenção ou vontade causar sofrimento”: como é que o Tribunal chega a esta conclusão? Com base em factos? Se nem sequer credibiliza, como talvez devesse, as declarações do arguido? Ou o facto de ter prestado declarações só se aproveita…em prejuízo do próprio?
14)   É errada a conclusão, plasmada na decisão em crise, atentos os factos provados, que “a morte da vítima teria sido igualmente obtida com um número de golpes muitíssimo inferior”, como forma de pretender-se associar os 38 golpes dados como provados a 38 golpes dados, todos eles, com “intenção de matar”;
15)   Dos factos provados resulta que só 6 golpes foram mortais, e dos depoimentos (que se aceitam) dos senhores inspetores da Polícia Judiciária resultou (credivelmente como admite a decisão em crise) que os demais golpes serão, muito provavelmente, consequência da luta e atos de defesa e/ou proteção da vítima;
16)   A jurisprudência mobilizada no Acórdão não se refere a um caso sequer similar com o presente;
17)   Não foi – devendo ter sido – considerado como favorável ao arguido o comportamento seguinte à prática do crime, designadamente pela voluntária entrega do próprio no posto da GNR de Samora Correia;
18)   Salvo o devido respeito, vem mal interpretado o artigo 132.º/ 1 do Código Penal, na parte em que se subsumem os factos provados e a conduta do arguido à prática de um crime de homicídio que mereceu qualificação, quando na verdade nenhum facto (dos provados e não provados) suporta que o arguido tenha agido dentro de um quadro que a doutrina e jurisprudência dominante (repescamos aqui a doutrina e jurisprudência citadas nas alegações supra) considerem ser de “especial censurabilidade ou perversidade”);
19)   Finalmente, também erra a decisão em crise quando considera como único elemento favorável ao arguido, a inexistência de antecedentes criminais;
20)   São diferentes as necessidades de prevenção especial num arguido que, pena cumprida, estará com uma idade próxima dos 70 anos, do que de um outro arguido com metade dessa idade;
21)   Ao contrário do que se mobiliza na decisão em crise (aportando como fundamento de reforço da necessidade de prevenção especial o facto de o arguido não ter uma sólida estrutura familiar de suporte), a idade é um fator seguro e firme com o qual à data da escolha da medida da pena se deve contar;
22)   Em reverso, fundamentar – para agravar a pena – que a medida da pena se deve pautar num quadro mais intenso (com uma pena concreta maior) porque o arguido não tem (hoje!) um contexto familiar sólido é antecipar, sem limites, que no final de uma pena elevada esse contexto se manterá instável: A idade do arguido, no fim da pena, é certa. O contexto familiar, ao fim de tantos anos, provavelmente não é tão certo;
23)   As necessidades de prevenção especial deverão ter em conta a personalidade do agente. Acompanhando José Souto de Moura diremos “nela far-se-ão sentir fatores como a idade”;
24)   O Tribunal, salvo o devido respeito, também erra, pois, na aplicação do artigo 71.º do Código penal: a idade do arguido (atual, e a que terá ao cabo do cumprimento da pena) tinha de influenciar decisivamente – para baixo – a escolha da medida da pena que, só por aqui, não podia nem devia, nunca ter atingido 19 anos;»
Conclui pedindo que seja «dado provimento ao recurso e revogado o acórdão recorrido, sendo desqualificado o crime pelo qual o arguido vem condenado, passando a condenação do arguido à condenação pelo cometimento de um HOMICÍDIO SIMPLES (art. 131.º do Código Penal), revogando-se a pena de 19 anos de prisão a qual se substituirá por outra que, em Justiça, não deve exceder o máximo de 13 anos (…)».
4. Na resposta, a Senhora magistrada do Ministério Público na 1.ª instância pronuncia-se pela confirmação do acórdão recorrido (fls 735 a 757, do 4.º vol.), concluindo como segue:
«1. O arguido AA foi condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.os 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão;
2. O arguido não fez uma confissão integral e sem reservas dos factos que lhe foram imputados;
3. Efetivamente, como resulta da motivação explanada no acórdão, os factos dados como provados em 3, designadamente que o arguido AA muniu-se de uma faca de cozinha, com 18 centímetros de lâmina, com o comprimento total de 29,5 centímetros, e 5 centímetros de largura máxima, e desferiu com a mesma, pelo menos, 38 golpes no corpo de CC, atingindo-lhe a cabeça, pescoço, tórax, abdómen e membros superiores, ou seja, os factos integradores do crime de homicídio, não resultaram do esclarecimento do arguido ao admiti-los;
4. Pelo que bem andou o Tribunal ao não considerar as suas declarações como confissão daqueles factos;
5. Para qualificar o crime de homicídio o legislador recorreu à técnica chamada dos exemplos-padrão. Nas palavras de Teresa Serra (Homicídio Qualificado: Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 120-125), «esta técnica estrutura-se sobre uma cláusula geral (prevista no n.º 1 do artigo 132.º), concretizada através de uma enumeração casuística exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático (elencados no n.º 2 do mesmo preceito)»;
6. Sendo que a doutrina tem vindo a aceitar que ainda é compatível com o princípio da legalidade a punibilidade naqueles casos em que a situação concreta revela um conteúdo de desvalor ou uma estrutura axiológica idêntica ou similar a algum dos exemplos-padrão ali consagrados. É consensual que a qualificação terá sempre que passar pela filtragem ou mediação através do exame de correspondência axiológica concreta com algum dos exemplos-padrão elencados no n.º 2.
7. Como se defendeu no Acórdão n.º 852/2014, proferido pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Processo n.º 1359/13, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 48, de 10.03.2015, “só podem punir-se por homicídio qualificado atípico as condutas que, embora não correspondendo ao teor expresso de qualquer dos exemplos-padrão, seja, todavia, possível, por via de interpretação extensiva (assente numa indiscutível comunicabilidade teleológico-axiológica), incluir no “tipo orientador” de ilícito (danosidade social/desvalor de ação) e de culpa de um dos exemplos-padrão. Só depois de uma prévia, e necessariamente positiva, resposta às exigências de um exemplo-padrão será admissível, num segundo momento, questionar a especial censurabilidade ou perversidade”;
8. Como a própria decisão recorrida reconheceu, a situação em causa não se reconduz diretamente a qualquer um dos exemplos-padrão previstos no n.º 2, designadamente de “meio particularmente perigoso”, previsto na al. h) do n.º 2 nem "por qualquer motivo torpe ou fútil”, previsto na al. e) do n.º 2, ambos do art.º 132.º do Código Penal;
9. Porém, a culpa do arguido é gravíssima, tendo os factos sido praticados num contexto que demonstram a especial censurabilidade e perversidade. O arguido manifestou um total desrespeito pela vida humana, ao agredir a vítima várias vezes, quando a mesma se encontrava com álcool no sangue - na autópsia médico-legal realizada ao cadáver de CC foi detetada uma taxa de álcool no sangue de 1,38 gr./litro - o que limitava qualquer hipótese de reação e revela especial censurabilidade;
10. A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, atinente à personalidade do autor, sendo esta a situação dos autos traduzida, nomeadamente no número de agressões existentes, não se inibindo o arguido de agredir o seu amigo, existindo um profundo desrespeito pelo bem jurídico protegido, o que demonstra não só especial perversidade como censurabilidade;
11. Pelo que bem considerou o Tribunal que, tal conduta, se revela análoga, por equiparável em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, às hipóteses exemplificativamente previstas nas alíneas do n.º 2 do art.º 132.º do Código Penal, designadamente àquela a que se referem as alíneas e) – determinação por motivo fútil, uma vez que a conduta, na sua intensidade, se revela excessiva, e como tal desnecessária, face ao fim visado - ou j) – quanto à atuação com frieza de ânimo, ainda que se não subsuma às respetivas previsões;
12. Considerando, em face de tais elementos, que a morte da vítima foi produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade e perversidade por parte do arguido;
13. Concluindo que, encontrando-se preenchidos os restantes elementos típicos, objetivos e subjetivos, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, ter o arguido cometido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal;
14. Como refere Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, pág. 194, “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”;
15. Como se refere no Acórdão recorrido, depõe contra o arguido, desde logo, a intensidade do dolo, a qual é elevada, uma vez que, face ao que resultou provado, este revestiu a modalidade de dolo direto;
16. Quanto ao grau de ilicitude da conduta do arguido, não pode o mesmo deixar de ser considerado muitíssimo elevado, para o tipo criminal em apreço, tendo em consideração a gravidade dos factos praticados, traduzida na enorme violência das lesões causadas à vítima, muito para além da que seria necessária a alcançar a respetiva morte, visada pelo arguido;
17. Por outro lado, e no que respeita aos factos praticados pelo arguido, em si mesmos considerados, a gravidade que os mesmos revestem, pela sua enorme, gratuita e desnecessária violência, é de tal modo intensa e reveladora de total desprezo pela vida e pessoa da vítima, amigo de longa data do arguido, que o acolheu em sua casa, que, para além de traduzir a especial perversidade e censurabilidade que levam à respetiva qualificação, nos termos acima expostos, deve ainda ser ponderada para a determinação da concreta medida da pena, na medida em que ultrapassa já, consideravelmente, o que seria necessário para tal qualificação;
18. A postura do arguido posterior aos factos deve igualmente ser valorada de forma muito negativa. Com efeito, admitindo, nos termos acima explanados, a prática dos factos, ou a possibilidade de os ter praticado, o arguido não revelou qualquer arrependimento sincero pelos mesmos, ou sequer a consciência da respetiva gravidade, antes se referindo ao ocorrido como se de um mero acidente se tivesse tratado, não sendo capaz de revelar qualquer tipo de remorso ou sequer de mal-estar relativamente ao ocorrido, numa atitude de renovado desprezo e desrespeito relativamente à vitima e à sua família.
19. No que concerne às condições pessoais do arguido, resulta da matéria de facto provada que o mesmo não dispõe de qualquer estrutura familiar ou de amigos com que possa contar para reestruturar a sua vida;
20. Tais aspetos não podem deixar de ser tidos por reveladores de exigências de prevenção especial acentuadas, na medida em que demonstram não ter o arguido as condições necessárias à respetiva integração social e profissional, indispensável a uma futura reestruturação da sua vida;
21. Favoravelmente ao arguido, apenas há a assinalar, como se considerou no acórdão recorrido, a inexistência de antecedentes criminais;
22. Face ao exposto, concorda-se inteiramente com o veredicto condenatório, por se entender que foi feita justiça e o direito bem aplicado;
23. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.»
5. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, o Senhor Procurador-Geral Adjunto (fls 827 a 829, do 5.º vol.), em vista da matéria de facto dada como provada e tendo em atenção a culpa do arguido que é «intensa e gravíssima» e aderindo à «argumentação expendida em 1.ª instância», entende que a decisão recorrida não merece censura, devendo ser negado provimento ao recurso.
6. A Senhora Desembargadora relatora no Tribunal da Relação de Évora, por Decisão Sumária de 7 de julho pp (fls 837 a 850, do 5.º vol.), decidiu rejeitar os recursos dos assistentes, desacompanhados do Ministério Público, por falta de interesse em agir (artigos 401.º, n.º 1, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, todos do CPP, e Assento do STJ, de 30 de outubro de 1997), e, quanto ao recurso do arguido, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, «face à falta de competência da Relação para dele conhecer».
7. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto (fls 901 a 903 do 5.º vol.), depois de se pronunciar pela competência do Supremo Tribunal para conhecer do recurso, «por visar exclusivamente o reexame de matéria de direito e a pena aplicada ser superior a 5 anos», e de destacar as duas questões a analisar – erro na qualificação dos factos como integradores do homicídio qualificado e medida da pena –, pronuncia-se pela improcedência do recurso, por «não merecer qualquer reserva a qualificação do homicídio», pelo modo como foi executado o crime, «pertinentemente destacado pela Ex. ma Magistrada do Ministério Público na sua resposta», pois que o tipo de culpa agravado, como decorre de jurisprudência que cita, tanto pode resultar de um maior desvalor da ação, como de uma motivação especialmente reprovável» e «[a] densificação dos conceitos de especial censurabilidade ou perversidade obtém-se através de circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e que são descritas como exemplo-padrão; a ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime, assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos», concluindo que, falecendo a pretensão de desqualificação do ilícito, «fica prejudicada a apreciação da pena dentro da moldura do crime do artigo 131.º do CP».
Sobre a pena aplicada «para o homicídio [a decisão recorrida] não é merecedora de censura sendo adequada à culpa do arguido, acatando os critérios que a devem determinar, e ponderando a confissão parcial e ausência de arrependimento».
8. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente nada veio dizer.
9. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
10. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a. Enquadramento, questões a conhecer e afirmação da competência do Supremo Tribunal
11. É jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.
Nas conclusões apresentadas, o recorrente circunscreve o objeto do recurso à alteração da qualificação jurídica dos factos e à medida da pena de prisão que lhe foi imposta, matéria que se compreende na competência do Supremo Tribunal de Justiça.
De facto, tratando-se de acórdão final condenatório do tribunal coletivo do círculo judicial de Portimão que aplicou a pena de 19 anos de prisão, e tendo o recurso exclusivamente por objeto o reexame da matéria de direito, por o recorrente entender, face à «doutrina e jurisprudência dominante», não se mostrar integrada a especial censurabilidade ou perversidade inerente ao crime de homicídio qualificado, p. e p. no artigo 132.º, n.º 1, do CP, bem como não terem sido corretamente apreciadas as circunstâncias atenuantes militando a favor do recorrente, pretendendo, por um lado a desqualificação do ilícito e por outro, a redução da medida da pena, o Supremo Tribunal de Justiça é o competente para conhecer do recurso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 427.º e 432.º, n.os 1, alínea c), e 2, do CPP, o que se passa a fazer, não havendo outras questões que, oficiosamente, devam ser conhecidas.

