Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
809/21.1T8VRL-B.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CASO JULGADO
REQUISITOS
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
HERANÇA INDIVISA
Data do Acordão: 01/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
I. Na aferição da ofensa do caso julgado, enquanto fundamento da admissão do recurso, há que verificar se a decisão transitada em julgado foi ofendida, e se aquela face à decisão recorrida e concorrente, assume valor de caso julgado a observar, i.e, a tríplice identidade a que alude o artigo 581º do CPC.

II. A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, podendo dispensar embora a coexistência da tríplice identidade,, desde que se manifeste uma relação de prejudicialidade entre as mesmas, não prescinde, porém, da identidade subjetiva entre as acções concorrentes.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA e BB intentaram acção declarativa de condenação e processo comum, contra a Herança Indivisa de CC, Herança Indivisa de DD, EE, e FF, como cabeça de casal e herdeiros das Heranças Indivisas; e, contra Herança Indivisa de GG, Herança indivisa de HH, II, JJ, e KK, como Cabeça de Casal e herdeiros da Herança Indivisa de HH.

Pediram que na procedência da acção, o tribunal : a) Declare que o A. é dono e legítimo possuidor, em comum com a Herança aberta por óbito de LL, do prédio urbano situado em ..., Freguesia de ..., Concelho de ..., com área total de 683,1 m2, sendo 133,1 m2 de área coberta e 550 m2 de área descoberta, assim descritas no registo predial e inscritas na matriz, composto de casa de cave, rés-do-chão e andar e quintal, a confrontar na realidade do Norte com IP4, do Sul com MM e Outros, do Nascente com Estrada Nacional n° 2 e do Poente com NN, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..55, que teve origem no artigo .73, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ..54, com inscrição de aquisição a seu favor pela AP. 6 de 2005/...17, do qual faz parte integrante e componente uma parcela de terreno, a Poente, com cerca de 8 metros de largura por 50 metros de comprimento, que se estende, a partir de Sul, desde o limite Norte do prédio urbano com o artigo matricial ..96 pertencente a MM até ao limite Norte a confinar com o talude do IP4, assim corno, a Norte, dele faz parte integrante e componente, uma outra parcela de terreno, com cerca de 4,50 metros de largura por 25 metros de comprimento, a qual se estende desde a Estrada Nacional n" 2, a Nascente, até desaguar na parcela acima identificada em 2. A 5. desta p.i., a Poente, nesta extensão, confinando a Norte com o talude do IP4., de tal modo, que estas duas parcelas formam um caminho de acesso, a pé posto e com veículos automóveis, pelo Norte e Poente, ao interior do prédio urbano do A.; b) Serem as RR. condenados a reconhecer o pedido formulado em a);c) Subsidiariamente, para o caso de não se vir a demonstrar, nem obtiver acolhimento, que as parcelas de terreno identificadas em 2. a 9. desta p.i, e respectivo caminho de acesso fazem parte integrante e componente do prédio do A. identificado em I ° desta p.i., nem se dê como provado o alegado em 2. desta p.i. na parte "Deste prédio faz parte integrante e componente ... ", em 6.° desta p.i, na parte" ... do prédio urbano dos AA. faz ainda parte integrante e componente ... " e em 80° na parte" ... do qual faz parte integrante e componente uma parcela de terreno, a Poente, com cerca de 8 metros de largura por 50 metros de comprimento, que se estende, a partir de Sul, desde o limite Norte do prédio urbano com o artigo matricial ..96 pertencente a MM até ao limite Norte a confinar com o talude do IP4 e que, nesta extensão, confina a Poente com o prédio de NN, assim como, a Norte, dele faz parte integrante e componente, uma outra parcela de terreno, com cerca de 4,50 metros de largura por 25 metros de comprimento, a qual se estende desde a Estrada Nacional n° 2, a Nascente, até desaguar na parcela acima identificada em 2_ a 5. desta p.i., a Poente, nesta extensão, confinando a N011e com o talude do IP4., de tal modo, que estas duas parcelas formam um caminho de acesso, a pé posto e com veículos automóveis, pelo Norte e Poente, ao interior do prédio urbano do A .... " e" ... e troços ... ", e por esta via não ser totalmente procedente o pedido formulado em a), mais se pede o que segue: c. 1) Declarar-se que o A. é dono e legítimo possuidor, em comum com a Herança ilíquida e Indivisa por óbito de OO, da parcela de terreno identificada em 2. a 5. da p.i., a Poente, com cerca de 8 metros de largura por 50 metros de comprimento, que se estende, a partir de Sul, desde o limite Norte do prédio urbano com o artigo matricial ..96 pertencente a MM até ao limite Norte a confinar com o talude do IP4 e que, nesta extensão, confina a Poente com NN, a Norte com o viaduto do IP 4, a Sul com MM e do Nascente com os AA. e a parcela ido em 6. a 9. desta p.i.; c.2) Declarar-se que o A. é dono e legítimo possuidor, em comum com a Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de OO, da parcela de terreno identificada em 6. a 9. da p.i., a Norte, com cerca de 4,50 metros de largura por 25 metros de comprimento, a qual se estende desde a Estrada Nacional n" 2, a Nascente, até desaguar na parcela acima identificada em 2. a 5. desta p.i., a Poente, nesta extensão, confinando a Norte com o talude do IP4., do Poente com a parcela identificada em 2. a 5. desta p.i., do Nascente com a E.N. 2, do Sul com o A. c.3) Declarar-se que estas duas parcelas formam um caminho de acesso, a pé posto e com veículos automóveis, pelo Norte e Poente, ao interior do prédio urbano do A .c.4) Serem os RR. condenados a reconhecer os pedidos formulados em c.1)., c.2) e c.3); d) Por qualquer uma das vias supra invocadas, devem as RR. ser condenados a absterem-se de por qualquer forma, via ou meio perturbarem impedirem ou prejudicarem o legítimo uso, gozo e fruição do domínio e posse do A. sobre o aludido imóvel, parcelas identificadas em 2. a 5. e 6. a 9. desta p.i.; e) E, designadamente, serem as RR. condenados a absterem-se de passar a pé posto e com veículos automóveis pelas parcelas identificadas em 2. a 5. e 6. a 9.; f) Serem as RR. condenadas solidariamente a pagar ao A. a quantia de 2 500,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento; (…)”

