Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16687/16.0T8PRT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILIDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO AO BOM NOME
CONFLITO DE DIREITOS
FIGURA PÚBLICA
INTERESSE PÚBLICO
JORNALISTA
MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
INCONSTITUCIONALIDADE
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, p. 671;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol, V, p 142;
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, p. 141 e 142;
- Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Almedina, 2011, p. 115 a 120;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, 2007, p. 572, 573 e 575;
- Iolanda Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 17;
- Jónatas Machado, A Glória, a Honra e o Poder – Observações sobre a liberdade de imprensa em democracia, RLJ, Ano 143º, nº 3984, 2014, p. 179 e 189 ; Liberdade de Expressão, +Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, p. 80;
- Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, p. 52;
- Maria Paula G. Andrade, Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, Contributo para o Estudo do artigo 484º do Código Civil, Tempus Editores, 1996, p. 97;
- Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 303-305;
- Salienta Jónatas Machado, Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, p. 74.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 613.º E 615.º, N.º 1, ALÍNEA C).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 484.º.
Jurisprudência Nacional:
CÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 26-04-1994, IN CJSTJ, II, 94 P. 54;
- DE 08-03-2007, PROCESSO N.º 07B566, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 341/08.9TCGMR.G1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-06-2011, PROCESSO N.º 1272/04.7TBBCL-G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-09-2016, PROCESSOS N.º 60/09. 9TCFUN.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-01-2017, PROCESSO N.º 1459/09. 5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2017, PROCESSOS N.º 1405/07. 1TCSNT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 15-04-2008, PROCESSO N.º 1351/05.3TBCBR.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstracta.

II - A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos.

III - É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.

IV - De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.

V - Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.

VI - A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.

VII - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.

VIII - A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


AA, CRL; BB e CC intentaram contra DD; EE; FF; GG e HH, S.A.. (antes II, Lda, sociedade incorporada) acção declarativa de condenação com processo comum, deduzindo os seguintes pedidos:

a) A declaração de não corresponderem à verdade os factos vertidos nas reportagens e notícias juntas sob os n.ºs 2 a 6 e 9 e serem estas ofensivas da honra e consideração dos autores com a consequente condenação solidária dos réus no pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais:

(1) à 1ª A., a quantia de € 784 000,00 e ainda o que venha a apurar-se em liquidação posterior, conforme o alegado nos artigos 604º a 610º;

(2) ao 2º A. marido, a quantia de € 125 000,00 e ainda o que venha a apurar-se em liquidação posterior, conforme o alegado nos artigos 619º a 625º;

(3) à 2ª A. mulher, a quantia de € 100 000,00,tudo acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral e efectivo pagamento e ainda as custas e demais encargos.


Em síntese, alegaram o seguinte:

Durante o mês de … de 2013 verificou-se uma sequência de reportagens na revista JJ redigidas pelo 1º réu que visaram pôr em causa o bom nome, honra e consideração de todos os AA, difundindo a ideia de que o KK e a Cooperativa 1ª autora vivem de subvenções públicas super abundantes. Na edição de … de … de 2014 foi publicada uma notícia que dá conta de que o 2º autor está a vender o arquivo do KK às escondidas.     Os factos noticiados não correspondem à realidade. Foi feita uma denúncia anónima à CASES - Cooperativa … para a Economia Social, que deu origem a três inquéritos judiciais, dois entretanto arquivados. Os AA BB e CC nunca utilizaram em seu proveito as vantagens económicas decorrentes da sua actividade como directores da Cooperativa AA, nem fizeram seus quaisquer bens ou dinheiro que à Cooperativa pertencesse, assim como o autor BB não está a tentar vender em segredo o espólio da cooperativa AA. A revista JJ é tida como de referência, cujas notícias são normalmente reputadas de verdadeiras; porém o 1º réu não comprovou se o teor dos seus escritos correspondia à verdade, embora tenha executado um simulacro de prévia audição, quando a primeira das reportagens já estava pronta a ser publicada.

As reportagens foram publicadas no mês das eleições das autarquias locais, e os 2ºs AA eram conhecidos como apoiantes do Dr. LL, e o 1º réu induziu o leitor na ligação entre o Festival e o dito candidato.

O 2º réu era director da revista nas datas em que as reportagens foram publicadas e não se opôs à respectiva publicação, e os 3º e 4º RR eram subdirectores da revista e também terão tido conhecimento prévio do seu teor e consentido na sua publicação.

A repercussão das reportagens foi enorme nos diversos meios de comunicação social, incluindo rádio e televisão, o que todos os RR sabiam que iria suceder.

Em consequência, os agentes culturais que se relacionavam com os AA passaram a encarar os contactos com estes com desconfianças e evasivas.

Aquando da publicação das notícias em causa, a edição do KK de 2014 estava em vias de ser anunciada, sendo que no dia … de Setembro as negociações com um patrocinador foram abruptamente interrompidas através de uma mensagem de correio electrónico, tendo sido recusadas abordagens feitas a outras entidades.

Diminuíram as receitas de patrocínios privados, o mesmo se passando com os subsídios públicos, como também diminuiu o número de espectadores, o número de filmes exibidos, o que foi notado pelos frequentadores fiéis.

A imagem negativa criada fez mergulhar a 1ª autora numa profunda crise, e a reputação de que gozava nunca será inteiramente recuperada.

Os 2º e 3ª AA são os principais obreiros do KK, com actividade profissional intensa, longa e diversificada; porém, passaram a ser reputados pela opinião pública como autores dos factos constantes das peças publicadas, o que veio destruir a sua boa imagem, fechando-se-lhes o seu mundo de trabalho, para além de lhes causar acentuada e prolongada tristeza, constrangimento e desmoralização.

A 1ª autora teve uma perda de receita anual de € 186.000,00 a título de patrocínios privados, bem como perdas de receita e bilheteira, que se manterá enquanto a imagem dos AA não estiver limpa, verificando-se uma perda patrimonial de € 75.000,00, sendo adequado para ressarcimento dos danos não patrimoniais relacionados com a imagem e reputação do festival a quantia de € 100 000,00.

A cada um dos AA marido e mulher é devida a quantia de € 100.000,00 para ressarcimento de danos não patrimoniais e a quantia de € 25.000,00 para o autor marido a título de perda patrimonial, perdas que subsistirão enquanto a imagem do autor não estiver reparada;

A 5ª ré é solidariamente responsável pelo pagamento das indemnizações nos termos do artº 29º nº 2 da Lei de Imprensa.


Os réus apresentaram contestação, deduzindo novo articulado aperfeiçoado (fls. 842 a 883) em que suscitaram as excepções de falta de capacidade judiciária da 1ª autora e falta de constituição de mandatário, a incompetência territorial do tribunal e a ineptidão da petição inicial.

Para além de aceitarem o conteúdo das peças jornalísticas publicadas, impugnaram os factos alegados referindo, em síntese, que não aceitam as conclusões que delas retiram os autores, refutando, designadamente, a necessidade de autorização dos visados para a publicação de fotografias do 2º e 3ª AA uma vez que ambos são figuras públicas.

O sigilo da fonte dá ao … a possibilidade de construir relações com fontes dispostas a realizar denúncias, não tendo os RR que provar a “verdade” dos materiais que publicaram.

Todas as peças relataram factos suficientemente comprovados pelo correcto exercício da profissão de …, havendo interesse público na sua divulgação.

Os AA foram objecto de uma inspecção tributária, e pelo menos a autora não impugnou os actos de liquidação adicional de IVA, encontrando-se provados todos os factos relatados no parecer da inspecção tributária.

Foi aberto contra os AA um inquérito penal no âmbito do qual os factos relatados pela JJ foram qualificados como crime de fraude fiscal.

Os RR actuaram no exercício da liberdade de informar sem se excederem os limites do equilíbrio dos direitos fundamentais, concluindo-se pela inexistência de culpa e pela ocorrência de justificação dos factos.

O interesse do 1º réu foi despertado por uma notícia no jornal “MM”, a partir da qual passou a investigar o que se passava com o festival de cinema e os AA, a quem concedeu um prazo superior a 24 horas para exercício do contraditório.

Impugnam os alegados prejuízos sofridos pelos AA, sendo que relativamente à Cooperativa a sua falta de receitas é anterior às reportagens, tanto que motivou um processo de despedimento colectivo.

Pugnam pela procedência das excepções deduzidas e, em qualquer circunstância, pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.


Os autores apresentaram requerimento em que se pronunciaram sobre as excepções deduzidas pugnando pela sua improcedência.


Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Tribunal (Juízo Central Cível da Comarca …) e remeteu os presentes autos para a Comarca de … (fls. 985 a 989).


Em 30 de Maio de 2018 foi proferida sentença (fls. 1184 a 1226) que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus dos pedidos.


Os autores recorrem e a Relação, por acórdão de 09.04.2019, decidiu nos seguintes termos:

a) alterar a matéria de facto relativamente aos pontos 18., 78. e 120. dos factos provados;

b) revogar a decisão recorrida e condenar solidariamente os réus/recorridos DD, EE e HH, SA a pagar:

(i) à autora AA, CRL, a quantia de € 50 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela suportados;

(ii) ao autor BB, a quantia de € 55 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele suportados;

(iii) à autora CC, a quantia de € 45 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela suportados,

sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.


Não se conformando com tal decisão, dela recorreram os réus DD, EE e HH, S. A, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) O acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, por remissão da norma do artigo 666.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, por nele se verificar a oposição entre os fundamentos e a decisão, vício que assenta em desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos de Direito inculcarem um sentido decisório diverso e oposto ao proferido quanto ao julgamento da impugnação da matéria de facto.

B) Está ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos37.º e 38.º da C.R.P., a norma aplicada pelo TRL no acórdão recorrido, e que resulta da conjugação dos artigos 484.º e 483.º n.º 1 do C.C. e 14.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) do Estatuto do Jornalista, quando interpretados no sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de negligência ou culpa abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva e seus dirigentes, por violação dos artigos 37.º e 38.º da C.R.P.

C) O TRL, no acórdão recorrido, ao ter considerado que a "diligência devida" que não foi usada pelo jornalista autor das peças jornalísticas analisadas nos autos, e que configura a "negligência" determinante da condenação, resulta de os factos provados não admit(ir)em, em termos de razoabilidade, a conclusão de que os recorrentes imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa observância das legis artispróprias da actividade jornalística, coloca em causa, de forma estrutural, a liberdade de expressão, de informação e de imprensa, consagradas nos artigos 37.º e 38.º da C.R.P. e no artigo 10.º da C.E.D.H, dada a centralidade da liberdade de expressão e de informação em matérias de relevo público numa sociedade democrática como a portuguesa.

D) Tal ofensa aos preceitos constitucionais em causa, resulta reforçada pelo facto de estar também em causa nos autos o direito ao bom-nome e reputação de uma pessoa colectiva de interesse público, subsidiada por subvenções públicas, e a actuação, face a ela, dos seus dirigentes.

E) O entendimento sufragado pela decisão recorrida, no sentido de que o preenchimento da responsabilidade civil decorrente dos artigos 483.º e 484.º do C.C., se basta com a negligência do agente, no caso em que esteja em causa o direito à informação e o crédito e bom-nome de pessoa colectiva e pessoas singulares suas dirigentes, viola o disposto no artigo 37.º n.º 1 e 38.º nos 1 e 2) da C.R.P., por pôr em causa os núcleos essenciais de tais liberdades violando, deste modo, também o princípio da salvaguarda do núcleo essencial consagrado no artigo 18.º n.º 3 da C.R.P.

F) Verifica-se em concreto nos autos causas de justificação ou de exclusão da ilicitude, nas quais se inclui o exercício de um direito ou de uma liberdade.

G) A lei fundamental, a CEDH e as leis ordinárias, atribuem aos jornalistas e às empresas jornalísticas os direitos de livre expressão e de informação, ao serviço do interesse público, sobre assuntos que dizem respeito à Justiça e a “figuras públicas” ou pessoas colectivas de utilidade pública, com exposição mediática, e que recebem, gerem e gastam recursos públicos;

H) À luz do disposto no artigo 10.º da CEDH, não são ilícitas peças jornalísticas que abordam essencialmente a (má) situação financeira da uma cooperativa, detentora e organizadora de um festival internacional de cinema, procurando encontrar as suas causas, relacionando-as com as suspeitas existentes sobre a actuação dos seus dirigentes da cooperativa.

I) Face ao direito de sigilo da fonte, os jornalistas não têm que provar a “verdade” dos materiais, muito menos quando estes foram considerados pelo jornalista, autor de peças jornalísticas, como verdadeiros, sendo que por força da Lei de Imprensa, e de dispositivos constitucionais e convencionais, a actividade jornalística encontra-se especialmente protegida, pelas normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo TEDH, o órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação.

J) A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra, tem-no sim em conta enquanto restrição à liberdade de expressão, o que explica a jurisprudência que se foi tecendo e sedimentando a este propósito, protegendo por princípio da liberdade de imprensa, com justificadas e apertadas limitações exigidas pela pontual defesa do bom nome e da honra individuais.

K) A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa, abrangendo, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade, devendo as excepções constantes do nº 2 do artº 10º da CEDH ser interpretadas de modo restrito.

I) Apenas inexiste violação do artigo 10.º da CEDH, essencialmente quando as pessoas visadas não desempenhem cargos com exposição pública, ou por as ofensas serem gratuitas, desproporcionadas ou sem correspondência com o interesse geral de informação e controle.

M) Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum, devem ser mais tolerantes acríticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas.