b.   Matéria de facto
12. A 1.ª instância deu como provada e não provada a matéria de facto seguinte, que se transcreve na totalidade[2]:

«A. FACTOS PROVADOS

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão, os factos seguintes:

Da acusação

1. O arguido AA e CC eram amigos desde há mais de 20 anos, mantendo, nos últimos 2 anos uma estreita relação de amizade, ocupando desde então o arguido, sem pagar qualquer contrapartida, um quarto na casa de habitação da família de CC, que residia com seus filhos ... e ..., no Largo ....

2. No noite de 7 para 8 de Março de 2014, a hora não concretamente apurada, mas anterior à 1 hora do dia 8, o arguido e CC encontravam-se no interior da cozinha do n.º ..., residência pertença de CC, que o arguido utilizava ocasionalmente.

3. Naquele local, e por motivo não concretamente apurado, o arguido AA muniu-se de uma faca de cozinha, com 18 centímetros de lâmina. o comprimento total de 29,5 centímetros, e 5 centímetros de largura máxima, e desferiu com a mesma, pelo menos, 38 golpes no corpo de CC, atingindo-lhe a cabeça, pescoço, tórax, abdómen e membros superiores.

4. Após, o arguido abandonou o local.

5. Com a atuação descrita em 3, o arguido provocou no corpo de CC as lesões traumáticas infra descritas:

a) na cabeça, um ferimento inciso na metade esquerda da região frontoparietal, longitudinal, medindo 10 centímetros de comprimento; catorze ferimentos incisos dispersos na hemiface esquerda, com vários tamanhos e direções, medindo o maior 4,5 centímetros; um ferimento inciso no hemilábio esquerdo, oblíquo para baixo e para a esquerda. com 1,5 centímetros de comprimento;

b) no pescoço, quatro ferimentos incisos na face anterior do pescoço, sendo dois profundos (inciso perfurantes), o maior vertical com 6 centímetros, que seccionou a traqueia e a carótida externa direita, o outro oblíquo para baixo e para a direita, com 4 centímetros de comprimento; os restantes dois, verticais, medindo o maior 2 centímetros e o menor 1,5 centímetros; três ferimentos incisos no dorso do pescoço, oblíquos para baixo e para a esquerda, o maior com 3,5 centímetros e o menor com 2,5 centímetros de comprimento;

c) no tórax, um ferimento inciso no hemitórax esquerdo, junto à articulação esternoclavicular, vertical, medindo 2 centímetros de comprimento; um ferimento inciso no terço médio direito do tórax, horizontal, medindo 5,5 centímetros de comprimento; cinco ferimentos incisos e um ferimento corto perfurante dispersos no torso, quatro com direções verticais e dois com direções oblíquas, para baixo e para a esquerda, o maior com 4,5 centímetros e o menor com 1,5 centímetros de comprimento;

d) no abdómen, um ferimento inciso perfurante, na metade direita do abdómen, próximo da linha média, junto do rebordo costal, oblíquo para baixo e para a esquerda, com 4 centímetros de comprimento, que atingiu o fígado e o lobo pulmonar inferior;

e) no membro superior direito, um ferimento inciso no dorso do terço médio do antebraço direito, horizontal, com 7 centímetros de comprimento; três ferimentos incisos na mão, o 10 no dorso da mão, vertical, com 2,5 centímetros. o 2.º no dorso do 2.º dedo, horizontal, com 3 centímetros, e o 3.º na face anterior do 1.º dedo, horizontal com 1 centímetro de comprimento;

f) no membro superior esquerdo, um ferimento inciso na face interna do terço médio do antebraço esquerdo, vertical, com 8,5 centímetros de comprimento; um ferimento inciso de idênticas características, na face anterior do punho, horizontal, com 2 centímetros de comprimento.

6. A vítima CC apresentava ainda as lesões infra descritas:

a) no membro superior esquerdo, duas placas apergaminhadas (subsequentes a feridas abrasivas) na face posterior do terço externo do ombro, uma vertical com 1.5 centímetros, e outra horizontal com 3,5 centímetros; uma placa apergaminhada (subsequente a hematoma) no cotovelo, arredondada, com 3 centímetros de diâmetro;

b) no membro inferior esquerdo, várias escoriações lineares, superficiais, dispersas na face antero-externa da coxa e joelho, com vários tamanhos e direções, a maior com 8 centímetros de comprimento.

7. As lesões descritas nas alíneas b), c) e d) do ponto 5, foram causa direta e necessária da morte de CC.

8. O arguido AA, agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de tirar a vida a CC, bem sabendo que os repetidos golpes desferidos com a faca de que se muniu, atentos os locais do corpo atingidos, eram aptos a provocar a morte, resultado que quis e conseguiu ver alcançado.

9. Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, o que não o coibiu de atuar nos moldes descritos.

10. No dia 8 de Março de 2014, pela 1h05, o arguido entregou-se voluntariamente no Posto Territorial de Samora Correia, da GNR.

Dos pedidos de indemnização civil

(…).

Da contestação

21. O arguido, a 21.08.2008, foi contratado por uma empresa de engenharia mecânica da Arábia Saudita.

22. Auferia, além de outras regalias sociais, um salário superior a € 6.000,00 mensais.

23. Tinha ainda compensações remuneratórias adicionais superiores a € 1.000,00 por mês, e regalias como habitação, viagens e alimentação.

24. A sua formação profissional encontra-se reconhecida.

25. Em 22.05.2009 foi subscrito, pelo arguido e pela empresa “..., Lda.”, documento denominado de contrato de promessa de compra e venda, através do qual o primeiro prometeu comprar e a segunda vender um terreno sito na Rua ..., pelo preço de € 80.000,00.

26. Entre Maio de 2009 e Julho de 2009, o arguido efetuou transferências bancárias a favor da referida sociedade no valor de € 60.500,00.

27. O promitente vendedor declarou marcar a escritura de compra e venda do terreno em questão para dia 10.02.2011.

28. Pela Ap. 363, de 10.11.2011, encontra-se registada a aquisição do referido terreno, por DD, à sociedade acima referida.

29. O arguido dormia e comia em casa de CC.

30. Não tinha dinheiro sequer para tomar um café.

Mais se provou que

31. Na autópsia médico-legal realizada ao cadáver de CC foi detetada uma taxa de álcool no sangue de 1,38 gr./litro.

32. À data dos factos, o arguido residia na casa de CC, juntamente com este e os seus dois filhos, há cerca de dois anos.

33. Mudou-se para tal casa após uma passagem de ano em que aí esteve presente, tendo então manifestado vontade de lá ficar a viver, por se sentir bem, o que foi aceite por CC e seus filhos, com o intuito de ajudar o arguido que, ao que sabiam, nada tinha.

34. Durante esse período, o arguido fazia vida em comum com a família de CC, tomando com esta as refeições, e participando de festas de aniversário.

35. Nas proximidades da casa de CC, onde o arguido habitava, viviam ainda os pais e a irmã daquele.

37. As tarefas domésticas eram asseguradas por todos, nelas participando designadamente a irmã de CC, EE, que cuidava da roupa de todos e da limpeza da casa, e o próprio arguido, que frequentemente confecionava as refeições de toda a família.