Os Réus contestaram e deduziram reconvenção. Arguiram, além do mais, a excepção do caso julgado, alegando em síntese - “(…) resulta da Sentença proferida no âmbito do Processo: 1272/16.4... e (Processo1479/20.T..., o caminho que o autor pretende apropriar é um caminho pertencente à Administração. Tal circunstância extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, pelo que tal excepção deve ser julgada procedente e, portanto, absolver os réus do pedido, nos termos do art. 576º nº 3 do CPC.”

Foi admitido o chamamento da Herança aberta por óbito de OO, representada pelos seus herdeiros, o Autor e filhas, BB e MM.

A chamada BB aderiu ao articulado do Autor.

A chamada MM não aderiu a essa posição, declarando aceitar e reconhecer a decisão no processo 1272/16 e de todas aquelas, conexas, que foram proferidas nos respectivos apensos, e ainda, reconhecer que o caminho e antiga EN2 são o único acesso ao prédio das aqui Rés, e que se abstém de praticar actos que obstem a esse uso pelos Réus e, “nomeadamente, de intervir nos presentes autos.”

Na decorrência dos demais trâmites, em audiência prévia, o tribunal proferiu sentença que julgou improcedente a acção e culminou no seguinte dispositivo «Julgo, pois, improcedente a excepção de caso julgado, quer na vertente da excepção de caso julgado, quer de autoridade de caso julgado.»

2. Inconformados, os Autores apelaram.

A Ré pugnou pela improcedência do recurso.