N) Os factos provados no processo demonstram suficientemente que o recorrente, autor das peças jornalísticas analisadas, fez uma investigação séria, partindo de uma notícia divulgada noutro jornal, tendo consultado diversas entidades que apoiavam o festival, tomado conhecimento das denúncias e reunido vários depoimentos de pessoas que faziam ou tinham feito parte da Cooperativa recorrida, incluindo dos seus órgãos sociais, algumas com largos anos de ligação ao festival, pelo que lhe era inteiramente legítimo tentar compreender quais as razões que levavam a que a cooperativa visada e o seu festival, tão reputado e mobilizador, com patrocínios públicos e privados de elevada monta, tivesse chegado a uma situação de “pré-insolvência”;

O) O escrutínio da gestão de uma cooperativa como aquela recorrida nos autos, enquanto detentora do festival “KK”, beneficiando de relevantes subvenções públicas, tem óbvio interesse público e não apenas do público, por mais que os recorridos pessoas singulares se tenham sentido devassados na sua vida pessoal e profissional, para cuja confusão também contribuíram.

P) Não viola a leges artis da profissão de jornalista a recolha de informação junto de várias fontes testemunhais, e que foram, assim, necessária e devidamente cruzadas entre si pelo jornalista, face ao que o mesmo criou fortes razões para acreditar, em boa fé, nas notícias que relatou com base nos elementos avançados por tais fontes jornalísticas.

Q) Mostra-se demonstrado nos autos um esforço desenvolvido pelo jornalista com o cruzamento das respectivas fontes testemunhais, objectivamente em condições de lhe terem sido transmitidos elementos credíveis sobre a situação visada da cooperativa e a gestão da sua direcção, pelo que o cruzamento dessas fontes encontra suporte quer na matéria fixada no ponto 14. da matéria de facto dos autos, quer no seu ponto 120, e isto tendo em consideração que, para um jornalista médio, a actividade de cruzamento de fontes se pode concretizar, designadamente, pelo desenvolvimento de contactos com diversas fontes, relacionadas com o festival “KK”, estando em causa, portanto, várias fontes testemunhais, cujos depoimentos foram cruzados e analisados conjugadamente;

R) Mais do que a sua boa fé subjectiva, que se mostra provada nos autos, face às diligências empreendidas junto de várias fontes testemunhais relacionadas com o “KK”, não se pode considerar, ao contrário do promovido pelo TRL no acórdão recorrido, que estamos perante uma investigação negligente, pelo que, mesmo que se comprovasse, o que também não aconteceu, que tudo ou quase tudo o que foi relatado pelo jornalista não correspondia à verdade, não lhe era censurável essa possibilidade, havendo boa fé objectiva de sua parte.

S) O jornalista não deu como assente nas suas reportagens que os recorridos tinham cometidos as “ilegalidades” denunciadas ao ICA e à CASES, mas sim relatou e deu como “slogan” a existência de “suspeitas”, o que é coisa diversa, suspeitas que existiam efectivamente e que não eram inverosímeis, tanto que motivaram a abertura de 3 (três) inquéritos criminais.

T) Não viola a leges artis da profissão de jornalista, o envio de 42 (quarenta e duas) questões aos visados, com solicitação de resposta por escrito e no prazo de cerca de 30 (trinta) horas (tempo muito superior ao tempo de uma entrevista oral e presencial), sendo algumas dessas questões de resposta muito breve, mas todas elas directamente relacionadas com o objecto da cooperativa recorrida, há largos anos dirigida pelos visados, pessoas singulares (cooperativa essa com pessoal reduzido, fruto do anterior despedimento colectivo de que os autos dão conta), e sendo as mesmas adequadas, permitindo aos visados dar a sua versão dos factos.

U) Não viola a leges artis da profissão de jornalista o facto de, no momento em que as perguntas para contraditório dos visados são colocadas, ter o jornalista, em grande parte, a reportagem elaborada e a investigação feita, mas isso nada tem de repreensível, pois, em termos da experiência média do jornalista – e até de outras profissões ou actividades, como a da investigação criminal - só será possível colocar aquelas questões e confrontar os visados depois de se proceder exactamente à investigação.

V) Não viola a leges artis da profissão de jornalista, o facto de os visados terem expressamente respondido ao pedido de audição do jornalista, mesmo começando por censurar o tempo de resposta que lhes foi concedido, mas manifestando os visados disponibilidade para uma entrevista a fim de prestarem “a informação relevante para o público”, e mais informando o jornalista que várias das questões respeitam à sua vida privada e de outras pessoas, o que permitia concluir que a elas jamais responderiam, criticando ainda o “acinte das perguntas” e as “insinuações malévolas”, sugerindo a consulta da “abundantíssima informação publicada na comunicação social” para obter “informação a muitas das perguntas”, e considerando ser uma “afronta” que ultrapassa “nalguns casos, a fronteira da sanidade” que o maior festival de cinema do país tenha sido “construído, incrementado e gerido à margem da lei”.

W) Não viola a leges artis da profissão de jornalista, os visados pela informação, e devidamente confrontados que foram com ela pelo jornalista, por opção sua, livre, consciente e voluntária, podendo, não oferecerem uma resposta concreta a qualquer das questões colocadas, ou qualquer contributo para a investigação, nem em bom rigor reclamando tempo adicional para o fazer, optando por genericamente recusar o cometimento de ilegalidades ou proveito pessoal ilícito.

X) Age com o cuidado que lhe era exigido pelas regras da profissão, o jornalista que não ignora nem deturpa, logo na primeira das peças jornalísticas publicadas, as respostas e explicações que os visados entenderam facultar, e que, bem assim, na segunda peça, faz referência ao próprio “desmentido” que os visados fizeram circular, sob a forma e denominação de “comunicado”, por agência noticiosa – logo, por todas as redacções de jornalistas do país -, e que foi, ainda, publicado integralmente pela JJ no dia imediatamente seguinte ao da publicação da primeira peça jornalística em apreço nos autos.

Y) Pela sua índole própria, os factos relatados, mesmo a mera suspeita (suficiente para dar dado azo a três processos de inquérito criminal), não obrigavam o jornalista a adoptar um tom neutro, meramente descritivo, sendo-lhe lícito emitir juízos valorativos, uma opinião, como acabou por se fazer ao se falar em “filme de terror” ou de “série B”, e usar expressões como “tenha medo” (em clara alusão aos conteúdos exibidos pelo próprio “KK”), o que não significa que o jornalista estivesse imbuído de qualquer animosidade pessoal contra os visados ou visasse abalar campanhas e candidaturas políticas eleitorais, e muito menos estivesse conluiado com alguém neste propósito, não obstante a coincidência com o período eleitoral autárquico, e o facto de o jornalista saber, como era público, que um dos visados era apoiante de um dos candidatos.

Z) Também as expressões caricaturais usadas como “thriller …”, “Sei o que fizeste no KK passado…”, e “pesadelo no KK”, não são excessivas, revelando-se proporcionais aos factos descritos, mormente, às dúvidas sobre as reais causas do declínio financeiro da cooperativa Recorrida e à gestão empreendida pelos restantes recorridos pessoas singulares, sendo que, inclusivamente, tal declínio financeiro foi assumido pela cooperativa recorrida quando procedeu ao despedimento colectivo.

AA) Mesmo que se admita que a conjugação entre o teor dos textos, os destaques introduzidos e as imagens reproduzidas inculca a ideia de aproveitamento pessoal, pelos recorridos, pessoas singulares, da organização do festival em termos de obtenção de avultados meios económicos, e que nalgumas partes as peças passam a ideia de que o “KK” e a cooperativa recorrida vivem basicamente de subvenções públicas avultadas, trata-se de uma interpretação ou conclusão plausível dos factos apurados pelo jornalista na sua investigação, pelo que as informações recolhidas pelo jornalista autor das peças jornalísticas, no âmbito da sua pesquisa, não foram subvertidas por forma a rebaixar ou achincalhar os recorridos.

BB) A curta notícia de caixa na edição de … de … de 2013, de que o Recorrido BB se teria cruzado na rua com NN, estando este em acção de campanha, procurando afastar-se, não é ofensiva da honra e bom nome de BB (mesmo que até tivesse cumprimentado o candidato NN), pois que sendo BB apoiante declarado do candidato à mesma Câmara, LL, de quem tinha sido … na Câmara …, era compreensível que não se quisesse mostrar efusivo junto do candidato antagonista, mostrando-se assim esta breve notícia inócua ou inidónea a produzir tal ofensa.

CC) As peças jornalísticas visadas nos autos não traduzem um ataque gratuito e infundado aos recorridos, devendo concluir-se pela inexistência de violação de quaisquer normas civis, ou mesmo de natureza constitucional ou deontológica, designadamente, não podendo o comportamento dos recorrentes ser considerado como afectação desproporcional do direito à honra e bom nome dos visados, quando, no seu grosso, as peças jornalísticas relatam factos que ocorreram, ou chegaram de modo credível ao conhecimento do jornalista, autor das peças, depoimentos prestados por pessoas directamente envolvidas na cooperativa com indicação dos respectivos nomes, não se confundindo a suspeita de factos (como notícia em si mesma) com a ocorrência efectiva desses mesmos factos.

DD) Os recorrentes actuaram ainda no âmbito da liberdade de expressão e de informação e imprensa, a qual pode em determinada medida - não ultrapassada, no caso - comprimir direitos de personalidade como a honra das pessoas singulares e a boa reputação das pessoas colectivas, visadas pelas investigações jornalísticas, pelo que, não pode ser imputado ao jornalista autor das peças jornalísticas, e muito menos aos demais recorrentes, qualquer actuação ilícita (e culposa).

EE) O entendimento judicial, suportado por interpretação e aplicação da lei aos factos, contrário às conclusões supra, plasmado no acórdão recorrido, está ferido de vício de interpretação e aplicação erróneas ao caso dos autos do disposto nos artigos 10.º, n.ºs 1 e 2 da CEDH, 37.º e 38.º da CRP, 483.º, n.º 1 e 484.º, do CC, e 14.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) do Estatuto do Jornalista.


Terminam, pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e reposta a sentença da primeira instância.

Mais devendo, em consequência,

- Ser declarada a inconstitucionalidade da norma que resulta da conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 14.º, n.º 1, als. a), e) e f) do Estatuto do Jornalista, e desaplicada a mesma do caso dos autos, quando interpretada no sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de negligência ou culpa abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva e seus dirigentes, por violação do direito de liberdade de expressão e de informação e de liberdade de imprensa (artigos 37.º, 1.º e 2.º e 38.º 1.º e 2.º CRP).

- Ser integralmente revogado o acórdão do TRL recorrido, substituindo-se o mesmo por decisão que, aplicando o Direito aos factos, na interpretação e aplicação proposta e defendida na presente revista, declare, pelo menos, a juridicidade/licitude dos factos imputados aos recorrentes, absolvendo-os integralmente dos pedidos formulados nos autos pelos recorridos.


A parte contrária contra-alegou, pedindo que “ com base nos poderes conferidos pelo disposto no art. 674º, nº 3, do Código de Processo Civil, deverá ser tido como provado o facto como tal assente sob o nº120 da relação respectiva e, em seu lugar, julgado provado o alegado no artº

210º da petição, e, mesmo que assim não venha a ser entendido, sempre deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida”.


Colhidos os vistos, cumpre decidir


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


Mostram-se provados os seguintes factos:

1. A 1ª A. é uma sociedade cooperativa, do ramo das cooperativas culturais, que tem como escopo a realização de diversas actividades na área cultural, principalmente, a organização do festival de cinema designado por “KK”, a que doravante, aludiremos por “KK” ou “Festival” (art. 1º da p.i.).

2. Os 2ºs AA são membros cooperadores da 1ª A. e nela têm desempenhado cargos de direcção e em outros órgãos sociais (art. 3º da p.i.).

3. A “JJ” é uma revista publicada, semanalmente, às quintas-feiras (art. 4º da p.i.).

4. Dedica-se à informação e opinião generalista, com particular incidência das áreas política, social, cultural e de espectáculos (art. 5º da p.i.).

5. O 1º réu é jornalista de profissão (art. 6º da p.i.).

6. Colabora em permanência com a revista identificada, escrevendo artigos, notícias e reportagens que nela são publicados (art. 7º da p.i.).

7. Sendo anunciado na ficha técnica das edições adiante mencionadas sob a categoria genérica de “Redactores Principais e Grandes Repórteres” (art. 8º da p.i.).

8. Em … de 2013, o 3º réu, EE, era director, e a 3ª e 4º réus subdirectores da mesma revista (art. 9º da p.i.).

9. A 5ª ré é a empresa proprietária da “JJ” (art. 10º da p.i.).

10. Ao longo de todo o mês de Setembro de 2013, verificou-se uma sequência articulada de reportagens, artigos e notícias, peças redigidas pelo 1º réu assinadas pelo mesmo sob o nome reduzido “DD” ou as iniciais “MC”, relativas aos AA e ao festival KK (arts. 11º, 13º, e 14º, da p.i.).

11. E foi também seu o trabalho de recolha de elementos e toda a preparação das mesmas (art. 15º da p.i.).

12. O interesse do 1º réu DD em investigar o assunto vertido nas peças de … de 2013 foi despertado por uma notícia do jornal "MM", datada de … de … de 2013, assinada pela jornalista OO, junta à contestação como doc. N.º 7, a fls. 898 e 899, e que se dá por reproduzida (art. 125º da contestação).

13. Nesse artigo do "MM", dá-se conta de que a Cooperativa autora iniciou um processo de despedimento colectivo, e que o BB referiu “Pode ser umpré-fim do KK mas fizemos isto para evitar o pior, «uma insolvência»” (art. 126º da contestação).

14. O 1º réu decidiu começar a investigar o que se passaria com o referido festival de cinema e os aqui AA e para tal efeito contactou com diversas fontes, relacionadas com o festival, com vista a tentar perceber o que estaria na origem da situação financeira da cooperativa AA (arts. 127º e 128º da contestação).

15. Na sequência de interpelação do 1º réu DD, o ICA - Instituto do Cinema e Audiovisual, IP, em 16 de Julho de 2013, remeteu ao réu um email, junto à contestação como doc. n.º 8, a fls. 901, e que se dá por reproduzido, onde se pode ler: "Efectivamente este Instituto recebeu no passado dia 7 de Maio de 2013, através de email uma denúncia anónima, na qual são alegadas eventuais ilegalidades, relativas ao funcionamento e à organização do KK - Festival Internacional de …." (art. 131º da contestação).