38. Na infância, aos 10 anos de idade, arguido acompanhou os pais, que emigraram para a Alemanha, e posteriormente para a Austrália, tendo regressado a Portugal aos 16 anos, completando o Curso Geral de Mecânica, e cumprindo mais tarde o serviço militar obrigatório.

39. Aos 23 anos, voltou a emigrar, tendo vivido em diversos países e trabalhado na extração de crude no Canadá, e em plataformas petrolíferas em países da Europa, no Irão e na Arábia Saudita, regressando esporadicamente a Portugal, onde permanecia por curtos períodos, em residenciais ou em casas arrendadas, voltando sempre a emigrar.

40. Tendo alcançado uma boa situação financeira, investiu em negócios em Portugal e emprestou dinheiro a amigos e conhecidos, não tendo contudo obtido retorno de tais investimentos ou a devolução das quantias que emprestou, o que levou a que em 2010 tivesse ficado sem dinheiro, o que atribui a enganos e manipulações por parte de terceiros.

41. Desde 2009, permanece em Portugal e sem exercer qualquer atividade laboral, dedicando-se essencialmente a tentar reaver quantias que emprestou.

42. Apesar de referir ter “muitos amigos”, as pessoas contactadas pela DGRSP referem-no como sendo uma pessoa tendencialmente isolada, não lhe tendo sido identificados conhecidos ou amigos próximos, notando-se ainda ausência de vinculações comunitárias, quer a pessoas quer a instituições, sendo-lhe associado um estilo de comunicação agressivo.

43. No estabelecimento prisional onde se encontra detido, não são imputados ao arguido incidentes disciplinares, e tem tentado ocupar o tempo na biblioteca.

44. Recebeu a visita da irmã no EPL, enquanto no EPCR, 15 dias após estar aí detido ainda não tinha recebido qualquer visita.

45. O arguido tem um irmão com quem refere não se relacionar há mais de 20 anos, e uma irmã, a quem a nível comunitário é associada elevada instabilidade emocional e comportamental, tendo sido apresentadas na GNR várias denúncias quanto à mesma.

46. Demonstra capacidades de discernimento e de crítica, a nível geral, apesar de em relação a certos acontecimentos, designadamente os factos a que respeitam os presentes autos, e alguns episódios da sua história de vida, demonstrar elevada autocentração.

47. Revela ainda baixa autocrítica, com tendência a negar a existência de problemas em si e a atribuir os mesmos aos outros e às situações.

48. Denota dificuldade de avaliação realista da sua condição pessoal, económica e sociofamiliar, perante a aparente inexistência, no momento atual, de fatores de proteção significativos.

49. Do registo criminal do arguido não consta qualquer inscrição.

B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado que:

(Da acusação)

1   O arguido agiu conforme descrito em 3 dos factos provados, aproveitando a circunstância de CC se encontrar embriagado e incapaz de oferecer qualquer resistência.

2    Após ter agido como descrito em 3 dos factos provados, o arguido desferiu ainda vários pontapés no corpo de CC, atingindo-o na perna e braço esquerdo.
3. Sabia ainda o arguido que utilizava um meio particularmente perigoso na agressão, ao desferir as facadas com o instrumento supra descrito, contra CC, aproveitando o facto do mesmo se encontrar embriagado, o que quis fazer, pois de outro modo, o mesmo poderia ter-lhe oferecido alguma resistência.
(Dos pedidos de indemnização civil)
(…)
(da contestação)
6.  O arguido perdeu tudo o que tinha.
7. O negócio referido no ponto 25 dos factos provados determinou a ruína financeira do arguido, tendo este entrado em desespero.
8. A irmã do arguido teve um esgotamento.
9. O arguido passou a viver sem rendimentos, não tendo dinheiro para comer.
10. Deixou de ser o homem considerado por todos que até então era.
11. No Natal de 2013 o arguido ceou, com a irmã, uma linguiça e pão que comprou por empréstimo de um pouco dinheiro que envergonhadamente pediu.
12. O arguido aceitou trabalhar na casa de CC

em desespero, a troco de dormida e alimentação.
13. Ali fazia reparações na canalização, trabalhos de construção civil, trabalhos agrícolas, etc.
14. Sentia-se humilhado, desgraçado, revoltado com a vida.
15. No dia dos factos ocorreu uma discussão entre o arguido e CC sobre quem cortava uma peça de carne e sobre se uma faca estaria ou não bem afiada para a cortar.
16. O arguido agiu dominado pelo desespero.»

Por tais factos, foi o recorrente condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, qualificação de que discorda, por entender que se trata de homicídio simples, a que não será de aplicar pena superior a 13 (treze) anos de prisão.
b. Crime de homicídio: simples ou qualificado
13. O acórdão recorrido, perante a factualidade assente antes reproduzida considerou cometido o crime de homicídio qualificado, argumentando deste modo:

«Vem o arguido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º/ 1 e 2, al. h), do Código Penal.

Dispõe o artigo 131.º do Código Penal que “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.

Este preceito consagra a proteção jurídico-penal do valor absoluto da vida humana.

O tipo legal de crime de homicídio simples é assim composto pelo elemento objetivo de matar outrem, e pelo subjetivo, consistente na intenção de matar.

Dispõe por seu turno o artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal, que “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos”.

Este preceito prevê e pune, assim, o crime de homicídio qualificado, que se traduz numa forma agravada de homicídio, decorrente da verificação de um tipo de culpa especialmente acentuado, cuja definição resulta do critério enunciado no n.º 1, acima citado, critério esse que é moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo 132.º.

Tal critério de aferição de um grau de culpa suscetível de levar à qualificação do crime de homicídio está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados – a especial censurabilidade ou perversidade do agente.

As circunstâncias enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do preceito em apreço, relativas ao modo de execução do facto ou ao agente, são suscetíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, desse modo, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral.

Assim, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão (enunciadas de forma exemplificativa no art. 123.º, n.º 2) não significa, forçosamente, a realização do tipo especial de culpa e consequente qualificação do crime.

Com efeito, pode suceder que a verificação de qualquer uma dessas circunstâncias não implique, por si só, a qualificação do crime; ou seja, tal qualificação não é automática, em face da ocorrência de uma das circunstâncias enunciadas (cfr., neste sentido, entre outros, Maia Gonçalves em anotação ao artigo 132.º do Código Penal; Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, pág. 21 a 24; também, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de maio de 1983, in BMJ n.º 327, pág. 458, de 8 de fevereiro de 1984, in BMJ n.º 334, pág. 258, de 5 de janeiro de 1983, in BMJ n.º 323, pág. 121, de 26 de abril de 1989, in BMJ n.º 386, pág. 273 e de 5 de dezembro de 1990, in BMJ n.º 402, pág.195).

Por outro lado, e pelo mesmo motivo, a circunstância de não se verificar em concreto qualquer de tais circunstâncias (exemplos-padrão) não impede que se verifique, em concreto, uma atuação do agente reveladora de especial perversidade ou censurabilidade, e suscetível, como tal, pelo seu especial desvalor, de integrar o crime de homicídio qualificado, previsto no art. 132.º do Código Penal.

Poderão pois existir outras circunstâncias, não enunciadas entre os exemplos-padrão constantes da norma, mas reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade, dando origem, assim, aos chamados casos de homicídio qualificado atípico. O que é fundamental, para que tal suceda, é que se trate de um homicídio qualificado em circunstâncias que possam desencadear o efeito de indício de uma maior culpa (cfr. Teresa Serra, in Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena, págs. 70 e ss).

Assim, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, seja por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado.

A qualificação do homicídio do artigo 132.º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, refletido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, págs. 27 e ss).

O modelo de construção do tipo qualificado – qualificado pelo especial tipo de culpa – através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, como se disse, salvo afetação do princípio da legalidade, «fazer um apelo direto à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. Figueiredo Dias, in ob. cit., págs. 28).

A decisão sobre a integração do crime qualificado exige pois que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a averiguar da existência de uma particular forma de culpa que justifique a qualificação do homicídio.

Tal forma de culpa, particularmente intensa, refere-se a uma "maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples" (cfr. Figueiredo Dias, in C.J., ano XII, pág.52).

Ora, como se refere em douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2003 (in www.dgsi.pt, proc. n.º 03P2024) “Um meio particularmente perigoso: há de ser um meio (instrumento, método ou processo) que, para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, é suscetível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excecional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para matar, são já de si perigosos ou muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já a especial censurabilidade do agente.

6. Estão, assim, afastados da qualificação os meios, métodos ou instrumentos mais comuns de agressão que, embora perigosos ou mesmo muito perigosos (facas, pistolas, instrumentos contundentes) não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do exemplo-padrão.

Aderindo a tal entendimento, aliás dominante na jurisprudência, entendemos pois que o uso de uma faca, a qual consiste em meio comummente conhecido como apto a matar não deve ser tido como uso de meio particularmente perigoso, para os efeitos previstos no referido art. 132.º/2, al. h) do CP, não sendo, por si só, suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o citado n.º 2, nos termos acima explanados.

Quanto à alínea e) – concretamente o segmento normativo que se reporta à determinação do agente "por qualquer motivo torpe ou fútil” –, tem sido entendimento da jurisprudência que "motivo fútil é aquele que não pode razoavelmente explicar e, muito menos, justificar a conduta do agente", é "o motivo sem valor, irrelevante, insignificante", é "aquele que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar (e, muito menos, portanto, de algum modo justificar) a conduta", é "aquele que não tem importância, é insignificante, irrelevante" (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de fevereiro de 1998 (Proc. 478/98), de 29 de maio de 1995 (Proc. 48517), de 11 de dezembro de 1997 (Proc. 1050/97) e de 11 de novembro de 1996 (Proc. 152/97), disponíveis in www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, nada se logrou provar quanto ao motivo que levou à prática dos atos imputados ao arguido, não podendo pois, na ausência de qualquer motivo apurado, concluir-se que o mesmo seria torpe ou fútil.

Não cabe, pois, a consideração da ocorrência de especial censurabilidade ou perversidade, por referência à aludida al. e) do art. 132.º/2 do CP.

Por outro lado, há que considerar que o arguido, conforme resultou provado, desferiu um total de 38 golpes com uma faca de cozinha, alguns dos quais de relevante profundidade, por todo o corpo da vítima, e que de imediato abandonou no local.

Ou seja, o arguido esfaqueou brutalmente a vítima, na sua própria casa, não se tendo apurado naquele quaisquer lesões significativas que indiciassem que, pelo menos em parte do período durante o tal ocorreu tal agressão, se defendesse de qualquer reação da mesma.