Por douto acórdão, em unanimidade do colégio, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente a apelação, conforme o dispositivo seguinte:

«(…) revogando a decisão recorrida no que diz respeito à excepção peremptória de caso julgado e, em sua substituição decidindo o seguinte:

- Julgar parcialmente procedente a excepção de autoridade de caso julgado invocada pelos Réus, no que respeita à chamada MM e aos pedidos formulados na petição inicial, nas als. d) e e), relativamente aos quais, (somente) na parte em que possam ter esta chamada (e apenas ela) como titular do direito subjacente, se julgam improcedentes, deles se absolvendo os Réus nessa limitada medida;

- Quando às demais pretensões da acção, às dos referidos pedidos d) e e), na parte em que são titulados pelos restantes demandantes, e aos da reconvenção, julga-se improcedente a invocação dessa autoridade do caso julgado na acção nº 1272/16;

- Condenam-se os Autores AA e BB, desde já, em 1/7 das custas devidas pela sua demanda (cf. art. 527º, do C.P.C.).

Condenam-se nas custas da apelação os Recorridos acima identificados e os Recorrentes, na proporção de respectivamente, 1/5 e 4/5, (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).»

3. Permanecendo inconformados, os AA. vieram interpor recurso de revista - “(…) nos termos do disposto nos nºs. 1 e 3 do art. 671º e, nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672º do CPC. (..)”.

Em alegação concluíram, em síntese:

«(…)10. Os recorrentes entendem, com todo o respeito, que o acórdão recorrido está ferido de erro de julgamento, a autoridade do caso julgado deveria ter sido estendida ao Autor AA, chamada MM e chamada BB relativamente a todos os pedidos formulados na P.I. e na reconvenção, visto os requisitos subjetivos e objetivos do caso julgado positivo (ou da sua extensão por via direta ou reflexa) se vislumbrarem no caso concreto, que, por consequência, dita a inexistência da pretensão de direito formulada na alínea f) da P.I.;

11. Com relevo, o acórdão recorrido perentoriamente veiculou que os pedidos formulados pelos recorrentes/RR. nas als. e.1, e.2 e e.4 (da reconvenção do presente processo) se subsumem na exceção dilatória de caso julgado;

12. Quanto ao processo n.º 1272/16.4..., as aqui recorrentes/RR. (AA. nesses autos) demandaram a chamada MM e marido (RR. nesses autos);

13. Em suma, as ali AA., aqui RR./recorrentes, alegaram ser proprietárias do prédio “Quinta de ...” ao qual vêm a aceder há mais de 40 anos, através de um caminho de natureza dominial pertencente ao Estado (antiga E.N. n.º 2) e de um caminho de consortes, (…)sucedeu que MM, R. nesses autos, chamada nos hodiernos, construiu um muro e colocou um portão em parte da antiga E.N. n.º 2, no tal trato de terreno com 50 metros de comprimento e 8 metros de largura (400 m2), impedindo o acesso dos ali AA. aqui RR/recorrentes, ao seu prédio;

25. O Tribunal decidiu, por decisão transitada em julgado, que não assistia a propriedade da parcela de 50 metros de comprimento e 8 metros de largura (demarcado a vermelho às riscas no Doc.n.º 11 da P.I. do processo n.º 1276/12), porquanto MM, e os seus antepassados, designadamente AA, nunca tiveram – nem podiam ter - o animus para aquisição originária por usucapião, conforme tão bem ficou explanado na sentença, enriquecida pelo indefetível depoimento do aqui Autor, testemunha no processo n.º 1272/16.4..., AA;

26. Ficou assente judicialmente a circunstância de o caminho de consortes e toda a antiga EN n.º 2 (marcado a verde-claro no Doc. n.º 11 junto com a P.I. no processo n.º 1272/16).4..., serem o único acesso ao prédio dos ali AA. aqui RR., de automóvel, máquina industrial, camião e a pé, e de os aqui RR. terem o direito de livremente lhe acederem porquanto é domínio da Administração;