16. A Câmara Municipal …, em 5 de Junho de 2013, informou o 1º réu dos valores de subvenção que entregou à cooperativa autora, entre os anos de 1991 e 2013, nos termos do doc. n.º 9 junto à contestação, a fls. 902 e 903 e que se dá por reproduzido (art. 133º da contestação).

17. O ICA, em 24 de Julho de 2013, informou o 1º réu quanto aos montantes dos apoios financeiros por si entregues àquela cooperativa entre 1997 e 2013, nos termos constante do doc. n.º 10 junto à contestação a fls. 904 e 905 dos autos e que se dá por reproduzido (art. 134º da contestação).

18[1]. O currículo do autor era, à época das reportagens JJ e anteriormente, noticiado nos termos constantes dos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação, a fls. 891 a 894, onde se menciona a frequência dos cursos de … e de … na Universidade …, de … da New York …, de Comunicação Social da Escola de Jornalismo do IJDL e de Gestão e Marketing da ESMAP, a leccionação da disciplina de … no Ensino Secundário e o desenvolvimento da actividade de jornalismo e organização de festivais (artigo 57º da contestação).”

19. No dia 1 de Setembro de 2013 (domingo) às 11 horas e 57 minutos, o 1º R. remeteu aos 2ºs AA uma mensagem de correio electrónico junta à p.i. com doc. n.ºs 18 e 19, a fls. 248 a 255, e que se dá por reproduzida, contendo um rol de quarenta e duas questões sob a justificação de um elaborando trabalho de investigação jornalística, com a menção de que a resposta teria de ser dada até às 18 horas de segunda-feira (arts. 214º da p.i. e 136º da contestação).

20. Os AA foram informados pelo 1º réu do envio desse mail, por meio de SMS, que receberam (art. 138º da contestação).

21. Na ocasião do envio da mensagem de correio electrónico, a primeira das reportagens estava em grande parte elaborada e com trabalho de investigação feito (art. 220º da p.i. em parte).

22. Os AA responderam ao questionário nos termos da mensagem de correio electrónico remetida em 02/09/2013, junta à p.i como doc. n.º 20, a fls. 256 a 258, e cujo teor se dá por reproduzido (art. 224º da p.i. – confessado em audiência pelo 1º réu).

23. O 1º réu não aceitou a sugestão dos autores no sentido de prestarem os esclarecimentos em entrevista nos termos em que os mesmos o pretendiam (art. 225º da p.i. – confessado em audiência pelo 1º réu).

24. A entrevista implicaria adiar, ainda que por pouco tempo, a publicação da 1ª reportagem (art. 226º da p.i.).

25. A JJ tinha a edição fechada desde a noite do dia 3, terça-feira, dia de fecho da edição, e as quartas-feiras são aproveitadas, por norma, para antecipar e destacar no site algumas matérias que terão relevo na edição do dia seguinte (arts. 143º e 144º da contestação).

26. Na Edição n.º 1070, de … de … de 2013, junta parcialmente em cópia à p.i. como doc. n.º 2, a fls. 108 a 117, e que se dá por inteiramente reproduzida, foi publicada uma reportagem sob o título “KK O ‘THRILLER’ …” (arts. 20º e 21º da p.i.).

27. A peça teve chamada de atenção no topo da capa da revista JJ, sob o título, em maiúsculas e caracteres espessos, “KK ESCÂNDALO FINANCEIRO” (com a primeira palavra em vermelho vivo) e com a menção “BB e CC suspeitos de alegadas ilegalidades no KK e na cooperativa AA” (art. 22º da p.i.).

28. À esquerda deste título surge a fotografia nítida do A. BB, conforme fls. 108 (art. 23º da p.i.).

29. Na página 3, que contém o índice dos conteúdos, é-lhe ainda dado destaque com o título «O “thriller” … do KK”» (art. 24º da p.i.).

30. A peça ocupa a totalidade das páginas 30 a 36 da edição identificada (art. 25º da p.i.).

31. A página 30 é ocupada pela reprodução modificada do cartaz de propaganda da edição de 2013 do Festival (art. 26º da p.i.).

32. O cartaz tem em fundo uma paisagem urbana, a meio da página, no sentido longitudinal, e a ocupá-la na quase totalidade da sua altura, o desenho de uma perna feminina, com o pé calçado de sapato de salto alto vermelho (art. 27º da p.i.).

33. Nessa página, o cartaz é reproduzido com as seguintes alterações: são retirados os caracteres do anúncio do festival; são apostas nos cantos inferiores fotografias dos 2ºs AA, no esquerdo, a do A. BB, a mesma reproduzida na capa, ampliada, com um charuto parcialmente fumado preso entre os lábios, no direito, a da A. CC, envergando roupa preta; e é acrescentada a imagem de uma jóia ao redor do artelho da perna desenhada (art. 28º da p.i.).

34.Como o subtítulo, na mesma página, afirma: “O Instituto do Cinema e Audiovisual remeteu para as Finanças e a Inspecção-Geral das Actividades Culturais uma denúncia de supostas ilegalidades relacionadas com o KK e a cooperativa AA. A JJ seguiu o rasto das suspeitas. Descobriu uma realidade paralela, onde o certame de maior prestígio internacional se assemelha a um filme de série B, com guião de BB e CC.” (art. 30º da p.i.).

35. Na peça, invocando o depoimento de PP, relata-se, da noite de … de … de 2000, aquando do encerramento da edição desse ano do Festival, no Coliseu …: “«Quando as portas se abriram, já estávamos a ganhar dinheiro», recorda PP.” “Os apoios financeiros vieram de marcas de cerveja, automóveis e telemóveis, «mas também do Metro …, que ainda nem andava, e até de uma empresa de papel higiénico, que entregou cerca de dois mil euros, 400 contos na altura. Um sucesso!». A bilheteira foi dividida entre um empresário da noite e o KK. «Aquilo deu uns 150 mil euros de lucro, no mínimo. E sim, é verdade que, depois, fui levar o dinheiro, em sacos plásticos, a casa do BB.» (…)”, “«Fui membro do conselho fiscal e uma vez o relatório e contas foi aprovado sem eu o ter visto. … Na prática, aquilo sempre foi uma holding do BB e da CC. A cara do festival é ele, mas ela sempre se comportou como o Iznogoud, a personagem da BD, que quer ser califa no lugar do califa», assegura PP. «O KK sempre deu dinheiro para tudo e mais alguma coisa. É o quintal deles»” (art. 32º da p.i.).

36. “Iznogoud” é uma figura de banda desenhada tida como repelente, feia e má, também apodada, num dos livros da série, como “Iznogoud, o infame”, o que é do conhecimento generalizado do público interessado em cinema e em banda desenhada (arts. 76º, 78º, e 79º, da p.i.).

37. Aludindo ao cargo de vereador em que o A. BB estava, à época, investido no executivo do Município de …, refere o autor da notícia que “nunca se habituou a separar as águas” e acrescenta: “em 2009, por exemplo, ter-se-á deslocado a …, no carro da autarquia, para participar na apresentação do KK …, no Instituto …, como «director do festival»” (art. 33º da p.i.).

38. A propósito de despedimento colectivo que a cooperativa empreendeu, no qual foi integrada a trabalhadora QQ, irmã da A. CC, é escrito: “viu ser-lhe recusado o subsídio de desemprego pela Segurança Social por manter funções nos órgãos estatutários da cooperativa e terá sido reintegrada” (art. 34º da p.i.).

39. Com referência ao filho dos 2ºs AA, RR, sócio da sociedade SS, Lda, é dito que “A SS, que RR fundou, ocupa as instalações da cooperativa, sem encargos”. (art. 35º da p.i.).

40. Aludindo a uma assembleia geral da cooperativa de … de Março sem que se explicite o ano diz: “A acta dessa reunião poderá, porém, estar ferida de ilegalidade, segundo alguns dos presentes: «Nem todos os que participaram a assinaram e nem todos os que a assinaram lá estiveram», alegam.” (art. 36º da p.i.).

41. E também se pode ler na página 31, 3ª coluna, e na pág. 32, 1ª coluna: “Em Maio, entretanto, já outro thriller corria no Instituto do Cinema e Audiovisual. Nesse mês, o ICA recebeu uma denúncia anónima, na qual eram reportadas “eventuais ilegalidades relativas ao funcionamento e organização do KK”, confirmou o Instituto à JJ. No documento, o KK é dado como suspeito de fugir ao IVA, nas vendas de produtos (livros e DVD), dos bilhetes bónus e dos cartões de participante, dos quais não emitirá facturas. É ainda acusado de falsificar o número de espectadores com recurso a centenas de bilhetes a custo zero, para fazer número, em prejuízo de outros festivais concorrentes aos apoios do Instituto. As sessões da manhã, alega-se, são creditadas com lotação esgotada quando terão, no máximo, 15 espectadores. É ainda feita referência à duplicação de facturas enviadas para os organismos públicos que apoiam o festival e as contas bancárias paralelas «onde é depositado o dinheiro vivo». A denúncia remetida ao ICA engloba supostas irregularidades nas actas das assembleias-gerais e referências à utilização de verbas e património da cooperativa em benefício particular do «casal …» e do filho RR.” (art. 37º da p.i.).

42. Numa alusão a benefícios pessoais dos 2ºs A.A. à custa do KK, pode ler-se: “Enquanto o KK se institucionaliza, o casal muda de vida. Casas tem quatro (...) A mais recente, um T4 com terraço virado para o mar, é em … . Há também uma outra em …, com piscina. O apartamento na marina de …, onde BB e CC chegaram a ter TT por vizinho, foi vendido há anos” (art. 38º da p.i.).

43. Pode ler-se: “Segundo antigos e actuais membros da AA, o parque automóvel alegadamente pago pela cooperativa – no qual se incluem um Mitsubishi Pajero, um Toyota Aygo e um Nissan, todos com alguns anos – é usado quase em exclusividade por BB, CC e o filho JRR” (art. 39º da p.i.).

44. “As mesmas fontes asseguram que o dinheiro da AA também serviu para pagar o livro …, de BB, com prefácio do presidente da Câmara …, e empréstimos e obras nas residências do clã, além das despesas de água, luz e telefones.” (art. 40º da p.i.).

45. Com chamada de atenção, em destaque e caracteres vermelhos na coluna anterior da pág. 33 pode ler-se: “Segundo fontes da AA, na contabilidade da cooperativa aparecem facturas de duas agências de detectives.” (art. 41º da p.i.).

46. Na mesma peça pode ler-se: “Ao longo dos anos, e fora dos períodos mais atarefados do KK, BB, CC e, por vezes, o filho e a nora viajaram a expensas da AA. A cooperativa pagou ao casal, entre outras, deslocações e estadas em …, … e até um cruzeiro … e …, a rondar os 1700 euros, sem aparente relação com a actividade do festival.” (art. 42º da p.i.).

47. Aludindo a viagens a …, aquando do respectivo Festival …, “O grosso da equipa partilhava apartamentos ou águas-furtadas de meter medo ao susto longe do bulício reluzente do certame, mas nem por isso a preços módicos. BB e CC, porém, tinham os seus privilégios: na quinzena mais importante do cinema europeu, nunca prescindiam de um quarto com varanda, no glamoroso Hotel .., virado para a marina e os iates das estrelas”. “A diária do …, no período do festival, não é para todos: oscila entre 440 e 550 euros”. “Nesses dias, e segundo testemunhos de vários membros da comitiva, BB e CC assistiam a poucos filmes, mas iam às recepções. Viam e eram vistos. No resto do tempo, BB dava corda ao cartão de crédito da cooperativa em jantares, compras e visitas ao mercado de antiguidades”. (art. 43º da p.i.).

48. Pode ler-se: “O cartão de crédito atribuído a BB sempre fez furor. E deixou em sobressaltos secretárias da AA, na hora de tentar justificar despesas (…) Daí nasceram as “duas cavernas de Ali Babá”, a forma como os funcionários designavam, por graça, os escritórios atulhados de milhares de DVD, blueray’s cassetes, CD e livros, alguns comprados em duplicado e triplicado, dos quais só BB tem a chave. «Por vezes, nem ele disfarçava o embaraço. Chegavam tantas caixas da Amazon por dia que nem o conseguíamos ver sentado à secretária», relata quem viveu a AA por dentro.” “(…) «Onde estão as dezenas de serigrafias de … que o BB comprou num cruzeiro?», perguntam, a título de exemplo, antigos funcionários, que sempre se habituaram a ver obras de arte, equipamentos informáticos, de áudio e som, DVD e livros pagos pela cooperativa passarem para a residência do casal, na Rua …, mesmo defronte das instalações da AA.” “Ex-funcionários recordam com saudade os tempos em que BB comprava portáteis para todos” (art. 44º da p.i.).

49. No fim da página 35 e início da imediata, após fazer referência a que, numa festa de aniversário dos cinquenta anos do A. BB que decorreu no Grande Hotel …, este teria sido “desafiado a vestir uma Tshirt com os dizeres I’ m a lesbian in a man´s body” e da passada militância em organizações maoistas, pode ler-se “confusões ideológicas e de género à parte, a factura do jantar, 2 900 euros, foi paga pela AA” (arts. 45º e 82º da p.i.).

50. A propósito do Festival KK de 2014, escreve-se: “O certame, que já teve orçamentos de 3 milhões de euros em tempos de bonança, não vai contar, na próxima edição com mais de 250 mil euros”, afirmação, na parte relativa ao valor do orçamento, reproduzida em destaque, a vermelho, na mesma página (art. 46º da p.i.).