Causou-lhe assim lesões gravíssimas, acima descritas, muito para além das que seriam necessárias para provocar a sua morte, sendo algumas delas, indiferentes à produção de tal resultado pretendido – designadamente as verificadas na face da vítima, incluindo o lábio inferior – reveladoras mesmo de grande crueldade e vontade de causar sofrimento.

Ora, tal conduta, pela sua extrema violência, até pela sua desnecessidade em face do fim visado – a morte da vítima, que teria sido igualmente obtida com um número de golpes muitíssimo inferior – não pode deixar de ser reveladora de um grau de culpa particularmente intenso, nos termos acima explanados, devendo pois ser tida como reveladora de especial perversidade e censurabilidade.

Em situação semelhante à dos autos, entendeu o STJ, em Acórdão de 23.11.2011 (sumário in CJ STJ, 2011, T III, p. 221), que “A especial censurabilidade ou perversidade do agente decorre da revelação de um desrespeito acrescido ou de um desprezo extremo do autor do crime de homicídio pelo bem jurídico protegido traduzindo um modo próprio do agentes estar em sociedade que revela um grau de perigosidade que pode merecer particular atenção. II. Consubstancia uma conduta especialmente censurável a conduta de um arguido que não suporta o corte de uma relação sentimental que tinha com a vítima e lhe desfere 35 golpes, no interior da viatura, fugindo e abandonando a vítima que se esvaiu em sangue”.

Com efeito, na situação em apreço nos presentes autos, a conduta do arguido, pela respetiva persistência, intensidade e violência, é reveladora de características particularmente desvaliosas e censuráveis, e de um desprezo intolerável pela vida e pessoa da vítima.

Revela-se, pois, tal conduta análoga, por equiparável em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, às hipóteses exemplificativamente previstas nas alíneas do n.º 2 do art. 132.º do CP, designadamente àquela a que se referem as alíneas e) – determinação por motivo fútil, uma vez que a conduta, na sua intensidade, se revela excessiva, e como tal desnecessária, face ao fim visado - ou j) – quanto à atuação com frieza de ânimo, do n.º 2 do art. 132.º do CP, ainda que se não subsuma às respetivas previsões.

Há pois que considerar, em face de tais elementos, que a morte da vítima foi produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade e perversidade por parte do arguido.