27. Quanto aos presentes autos, AA demandou as aqui RR./Recorrentes;

28. AA arrogou-se proprietário de toda a antiga E.N. n.º 2, designadamente da tal parcela de terreno com 8 metros de largura e 50 metros de comprimento (400 m 2 ) (a mesma parcela que a R. MM do processo n.º 1272/16.4... se tentou apropriar ilegitimamente), e de parcela de terreno com cerca de 4,50 metros de largura e 25 metros de comprimento, pretendendo impedir os aqui RR. de usarem o único exclusivo caminho de que dispõem para aceder o seu prédio Quinta de ... em que se consubstancia a antiga E.N. n.º 2, em contradição com o decidido no processo n.º 1272/16;

(…) 30. Não há dúvidas, pelo menos, parte do objeto do presente processo, o trato de terreno com 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, assim como o direito de livre passagem dos aqui RR. pela antiga E.N. n. º2 (domínio da Administração) para acesso ao seu prédio, equivalem ao objeto do processo n.º 1272/16.4..., quer no que tange a causa de pedir, os pedidos e os sujeitos (segundo um critério de qualidade jurídica – artigo 581.º, n.º 2, do CPC);

(…) 34. Quanto à concreta parcela de 50 metros de comprimento e 8 metros de largura (400m2), ainda mais clarividente se torna, no presente processo está-se a controverter um objeto já previamente discutido e consolidado, um pressuposto indiscutível resultante do processo n.º 1272/16.4...;

(…) 73. Como é que se pode executar num processo o direito de os aqui RR. acederem ao seu prédio e noutro impedir (coercivamente) os aqui RR. de acederem à Quinta de ...?

(…) 75.O objeto dos presentes autos, restrito à parcela de 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, depende decisivamente do objeto previamente julgado no processo n.º 1272/16.4..., relação processual essa prejudicial ou condicionante da presente instância;

76. O objeto da decisão do processo n.º 1272/16.4... constitui questão prejudicial nesta segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida;

(…) 116. Já foi resolvida a questão de a antiga E.N. n.º 2 se consubstanciar no único exclusivo acesso dos aqui RR. ao seu prédio, assim como o direito e livremente a usarem, visto pertencer ao domínio da Administração Pública.

117. Desta forma, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º, 621.º do CPC; e artigos 2.º da CRP;

(…) Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente revista ser admitida, ser julgada procedente e, em consequência, substituir o acórdão recorrido por um que faça justiça,

designadamente:

- Estenda o efeito da autoridade do caso julgado a AA, BB e MM relativamente a todos os pedidos formulados contra os aqui RR./recorrente, designadamente, pedidos a), b), c.1), c.2), c.3), c.4), d), e) e f), na P.I., e, assim, absolver os RR./recorrentes dos referenciados pedidos; e aos pedidos formulados na reconvenção B, C, E, E.1, E.2, E.3 e E.4, condenando o Autor e chamadas no seu pontual respeito e cumprimento;

- Sem prescindir, deve-se sempre estender o efeito da autoridade do caso julgado a AA, MM e BB, no mínimo, quanto aos pedidos a) e b), no que tange ao trato de terreno com 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, alínea c.1), alíneas c.3, c.4, d) e e), relativamente a referida parcela de terreno, absolvendo-se os RR./Recorrentes de tais pedidos, no que refere a esse trato de terreno; na mesma medida deve-se estender a autoridade do caso julgado aos pedidos reconvencionais B, C, E, E.2, E.4, no relativo, pelo menos, ao trato de terreno de 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, assim como dos pedidos reconvencionais E.1 e E.3, condenando-se o Autor e chamadas no seu pontual acatamento e respeito;

- Ser declarada a inconstitucionalidade o douto acórdão recorrido;

- Ser declarado o abuso de direito quanto ao exercício do direito de ação pelo aqui Autor

e chamadas; (…).»


*


Na resposta os recorridos alegaram, além do mais, que a revista não é admissível.