51. Em caixa, na página 31, 2ª coluna, sob o título, também em destaque, “Quanto recebeu o KK?”, escreve o 1º Réu: “As contas são por baixo, não havendo documentação disponível nas diversas entidades em relação a todas as edições do festival (33, até ao momento). Ainda assim, eis o que foi possível apurar pela JJ relativamente a apoios públicos ao certame: ICA - € 2 209 885,40 (entre 1997 e 2013); Câmara … - € 1 033 267,45 (entre 1991 e 2013)” (art. 47º da p.i.).

52. Também em “caixa”, na página 34, 2ª coluna, sob o título “BB O ‘Relvas’ …?”, em letras destacadas e caracteres espessos, escreve o 1º Réu: “«Tem o curso de … da New York Film School, de Comunicação Social da Escola de Jornalismo da UDL e de Gestão e Marketing da ESMAP» Até há pouco tempo, assim começava o currículo oficial de BB. Mas, se hoje acedermos à página oficial do Município …, damos pela falta destes canudos” (art. 48º da p.i.).

53. Na edição n.º 1071 da revista JJ, de … de … de 2013, junta parcialmente em cópia à p.i., como doc. nº 3, a fls. 130 a 135, e que se dá por reproduzida, nas respectivas páginas 44 a 47, foi publicada uma peça sob o título “Sei o que fizeste no KK passado …” (arts. 49º e 50º da p.i.).

54. Na página 10, ocupando parcialmente duas colunas, é reavivada a reportagem da edição antecedente, através da publicação de um comentário de leitor e a reposição, lateralmente invertida, da fotografia do A. BB acima mencionada (art. 51º da p.i.).

55. Lê-se na peça na pág. 44 da revista: “Haverá sangue. Em circunstâncias normais este, seria o início de um artigo sobre mais uma edição do KK. Mas o Festival ameaça tornar-se agora o filme de terror da cooperativa AA, tendo o casal CC e BB como protagonistas. Depois das Finanças e da Inspecção Geral das Actividades Culturais, também o Ministério Público (MP) vai investigar as alegadas irregularidades e ilegalidades alegadamente cometidas no KK e na AA. A CASES (Cooperativa … para a Economia Social) entidade que fiscaliza o funcionamento do sector cooperativo, recebeu uma outra denúncia anónima na qual, ao que apurámos, são repetidas várias das suspeitas também chegadas ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), noticiadas pela JJ. A gravidade da suspeita levou igualmente a CASES a agir: no dia 29 de Agosto, remeteu à Procuradoria Distrital … o conteúdo do documento.” (art. 52º da p.i.).

56. Pode ler-se ainda: “Fuga ao fisco, contabilidade paralela, dupla facturação, falsificação do número de espectadores do KK e de documentos, apropriação dos bens da cooperativa para fins pessoais são algumas das suspeitas que pendem sobre a direcção de CC e BB. Neste momento, a cooperativa que organiza o Festival Internacional de … é visada em três inquéritos – um dos quais judicial – arriscando-se mesmo a perder, no próximo ano, o estatuto legal que lhe permite ter acesso a benefícios fiscais” (art. 53º da p.i.).

57. Os 2ºs AA, enquanto responsáveis pelo "KK", emitiram um comunicado relativo à peça de … de … de 2013, publicado em … de … de 2013, no dia em que os mesmos o tornaram público, no site da "JJ", conforme doc. nº 1 junto à contestação a fls. 884 a 890 e que se dá por integralmente reproduzido (arts. 52º e 53º da contestação).

58. Invocando o comunicado dos AA divulgado no dia … na versão on line da revista JJ, o autor da notícia, escreve: “Talvez estejam explicadas as transferências bancárias autorizadas já este ano por BB das contas do Banco UU para a conta de VV, nas quais se inclui o pagamento da taxa social única da SS em Março, de acordo com os documentos a que tivemos acesso” (art. 54º da p.i.).

59. Reitera também a notícia de que a irmã da A. CC tinha visto ser-lhe recusado o subsídio de desemprego e fora reintegrada, juntando a cópia de uma carta dirigida à interessada (art. 55º da p.i.).

60. Pode ler-se na peça: “Existem vários recibos de hotéis e deslocações pagos pela AA ao casal …, sem que tal aparente relacionar-se com a actividade da cooperativa ou do KK. É o caso de um fim-de-semana em …, no valor de 489 euros, em finais de Janeiro de 2011.” (art. 56º da p.i.).

61. Pode ler-se na peça: “XX, ex-funcionária da AA, incluída no despedimento colectivo ocorrido em Março, assumiu igualmente que «a generalidade do artigo da JJ, naquilo que é do meu conhecimento corresponde à verdade». (art. 57º da p.i.).

62. Pode ainda ler-se na peça: “Por fim, PP, antigo colaborador do KK e envolvido na organização do primeiro Baile … considera que a reacção de CC e BB só pode dever-se a «um problema de memória ou de abstracção da realidade, ou até mesmo de capacidade de gestão ou de interesse sobre o futuro do festival». Sem querer perder tempo «com minudências folclóricas que qualquer futuro e prometido escrutínio trará», PP questiona: «Como é que o KK chegou a esta situação e onde estão os recursos que foram gerados em décadas de existência? E, no que me diz respeito directo, como é possível que um evento que gerava anualmente quase 250 mil euros de apoios privados (apenas patrocínios e publicidade) cerca de dez anos depois está nesta situação e os perdeu todos?»” (art. 58º da p.i.).

63. Na edição n.º 1072 da revista JJ, de … de … de 2013, junta parcialmente em cópia à p.i., como doc. nº 4, a fls. 136 a 138, e que se dá por reproduzida, ocupando dois terços da página 16 da revista, foi publicada uma notícia com o título “Pesadelo no KK III”, na qual são recuperadas, em termos genéricos os temas das edições anteriores (art. 59º e 60º da p.i.).

64. Na edição n.º 1073, de … de … de 2013, incluindo o suplemento “…&…”, juntas parcialmente em cópia à p.i., como docs. N.º 5 e 6, e que se dão por integralmente reproduzidos pode ler-se na pág. 14 da revista, coluna da esquerda, em “caixa”, uma notícia, curta, mas em destaque, já que surge imediatamente após duas outras que versam o candidato à presidência da Câmara Municipal …, LL, sendo ilustrada com uma fotografia do A. BB e encimada por destacado título com o teor “Pesadelo em …” (arts. 61º e 62º da p.i.).

65. É o seguinte o respectivo teor: “Estava NN a desfilar, de galeria em galeria, cumprimentando quem se juntou, no sábado, 21, para o dia das inaugurações na Rua …, …, quando passou um distinto apoiante de LL: BB. Não parou para cumprimentar ninguém. E assim desapareceu como um KK …. … .” (art. 63º da p.i.).

66. A página 30 do suplemento contém o jogo de palavras cruzadas (art. 64º da p.i.).

67. A chave para a primeira palavra na horizontal, com 11 letras, a ocupar toda a largura do rectângulo do jogo, é “Suspeitas de escândalo financeiro no (…), BB e a mulher, CC, são suspeitos de alegadas irregularidades” (art. 65º da p.i.).

68. A resposta certa é: “KK” (art. 66º da p.i.).

69. A expressão “filme de série B” designa os maus filmes, normalmente de orçamento baixo (art. 70º da p.i.).

70. Nenhum dos A.A. deu o seu assentimento para a publicação das suas fotografias no enquadramento em que o foram e com as composições descritas (art. 86º da p.i.).

71. Na edição n.º 1134 da revista JJ, de … de … de 2014, na página 22, é publicada uma notícia sob o título “BB vende arquivo do KK às escondidas?”, junta em cópia à p.i. como doc. nº 9, a fls. 146, e que se dá por integralmente reproduzida (art. 88º da p.i.).

72. O texto noticia que o 2º A. marido está a proceder à venda de “mais de dez mil pastas contendo fotos e recortes originais de realizadores, actores, produtores, etc, uma biblioteca com milhares de livros, uma videoteca com mais de 4 mil VHS e 9 mil DVD, milhares de posters originais, sete dezenas de cópias em 16 mm e 35 mm, máquinas de projectar, merchandising, quadros, células de cinema de animação, loby cards, “enfim o cinema”, escreve-se no site Film Boutique criado para o efeito” (art. 89º da p.i.).

73. Retomando o nome de “Caverna do Ali Babá” e dizendo que assim lhe chamavam antigos e actuais trabalhadores, afirma-se que a venda é feita por BB “por coincidência tem o primeiro e último nome de BB (…) quer 750 mil euros por todo o material (… imperceptível) durante 40 anos (…)” (arts. 90º a 92º da p.i.).

74. À data da notícia de … de … de 2014, relativa à venda do espólio, nenhuma referência constava do site "Film Boutique" quanto à identificação do proprietário do espólio ali anunciado para venda, ao contrário do que resulta hoje daquele sítio electrónico (art. 62º da contestação).

75. O contacto disponibilizado naquele site para efeitos de contactos e agendamento de visita de eventuais interessados na compra daqueles bens, mostra-se identificado com referência à pessoa de "BB" (art. 63º da contestação).

76. Nome pelo qual não é publicamente conhecido o 2.º autor, embora tais nomes correspondam aos seus primeiro e último nomes (art. 64º da contestação).

77. Por entender que não está em causa uma notícia, mas uma “história de bastidores”, que não exige o contraditório, o 1º réu não ouviu os autores relativamente à peça de 27 de Novembro de 2014, sob o título “BB vende arquivo do KK às escondidas?” (arts. 240º e 241º da p.i. – resposta explicativa, parcialmente confessado em audiência pelo 1º Réu).

78[2].Em 28 de Agosto de 2013, pelas 17 horas e 45 minutos, a partir do endereço electrónico …@gmail.com, foi feita uma denúncia anónima à Cases – Cooperativa … para a Economia Social, cooperativa de interesse público, a quem incumbe tutelar as actividades do sector cooperativo, participando o que designa de “graves irregularidades, financeiras, contabilísticas e cooperativas” da 1ª autora, conforme doc. junto à p. e. a fls. 151 (arts. 97º a 99º, 101º e 103º da p.i. da p.i. – confessados parcialmente em audiência pelo 1º Réu).”

79. Por ofício dirigido à Procuradoria-Geral Distrital …, de 17 de Outubro de 2013, o ICA informa que teve conhecimento “conforme comunicado publicado recentemente na imprensa” da “abertura de um inquérito relativo às eventuais irregularidades cometidas pela organização do Festival KK”, voluntariando-se para prestar toda a colaboração (art. 112º da p.i.).

80. A denúncia anónima deu origem a três inquéritos, dois dos quais terminaram já por arquivamento, um deles com dispensa de pena (arts. 114º e 115º da p.i.).

81. O primeiro correu pela … secção do DIAP …, com o nº 12458/13.3T…, tendo integrado inspecção tributária, com despacho de arquivamento com dispensa de pena de 14 de Abril de 2015, junto em certidão à p.i. como doc. nº 11, a fls. 160 a 183, e que se dá por inteiramente reproduzido (art. 116º da p.i. – resposta explicativa).

82. Na informação da AT, elaborada na sequência da inspecção tributária, constante desse processo de inquérito, pode ler-se quanto a “contas paralelas”: “constatou-se a existência de diversas transferências bancárias entre contas do Banco UU que, no entanto, são tituladas pela Cooperativa, não advindo daqui qualquer irregularidade fiscal (ou outra, salvo melhor opinião), (…) Da análise aprofundada aos extractos bancários das contas tituladas pela cooperativa, não se detectaram movimentos financeiros que reflictam ou indiciem o propósito de descapitalização da cooperativa, havendo sempre um documento justificativo que serve de suporte às operações (…) As anomalias detectadas ao nível do registo contabilístico dos valores obtidos pela cooperativa, poderiam, não fosse o caso de esta estar isenta de IRC, ter influenciado não só o IVA como também aquele imposto (…) os responsáveis pela cooperativa optaram pela sua regularização (…) Não foram detectadas outras operações (omissas à contabilidade) que originassem a entrada de fundos na cooperativa” (art. 118º da p.i.).

83. E pode ainda ler-se: “A cooperativa “AA” possui apenas um veículo automóvel com a matrícula …-…-ZO, de 18/02/05. Esta informação é consentânea com os elementos contabilísticos da cooperativa, nomeadamente com o registado no seu activo tangível. Nos anos em análise não foram registadas na contabilidade, gastos com o pagamento de leasing ou aluguer de viaturas automóveis” (art. 119º da p.i.).

84. Pode ler-se também: “RR, filho de CC e de BB foi gerente da sociedade “SS, Limitada” entre 23/8/2007 e 10/05/2013, com sede na Rua …, nº …, …, situação que se verifica desde a sua constituição. Não foram encontrados elementos contabilísticos ou extra contabilísticos que indiciassem que as instalações, propriedade da cooperativa “AA” ou a esta arrendadas, tenham sido objecto de cedência a título gratuito ou a qualquer outro, fosse à SS ou a qualquer outra entidade.” (art. 120º da p.i.).

85. Pode ler-se ainda: “Da análise efectuada, quer aos elementos contabilísticos da cooperativa quer aos movimentos das contas bancárias, não foi encontrado qualquer montante a título de obras de construção civil” (art. 121º da p.i.).