Assim, encontrando-se preenchidos, conforme acima exposto, os restantes elementos típicos, objetivos e subjetivos, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se ter sido cometido pelo arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º/ 1 do Código Penal.»
14. Contra esta conclusão e fundamentação se insurge o recorrente, alegando não estarem provados «suscetíveis de integrar a conduta do arguido no conceito legal de “especial perversidade ou censurabilidade” (até pelo contrário, resultam provados factos que demonstram a ausência dessa especial perversidade: a confissão do arguido em audiência, o facto de voluntariamente se ter entregue na GNR logo a seguir à prática dos factos, e mesmo o facto de estar demonstrado que a morte é produzida não com 38 facadas como em toda a “motivação” o tribunal expendeu, mas sim com 6 golpes como resulta dos factos provados) (conclusão 12.ª), além de que não resulta provado «um único facto que permita a conclusão de que o arguido teve “a intenção ou vontade causar sofrimento”: como é que o Tribunal chega a esta conclusão? Com base em factos? Se nem sequer credibiliza, como talvez devesse, as declarações do arguido? Ou o facto de ter prestado declarações só se aproveita…em prejuízo do próprio? (conclusão 13.ª), sendo errada a conclusão de «que “a morte da vítima teria sido igualmente obtida com um número de golpes muitíssimo inferior”, como forma de pretender-se associar os 38 golpes dados como provados a 38 golpes dados, todos eles, com “intenção de matar”» (conclusão 14.ª), uma vez que dos factos provados resulta que «só 6 golpes foram mortais, e dos depoimentos (que se aceitam) dos senhores inspetores da Polícia Judiciária resultou (credivelmente como admite a decisão em crise) que os demais golpes serão, muito provavelmente, consequência da luta e atos de defesa e/ou proteção da vítima» (conclusão 15.ª), não se referindo a jurisprudência «mobilizada no Acórdão (…) a um caso sequer similar com o presente» (conclusão 16.ª).
15. O Senhor Procurador-Geral Adjunto entende, como se deixou referido, que o acórdão recorrido não merece censura por, quanto à qualificação jurídica, a mesma não merecer qualquer reserva, atentos os fundamentos nele exarados e ao modo como foi executado o crime.
16.  O artigo 131.º do Código Penal (CP), com a epígrafe «Homicídio» preceitua que «quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos», com este tipo penal se dando proteção ao valor absoluto da vida humana constitucionalmente consagrado.
O tipo legal de crime de homicídio simples é qualificado, nos termos do n.º 1 do artigo 132.º, nos casos em que «a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade», sendo o agente punido com pena de prisão de 12 a 25 anos. A partir do tipo penal de homicídio simples, que constitui a matriz dos diversos tipos de homicídio previstos no código, o artigo 132.º prevê e pune o crime de homicídio qualificado, incorporando um tipo de culpa especialmente acentuado, modelado e delimitado pelas circunstâncias enunciadas no n.º 2 que concretizam os conceitos de especial censurabilidade ou perversidade.
O tipo penal de homicídio qualificado é apenas «uma forma agravada de homicídio “simples”»[3], que pressupõe um tipo de culpa agravado, pela especial censurabilidade ou perversidade, a que alude o n.º 1, e que o n.º 2 concretiza através do enunciado de circunstâncias exemplificativas suscetíveis de a integrar (exemplos-padrão»). Com a «conjugação de uma cláusula geral e de uma enumeração exemplificativa, a técnica dos exemplos-padrão logra atingir uma unidade nova e superior evidenciada no preceito do artigo 132.º; (…) a enumeração exemplificativa concretiza a cláusula geral e a cláusula geral delimita a enumeração exemplificativa (…) cada uma das partes do preceito (…) exerce uma influência decisiva na outra, conduzindo a um resultado qualitativamente novo»[4].
Noutros termos, a qualificação resulta de «uma conexão entre ambos os aspetos: os exemplos típicos explicitam o sentido da cláusula agravante e, esta, por sua vez, funciona como corretivo normativo da objetividade daqueles»[5].
Afirma-se que não há uniformidade doutrinária quanto ao conteúdo e limites das duas expressões típicas normativas[6], pois enquanto para uns a alternativa censurabilidade/perversidade não traduz tanto duas atitudes internas perversas, cada uma indiciada por circunstâncias específicas, quanto duas maneiras de identificar a mesma realidade»[7], outros delimitam-lhes o conteúdo e limites, surpreendendo diversidade entre ambas. Nesta última corrente, Figueiredo Dias e Nuno Brandão[8] sustentam que o pensamento da lei imputa à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração ao nível da atitude do agente de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.
Para Teresa Serra[9] a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativas ao facto, e a especial perversidade as componentes da culpa relativas ao agente[10]. Desenvolvendo, explicita que a especial censurabilidade estará presente, quando «as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores», podendo «afirmar-se que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto», fundando-se «naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude», tendo-se em vista com a especial perversidade «uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade», estando em causa as «componentes da culpa relativas ao agente».
17. No n.º 2 do artigo 132.º enumeram-se os exemplos-padrão que densificam a cláusula geral ou os conceitos indeterminados de especial censurabilidade ou especial perversidade. Apesar de ser uma lista aberta, como decorre do uso da expressão «entre outras», ela modela e atribui ao julgador «critérios com base nos quais possam dar aplicação ao estatuído no n.º 1»[11].
Nessa medida, ou na medida em que a «enumeração exemplificativa concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interseção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito do art.º 132.º, a técnica dos exemplos padrão conduz a um resultado qualitativamente novo (…)», devendo, por isso, «afirmar-se a inteira compatibilidade dos exemplos-padrão com o princípio da legalidade e a função de garantia da lei penal, designadamente com a exigência da máxima determinação da lei penal e da proibição da analogia em Direito Penal»[12].
Neste quadro, a verificação de situação formalmente subsumível na previsão de uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º não deverá operar a qualificação do ilícito sempre que a especial censurabilidade ou perversidade implicada naquela não ocorrer. A «verificação de um exemplo padrão (…) não implica, apenas indicia, a presença de um caso especial de censurabilidade ou perversidade», devendo o indício ser «confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias do facto e da atitude do agente nelas expressa» pois só deverá ser considerado «como homicídio qualificado, merecedor de pena máxima, (…) casos particularmente chocantes» [13],.
A enumeração não taxativa das circunstâncias foi expressamente analisada e ponderada na Comissão Revisora do Código Penal, aí se referindo «(...) a enumeração das várias alíneas do n.º 2 não é taxativa, antes meramente enunciativa e exemplificativa. Referem-se nelas apenas alguns indícios ou elementos que permitem revelar a censurabilidade ou a perversidade do agente. Daqui se retiram dois efeitos. Por um lado, as circunstâncias enunciadas no n.º 2 não são elementos do tipo antes elementos da culpa. Portanto não são de funcionamento automático: pode verificar-se qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas, e nem por isso se poder concluir pela ‘especial censurabilidade ou perversidade do agente’. Por outro lado, como a enumeração é meramente exemplificativa, outras circunstâncias não descritas são suscetíveis de revelar a censurabilidade e a perversidade pressupostas no n.º 1»[14].
18. Noutro plano, poderá concluir-se pela especial censurabilidade ou perversidade, qualificando o homicídio, mesmo na ausência de qualquer dessas circunstâncias, desde que ocorra outra valorativamente análoga, como explicam Figueiredo Dias e Nuno Brandão [15]:
«(…) a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos relativamente indeterminados: a ‘especial censurabilidade ou perversidade’ do agente referida no nº 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplificativamente elencados no n.º 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos (…) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador».
Teresa Serra[16] admite também a possibilidade de extensão do homicídio qualificado a circunstâncias não expressamente previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º do CP, quando tais «circunstâncias extraordinárias ou um conjunto de circunstâncias especial que assentem num aumento essencial da ilicitude e/ou culpa e que sejam expressivas do Leitbild dos exemplos padrão», estando a «admissão de outras circunstâncias reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente (…) perfeitamente delimitada aos casos em que tais circunstâncias exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente ao Leitbild dos exemplos-padrão enunciados n.º 2.» E, assim, por via de «uma conclusão por analogia (Analogieschlüsse)ou pela verificação de um efeito de analogia (Analogiewirkung), tais circunstâncias são suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, podendo, nesse caso, afirmar-se a existência de um homicídio qualificado atípico»[17].
Para Augusto Silva Dias[18], «ao juiz apenas é concedido integrar nas alíneas do n.º 2 circunstâncias que, embora não estejam aí expressamente previstas, correspondem à estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo-padrão», sendo «absolutamente vedado o recurso ao chamado homicídio qualificado atípico», isto é, à qualificação do homicídio sem passar por nenhum dos exemplos padrão do n.º 2 (…)».
Teresa Quintela de Brito[19] expende que «a aceitação de outras circunstâncias agravantes, não expressamente previstas na lei, depende da possibilidade de vislumbrar, na nova situação, o grau de desvalor e a estrutura valorativa de algum dos exemplos-padrão. Obviamente, o juiz não pode apelar diretamente à cláusula geral do n.º 1 para afirmar um homicídio qualificado atípico. Não pode acrescentar novas alíneas ao n.º 2 do artigo 132.º. Só lhe é permitido identificar um homicídio qualificado atípico, por via de uma conclusão por analogia do caso em apreço com um dos exemplos-padrão da lei.»
Pelo contrário, Maria Margarida da Silva Pereira[20] entende «que será bom caminho não cometer uma vocação ampliadora às circunstâncias do artigo 132.º. Podem descambar com muita facilidade em efeitos indesejáveis, quando aplicados em domínios sensíveis; e o homicídio qualificado é-o decerto. Não me parece possível vislumbrar um denominador comum, um tertium comparationis, ou seja, uma regra capaz de aferir da estreita compatibilidade entre uma eventual circunstância nova latente e as já patentes na lei».
19. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de homicídio qualificado e das relações entre o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal é extensa e consolidada.
Afirma-se que «[o] crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do CP, constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida. Perante casos especiais de homicídio doloso resultantes da verificação de circunstâncias ligadas à ilicitude e à culpa, o legislador previu a existência de tipos com moldura penal diversa, qualificados ou privilegiados em função da existência de circunstâncias especiais agravativas ou atenuativas» e que «[n]o art. 132.º do CP encontra-se prevista uma forma agravada de homicídio em função da existência de circunstâncias que revelem, por parte do agente, especial censurabilidade ou perversidade na respetiva atuação». «Sendo conceitos indeterminados, a especial censurabilidade ou perversidade são representadas por circunstâncias que denunciam e são descritas como exemplos-padrão, que representam situações que indiciam uma culpa agravada; a ocorrência destes exemplos não determina, por si e automaticamente, a qualificação do crime, do mesmo modo que a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos»[21].
Sobre a possibilidade de ocorreram outras circunstâncias além das verificadas no n.º 2, aptas à qualificação do ilícito, «[a] jurisprudência do STJ tem-se pronunciado, uniformemente, no sentido de que é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas no n.º 2 do art. 132.º do CP, se bem que valorativamente equivalentes, que revelem a especial censurabilidade ou perversidade. E, por outro lado, apesar da descrição dos factos poder apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2, não é só por isso que o crime de homicídio, cometido, se deva ter logo por qualificado»[22], uma vez que «[o] preenchimento dos exemplos padrão nem é sempre necessário, porque pode a qualificação derivar de um circunstancialismo equivalente também merecedor de especial censurabilidade ou perversidade, nem é suficiente, porque para além do preenchimento de qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 132.º em foco, sempre importará verificar, no caso, a tal especial censurabilidade ou perversidade do agente. O que tudo nos confronta com uma qualificação por via da culpa acrescida»[23].
Em síntese, «[a] jurisprudência do STJ tem mantido uma interpretação do tipo do art. 132.º como sendo baseado estritamente na culpa mais grave revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto de este revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento», sendo «as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132.º do CP, os chamados exemplos padrão, (…) meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente, e (…) compreendidas enquanto elementos da culpa», devendo acrescentar-se que «a jurisprudência deste STJ tem defendido a possibilidade de configuração, na ausência de qualquer dos exemplos padrão, de crime de homicídio qualificado atípico, com formulações mais ou menos exigentes», podendo «[u]m caso especialmente grave (…) ser admitido como incluso no critério orientador ou cláusula geral da especial censurabilidade ou perversidade quando a gravidade do facto equivalha à dos casos mencionados nos exemplos típicos, devendo o julgador orientar-se a partir dos sinais fornecidos na exemplificação da norma constante de cada alínea, ou seja, perspetivar os factos através das diversas als. do n.º 2 do art. 132.º e, através da ponderação do pleno das circunstâncias enformadoras do facto e da personalidade do agente, definida que seja a imagem global do facto, averiguar e avaliar se se está ou não perante um especial e acentuado desvalor de atitude, que se encontra dentro das fronteiras marcadas pela estrutura de sentido que modela o exemplo, ou se estamos perante circunstâncias de natureza análoga, paralela ou equivalente, que exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de um dos exemplos padrão, que marquem uma diferença, distanciamento e dissociação, relativamente ao padrão normal de atuação, ao tipo matriz, no sentido de um maior ou acentuado desvalor de atitude, na forma de especial censurabilidade ou perversidade, e que possa, por isso, ser valorada em termos de conformar especial juízo de censura e especial tipo de culpa, agravada»[24].
20. No entanto, a conjugação da norma do n.º 1 com o n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, permitindo a qualificação do homicídio por referência ao n.º 1 sem se mostrar verificada alguma ou algumas das alíneas descritas no n.º 2 do mesmo preceito, foi julgada inconstitucional «quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2 ou ao critério de agravação a ela subjacente, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais, garantidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa»[25].
O Tribunal Constitucional funda o seu juízo de inconstitucionalidade, entre outra, na seguinte argumentação:
«Ora, se a técnica dos exemplos-padrão, em si mesma, é, ou foi, controversa, compreende-se muito bem que a generalidade da doutrina, referida noutro ponto, sustente uma aplicação muito prudente do artigo 132.º, no sentido de exigir para verificação do homicídio qualificado atípico, um juízo de especial perversidade e censurabilidade concretizado numa estrutura valorativa semelhante a uma das alíneas do n.º 2 do artigo 132.º. É elucidativa, a este propósito, a análise que Teresa Serra, faz, alínea a alínea, em busca de exemplos de extensão aplicativa da estrutura valorativa de cada exemplo-padrão (cfr. «Homicídios em série», incluído na coletânea Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Lisboa, 1998, pp.126 a 135):
Na verdade, as noções de especial perversidade e censurabilidade, desapoiadas de qualquer elemento concretizador extraído de uma das alíneas do n.º 2 do artigo 132.º, ficam à mercê das pré-compreensões do legislador, construídas com base nas suas convicções, morais, sociais, culturais, filosóficas, religiosas, etc., introduzindo um fator de incerteza intolerável na lei penal.»
21. Mas o Tribunal Constitucional, ponderando a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça[26] de que, «para a qualificação crime do homicídio, não basta o preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do artº 132.º do CP, mas há que referi-la à verificação de uma estrutura valorativa comum aos exemplos-padrão, constantes do n.º 2 do preceito, sendo certo, por um outro lado que também não basta o mero preenchimento dos exemplos-padrão quer no seu literalismo, quer em circunstâncias valorativamente equivalentes, ou de idêntico grau de gravidade equivalente, ou de estrutura valorativa ou axiológica semelhante, sem proceder o substrato constante do nº 1» e, por isso, no caso em que inexistia «uma recondução direta da conduta delinquente a qualquer dos exemplos-padrão aludidos no n.º 2 do artº 132.º do CPP, [mas em que] há contudo, a identificação de uma ideia condutora agravante que conduz “ao reconhecimento judicial de uma situação reconduzível a uma estrutura valorativa comparável àquele que subjaz ao exemplo padrão constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 132.º do CP», este juízo interpretativo já foi considerado conforme à jurisprudência constitucional[27].
Revertendo ao caso concreto.
22. O arguido vinha acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea h), do Código Penal, por ter causado a morte da vítima com a faca de cozinha, com as características descritas na acusação, de que se muniu.
O acórdão recorrido, com apoio de jurisprudência deste Supremo Tribunal, afasta o uso da faca como elemento integrador da qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, com o entendimento que «o uso de uma faca, a qual consiste em meio comummente conhecido como apto a matar não deve ser tido como uso de meio particularmente perigoso, para os efeitos previstos no referido art. 132.º/2, al. h) do CP, não sendo, por si só, suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o citado n.º 2, nos termos acima explanados».

O acórdão recorrido afasta também a qualificativa prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, na parte em que se refere a qualquer motivo torpe ou fútil, com a dimensão e conteúdo que a jurisprudência que cita lhe tem dado, por nada se ter logrado «provar quanto ao motivo que levou à prática dos atos imputados ao arguido, não podendo pois, na ausência de qualquer motivo apurado, concluir-se que o mesmo seria torpe ou fútil.»

No entanto, apesar do afastamento destas qualificativas, o acórdão recorrido surpreende na factualidade provada um grau de culpa particularmente intenso, projetando uma especial censurabilidade e perversidade na conduta do arguido, decorrente da extrema violência empregue, desnecessária em face do fim visado – a morte da vítima, que teria sido igualmente conseguida com um número de golpes muitíssimo inferior – pois, «conforme resultou provado, [o recorrente] desferiu um total de 38 golpes com uma faca de cozinha, alguns dos quais de relevante profundidade, por todo o corpo da vítima, e que de imediato abandonou no local», «[o]u seja, o arguido esfaqueou brutalmente a vítima, na sua própria casa, não se tendo apurado naquele quaisquer lesões significativas que indiciassem que, pelo menos em parte do período durante o tal ocorreu tal agressão, se defendesse de qualquer reação da mesma», tendo-lhe causado «lesões gravíssimas, acima descritas, muito para além das que seriam necessárias para provocar a sua morte, sendo algumas delas, indiferentes à produção de tal resultado pretendido – designadamente as verificadas na face da vítima, incluindo o lábio inferior – reveladoras mesmo de grande crueldade e vontade de causar sofrimento.

Apoiando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal, pondera que «a conduta do arguido, pela respetiva persistência, intensidade e violência, é reveladora de características particularmente desvaliosas e censuráveis, e de um desprezo intolerável pela vida e pessoa da vítima», sendo tal conduta «análoga, por equiparável em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, às hipóteses exemplificativamente previstas nas alíneas do n.º 2 do art. 132.º do CP, designadamente àquela a que se referem as alíneas e) – determinação por motivo fútil, uma vez que a conduta, na sua intensidade, se revela excessiva, e como tal desnecessária, face ao fim visado - ou j) – quanto à atuação com frieza de ânimo, do n.º 2 do art. 132.º do CP, ainda que se não subsuma às respetivas previsões».