*


4. Prefigurando-se a não admissão da revista, ouviram-se as partes.

Os recorrentes reiteraram a invocada autoridade do caso julgado e, por consequência, a admissão da revista e proferido acórdão no sentido decisório das alegações e conclusões que apresentaram.

Os recorridos mantiveram a posição de inadmissibilidade da revista por não verificada a invocada autoridade do caso julgado.

Foi proferida decisão pela relatora que não admitiu o recurso de revista, cujo teor se reproduz no segmento que releva:

«4. Decisão

Cumpre apreciar em conformidade com o disposto no artigo 652º, nº1, alínea b) ex vi artigo 679º do CPC.

4.1. Os Réus pedem revista no tocante ao segmento do acórdão da Relação que subsistiu improcedente tal como primeira instância e que consta do dispositivo conforme se transcreve- «(…) - Quanto às demais pretensões da acção, às dos referidos pedidos d) e e), na parte em que são titulados pelos restantes demandantes, e aos da reconvenção, julga-se improcedente a invocação dessa autoridade do caso julgado na acção nº 1272/16; (…)».

Rectius, insurgem-se ao decidido à semelhança da sentença, tendo por não verificada a autoridade do caso julgado, relativamente à pretensão dos recorrentes - « (…) a todos os pedidos formulados, e no mínimo, estender o efeito da autoridade do caso julgado a AA, MM e BB, no mínimo, quanto aos pedidos a) e b), no que tange ao trato de terreno com 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, alínea c.1), alíneas c.3, c.4, d) e e), relativamente a referida parcela de terreno, absolvendo-se os RR./Recorrentes de tais pedidos, no que refere a esse trato de terreno; na mesma medida deve-se estender a autoridade do caso julgado aos pedidos reconvencionais B, C, E, E.2, E.4, no relativo, pelo menos, ao trato de terreno de 50 metros de comprimento e 8 metros de largura, assim como dos pedidos reconvencionais E.1 e E.3. ».

Neste ponto do acórdão - ocorre dupla conforme.

Assim, confluem as instâncias na solução jurídica a propósito da questão em evidência - i.e. -não verificada a excepção do caso julgado (na vertente positiva) e a argumentação desenvolvida no acórdão recorrido sufragou o enquadramento jurídico prosseguido na sentença.

Sobrevindo tal obstáculo à interposição de revista- artigo 671º, nº1 e nº3, do CPC - subsiste a possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal em situação em que é sempre admissível recurso, designadamente, na apreciação da invocada excepção do caso julgado, conforme previsão do artigo 629º, nº2, al) a do CPC.1

4.2. O vórtice da indagação consiste em saber se, decorre autoridade do caso julgado nos autos e sobre o tópico decisório que se enunciou, adveniente do acórdão do Supremo Tribunal proferido na anterior acção que correu entre as partes.

No que monta ao segmento impugnado,2a fundamentação do acórdão recorrido é a seguinte:

«(…) Posto isto, cotejando os dados que acima foram assinalados, constatamos que existe neste caso apenas uma parcial identidade subjectiva entre os dois julgados.

Com efeito, são comuns às duas acções apenas os aqui Réus/Reconvintes, Autores na acção nº 1272/16, e a aqui interveniente em posição associado ao Autor, MM, que foi Ré/Reconvinte naquela outra acção alegadamente prejudicial.

O aqui Autor AA e BB, que, Apelações em processo comum e especial (2013) conjuntamente com chamada MM (cuja intervenção, repete-se, foi provocada), aparentemente, alegam titularidade de direito próprio (no caso do Autor AA) e conjunto (por respeitar a direito a qual, alegadamente, adquiriram os três por via sucessória ou mortis causa), não figuraram (os dois primeiros) naquela outra acção.

Acresce que, nessa outra acção, a Ré/Reconvinte, aqui chamada à autoria, agia como titular de um direito de propriedade, distinto do que aqui invocam os Autores, e alegada coautora de determinada conduta (historicamente distinta) violadora do direito de propriedade e/ou acesso dos aí identificados Autores, aqui Réus, de modo que, nem relativamente a esta parte existirá uma total identidade da posição jurídica em que actua na lide.