86. No despacho final de 14/04/2015, proferido no processo nº 12458/13.3T…, pode ler-se, em citação do relatório da AT, conforme fls. 168 a 177 dos autos, o seguinte: “Relativamente à venda de bilhetes, a mesma era efectuada por um sistema de …, propriedade do “teatro … e controlada pelo “ICA – Instituto de Cinema e Audiovisual”. O seu registo contabilístico era feito através da comunicação do “AA” ao contabilista. Esta comunicação veio a revelar-se falível, uma vez que nem todos os registos provenientes da venda de bilhetes foram registados na contabilidade; o mesmo acontecendo com os cartões de participante (…) afectando o IVA a entregar ao Estado, e alguns destes pagamentos foram transferidos directamente para a conta (…) de CC num valor de €1.260,00 em 2011 e €1.550,00 em 2012. Esta situação foi corrigida em Setembro de 2013 (antes do início da acção inspectiva) data em que CC emitiu cheque à “AA”, permitindo registo contabilístico das prestações de serviços e entrega de declarações de substituição do IVA (…) Não foram detectados movimentos que indiciassem a intenção de descapitalização da cooperativa (…) No entanto foram detectadas incongruências entre os fluxos de entrada na conta e os registos contabilísticos dos rendimentos da cooperativa (…) não foi considerada a totalidade dos rendimentos obtidos pelo “KK” de 2010, 2011 e 2012 (…); o contribuinte BB, na qualidade de director do “KK”, tinha na sua posse e utilizava (…) um cartão de crédito (…) titulado pela cooperativa (…) constatamos não ser possível identificar e associar ao respectivo objecto social da cooperativa, diversos gastos (…) embora não identifiquemos peremptoriamente aquelas despesas como de carácter pessoal (…) parte das quais se referem a viagens, designadamente nos meses de Fevereiro e Julho de 2010 e Janeiro, Março e Maio de 2011 (…) conclui-se assim, que apesar da cooperativa possuir um inventário dos seus de bens, este não comporta a sua totalidade, encontrando-se desactualizado e/ou incompleto (…) nos anos de 2010, 2011 e 2012 foram pagos a esta contribuinte [a Autora CC], montantes superiores aos declarados (…) constatámos que também foram pagos a outros funcionários (…), com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, montantes superiores aos por estes declarados nas suas declarações fiscais (…)” (art. 87º da contestação).

87. A A. AA não impugnou os actos de liquidação adicional de IVA decorrentes das correcções efectuadas, na sequência da inspecção realizada (art. 92º da contestação).

88. Nesse inquérito nº 12458/13.3T…, o Ministério Público concluiu no despacho final (cfr. documento n.º 11 junto à p.i., a fls. 180):

“A Cooperativa “AA” ao ocultar à Administração Fiscal, valores que deveriam ter sido incluídos nas declarações periódicas de IVA dos períodos de 2010/03, 2011/03, 2011/11, 2011/12, 2012/03, 2012/10, 2012/11 e 2012/12

E,

Os arguidos BB e CC ao ocultarem à Administração Fiscal, valores que deveriam ter sido incluídos nas declarações de IRS dos anos 2010, 2011 e 2012, praticaram o crime de fraude fiscal, do art. 103.º, n.º 1 a) do RGIT.” (art. 100º da contestação).

89. Entendeu-se no despacho que “só relativamente ao IRS dos anos de 2010 e 2011”, “é que se verifica a condição objectiva de punibilidade prevista no art. 103º nº 2 do RGT” (arts. 105º e 106º da contestação).

90. Consta de tal despacho que como no decurso do inquérito, os AA procederam à regularização da situação tributária em causa, pagando o montante do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais, e que a culpa assumia “um carácter não muito grave”, pelo que foi proposta a dispensa da pena (art. 108º da contestação).

91. As irregularidades detectadas aos AA entre os anos de 2010 e 2012, como “anomalias no registo contabilístico dos valores obtidos pela cooperativa”, importaram a entrega de declarações de substituição e o pagamento pela AA, CRL ao Estado de € 3 784,30, o pagamento de imposto adicional de IRS pelos 2ºs AA nos montantes de € 16 248,39, € 15 311,33, e € 2 190,35, respectivamente, para cada um dos anos daquele período e pela sua ordem cronológica (art. 178º da p.i.).

92. Trata-se de irregularidades frequentes com muitas empresas e pessoas singulares (art. 185º da p.i.).

93. Os AA sobrestiveram na impugnação, prestando voluntariamente essas quantias, com o objectivo de não inviabilizar a percepção dos subsídios do Instituto do Cinema e Audiovisual, que teriam de ser suspensos enquanto não fosse proferida decisão definitiva (arts. 188º e 189º da p.i.).

94. Outro dos inquéritos a que a denúncia anónima deu origem correu termos na mesma secção do DIAP do Porto, com o nº 635/14.4T…, cuja certidão do respectivo despacho de arquivamento de 13 de Julho de 2015, foi junta à p.i. com doc. n.º 12, a fls. 184 a 195 e se dá por integralmente reproduzida (arts. 122º e 123º da p.i.).

95. Nele pode ler-se a respeito da irmã da 2ª A. mulher: “sempre descontou pelo regime geral e quando passou a MOE teve isenção, por ser trabalhadora por conta de outrem eleito ou nomeado (...) não se indiciando também aqui qualquer ilícito” (art. 124º da p.i.).

96. O 1º réu dispôs de exemplar legível da carta inserta na segunda reportagem na pág. 44 da revista (art. 128º da p.i. em parte – confessado em audiência pelo 1º Réu).

97. Os 2ºs AA adquiriram os seguintes imóveis:

a) um escritório na Rua …, …Porto, adquirido em 1988;

b) uma casa na freguesia de …, adquirida em Junho de 1987, com recurso a crédito bancário;

c) uma casa …, adquirida em Julho de 1994, com recurso a crédito bancário;

d) uma fracção autónoma destinada a habitação na Freguesia de … em …, adquirida em Janeiro de 2008, ainda com recurso a crédito bancário, cuja amortização foi concluída no mês de Julho do ano em curso (art. 132º da p.i.).

98. Consta da informação remetida pela Câmara Municipal … ao Ministério Público, em 07/11/2013, junto à p.i., a fls. 153, e que se dá reproduzida, que entre os anos de 1997 a 2013, aquela Câmara subvencionou o KK, no valor total de € 541 977,07 (art. 136º da p.i. em parte).

99. O acesso aos subsídios públicos do ICA dependia do número de espectadores do Festival do ano anterior (art. 143º da p.i.).

100. Os 2ºs AA fizeram viagens pagas pela Cooperativa que foram de interesse para a actividade desta (art. 145º da p.i. – resposta restritiva).

101. Não só eles as fizeram, mas também sócios não integrantes dos órgãos sociais, que realizam trabalho permanente ou pontual para a cooperativa (art. 146º da p.i.).

102. A cooperativa tem um dos maiores espólios de … de Portugal, provavelmente o segundo maior (art. 153º da p.i.).

103. Dedicou-se à edição e venda de videogramas, vendas de direitos de filmes e exibição de cinema no circuito “DVD” regular, cujos direitos de distribuição em Portugal adquiria (art. 154º da p.i.).

104. A edição do livro “País …” pela 1ª autora ocorreu no âmbito de uma das actividades da cooperativa que é a edição de livros (art. 160º da p.i.).

105. Como, pela AA, foram editados livros de outros autores, designadamente, V… M…, N… V…, G… V…, A… R… ou L… A… (art. 161º da p.i.).

106. Os 2ºs AA publicaram número não apurado de livros também com edições de outras entidades (art. 163º da p.i. em parte).

107. A venda do espólio da cooperativa AA ocorreu na sequência de deliberação da Assembleia Geral da Cooperativa, em reunião de 16 de Setembro de 2014, conforme acta junta à p.i. como doc. n.º 17, a fls. 247, que se dá por reproduzida (art. 169º da p.i.).

108. Os sócios da 1ª A. decidiram que se procedesse à sua venda, com vista à angariação de receitas (arts. 171º e 172º da p.i.).

109. O que se tornou necessário pela situação económica muito difícil da 1ª autora (art. 173º da p.i. em parte).

110. A revista “JJ” é um órgão de expansão nacional e de grande difusão (art. 196º da p.i.).

111. É uma das duas revistas semanais de informação e opinião generalista de Portugal, propriedade da HH, S.A.., 5ª R. (art. 197º da p.i.).

112. Sendo, das duas, a que mais vende e a mais lida (art. 198º da p.i.).

113. A qual é também proprietária ou titular de capital de proprietárias de outros meios de comunicação, como, a título de exemplo, o semanário “ZZ” e as revistas “AAA” e “CCC” (art. 199º da p.i.).

114. Publicações tidas como “de referência” ou “classe A” (art. 200º da p.i.).

115. Cujas notícias são normalmente reputadas como verdadeiras pelos seus leitores e pelo público em geral, e cujas reportagens são normalmente consideradas sérias e feitas por profissionais competentes (arts. 201º a 204º da p.i.).

116. E também pela generalidade dos consumidores de informação que vêem títulos, excertos e desenvolvimentos noutras publicações e nas redes sociais (art. 205º da p.i.).

117. De acordo com a informação contida nas fichas técnicas de cada uma das duas primeiras edições referenciadas, a sua tiragem média foi de 104.850 e 117.980 exemplares, respectivamente, nos meses de Julho e Agosto deste ano (art. 206º da p.i.).

118. O 1º R. é jornalista, habilitado com o respectivo título profissional, actividade que exerce de forma permanente e remunerada e como ocupação principal (art. 207º da p.i.).

119. Colabora em permanência com a revista identificada, escrevendo artigos, notícias e reportagens (art. 208º da p.i.).

120[3]. Atentas as pessoas contactadas, a correspondência trocada com o Instituto do Cinema e Audiovisual e com a CASES e a informação obtida junto da Câmara Municipal … quanto aos montantes atribuídos para organização do Festival, o 1º réu considerou a generalidade dos factos relatados nas suas peças como verdadeiros (art. 80º da contestação).”

121. O 1º réu não rectificou as suas reportagens, depois de ter tomado conhecimento dos despachos de arquivamento de 16 de Abril e 15 de Julho de 2015, semanas antes da notícia respeitante aos despachos de arquivamento, publicada na segunda metade de 2015 (arts. 244º e 246º da p.i. – confessados em audiência pelo 1º réu).

122. O 1º réu sabia da enorme difusão que as suas reportagens de … de 2013 poderiam ter (art. 248º da p.i. – resposta explicativa).

123. Os 2ºs AA são pessoas conhecidas da quase totalidade da população portuguesa (art. 249º da p.i.).

124. O KK é conhecido e reputado a nível nacional, também pela generalidade da população, como o mais importante festival de cinema português e um dos mais importantes do mundo, e, internacionalmente, conhecido por todo o público cinéfilo (art. 250º da p.i.).

125. No dia 29 do mês de Setembro de 2013, iriam realizar-se as eleições para as autarquias locais (art. 252º da p.i.).

126. Findo o período de férias, o princípio do mês de Setembro marcou a fase decisiva e mediática do período eleitoral, cuja campanha se iniciou no dia 17 daquele mês (arts. 253º e 254º da p.i.).

127.A cobertura mediática dessas eleições teve o maior enfoque, a nível nacional, na campanha para a Câmara Municipal …, já que, na autarquia de … era dado como certa, como veio a confirmar-se, a eleição, por margem larga, do Dr. CCC como presidente da respectiva Câmara (arts. 255º e 256º da p.i.).

128. As atenções, a nível nacional, voltaram-se para a segunda autarquia do país, na qual, a disputa pela presidência da Câmara era de desfecho imprevisível (arts. 257º e 258º da p.i.).

129. Tendo, ainda, a opinião pública ficado suspensa e expectante pela decisão do Tribunal Constitucional sobre se um dos candidatos – o Dr. LL – poderia concorrer, uma vez que tinha exercido funções em mandatos imediatamente anteriores em igual cargo de outra autarquia (art. 259º da p.i.).

130. Decisão essa que apenas veio a ser conhecida nos primeiros dias daquele mesmo mês de Setembro (art. 260º da p.i.).

131. Os segundos autores eram conhecidos publicamente como apoiantes do Dr.º LL (art. 261º da p.i. – confessado em audiência pelo 1º Réu).

132. A sequência das quatro reportagens coincide com as quatro últimas semanas antes do dia das eleições (art. 266º da p.i.).

133. O 2º réu era o director da revista nas datas em que as reportagens e artigos em causa foram publicados (art. 271º da p.i. – confessado em audiência pelo 2º Réu).

134. Teve conhecimento prévio do seu teor (art. 272º da p.i. – confessado em audiência pelo 2º réu).

135. O 2º réu não se opôs à respectiva publicação e consentiu na mesma (art. 273º da p.i. – confessado em audiência pelo 2º Réu).

136. Os 3ª e o 4º RR eram subdirectores da revista nas mesmas datas (art. 277º da p.i.).

137. Na pág. 10 da revista de 12 de Setembro de 2013, segunda coluna, é referenciada a reportagem “KK – o “thriller” …” como a mais vista e comentada da semana (art. 283º da p.i.).

138. Até ao dia 30 de Setembro de 2013, nos mais importantes meios de comunicação foram mais de trezentas as notícias que tiveram como fonte as reportagens publicadas durante aquele mês (art. 288º da p.i.).

139. Em época de eleições autárquicas o público em geral assistiu a mais emissões de rádio e televisão e leu mais jornais e revistas do que na generalidade das ocasiões (art. 289º da p.i.).