Perante tal enquadramento e considerando esses elementos, «a morte da vítima foi produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade e perversidade por parte do arguido», pelo que, «encontrando-se preenchidos, conforme acima exposto, os restantes elementos típicos, objetivos e subjetivos, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, conclui-se ter sido cometido pelo arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º/ 1 do Código Penal.»
23. Na sua motivação e conclusões o recorrente alega que estão ausentes factos integradores da especial censurabilidade e perversidade qualificadores do homicídio, atendendo a que «não resulta de nenhuma matéria provada um único facto que permita a conclusão de que o arguido teve “a intenção ou vontade de causar sofrimento” (…)» (conclusão 13), sendo errada a conclusão, «atentos os factos provados, que “a morte da vítima teria sido igualmente obtida com um número de golpes muitíssimo inferior”, como forma de pretender-se associar os 38 golpes dados como provados a 38 golpes dados, todos eles, com “intenção de matar”» (conclusão 14), tanto mais que resulta «que só 6 golpes foram mortais (…)» (conclusão 15), sem que a jurisprudência mobilizada refira «um caso similar com o presente (conclusão 16), sendo que, ao invés da qualificação operada no acórdão recorrida, deveria concluir-se pela ocorrência de um crime de homicídio simples, abonando-se no acórdão da Relação de Coimbra de 3 de agosto de 2011, proferido no processo n.º 830/09.8PBCTB.C1, no qual se explica que, no caso apreciado, «os golpes, 32 (…), que a vítima apresenta não resultam, em si, de um ato que mereça, de per se, a especial censurabilidade do agente, do arguido: esses atos não são reveladores de uma culpa especialíssima, de uma perversidade de tal modo anormal, extrema, que indiciem uma maior culpa» (n.º 60 da motivação).
O Senhor Procurador-Geral Adjunto, louvando-se na doutrina e também em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que o tipo de culpa agravado, tanto pode resultar «de um maior desvalor da ação, como de uma motivação especialmente reprovável» e que a não verificação das circunstâncias elencadas no n.º 2 do artigo 132.º do CP não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos, o que ocorreu no caso em apreço, pois não é «compreensível nem aceitável pelo “homem normalmente sensível e fiel ao direito” que, sem que se tenha apurado qualquer motivação especial, «uma estreita relação de amizade», beneficiando o arguido «sem pagar qualquer contrapartida» de hospedagem (dormida e comida), degenere numa violenta, perversa e refletida reação letal, em jeito de execução, retirando à vítima qualquer possibilidade de reação.»
24. A crítica oponível ao acórdão recorrido pelo arguido não se mostra consistente, nem resiste ao confronto dos factos dados como provados e à jurisprudência definitiva aplicada ao caso que recenseou.
Sobre a factualidade provada e além de outras lesões presentes no corpo da vítima, descritas no n.º 6 dos factos provados, no n.º 5 dos mesmos factos provados descrevem-se o número e natureza das lesões traumáticas que a vítima apresentava, fruto da atuação do recorrente, nestes termos:

«a) na cabeça, um ferimento inciso na metade esquerda da região frontoparietal, longitudinal, medindo 10 centímetros de comprimento; catorze ferimentos incisos dispersos na hemiface esquerda, com vários tamanhos e direções, medindo o maior 4,5 centímetros; um ferimento inciso no hemilábio esquerdo, oblíquo para baixo e para a esquerda. com 1,5 centímetros de comprimento;

b) no pescoço, quatro ferimentos incisos na face anterior do pescoço, sendo dois profundos (inciso perfurantes), o maior vertical com 6 centímetros, que seccionou a traqueia e a carótida externa direita, o outro oblíquo para baixo e para a direita, com 4 centímetros de comprimento; os restantes dois, verticais, medindo o maior 2 centímetros e o menor 1,5 centímetros; três ferimentos incisos no dorso do pescoço, oblíquos para baixo e para a esquerda, o maior com 3,5 centímetros e o menor com 2,5 centímetros de comprimento;

c) no tórax, um ferimento inciso no hemitórax esquerdo, junto à articulação esternoclavicular, vertical, medindo 2 centímetros de comprimento; um ferimento inciso no terço médio direito do tórax, horizontal, medindo 5,5 centímetros de comprimento; cinco ferimentos incisos e um ferimento corto perfurante dispersos no torso, quatro com direções verticais e dois com direções oblíquas, para baixo e para a esquerda, o maior com 4,5 centímetros e o menor com 1,5 centímetros de comprimento;

d) no abdómen, um ferimento inciso perfurante, na metade direita do abdómen, próximo da linha média, junto do rebordo costal, oblíquo para baixo e para a esquerda, com 4 centímetros de comprimento, que atingiu o fígado e o lobo pulmonar inferior;

e) no membro superior direito, um ferimento inciso no dorso do terço médio do antebraço direito, horizontal, com 7 centímetros de comprimento; três ferimentos incisos na mão, o 10 no dorso da mão, vertical, com 2,5 centímetros. o 2.º no dorso do 2.º dedo, horizontal, com 3 centímetros, e o 3.º na face anterior do 1.º dedo, horizontal com 1 centímetro de comprimento;

f) no membro superior esquerdo, um ferimento inciso na face interna do terço médio do antebraço esquerdo, vertical, com 8,5 centímetros de comprimento; um ferimento inciso de idênticas características, na face anterior do punho, horizontal, com 2 centímetros de comprimento.»

O cômputo global das lesões apresentadas pela vítima soma 38 ferimentos, resultante da soma dos 16 referidos na anterior alínea a), 7 da alínea b), 8 da alínea c), 1 da alínea d), 4 da alínea e), e 2 da alínea f), dos quais 16, os indicados nas antecedentes alíneas b), c) e d) foram causa direta e necessária da morte da vítima, como expressamente se menciona no n.º 7 dos factos provados.

O acórdão recorrido é claro ao destacar que, dos 38 ferimentos sofridos pela vítima, 16 deles, devidamente discriminados, foram causa necessária e direta da morte daquela, enquanto outras, em número de 22, foram «indiferentes à produção do resultado pretendido».

Falece assim a argumentação do recorrente de que «só 6 golpes foram mortais».

Por outro lado, o apoio que procura no acórdão da Relação de Coimbra para afastar a especial censurabilidade e perversidade enquanto qualificativa do homicídio perpetrado também não se mostra sustentado, atendendo a que o mesmo foi revogado em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça[28] e o aí arguido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, nos termos do disposto nos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea j) - reflexão dos meios empregues -, do CP, e sem que a intensidade e a gravidade das «facadas» fosse apreciada enquanto fator qualificativo do homicídio.
25. O acórdão recorrido concluiu pela verificação de um crime de homicídio qualificado atípico, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, embora tendo presente os exemplos-padrão enunciados nas alíneas e) – determinação por motivo fútil, ou j) – atuação com frieza de ânimo, do CP, aos quais seria equiparável, em termos de intensidade da culpa e de reprovabilidade, a conduta havida.
Na factualidade provada, o acórdão surpreendeu uma agressão brutal à vítima, na sua própria casa, levada a cabo com uma faca de cozinha, tendo sido desferidos 38 golpes, alguns de relevante profundidade por todo o corpo da vítima, e sem que se tivesse apurado que se defendesse de qualquer reação da mesma, tanto mais que, como no mesmo acórdão se refere, o arguido apenas apresentava, após os factos, «uma ligeira escoriação na mão».
Lesões «gravíssimas» na vítima, «muito para além das que seriam necessárias para causar a morte», algumas delas reveladoras «de grande crueldade e vontade de causar sofrimento» que revelam uma conduta de «extrema violência, até pela sua desnecessidade ao fim visado», «reveladora de um grau de culpa particularmente intenso». Na verdade, a conduta do arguido pela «persistência, intensidade e violência» revela «características particularmente desvaliosas e censuráveis, e um desprezo intolerável pela vida e pessoa humana».
O apelo jurisprudencial do acórdão recorrido poderia ainda invocar o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de março de 2010[29], que condenou o agente por crime de homicídio qualificado atípico, nos termos do artigo 132.º, n.º 1, do CP, e no qual se refere que poderia ser convocável para a qualificação, ter o crime sido «cometido com uma intensidade que, para além de ter criado sofrimento à vítima, revela uma inegável brutalidade e forte insistência em o consumar», bastando «atentar nos ferimentos causados: feridas incisas na cabeça, pescoço, tronco e membros superiores, feridas corto-perfurantes no pescoço, tórax e abdómen, escoriações na cabeça, pescoço, tronco e membros superiores, equimoses na cabeça e tronco», só não tendo sido «atingida nas pernas», a que acresce que «os vários ferimentos inciso-perfurantes nos antebraços, face palmar e face dorsal de ambas as mãos e dedos da visada têm carácter de defesa, o que bem revela o desespero com que se terá debatido».
O acórdão recorrido afastou a verificação das circunstâncias do meio particularmente perigoso e motivo torpe ou fútil, previstas nas alíneas h) e e), respetivamente, do n.º 2 do artigo 132.º do CP, mas surpreendeu na conduta do arguido, pela sua persistência, intensidade e violência, analisada no contexto global do facto, um especial tipo de culpa resultante de circunstancialismo estruturalmente análogo àquelas, que irradia uma maior censurabilidade ou perversidade do agente.
E fê-lo, no respeito pelos critérios constitucionais, com o conteúdo e limites com que foram julgados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 852/2014, de 10 de dezembro de 2014, ao interpretar a norma que extrai da conjugação do n.º 1 do artigo 132.º com cada um dos exemplos padrão inscritos nas diversas alíneas do n.º 2, de modo a que da estrutura valorativa equivalente à de um deles retira a especial censurabilidade e perversidade da conduta do agente.
Improcede assim, o recurso nesta parte.
c. A medida concreta da pena de prisão
26. Pelo crime de homicídio qualificado em que o recorrente foi condenado foi imposta na 1.ª instância a pena de 19 (dezanove) anos de prisão, que o acórdão recorrido, depois de enunciar os critérios jurídico-penais em que se funda, justifica nos termos que se transcrevem :

«No concreto caso dos presentes autos, depõe contra o arguido, desde logo, a intensidade do dolo, a qual é elevada, uma vez que, face ao que resultou provado, este revestiu a modalidade de dolo direto.

Quanto ao grau de ilicitude da conduta do arguido, não pode o mesmo deixar de ser considerado muitíssimo elevado, para o tipo criminal em apreço, tendo em consideração a gravidade dos factos praticados, traduzida na enorme violência das lesões causadas à vítima, muito para além da que seria necessária a alcançar a respetiva morte, visada pelo arguido.