Deste modo, podemos concluir que, relativamente aos Autores AA e BB, claramente não está satisfeito esse pressuposto cumulativo de identidade subjectiva, não podendo impor-se-lhes nesta instância (positiva ou negativamente, na acção ou reconvenção em apreço) uma decisão que não os envolveu, sem violação do citado princípio do contraditório e, fundamentalmente, do preceituado no citado art. 20º, nº 4, do Código de Processo Civil, razão pela qual, relativamente aos mesmos e a todos os pedidos, haverá que confirmar a decisão da primeira instância que declarou improcedente a excepção peremptória em apreço, lembrando-se aqui que quem efectivamente é parte demandante nos autos são apenas os herdeiros e o Autor AA, já que a primeira instância admitiu a intervir nos autos as filhas e não a “herança indivisa” (cuja personalidade própria seria aqui sempre discutível).

Tendo tudo isso em mente, bem como o preceituado no art. 320º, do Código de Processo Civil, julgamos que essa improcedência se estende, em grande medida, à posição da chamada MM.

Na verdade, por um lado, é certo que na lide que a envolveu, de forma activa e passiva, no processo nº 1272/16, foi decidido que a parcela de terreno em causa nas duas instâncias, suposto solo da antiga EN2, constitui acesso ao imóvel de cujo direito de propriedade os aqui Réus se arrogam titulares e que o mesmo não pode ser prejudicado pela conduta dessa chamada.

Mais, no silogismo que permitiu essa conclusão, se considerou estar perante bem que “transitou do domínio público para o domínio privado da entidade pública, deixando de estar sujeito aos princípios da inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, próprios dos bens do domínio público” e, noutra parte do tracto de terreno em litígio, “ele nunca fez parte da antiga EN 2 e os A.A. não invocaram relativamente ao mesmo quaisquer circunstâncias que pudessem permitir concluir tratar-se de uma via pública, com livre acesso ao público”.

Acresce que esta chamada não aderiu ao articulado ou acção desencadeado pelo Autor AA (e aparenta confessar parte do pedido dos Reconvintes), o que determina que não sejam seus os pedidos formulados na petição inicial, com tudo o que isso importa na decisão de mérito a proferir a final.

Deste modo, julgamos que da acção 1272/16 apenas se podem extrair, no que respeita à chamada MM, efeitos negativos no que contende com os pedidos formulados na petição inicial, nas als. d) e e), na medida em que reflexamente possa haver a possibilidade de ser envolvida (cf. art. 320º, do C.P.C.), como co-herdeira, na declaração/condenação que aí se pede e cuja solução está aqui prejudicada, no seu caso concreto, pela circunstância de nessa outra acção a mesma já ter sido condenada, não só a reconhecer que esse tracto de caminho é acesso do prédio dos aqui Réus mas também nas prestações de facto negativo que se prendem com o gozo desse acesso.

No restante, a demanda dos Autor e das chamadas associadas, visa a declaração de um direito de propriedade e de acesso que não contende directamente, nem está prejudicado, com o que ficou declarado naquela outra acção (pelo contrário, a partir do momento em que se admite uma aquisição por usucapião de parte do caminho em causa), razão pela qual, ainda que essa chamada se tivesse associado a esses pedidos, o que não sucedeu aqui, não procede a excepção.

No que diz respeito à reconvenção deduzida aqui pelos Apelantes, vários desfechos se impõem.