140. No mês de Setembro de 2013, começando nas estações de televisão e rádio, elencam-se as seguintes notícias com base nas peças do 1º réu:

ZZ “on line” – (doc. nº 22 junto à p.i), do dia 4;

DDD (doc. nº 23) programa “Diário …”, do dia 5, com a duração de 1 minuto;

DDD (doc. nº 24) programa “Revista …”, do dia 5, com a duração de 25 segundos, a partir do minuto 3,13;

DDD (doc. nº 25) programa “D…. D…”, do dia 5, com a duração de 55 minutos; programa com a participação dos espectadores e convidados, em que foi classificado como “caso do dia”;

EEE Informação (doc. nº 26) programa “M.. I…”, do dia 5, com a duração de 36 segundos;

EEE 1 (doc. nº 27) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 2 minutos;

DDD (doc. nº 28) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 1,10 minutos;

FFF Notícias (doc. nº 29) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 50 segundos;

EEE Informação (doc. nº 30) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 45 segundos;

EEE Informação (doc. nº 31) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 2 minutos;

FFF Notícias (doc. nº 32) programa “Edição …”, do dia 5, com a duração de 50 segundos;

DDD (doc. nº 33) programa “Notícias …”, do dia 5, com a duração de 1,30 minutos;

FFF (doc. nº 34) programa “Jornal …” do dia 5, com a duração de 50 segundos;

FFF (doc. nº 35) programa “Cine …”, do dia 5, com a duração de 52 segundos;

FFF (doc. nº 36) programa “Edição …”, do dia 5, com a duração de 40 segundos;

FFF (doc. nº 37) programa “Cine …”, do dia 5, com a duração de 44 segundos;

FFF (doc. nº 38) programa “Edição …”, do dia 5, com a duração de 40 segundos;

DDD (doc. nº 39) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 40 segundos;

GGG (doc. nº 40) programa “Jornal …”, do dia 5, com a duração de 2,20 minutos;

GGG (doc. nº 41) programa “Jornal …”, do dia 6, com a duração de 2,50 minutos;

GGG (doc. nº 42) programa “Último …”, do dia 7, com a duração de 2,50 minutos;

GGG (doc. nº 43) programa “Último …”, do dia 7, nos destaques do início do noticiário;

GGG (doc. nº 44) programa “Último …”, do dia 6, com a duração de 2,20 minutos;

GGG (doc. nº 45) programa “Último …”, do dia 16, nos destaques de início do noticiário;

GGG (doc. nº 46) programa “Último …”, do dia 16, com a duração de 2,20 minutos;

GGG (doc. nº 47) programa “Jornal …”, do dia 16, nos destaques de início do noticiário;

GGG (doc. nº 48) programa “Jornal …”, do dia 16, em chamada para tratamento posterior;

GGG (doc. nº 49) programa “Jornal …”, do dia 16, em chamada para tratamento posterior;

GGG (doc. nº 50) programa “Jornal …”, do dia 16, com duração de 2,20 minutos;

HHH (doc. nº 51) programa “Revista …”, do dia 5, com duração de 1,53 minutos, com início ao minuto 5,30;

HHH (doc. nº 52) em noticiário, do dia 4, com duração de 1,55 minutos;

HHH (doc. nº 53) em noticiário, do dia 5, nos destaques do início;

HHH (doc. nº 54) em noticiário, do dia 5, com a duração de 1,45 minutos;

HHH (doc. nº 55) em noticiário, às 20 horas do dia 5, nos destaques do início;

HHH (doc. nº 56) em noticiário, do dia 5, nos destaques do início;

HHH (doc. nº 57) em noticiário, do dia 5, nos destaques do início;

HHH (doc. nº 58) em noticiário, do dia 5, durante 40 segundos;

HHH (doc. nº 59) em noticiário, do dia 5, durante 45 segundos;

HHH (doc. nº 60) em noticiário, do dia 5, durante 1,37 minutos;

HHH (doc. nº 61) em noticiário, do dia 5, nos destaques de início;

III (doc. nº 62) em noticiário, do dia 5, durante 26 segundos;

III (doc. nº 63) em noticiário, do dia 5, durante 1,26 minutos;

III (doc. nº 64) em noticiário, do dia 5, nos destaques de início;

III (doc. nº 65) em noticiário, do dia 16, durante 30 segundos;

III (doc. nº 66) em noticiário, do dia 16, durante 40 segundos;

JJJ (doc. nº 67) em noticiário, pelas 12 horas do dia 5, durante 30 segundos;

JJJ (doc. nº 68) em noticiário, pelas 10 horas do dia 5, durante 25 segundos;

JJJ (doc. nº 69) em noticiário, pelas 14 horas do dia 16, durante 12 segundos;

KKK (doc. nº 70) em noticiário, pelas 13 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 71) em noticiário, pelas 12 horas do dia 5, com a duração de 3,04 minutos;

KKK (doc. nº 72) em noticiário, pelas 12 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 73) em noticiário, pelas 11 horas do dia 5, com a duração de 28 segundos;

KKK (doc. nº 74) em noticiário, pelas 10 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 75) em noticiário, pelas 9,30 horas do dia 5, com a duração de 28 segundos;

KKK (doc. nº 76) em noticiário, pelas 9 horas do dia 5, com a duração de 1,40 minutos;

KKK (doc. nº 77) em noticiário, pelas 9 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 78) em noticiário, pelas 8,30 horas do dia 5, com a duração de 26 segundos;

KKK (doc. nº 79) em noticiário, pelas 8 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 80) em noticiário, pelas 7 horas do dia 5, nos destaques de início;

KKK (doc. nº 81) em noticiário, pelas 7 horas do dia 5, com a duração de 1,44 segundos. (art. 293º da p.i.).

141.Nos destaques noticiosos avultava a referência a fugas ao IVA, falsificação do número de espectadores e a existência de contas bancárias paralelas, sempre expressamente associadas ao KK e aos 2ºs AA (arts. 298º e 299º da p.i.).

142. Na imprensa escrita e digital o assunto foi tratado nos seguintes meios:

Jornal “…” (digital), dos dias 5, 6 e 19 (docs. nºs 82 a 85 juntos à p.i.);

Jornal “…”, dos dias 5, 6 e 7 (docs. nçs 86 a 88);

Jornal “…”, dos dias 5, 6, 7 e 16 (docs. nºs 89 a 94);

Jornal “…”, do dia 6 (docs. nºs 95 e 96);

Jornal “…”, do dia 6 (doc. nº 97);

Jornal “…”, regional de …, do dia 6 (doc. nº 98);

Jornal “…”, dos dias 6, 7 e 17 (docs. nºs 99 e 101);

Jornal “…”, do dia 6 (doc. nº 102);

Jornal “…” (gratuito), do dia 17 (doc. nº 103);

Jornal “…”, do dia 6 (doc. nº 104);

Jornal “…”, dos dias 6, 7 e 17 (docs. nºs 105 a 107);

Jornal “…”, do dia 6 (doc. nº 108);

Jornal “…”, do dia 8 (doc. nº 109);

Jornal “…”, do dia 17 (doc. nº 110);

Jornal “…”, do dia 19 (doc. nº 111);

“HHH Online”, dos dias 4, 5 e 16 (docs. nºs 112 a 114);

Jornal “….”, dos dias 4, 5 e 16 (docs. nºs 115 a 117);

“…” (digital) do dia 5 (doc. nº 118);

“DDD Online” dos dias 5 e 16 (docs. nºs 119 e 120);

Jornal “…”, dos dias 5, 6 e 16 (docs. nºs 121 a 127);

“FFF Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 128 a 130);

“… Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 131 a 133);

Revista “…”, dos dias 5, 6 e 16 (docs. nºs 134 a 137);

“EEE Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 138 a 141);

“III Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 142 a 144);

“Rádio … Online” (estação local …) dos dias 5 e 16 (docs. nºs 146 e 146);

“Rádio … Online” (estação local …) do dia 5 (doc. nº 147);

“Rádio … Online” (estação local …) dos dias 5 e 16 (docs. nºs 148 e 149);

“MM Online”, dos dias 5, 6 e 16 (docs. nºs 150 a 153);

“…. Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 154 e 155);

“GGG Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 156 a 158);

“… Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 159 e 160);

“… Online”, dos dias 5 e 6 (docs. nºs 161 e 162);

“…” (digital) dos dias 5, 6, 11 e 16 (docs. nºs 163 a 168);

“… Online” (digital) dos dias 5, 8 e 16 (docs. nºs 169 a 171);

“…. Online”, do dia 5 (doc. nº 172);

“… Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 173 e 174);

“… Online”, dos dias 5, 6, 9 e 16 (docs. nºs 175 a 178);

“I Online”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 179 e 180);

“…. Digital”, dos dias 5 e 16 (docs. nºs 181 e 182);

“… Online”, dos dias 5 e 6 (docs. nºs 183 a 185);

“… …”, do dia 5 (doc. nº 186);

“…”, dos dias 5, 16 e 17 (docs nºs 187 a 190);

“…! …”, dos dias 6 e 17 (docs nºs 191 e 192);

“…”, do dia 6 (doc. nº 193);

“… .net”, do dia 6 (doc. nº 194);

“… Online”, do dia 8 (doc. nº 195);

“… News Online”, do dia 12 (doc. nº 196);

“… Online”, do dia 16 (doc. nº 197);

“…. Online”, do dia 16 (doc. nº 198);

Jornal “…” (gratuito) do dia 16 (doc. nº 199);

“…” (digital) do dia 19 (doc. nº 200) (art. 301º da p.i.).

143. Os leitores das notícias e utilizadores das redes comentaram de forma negativa as notícias (art. 305º da p.i.).

144. Algumas das notícias são anteriores à primeira reportagem da “JJ” o que foi motivado pelo facto de, no dia 4 de Setembro, aquela revista ter feito uma publicação “on line” adiantado o assunto, junta em cópia à p.i. como doc. nº 220, a fls. 256, e que se dá por reproduzida (arts. 307 e 308º da p.i.).

145. A revista JJ durante aquelas quatro semanas, em edições “on line”, repetiu os temas e notícias em causa (art. 310º da p.i.).

146. O 1º réu acrescentou uma notícia relativa a uma Assembleia Geral da Cooperativa 1ª Autora para a edição papel (art. 312º da p.i. – confessado pelo 1º Réu em audiência).

147. As notícias foram glosadas em secções humorísticas de jornais (art. 313º da p.i.).

148.Em programas também humorísticos de televisão, como o programa “…”, do …, disponibilizado pelas operadoras de televisão por cabo, de 8 de Setembro de 2013, conforme a gravação junto à p.i. como doc. nº 223 e que se dá por reproduzido (arts. 314º e 315º da p.i.).

149. No filme, sem autor identificado e posto a circular na internet, intitulado “O …”, junto em gravação à p.i. como doc. nº 224, e que se dá por reproduzido, no qual os 2ºs AA são apodados de “criminosos” e integrantes da “famiglia” de LL (arts. 316º e 317º da p.i.).

150. Passado o acto eleitoral subsistiram republicações, sobretudo repetidas reproduções em redes sociais e em blogues, e também em notas de jornais, e em referência nos grandes órgãos de comunicação social (arts. 319º a 322º da p.i.).

151. Os AA foram tidos como tendo cometido os factos das notícias em causa em proveito próprio, à custa do património da Cooperativa e abusando das facilidades de acesso a meios de financiamento público e privado que lhes proporcionava a organização do KK (arts. 324º, 326º, e 548º, da p.i.).

152. Os agentes culturais e económicos que se relacionavam com os AA passaram a encarar os contactos com estes com desconfiança e evasivas (art. 327º da p.i.).

153. O que continua a verificar-se até hoje (art. 328º da p.i.).

154. A autora AA é a organizadora do KK, titular dos direitos de exploração do Festival (arts. 330º e 331º da p.i.).

155. Também de todos os direitos de propriedade intelectual e industrial correlativos, designadamente dos nomes “KK” e “KK” (arts. 332º e 333º da p.i.).

156. Em Setembro de 2013, o KK contava já com 33 edições, realizadas em outros tantos anos consecutivos (art. 334º da p.i.).

157. A realização do Festival sempre contou com o apoio de patrocinadores privados e subsídios de entidades públicas (art. 335º da p.i.).

158. Nos anos de 2006 a 2013, existiram patrocínios privados para os festivais de valor não concretamente apurado (art. 336º da p.i. – resposta restritiva).

159.Nesse período a média de subsídios públicos por festival ascendeu a valor não concretamente apurado mas não inferior a € 144 375,00 (art. 337º da p.i.).

160.Sendo estes, sobretudo, do Instituto do Cinema e Audiovisual, IP (ICA), a quem incumbe a execução das políticas cinematográficas e audiovisuais (art. 338º da p.i. em parte).

161.O subsídio do ICA tinha como limite máximo 50% do custo total do projecto, o que sempre foi fiscalizado e verificado pela mesma entidade (arts. 339º e 343º da p.i.).

162.Os subsídios, sendo importantes, não permitiriam, por si só, assegurar a realização do Festival, sendo necessários patrocínios privados (arts. 341º e 344º da p.i.).

163.Também porque as receitas de bilheteira, embora relevantes, são de valor reduzido no contexto global das receitas, dado que os preços praticados num evento com as características de um festival têm, forçosamente, de ser mais baixos do que na exibição cinematográfica corrente (art. 345º da p.i.).

164.As empresas privadas têm patrocinado o KK porque sabem tratar-se de um investimento que lhes gera retorno no escoamento dos seus produtos ou na procura dos seus serviços (art. 346º da p.i.).

165.O que pressupõe efectiva projecção do Festival (art. 347º da p.i.)

166. Aquando da publicação das notícias em causa, a edição de 2014 estava em vias de ser anunciada (art. 348º da p.i.).

167. E adiantadas as conversações com os patrocinadores e entidades públicas financiadoras (art. 349º da p.i.).

168. Então, pela primeira vez, estava a ser tentado o patrocínio para instituição de “LLL”, sendo assim designado o patrocínio que integra a obrigação de apor o nome da marca ou produto antes do nome do Festival (arts. 350º e 351º da p.i.).

169. Através de contactos para esse efeito da iniciativa do 2º autor desde Maio de 2013, estavam a ser tentadas negociações, com a Sociedade Central de Cervejas para atribuição desse patrocínio com o nome da cerveja “….” (art. 352º da p.i. – resposta restritiva).

170. No dia 6 de Setembro, após várias insistências do 2º autor, a Central de Cervejas envia o email integrado no doc. nº 225 junto à p.i., 565, no qual se pode ler: “dentro do plano exigente que temos para a … e … e com a tendência de decréscimo no investimento em novos patrocínios, não temos possibilidade de apresentar proposta para o KK” (art. 355º e 357º da p.i.).

171. Acrescentando, “desejo que o KK continue a ter o sucesso dos últimos anos e quem sabe noutras circunstâncias poderemos apoiar o festival” (art. 358º da p.i.).

172. Frustrado este patrocinador, a 1ª A. fez tentativas junto de vários outros e de agências de publicidade (art. 361º da p.i.).

173. Tendo sido recusadas abordagens feitas à MMM Seguros a qual veio a patrocinar o “Festival …” ocorrido em 2014 (art. 362º da p.i. – resposta restritiva).