Por outro lado, há que considerar, na avaliação da conduta do arguido, a circunstância, decorrente da matéria de facto julgada provada, de o mesmo ter praticado os factos em questão contra um amigo de há mais de 20 anos que, nos dois anos anteriores aos factos, o recebeu em sua casa e acolheu no seio da sua família, onde o arguido foi tratado como se fosse um dos seus membros.

Com efeito, e conforme resultou provado, o arguido residia gratuitamente em casa da vítima, com esta e os seus filhos, aí comendo e dormindo, há cerca de dois anos, o que não pode deixar de acentuar a elevada reprovabilidade da sua conduta, ao tirar a vida de forma violenta e injustificada a quem o ajudou e acolheu na sua própria casa.

Por outro lado, e no que respeita aos factos praticados pelo arguido, em si mesmos considerados, a gravidade que os mesmos revestem, pela sua enorme, gratuita e desnecessária violência, é de tal modo intensa e reveladora de total desprezo pela vida e pessoa da vítima, amigo de longa data do arguido, que o acolheu em sua casa, que, para além de traduzir a especial perversidade e censurabilidade que levam à respetiva qualificação, nos termos acima expostos, deve ainda ser ponderada para a determinação da concreta medida da pena, na medida em que ultrapassa já, consideravelmente, o que seria necessário para tal qualificação.

A postura do arguido posterior aos factos, deve igualmente ser valorada de forma muito negativa.

Com efeito, admitindo, nos termos acima explanados, a prática dos factos, ou a possibilidade de os ter praticado, o arguido não revelou qualquer arrependimento sincero pelos mesmos, ou sequer a consciência da respetiva gravidade, antes se referindo ao ocorrido como se de um mero acidente se tivesse tratado, não sendo capaz de revelar qualquer tipo de remorso ou sequer de mal estar relativamente ao ocorrido, numa atitude de renovado desprezo e desrespeito relativamente à vitima e à sua família.

No que concerne às condições pessoais do arguido, resulta da matéria de facto provada que o mesmo não dispõe de qualquer estrutura familiar ou de amigos com que possa contar para reestruturar a sua vida.

Mais se verifica que, depois de ter regressado a Portugal, em 2009, o arguido não mais voltou a exercer qualquer atividade laboral, dedicando-se apenas a tentar recuperar quantias que entende serem-lhe devidas, não dispondo de qualquer tipo de rendimento, e não tendo, desde então, conseguido qualquer ocupação e forma de garantir o respetivo sustento.

Tais aspetos não podem deixar de ser tidos por reveladores de exigências de prevenção especial acentuadas, na medida em que demonstram não ter o arguido as condições necessárias à respetiva integração social e profissional, indispensável a uma futura reestruturação da sua vida.

Favoravelmente ao arguido, apenas há a assinalar a inexistência de antecedentes criminais.»

Assim, por tudo quanto foi dito, e atendendo à moldura aplicável, acima referida, entende este Tribunal por adequado fixar em 19 (dezanove) anos, a pena de prisão a cumprir pelo arguido (…).»
27. Inconformado com esta pena, de que «não podia discordar-se mais», o recorrente invoca a seu favor, para justificar a redução daquela, no essencial, que:

«[n]ão foi – devendo ter sido – considerado como favorável ao arguido o comportamento seguinte à prática do crime, designadamente pela voluntária entrega do próprio no posto da GNR de Samora Correia» (conclusão 17.ª), além de que «a decisão em crise [erra] quando considera como único elemento favorável ao arguido, a inexistência de antecedentes criminais» (conclusão 19.ª), pois que «[s]ão diferentes as necessidades de prevenção especial num arguido que, pena cumprida, estará com uma idade próxima dos 70 anos, do que de um outro arguido com metade dessa idade» (conclusão 20.ª), devendo considerar-se essa idade – «fator importantíssimo» – e não a estrutura familiar, que, ao fim de tantos anos, não será tão certa (conclusões 21.ª e 22.ª), errando, ainda, a decisão, na aplicação do artigo 71.º do Código Penal, pois que «a idade do arguido (atual, e a que terá ao cabo do cumprimento da pena) tinha de influenciar decisivamente – para baixo – a escolha da medida da pena que, só por aqui, não podia nem devia, nunca ter atingido 19 anos».

Para além disso, ainda que não reproduzidas nas conclusões, o recorrente invoca ter sido em seu benefício ter tido sempre «trabalhador» (n.os 80 e 82 da motivação) e ter tido «uma vida pautada pelo trabalho» (n.º 76 da motivação).
28. O Ministério Público Pugna pela manutenção do julgado quanto à medida concreta da pena de prisão aplicada.
29. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal (CP), a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do artigo 40.º do CP)[30]. Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP).
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, e a caracterização dos elementos antes assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que[31]:

      «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

      Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

     Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

     Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

     Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.»
30. Como noutro local se ponderou[32], mesmo sendo complexa a questão da igualdade de tratamento na determinação das penas dos agentes dos crimes, aquelas modeláveis em função dos critérios legais da culpa e da prevenção e dependendo de «condições pessoais e subjetivas (…) não transponíveis de uns casos para outros»[33], o paralelo com outros casos já apreciados por este Supremo Tribunal, relativos a crimes de homicídio e com pontos de contacto com os destes autos, pode contribuir para surpreender e captar orientações ou indicações quanto às medidas concretas das penas impostas e à coerência intrínseca das mesmas entre si.
Assim, num caso[34], em que «o arguido usou uma almofada com uma mão e com a outra vibrou golpes com insistência para obter o resultado pretendido, e porque era estudante de medicina procurou atingi-la nos sítios do corpo que mais eficazmente lhe podiam tirar a vida. O crime cometido teve repercussão na cidade e no país, foi alegadamente causado pela irritação provocada pela insistência da mãe para que o arguido se tornasse mais responsável, à data o arguido apresentava um quadro psicológico marcado pela perturbação emocional. Procurou ainda iludir as autoridades encenando o cometimento de um crime de roubo, para tanto dependurando uma corda na varanda e levando consigo vários objetos» foi mantida a pena de 19 anos de prisão aplicada na 1.ª instância.
Noutro caso[35], em que «o arguido (…) desfere com uma navalha 35 golpes no tórax, no abdómen e nos membros superior direito e esquerdo da vítima, após esta se ter recusado a reatar o relacionamento amoroso que mantiveram durante cerca de 10 anos, [e] (…) abandona a ex-companheira a esvair-se em sangue ao volante do seu próprio carro, que procura fazer desaparecer os objetos pessoais da vítima do local do crime e que pretende desfazer-se da navalha utilizada» foi imposta a pena de 17 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artigo 132.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CP, por «serem grandes as necessidades de prevenção geral positiva dado o muito forte alarme social gerado e a cada vez maior frequência com que a rutura de relacionamentos amorosos por parte de um elemento do casal (geralmente o elemento feminino) leva o outro a cometer crimes de homicídio; não se fazerem sentir especiais preocupações de prevenção especial dado que o arguido teve um percurso de crescimento e educação sem notas a salientar, que se licenciou e fez mestrado em psicologia clínica, que está inserido corretamente do ponto de vista social e familiar, que não tem passado criminal e que o crime surge como ato isolado, na sequência da rutura do seu relacionamento amoroso com a vítima; e (…) a culpa surg[ir]e na sua modalidade mais grave, [e] o dolo direto».
Noutro caso[36], em que ficou provado que, após o crime, o arguido assumiu a prática do crime e reconheceu a prática do homicídio imediatamente a seguir a este, mas sem significar arrependimento, circunstância que não ficou provada, e em que aquele se mostrava socialmente inserido, de ter apoio familiar, de ter forte ligação afetiva para com as filhas, de ser honesto e educado, mas em que a ilicitude [era] muito elevada, o dolo direto, níveis elevados de egocentrismo, utilizando mecanismos psicológicos como a racionalização e a negação, que lhe permitem justificar as suas condutas e revelando possibilidades de se desorganizar e de ser reativo em situações de maior tensão «é mais proporcional do que a pena de 19 anos fixada pelas instâncias a de 16 anos de prisão».
Ainda noutro caso[37], o Supremo Tribunal condenou por homicídio qualificado atípico e aplicou a pena de 16 anos de prisão, num quadro em que «a atuação do arguido revela uma intensidade dolosa grande, em termos de dolo direto», fazendo-se sentir «em termos de prevenção geral positiva (…) exigências muito importantes, já que o pretender tirar a vida a alguém provoca uma compreensível apreensão e um justificado sentimento de rejeição por parte da população», e «o crime cometido teve repercussão no meio académico, na cidade e até no país», sendo reclamadas «algumas exigências» em «matéria de prevenção especial (…), já que o arguido apresentava à data do crime um quadro psicológico marcado pela depressão e pela ansiedade e que, por outro lado, assumiu uma postura egocêntrica, segundo a qual releva antes de mais o que o satisfaz, sem curar de reconhecer que a pessoa de quem gosta é um ser livre, e portanto tem que aceitar que ela não queira namorar consigo»; «o arguido se entregou às autoridades depois do cometimento do crime, que afirmou estar arrependido, que aparentou encontrar-se fortemente arrependido, que confessou os factos parcialmente, que depositou nos autos o montante da indemnização cível pedida, que não lhe são conhecidos antecedentes criminais e que tinha 23 anos à data dos factos», mas em que «agravam a sua responsabilidade as circunstâncias sobre a situação criada de vulnerabilidade da vítima, a brutalidade e a insistência nos golpes desferidos com uma faca, a surpresa da sua atuação e ainda o facto de a vítima ser uma jovem estudante, que viu os seus dias terminarem prematuramente».
Por último, num caso[38], menos recente, no qual resultou provado que «a vítima [encontrava-se] em estado de embriaguez, [e] o arguido espetou os dentes da forquilha no corpo daquela, repetindo tal ação, pelo menos, três vezes» e «já com a vítima no chão, o arguido desferiu-lhe várias pancadas na cabeça e, quando aquela também já se encontrava imobilizada, espetou ainda a forquilha noutras partes do corpo; em seguida, o arguido decidiu desfazer-se do corpo da vítima, de modo a não ser descoberto» foi considerado cometido o homicídio qualificado p. e p. pelo n.º 1 do artigo 132.º do CP e o autor condenado na pena de 15 anos de prisão.
31. Revertendo ao caso concreto.
O recorrente foi condenado na pena de 19 anos de prisão.
Para justificar a severidade da pena imposta o acórdão recorrido só destaca, em benefício do recorrente, a ausência de antecedentes criminais, e, contra ele: a elevada intensidade do dolo, que é direto; a ilicitude muito elevada, emergindo dos factos uma violência dos factos causadores de lesões muito para lá do necessário, levados a cabo contra um amigo de há mais de 20 anos, que o tinha recebido na sua família e lhe dava guarida há cerca de 2 anos, uma atitude posterior aos factos, onde pontifica a não confissão dos factos, a ausência de remorso e condições pessoais sem estrutura familiar e a inexistência de atividade laboral desde que regressou ao pais, em 2009, «não dispondo de qualquer tipo de rendimento, e não tendo, desde então, conseguido qualquer ocupação e forma de garantir o respetivo sustento», aspetos reveladores «de exigências de prevenção especial acentuadas, na medida em que demonstram não ter o arguido as condições necessárias à respetiva integração social e profissional, indispensável a uma futura reestruturação da sua vida».
O recorrente apela que sejam tidos a seu favor o fator idade, a sua vida de trabalho e a confissão parcial dos factos.
O recorrente tinha 56 anos de idade à data dos factos.
O Código Penal de 1886 previa como circunstância atenuante da responsabilidade criminal do agente o «ser menor de catorze (sendo punível), dezoito ou vinte e um anos, ou maior de setenta anos» (art. 39.º, circunstância 3.ª), com atenuação especial nos artigos 107.º (menores de 21 anos) e 108.º (menores de 18 anos), o que era considerada «uma circunstância de natureza pessoal, baseada em diminuição de culpa»[39].
Como quer que seja, a atenuante só funcionava quando o agente tinha mais de 70 anos, sendo justificada «por uma maior benevolência pelo respeito devido aos velhos», e «devendo tal circunstância ser atendida à data do julgamento»[40].
Ao invés, o Código Penal vigente não autonomiza a idade do agente enquanto fator mitigador da responsabilidade penal, mas manda atender a todas as circunstâncias  que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 70.º, n.º 2).
Não se vê que, no caso, a idade tenha, só por si, uma específica valia que deva mitigar a responsabilidade; de algum modo foi considerada por referência à ausência de antecedentes criminais, e nesse contexto valorada, sendo diferente e atendida com maior intensidade, a ausência de antecedentes criminais quanto mais idosa for a pessoa, por dessa ausência sobressair uma adequação da sua vida com o direito.
No cômputo de circunstâncias a que o legislador manda atender, não se afigura que o passado de trabalho do agente, bem evidenciado nos factos provados n.os 21 e 28, com «uma formação profissional (…) reconhecida» (facto provado n.º 24), bem como a circunstância de o recorrente se ter entregado voluntariamente no Posto Territorial de Samora Correia da Guarda Nacional Republicana, em ato seguido aos factos (cerca da 1H05 do dia 8 de março de 2014), como se assinala no facto provado n.º 10, tenham sido suficientemente avaliados na determinação da medida concreta da pena.
Assim, tendo em atenção todo o circunstancialismo que milita contra o recorrente e que o acórdão recorrido bem assinala, mas atendendo às circunstâncias pessoais do agente, que se assinalaram, e as funções que competem ao Supremo Tribunal de Justiça na uniformização de critérios da medida da pena com vista a um tratamento dos diversos casos tão igualitário quanto possível, a pena de 17 anos de prisão, projeta a imagem global do facto, a elevada intensidade da ilicitude e as necessidades de prevenção geral e especial, e não ultrapassa a medida da culpa, enquadrando-se numa relação de proporcionalidade e de justa medida, derivada da severidade do facto global.
Procede, assim e nesta parte, o recurso interposto.
III. Decisão