Assim, no que toca ao pedido formulado pelos Apelantes nas suas als. E.1, E.3. e E.4 estamos perante declarações que se subsumirão ao caso julgado (havendo identidade das partes, causa de pedir e pedido), na sua forma negativa, de excepção dilatória, acima caracterizada, o que, com também acima explicámos, exclui a possibilidade de existir a excepção peremptória que aqui se discute. No que contende com o pedido formulado em E.2., julgamos que inexiste autoridade de caso julgado. Estamos perante conclusão jurídica que não foi declarada pelo dispositivo da sentença do processo nº 1272/16, razão pela qual não se verifica o pressuposto objectivo para que se reconheça a excepção peremptória em discussão. Por fim, relativamente ao pedido E.5, estamos perante pretensão que não visa, nem pode visar, sem modificação da causa de pedir, a chamada MM, nem tem correspondência, ainda que prejudicial, com o que foi discutido naquela outra acção, pelo que, ab initio, é impertinente discutir aqui a existência de julgado, nomeadamente na sua forma de autoridade. (..)»

4.3. Em antecipação, nada se aponta ao assim decidido e profusamente motivado.

Vejamos.

A questão convoca um vasto referencial dogmático a propósito dos efeitos do caso julgado na sua dupla vertente, negativa (de exceção dilatória) e positiva (de autoridade do caso julgado), e que na perspectiva da solução do caso em juízo, avulta na componente da extensão da eficácia do caso julgado às questões consideradas pelo tribunal “a quo” como antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

Malgrado a contínua abordagem e reflexão na doutrina e jurisprudência em torno do caso julgado, nem sempre surgem com a desejada clareza, os contornos do tratamento deste instituto jurídico, tributário, como sabemos, dos valores da certeza e da segurança jurídica das decisões judiciais.

Dispõe o artigo 619.º do CPC, que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º do mesmo diploma.

Do caso julgado decorrem dois efeitos fundantes - a impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida (efeito negativo ou exceção de caso julgado) e, a vinculação do mesmo tribunal ou de outros tribunais à decisão proferida (efeito positivo ou autoridade de caso julgado).

Seguindo a lição de Manuel de Andrade, a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, assenta na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido «se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente». 3

Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa «quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente»4

Retomando.

As instâncias foram unânimes quanto à improcedência da excepção do caso julgado na sua dupla vertente e invocada pelos ali Réus e aqui recorrentes.

A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil. 5

Não se prescinde, porém, da identidade subjetiva, tal como propugnou o acórdão recorrido, admitindo-se que possa não confluir a denominada “tríplice identidade”, desde que se manifeste uma relação de prejudicialidade entre as mesmas, significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva.6

Relação de prejudicialidade entre as acções concorrentes, a entender-se no sentido de que, podendo a (segunda) acção ter objeto diferente, a sua apreciação dependerá do litígio já decidido, perspetivado como verdadeira relação prejudicial da relação material controvertida naquela outra.

Ora, entre as acções concorrentes não existe identidade das partes, reiterando-se então o acima exposto quanto à necessidade da identidade subjetiva na autoridade do caso julgado.

No caso em apreciação existe apenas uma parcial e não decisiva identidade subjectiva entre os dois julgados, sendo comuns às duas acções os ora Recorrentes, Autores na ação nº1272/16 e, a aqui interveniente em posição associada aos Recorridos, MM, que por seu turno foi Ré naquela outra acção.

A chamada MM não figurou naquela outra acção.

Na acção anterior, a Ré, aqui chamada à Autoria, agia enquanto titular de um direito de propriedade, distinto do que aqui invocam os Recorridos, que reflete diferente causa de pedir e posição na lide.


*


Resta, pois, acompanhar integralmente a fundamentação e solução alcançada pelo acórdão recorrido.

4.5. Por último, não podemos deixar de observar que a limitação do direito ao recurso em função das regras processuais estabelecidas na lei ordinária não configura negação do acesso à justiça garantido pela Constituição da República Portuguesa. A tutela jurisdicional efetiva e a equidade não significam que o cidadão disponha em todos os litígios de acesso irrestrito a todos os graus de jurisdição para o exercício do direito que se arroga.

4.6. Concluindo, não verificada a autoridade de caso julgado, soçobra o fundamento da revista interposta que de acordo com o exposto, e em consequência, não se admite.»