174. As recusas continuaram nos anos seguintes (art. 366º da p.i.).

175. Ocorreram recusas de continuação por parte da …, G…. M…, e Air BNB, empresas que vinham a ser patrocinadoras (art. 368º da p.i.).

176. Bem como da Toyota Caetano Portugal, S,A (doc. nº 233) que fora um relevante patrocinador, tendo criado um modelo – o “Aygo KK” – com o nome do Festival, em edição limitada (arts. 369º e 370º da p.i.).

177. Há muitos anos que o KK colhia a preferência de importantes patrocinadores, detentores de marcas consagradas, como a cerveja …, a Quinta …, os relógios “…”, Metro …, Portal …, …, FFF, ZON, jornal “…”, Jornal … (arts. 371º e 372º da p.i.).

178. Muitos dos anúncios foram criados com desenho alusivo ao Festival (art. 374º da p.i.).

179. Cada edição do KK tem um Guia de Programação, também chamado de Programa de Mão, de apresentação que contém resumos da programação e várias páginas de publicidade (art. 375º da p.i.).

180. No ano de 2014, a publicidade paga inserta nesses programas de mão diminuiu para cerca de metade relativamente ao ano anterior (art. 376º da p.i.).

181. E permaneceu nessa baixa nas edições seguintes do Festival (art. 377º da p.i.).

182. Perdeu-se a disponibilidade dos operadores comerciais para quaisquer contactos com a AA, retraídos que ficaram com o ambiente de desconfiança gerado em torno dos AA (arts. 379º e 380º da p.i.).

183. Apesar de o empenho dos serviços da 1ª A. ter subsistido na angariação de patrocínios e de os seus esforços, diligências e trabalho terem sido incrementados (arts. 381º e 382 da p.i.).

184. Os subsídios à exploração da 1ª autora vinham diminuindo desde 2011, ano relativamente ao qual foram declarados € 241 842,07, tendo sido declarados € 200 000,00 para o ano de 2012, € 152 500,00 para o ano de 2013, € 104 119,20 para o ano de 2014, e € 160 450,00 para o ano de 2015 (arts. 384º a 386 da p.i. – resposta restritiva/explicativa).

185. Diminuiu o número de convites dos 2ºs AA para entrevistas em jornais, rádio e televisão (art. 408º da p.i.).

186. E, em muitas das que continuaram a realizar-se, eram frequentes as instâncias relativamente aos factos das peças da “JJ” (art. 409º da p.i.).

187. Em Março de 2013, a direcção da 1ª A. deu início ao procedimento de despedimento colectivo por forma a reduzir a estrutura do Festival (art. 410º da p.i. – resposta restritiva).

188. No âmbito do processo de despedimento colectivo, apresentaram os AA como seu motivo, entre outros:

- a verificação, desde o ano de 2009 e com agravamento gradual a partir desse ano, de perdas de receitas que permitiam a actividade sustentável da empresa, com tendência provável de evolução negativa no futuro;

- que tais receitas respeitariam a vendas, publicidade/bilheteira e subsídios;

- o aumento dos custos da Cooperativa A. em sentido inverso ao das receitas;

- uma subida da percentagem dos custos com salários e seus encargos associados no valor bruto das receitas da AA, com uma variação entre 17% no ano de 2009 e 43% no ano de 2012;

- o agravamento dos resultados operacionais da Cooperativa A., com valores negativos registados no ano de 2011 e 2012;

- a diminuição dos apoios do ICA, por efeito da redução da sua verba orçamental para apoio a festivais de cinema;

- um impacto negativo nas vendas da Cooperativa A. por efeito do término da actividade de distribuição de cinema, com base na absorção do mercado dos DVD por parte da empresa ZON;

- a insuficiência orçamental verificada nos municípios, o que impossibilitaria a existência de extensões do festival junto do poder local;

- o clima económico de retracção quanto às receitas de publicidade e de subsídios públicos e privados, sendo expectável uma quebra ainda maior no futuro (art. 157º da contestação).

189. Nos anos de 2012 e 2013, o KK tivera, respectivamente, 44 325 e 38 155 espectadores (art. 413º da p.i.).

190. Em 2014, o número de espectadores foi de 15.606 (art. 415º da p.i.).

191. Nos anos de 2015 e 2016, foi, respectivamente, de 15.862 e 12.665 (art. 416º da p.i.).

192. No Festival de 2013 as receitas de bilheteira ascenderam a € 42.006,00 (art. 418º da p.i.).

193. No ano de 2014 foram de € 29.825,00 (art. 420º da p.i.).

194. E, nos anos de 2015 e 2016, foram, respectivamente, de € 26.121,00 e € 18.892,00 (art. 421º da p.i.).

195. Como Festival de ampla notoriedade, em cada edição, há um comité de honra, constituído por personalidades conhecidas dos campos da política, do jornalismo, da cultura e da economia, transversal em matéria de ligação ou conotação compartidos políticos, que, dessa forma, se disponibilizavam para transmitir o seu testemunho público de apreço pelo KK, o que é de muito interesse para o prestígio do evento (arts. 422º e 423º da p.i.).

196. O elenco dessa Comissão de Honra era alterado todos os anos, mas tinha uma parte importante dos seus membros que se mantinha havia muitas edições do Festival (art. 424º da p.i.).

197.E, não obstante essa habitualidade, a organização não deixava de, todos os anos, buscar anuência prévia dos seus elementos, sem a qual não os integrava, sendo os convites elaborados em Outubro de cada ano, para a edição do ano subsequente (arts. 425º e 426º da p.i.).

198.Para a edição de 2014, verificou-se a recusa de vários elementos (art. 427º da p.i.).

199.No ano de 2015, não se anunciou comité, porque o número de aceitações foi muito reduzido (art. 428º da p.i.).

200. Na edição de 2016, voltou a anunciar-se comité de honra, embora, novamente, com reduzido número de membros (art. 429º da p.i.).

201. O número de filmes exibidos teve acentuada redução o que foi confirmado pelo 1º réu em nota publicada na mesma revista “JJ” no dia 6 de … de 2014, junta em cópia à p.i. como doc. nº 257, a fls. 695, e que se dá por reproduzida (arts. 435º e 437º da p.i. – confessados em audiência pelo 1º réu - e art. 438º da p.i).

202. A diminuição do número de espectadores foi notada pelos frequentadores fiéis do festival, há muitas edições (art. 441º da p.i.).

203. Com muito menos gente, o ambiente não era tão intenso como costumava ser (art. 442º da p.i.).

204. Nas últimas três edições, os salões e corredores do … não se encheram como em festivais anteriores (art. 443º da p.i.).

205. O afluxo, às entradas e saídas, e o movimento nas vias próximas muito mais reduzido, o que retirou muito da animação e da festa, sempre importante num evento deste tipo (arts. 444º e 445º da p.i.).

206. Diversas edições do Festival tiveram como convidados realizadores e actores dos melhores a nível mundial (art. 457º da p.i.).

207. A relação com a comunicação social que, até aí, tinha sido excelente, passou a ser muito mais difícil, havendo dificuldade nos contactos com as direcções ou as redacções (arts. 470º e 471º da p.i.).

208. Em 10 de Julho de 2013, a 1ª A. foi notificada nos termos do ofício junto à p.i. como doc. nº 258, a fls. 696, e que se dá por reproduzido, onde se pode ler: “(…) da acção de inspecção levada a cabo por este Serviço (…) não resultam quaisquer actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis” (art. 475º da p.i.).

209. A edição do festival de cinema KK de 2009, foi avaliada por uma empresa especializada – NNN, S.A. (art. 479º da p.i. em parte).

210. Esta avaliação foi efectuada com base na apreciação do impacto da actividade e do nome nos meios de comunicação social, a sua capacidade de obter apoios publicitários e o retorno assegurado aos patrocinadores (art. 480º da p.i.).

211. Na referida edição, o valor do espaço da comunicação editorial (notícias e reportagens) foi estimado em € 918 961,00 (art. 481º da p.i.).

212.E o valor da comunicação publicitária foi avaliado em € 668.486,00 (art. 482º da p.i.).

213. A “Super Bock”, patrocinador principal, obteve, de acordo com a NNN, retorno de € 393.612,00 (art. 483º da p.i.).

214.O próprio nome - “KK” ou “KK” – constitui uma marca comercial com valor não concretamente apurado (art. 485º da p.i. em parte).

215. Os 2ºs AA são os principais obreiros do KK, fundadores e principais responsáveis pela existência e crescimento da cooperativa 1ª A. (art. 495º da p.i.).

216.A autora CC foi professora do ensino secundário (art. 500º da p.i. em parte).

217.Escritora, com livros publicados (art. 501º da p.i. em parte).

218.Colaboradora em jornais e revistas, designadamente no semanário “…”, “…”, “…”, “…” e “…” (arts. 502 e 503º da p.i.).

219.Também em programas de rádio e televisão (art. 504º da p.i.).

220.Convidada, integrou júris em Festivais de Cinema (art. 505º da p.i. em parte).

221.Conferencista solicitada para falar sobre …, direitos da mulher e cinema (art. 506º da p.i.).

222.Foi escultora com dezenas de exposições, individuais e colectivas, realizadas (art. 508º da p.i.).

223.Foi membro do primeiro Conselho Geral da Universidade … entre 2009 e 2013 (art. 510º da p.i.).

224.Interventora em actividades de índole cultural, política e cívica (art. 511º da p.i.).

225.Reconhecida publicamente, também, pelo seu trabalho de defesa dos direitos das mulheres (art. 512º da p.i.).

226. Referenciada a propósito das muitas actividades de interesse público que desenvolveu, e alvo da atenção mediática na sua própria pessoa por méritos próprios (arts. 513º e 514º da p.i.).

227. Ao longo dos anos, a sua pessoa foi tratada em reportagens e artigos de opinião, em jornais e outros órgãos de comunicação social, em reportagens da iniciativa dos jornais e revistas “O …”, “ZZ”, “E…”, “M…”, “F…”, “…”, “W….” (arts. 515º e 517º da p.i.).

228.Ou do livro “30 … +” (art. 518º da p.i.).

229.Interveio em programas de televisão (art. 519º da p.i.).

230.O autor BB foi … profissional, nos jornais “…”, “Jornal …”, “…”, “S…”, “ZZ”, “S…”, “…” e “W…” (art. 527º da p.i.).

231.Colaborador em programas de cinema na EEE e rádio (art. 529º da p.i.).

232.Convidado, integrou júris em festivais de cinema (art. 530º da p.i.).

233. Foi Presidente da Comissão de Cultura …(art. 532º da p.i.).

234. … da Câmara Municipal de …, encarregado do pelouro da cultura, entre 2005 e 2013 (art. 533º da p.i.).

235. Autor de livros publicados (art. 534º da p.i.).

236. Organizador de festivais de cinema, um deles o Festival Internacional de Cinema … (art. 535º da p.i.).

237. Todas as referidas actividades profissionais foram desenvolvidas em paralelo com o seu trabalho na 1ª A. (art. 537º da p.i.).

238. Os 2ºs AA são pessoas bem considerados socialmente, no círculo dos seus amigos e conhecidos (art. 540º da p.i.).

239. Sempre gozaram também de boa reputação pública (art. 541º da p.i.).

240.Nas referências que lhes foram feitas na imprensa escrita, radiofónica, televisiva e “on line”, não havia menções negativas aos 2ºs AA (art. 542º da p.i.).

241. O facto de serem pessoas com notoriedade, bem considerados, dedicadas a actividades cívicas e culturais, fazia com que fossem convidados amiudadamente para eventos diversos de índole cultural e social (art. 543º da p.i.).

242. Para, como assistentes ou participantes, comparecer em conferências ou seminários (art. 544º da p.i.).

243. Para intervir em programas de rádio e de televisão (art. 545º da p.i.).

244. Para festas e viagens (art. 546º da p.i.).

245. Com a publicação das reportagens, alguns amigos, de círculo menos íntimo, e conhecidos acreditaram no teor das reportagens publicadas na “JJ” (art. 551º da p.i.).

246. Obrigando os A.A. a prolongadas explicações justificativas (art. 552º da p.i. em parte).

247. A autora CC, nunca mais conseguiu fazer qualquer exposição (art. 555º da p.i.).

248. Deixou de ser convidada para mostras colectivas (art. 556º da p.i.).

249. Deixou de ser convidada a escrever em jornais ou revistas, ou para programas de rádio ou televisão (art. 564º da p.i.).

250. Em Outubro de 2013, o autor BB cessou o seu mandato como … na Câmara Municipal … (art. 571º da p.i.).

251. Para além da actividade desenvolvida na cooperativa, nunca mais conseguiu angariar outra ocupação, não obstante as muitas tentativas em contactos com muita gente que conhece e a larga e diversificada experiência profissional (art. 573º da p.i.).

252. Apenas recebe negativas e evasivas quando anteriormente eram esses mesmos contactos que lhe permitiam angariar as actividades profissionais que desenvolveu (arts. 574º e 575º da p.i.).

253. Os empresários e agentes económicos são relutantes em trabalhar com alguém com as suspeitas como as que recaíram sobre o A. (art. 577º da p.i.).

254. Os 2ºs AA ficaram profundamente tristes com o teor das reportagens (art. 581º da p.i.).

255. Foram insultados e enxovalhados (art. 582º da p.i.).

256. Sentem total impotência em contrariar a força do meio pelo qual as reportagens foram propagadas (art. 583º da p.i.).

257. Têm vivido desmoralizados, deprimidos, envergonhados e angustiados pelo teor das reportagens e suas repercussões no seu bom nome, honra e reputação, de que gozavam (art. 584º da p.i.).

258. Esquecidos pelos meios sociais ou políticos para que, antes, tão assiduamente eram solicitados e mesmo por alguns conhecidos com quem mantinham contactos, que deles se afastaram (art. 585º da p.i.).