Termos em que acordam na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, no recurso interposto por AA, em:
a) Julgar improcedente o recurso quanto à pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos, mantendo a qualificação do crime de homicídio, nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal;
b) Julgar procedente o recurso, na parte relativa à medida concreta da pena aplicada, que é reduzida de 19 (dezanove) para 17 (dezassete) anos de prisão;
c) Manter, em tudo o mais, o acórdão recorrido;
d) Declarar que não são devidas custas (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
*
Supremo Tribunal de Justiça, 4 de novembro de 2015

Texto elaborado e revisto pelo relator (artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Manuel Augusto de Matos


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[1]     As transcrições respeitam o original, salvo gralhas evidentes e ortografia. A formatação é da responsabilidade do relator.
[2]     Exceto a relativa ao pedido de indemnização civil (n.os 11 a 20 do acórdão), por desnecessário.
[3]     Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conibricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I – artigos 131.º a 201.º –, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, anotação 1.ª ao artigo 132.º, p. 48.
[4]     Teresa Serra, Homicídio Qualificado – tipo de culpa e medida da pena, 4.ª reimpressão da edição de 1995, 2003, Almedina, Coimbra, p.122.
[5]     Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, revista e atualizada, edição da AAFDL, Lisboa, 2007, p. 24.
[6]     Elisabete Amarelo Monteiro, Crime de Homicídio Qualificado e Imputabilidade Diminuída, Coimbra Editora, 2012, p. 36.
[7]     João Curado Neves, «Indícios de culpa ou Tipos de Ilícito ? A difícil resolução entre o n.º 1 e o n.º 2 do art.132.º do Código Penal», Direito Penal – Parte especial: Lições, Estudos e Casos, Coimbra Editora, 2007, p. 247.
[8]     Ob. cit., pp. 54-55.
[9]     Homicídio Qualificado… cit., pp. 63-64.
[10]   Na mesma linha podem ver-se, ainda, Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição (revista e atualizada), 2008, pp. 50-51.
[11]   Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e comentado, 17.ª edição, 2005, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 474-475.
[12]   Teresa Serra, Homicídio Qualificado … cit., p.127. No mesmo sentido, Eduardo Correia, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, edição do Ministério da Justiça, Lisboa – 1979, p. 25; Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário …, §6 da anotação ao artigo 132.º, p.p. 51-52; Augusto Silva Dias, Crimes… cit., pp. 24-27; e Teresa Quintela de Brito, «O Homicídio Qualificado (art. 132.º)», Direito Penal – Parte especial : Lições, Estudos e Casos, Coimbra editora, 2007, p.178. Assumindo posição crítica, Teresa beleza, A Revisão da Parte Especial na Reforma do Código Penal : legitimação, equilíbrio, privatização, «individualismo», in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, org. Maria Fernanda Palma e Teresa Pizarro Beleza, Edição da AAFDL, 1998, p. 106, quando afirma «[n]ão se procedeu a uma restrição do catálogo das agravantes que continua, a meu ver erradamente (inconstitucionalmente), a ser exemplificativo (…)».
[13]   Augusto Silva Dias, Crimes…, cit., p. 24.
[14]   Eduardo Correia, Actas das Sessões … cit., p. 23.
[15]   Comentário …, §2 da anotação ao artigo 132.º, p. 49.
[16]   Homicídio qualificado…, ob. cit., pp. 71-72.
[17]   Ob. cit., p. 123,
[18]   Crimes…., ob. cit., pp. 25-6.
[19]   O Homicídio Qualificado … ob. cit., p. 178.
[20]   Direito Penal II – Os Homicídios, 2008, Edição da AAFDL, p. 82.
[21]   Acórdão de 9 de junho de 2011, processo n.º 132/08.7JAGRD.C1.S1. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão de 2 de fevereiro de 2011, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2, acessíveis tal como outros citados no texto, quando outra fonte não for especificada, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/.
[22]   Neste mesmo sentido, o acórdão de 23 de novembro de 2011, processo n.º 508/10.0JAFUN.S1 e os acórdãos nele citados de 21 de maio de 2008, processo n.º 1224/08, de 13 de fevereiro de 1997, processo n.º 986/96, de 21 de maio de 1997, processo n.º 188/97, de 10 de dezembro de 1997, processo n.º 1207/97, de 18 de fevereiro de 1998, processo n.º 1086/97, de 3 de junho de 1998, processo n.º 301/98, e de 8 de julho de 1998, processo n.º 646/98.
[23]   Acórdão de 18 de março de 2010, processo n.º 1374/07.8PBCBR.C2.S1.
[24]   Acórdão de 21 de janeiro de 2009, processo n.º 08P2387.
[25]   Acórdão n.º 852/2014, de 10 de dezembro de 2014, disponível no sítio do Tribunal Constitucional no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990096.html, e publicado no Diário da República (DR), II série, n.º 48, de 10 de março de 2015, pp. 5909-5916.
[26]   Que, na decisão respetiva – acórdão de 12 de março de 2015, processo n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1 – exprimiu-se nestes termos:
«Pelo exposto, sendo pois, de subsumir a conduta do arguido pelas razões supra expostas ao critério de agravação subjacente ao disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, conclui este Supremo, face à matéria fáctica provada, que procede o crime de homicídio qualificado na forma atípica, sem beliscar o princípio da legalidade na forma de tipicidade, ancorada na fattispecie p. e p. pelo n.º 1 do artigo 132.º do CP, nos termos permitidos pela interpretação constitucional da norma., tendo em conta a decisão constante do acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de dezembro de 2014».
[27]   Vd acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2015, de 13 de outubro de 2015.
[28]   Acórdão de 7 de dezembro de 2011, processo n.º 830/09.8PBCTB.C1.S1.
[29]   Processo n.º 1374/07.8PBCBR.C2.S1.
[30]   Recupera-se neste n.º o que se afirmou no acórdão de 28 de outubro de 2015, processo n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1
[31]   Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.
[32]   Acórdão de 14 de outubro de 2015, processo n.º 473/12.9GCPTM.E1.S1.
[33]   Acórdão de 14 de março de 2013, processo n.º 341/08.9GAMTA.L2.S1.
[34]   Acórdão de 18 de dezembro de 2012, proferido no processo n.º 735/10.0JACBR.C1.S1.
[35]   Acórdão de 23 de novembro de 2011, processo n.º 508/10.0JAFUN.S1.
[36]   Acórdão de 9 de junho de 2011, processo n.º 132/08.7JAGRD.C1.S1.
[37]   Acórdão de 18 de março de 2010, processo n.º 1374/07.8PBCBR.C2.S1.
[38]   Acórdão de 5 de março de 2008, processo n.º 08P210, também publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJ), 2008, Tomo I, p. 243.
[39]   Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 3.a Ed., 1977, Almedina, Coimbra, p. 118.
[40]   Eduardo Correia, Apontamentos Sobre as Penas e sua Graduação no Direito Criminal Português, Coimbra, 1953, pp. 296-7.