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Notificados da decisão da relatora que não admitiu o recurso, pedem os recorrentes que a Conferência se pronuncie sobre a matéria e contemple a sua pretensão recursiva; replicaram, sem inovação, os argumentos das alegações de recurso e também do teor da resposta.

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Corridos os Vistos, a questão crucial decidenda radica em saber se, a revista é admissível com o fundamento da ofensa do caso julgado.

II. Fundamentação

A. A factualidade e as ocorrências processuais que importam à decisão constam do relatório, sem prejuízo da compulsa das peças dos autos.

B. Do mérito

Os recorrentes/reclamantes exerceram a faculdade consignada no artigo 652º, nº3, do CPC, requerendo sem outra motivação, que sobre a matéria recaia acórdão.

Assim sendo revisitada a fundamentação do despacho e as alegações dos reclamantes, não se vislumbra razão para dele divergir, acompanhando o juízo de não admissão da revista.

III. Decisão

Face ao exposto, decidem os Juízes em Conferência indeferir a reclamação, não se admitindo, pois, o recurso de revista.

Custas a cargo dos reclamantes; fixa-se em 3 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 16.01.2025

Isabel Salgado (relatora)

Fernando Baptista de Oliveira

Maria da Graça Trigo

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1. Os recorrentes convocaram em erro o disposto no artigo 672º, nº1, al) a e b) do CPC que respeita à revista excecional e a fundamentos que não invocaram. Tendo outrossim, invocado em fundamento da revista a violação da autoridade do caso julgado com previsão no artigo 629º, nº2, al) a do CPC, procedemos à necessária convolação (cfr-artigo 5º, nº3, do CPC).

2. “Quanto às demais pretensões da acção, às dos referidos pedidos d) e e), na parte em que são titulados pelos restantes demandantes, e aos da reconvenção, julga-se improcedente a invocação dessa autoridade do caso julgado na acção nº 1272/16; “

3. In Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 306.

4. Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 139.

5. Apelando à lição actual de Alberto dos Reis in CPC anotado, volume V, 1984, pág. 237: “(..) dentro do aspecto da admissibilidade do recurso cabem duas averiguações: 1.ª Se há uma decisão, com trânsito em julgado, que possa ter sido ofendida: 2.ª Se essa decisão, em confronto com a decisão recorrida, tem valor de caso julgado a respeitar, o que equivale a dizer: se entre as duas decisões existem as três identidades mencionadas no art. 502.º.”

6. Orientação sedimentada e prosseguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, como ilustram entre outros, os acórdãos de 26.11.2020 (proc. n.º 7597/15.9T8LRS.L1. S1), 24.10.2019 (proc. n.º 6906/11.4YYLSB-A. L1.S2), 13.09.2018 (proc. 687/17.5T8PNF.S1), 19/06/2018 (proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1. S2 – este em anexo), de 06/11/2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1. S1), de 28/03/2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1. S1) e de 30/04/2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1. S1), e o acórdão do STJ de 9.05.2024, proferido nesta 2ªsecção no processo nº. 497/19.5BEPNF.P1. S1, consultáveis em www.dgsi.pt.

  No plano doutrinário, tal jurisprudência alinha com as posições assumidas por RUI PINTO, In Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Revista Julgar Online, Novembro 2018, pp. 28 e ss.; LEBRE DE FREITAS In Um Polvo Chamado Autoridade de Caso Julgado, pp. 700 e ss. e In A Extensão Subjetiva da Eficácia do Caso Julgado, pp. 613ss.; TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 581 e ss.; CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II Volume, p. 781, Edição da Associação Académica, 1987, FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Vol. II, 2.ª edição, 2020, Almedina, pp. 719 e ss.; em sentido diverso, Alberto dos Reis defende que a autoridade de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedi, cf. Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 139; e Acórdão do STJ de 9.05.2024 ,proferido nesta secção no processo nº. 497/19.5BEPNF.P1. S1, disponível in www.dgsi.pt.