259. A sua alegria de viver ficou profundamente prejudicada (art. 587º da p.i.).

260. Sem ânimo para as saídas, que sempre fizeram, para visitas a exposições, espectáculos de música e teatro, passeios lúdicos ou culturais (art. 588º da p.i.).

261. Também pela inibição que sentem ao saberem que são olhados com desconfiança (art. 589º da p.i.).

262. O facto de não exercerem as actividades que antes exerciam tem-lhes causado acentuada e prolongada tristeza, constrangimento e desmoralização (art. 591º da p.i.).

263. Em Fevereiro de 2016, o autor BB foi acometido de acidentes … em parte resultantes dos níveis de ansiedade e stress criados pelas notícias e inactividade que se lhe seguiu, que determinaram o seu internamento hospitalar (arts. 593º a 595º da p.i.).

264. Os factos noticiados ficaram na memória do público que os leu (art. 630º da p.i.).

265. No dia 30 de …o de 2013, os aqui AA deram entrada nos Serviços do Ministério Público da então Comarca … de queixa por crime de difamação contra os aqui RR e ainda outros, com base nas reportagens da JJ, a qual deu origem ao processo de inquérito nº 6016/13.0T… (art. 653º da p.i.).

266. O 1º réu já prestou declarações neste Processo de Inquérito (art. 654º da p.i. – confessado em audiência pelo 1º réu).


A primeira instância considerou não provada a matéria alegada pelos autores nos artigos:

a) 94º (que todos os factos relatados nas peças jornalísticas não correspondam à verdade);

b)98º e 100º (que não foi feita também uma denúncia anónima ao ICA em Maio de 2013);

c)104º (que o 1º réu soubesse dos propósitos do autor, ou autores, da denúncia à Cases);

d)105º (que tivesse havido uma actuação concertada do 1º réu com o autor da denúncia);

e)106º e 107º (que o 1º R. noticiou uma denúncia que sabia não existir, tendo relatado como sucedido o que bem sabia que ainda não tinha acontecido);

f)145º (que todas as viagens que os 2º A.A. fizeram pagas pela Cooperativa foram de interesse para a actividade desta);

g)147º (que há muitos anos que os 2ºs AA mantêm uma conta-corrente de empréstimos à AA, sempre de saldo favorável àqueles, que esta vai solvendo parcialmente quando pode);

h)148º (à data dos factos, o seu crédito era superior a 60 mil euros);

i)149º (na mesma ocasião, ambos estavam obrigados solidariamente com a cooperativa ao pagamento de empréstimo bancário concedido a esta, mediante contrato e livrança subscrita, pelo valor de 175 mil euros);

j)151º (que os AA Mário e Beatriz nunca utilizaram em seu proveito ou em proveito de quem quer que seja vantagens económicas ou outras decorrentes da sua actividade como directores da Cooperativa AA);

k)152º (que os AA BB e CC nunca fizeram seus quaisquer bens ou dinheiro que à cooperativa pertencessem, como nunca adquiriram para si nada com meios da cooperativa);

l)156º (que o A. BB nunca teve o que pudesse chamar-se de “currículo oficial”);

m)157º (que o A. nunca se arrogou a títulos ou graus que não possui, nem fez desaparecer menções algumas);

n)162º (em qualquer dos casos, incluído o do “País …”, nenhum dos autores auferiu qualquer retribuição, tendo doado as receitas das vendas à cooperativa);

o)164º (que na ocasião referida na notícia transcrita no art. 64º da p.i., o A. BB parou para cumprimentar e confraternizar com várias pessoas);

p)165º e 166º (designadamente, com o seu amigo de há muitos anos, NN, que, dias depois, e ambos mantiveram, então, agradável e bem-disposta conversa);

q)173º (na parte em que a situação económica muito difícil da 1ª autora motivadora da venda do espólio tenha sido consequência das reportagens da JJ);

r)195º (que também, OOO, trabalhadora, e colaboradores pontuais, foram notificados para pagar acréscimo de colecta em IRS);

s)210º (que o 1º R. não comprovou se o teor dos seus escritos correspondia à verdade);

t)212º (que o 1º R. não ouviu os AA acerca da veracidade dos factos que relatou);

u)220º (que na ocasião do envio da mensagem de correio electrónico, a primeira das reportagens estava completamente elaborada e pronta a ser publicada);

v)222º (que o 1º réu não quis ouvir os AA acerca dos factos ou dar-lhes a hipótese de os contraditar);

w)267º (que a proximidade das eleições autárquicas fosse a razão da recusa do 1º réu em dar mais tempo aos A.A. para responder ao seu questionário);

x)269º (que o 1º réu soubesse que a reprodução em outros importantes meios de comunicação social, internet e redes sociais seria gigantesca);

y)278º (que os 3º e 4ºs RR tiveram conhecimento prévio do teor das mesmas reportagens e artigos);

z)290º (que todos os RR soubessem da difusão que as reportagens iriam ter);

aa)312º (que a assembleia geral noticiada pelo 1º réu nunca foi convocada ou sequer requerida);

bb)336º (que a média dos patrocínios privados nesses anos tenha sido de € 204.000,00 por festival);

cc)352º (na parte em que estivessem adiantadas e praticamente concluídas” com a Sociedade … as negociações para atribuição do patrocínio);

dd)353º (pelo valor de € 200.000,00, por ano, para os três anos imediatos);

ee)354º (dos quais, cerca de metade do montante teria de ser gasto pela 1ª A. em promoção da marca);

ff)355º (no sentido de ter ocorrido uma interrupção abrupta das negociações);

gg)362º (que tenha sido feita e recusada a abordagem à Santa Casa da Misericórdia … e que esta tenha patrocinado o “…”);

hh)363º (que o festival … fosse à data um evento de projecção mediática muito inferior ao KK);

ii)387º (que a diminuição dos patrocínios tenha sido consequência directa das reportagens de Setembro de 2013);

jj)384º (que nas edições posteriores às notícias as receitas de patrocínios privados passaram a ser, em média, de pouco mais de € 18 000,00, por ano);

kk)400º e 401º (que havia 20 anos que, ininterruptamente, o Consulado … fornecia, gratuitamente, …, que eram integrados na programação do Festival);

ll)402º (que no ano de 2014, aquele Consulado negou-se a qualquer colaboração);

mm)403º (que normalmente os anúncios, notícias e reportagens do Festival originavam cerca de duas mil peças jornalísticas por ano, em todos os meios e órgãos da comunicação social);

nn)404º e 405º (que a imagem pública negativa levou a que a divulgação mediática do KK 2014 tivesse sido de apenas cerca de setecentas peças);

oo)410º (no sentido de que essa redução resultou das reportagens);

pp)411º (que cada um dos elementos que permaneceu ficou onerado com mais trabalho);

qq)448º (que a “V…”, revista … especializada em …, destaca amiúde o festival e assinala-o como o maior festival português);

rr)449º (o “International …”, anuário de cinema mundial, considerou-o como “Leading Festival” sempre desde há vários, pelo menos, desde 2000);

ss)450º (a “T…”, revista …, considerou-o um dos dez festivais a que não deve deixar de assistir antes de morrer);

tt)451º (o IMBD (Intermovie Data Base), mais importante motor de pesquisa de cinema da internet, contém uma página do KK);

uu)452º (e referencia sempre o Festival quando alude a qualquer filme nele exibido ou a qualquer realizador que tenha tido um seu filme no seu programa);

vv)454º (que o festival tivesse sido galardoado com as Medalhas de Ouro das Cidades … e de …, respectivamente, nos anos de 1996 e 1997, e com a Medalha de Mérito Cultural do Governo Português, em 2005);

ww)479º (na parte em que até à edição de 2009 o festival foi regularmente avaliado);

xx)486º (que em Agosto de 2013, a 1ª A. poderia, em mercado, alienar os direitos de realização e exploração do Festival, com os direitos ao uso dos nomes respectivos, por montante nunca inferior a € 150 000,00);

yy)498º (que a A. CC nasceu em … de Junho de 1951);

zz)499º (que seja licenciada em … pela Faculdade de Letras da Universidade …);

aaa)500º (na parte em que o tenha sido de 1972 a 2009);

bbb)501º (na parte relativa ao número de livros publicados);

ccc)507º (que tenha sido a primeira mulher a escrever artigos e a publicar livros sobre cinema em Portugal);

ddd)509º (que tenha sido fundadora e redactora das Revistas “AA”, criada em 1978, e “Estreia”);

eee)519º (que interveio assiduamente em programas de televisão, em diversas estações, designadamente na EEE, GGG e …);

fff)520º (que o A. BB nasceu em … de Abril de 1955);

ggg)521º (que teve frequência universitária, na Academia …, dos cursos de … e …);

hhh)523º e 534º (que foi desenhador … e professor do ensino secundário …);

iii)525º (que foi director de …);

jjj)526º (que foi responsável pelo lançamento em Portugal da marca “…”);

kkk)528º (que foi delegado em Portugal da revista … “V…”);

lll)531º (que foi membro do Conselho Geral da Universidade …);

mmm)536º (que integrou a Comissão Nacional do Património …);

nnn)549º e 550º (que na via pública onde circulam, em estabelecimentos comerciais, teatros, cinemas ou outros locais públicos, a que acedem, são olhados insistentemente e apontados pelas pessoas, que, enquanto olham, tecem comentários com ar de reprovação ou sarcasmo);

ooo)558º e 661º (que a Autora CC tivesse um projecto designado por … (…) que tinha em vista proporcionar a possibilidade de expor a pintores e escultores, sobretudo mulheres em início de carreira, o qual passou a ser visto com desconfiança pelo público e mesmo pelos interessados em expor);

ppp) 562º (o que motivou que a A. se arredasse do mesmo, para não o prejudicar, logo no dia 10 de Setembro de 2013);

qqq) 563º (que à data dos factos era colaboradora regular do “Jornal de Notícias”, onde publicava crónicas semanais, tendo acabado por ser dispensada em Abril de 2015);

rrr) 565º e 566º (que na sessão de lançamento do seu último livro – “A …” – realizada em Dezembro de 2013, teve a assistência de cerca de trinta pessoas, quando em todas as anteriores sessões para o mesmo efeito, sempre teve salas com muito mais de cem pessoas);

sss) 579º (o autor BB não consegue auferir qualquer ordenado, uma vez que a 1ª Autora não gera receitas que permitam retribuir o seu trabalho);

ttt)580º (que, durante todo o tempo de actividade da 1ª A., sempre esta retribuiu o A. pelo seu trabalho, como o dos demais trabalhadores);

uuu)592º (que o autor BB sempre gozara de boa saúde);

vvv)596º e 597º (que o autor BB tenha ficado impossibilitado de sair de casa durante cerca de dois meses o que o impediu de estar presente na 36ª edição do KK);

www)600º e 601 (que até Setembro de 2013 as receitas auferidas pela 1ª autora, na vertente do Festival, vinham sendo incrementadas, paulatina, mas gradualmente),

xxx) 620º (que nos anos de 1995 a 2005, o A. BB auferiu rendimentos do trabalho que, em média mensal, montaram a € 800,00), da p.i.;


E pelos réus no artigo:

yyy) 65º da sua contestação (que o autor, em momento anterior à notícia ora em causa, respondeu a um interessado na aquisição do espólio da cooperativa autora, que então, se apresentou como sendo um cidadão de origem árabe, apresentando-lhe o valor global de € 750.000,00 para aquisição daquele espólio).


B) Fundamentação de direito


As questões a decidir na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o “thema decidendum” do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:

(i) – Nulidade do acórdão;

(ii) – Inconstitucionalidade;

(iii) – A questão de direito.


NULIDADE DO ACÓRDÃO


Argumentam os recorrentes que o acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1, alª c) do CPC, por remissão da norma do artigo 666º, nº 1, por nele se verificar a oposição entre os fundamentos e a decisão, vício que assenta em desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos de direito inculcarem um sentido decisório diversoe oposto ao proferido quanto ao julgamento da impugnação da matéria de facto.


Em síntese, referem que o acórdão recorrido afirma que:

“(…) certo é que o texto não adianta nada mais do que isso, ou seja, que o valor arrecadado no final da festa foi entregue na casa do autor, do que não se pode retirar, ao menos como dado certo, que o montante tivesse sido embolsado pelo próprio.” (pág. 108 do acórdão recorrido)


No entanto, a pág. 177, diz o TRL que o recorrente DD, na peça jornalística em questão, aludiu “ao lucro que não seria encaminhado para a cooperativa, mas entregue ao autor BB (…).”

 “(…) ainda que o réu não tenha tido o cuidado de reproduzir correctamente o teor da carta, sugerindo uma eventual reintegração da funcionária despedida, certo é que do teor da missiva acaba por resultar uma situação pouco clara de QQ no que concerne à sua ligação com a AA, CRL, o que, precisamente, contendia com as “irregularidades” que a investigação a que procedeu teria colocado a descoberto. Assim, (…), também não se pode afirmar que o réu o fez imbuído de malvadez ou intenção maliciosa de denegrir gratuitamente os autores, enquanto directores da AA, CRL, não estando demonstrado que o fez por desonestidade, tanto mais que, perante o comunicado que estes efectuaram, não deixou de reproduzir o respectivo teor (…) e de, aí sim, reproduzir o que dela se pode retirar, ou seja, que deveria ser apresentado documento dando conta da desvinculação do órgão estatutário.” (pág. 116 do acórdão)


Porém, diz também o TRL, a págs. 187 do acórdão, que “(…) ainda que surjam desmentidos, esclarecimentos, publicações de sentenças, a primeira imagem que fica gravada na memória colectiva do público dificilmente se apaga ou esmorece. A notícia sobrevive na memória das pessoas e a suspeição raramente se apaga.”


“Pode questionar-se a legitimidade da opção, do estilo jornalístico (provavelmente, admite-se, desenquadrado de um órgão de informação que se identifica como difusor de jornalismo sério e credível), da ideia que se pretende passar, mas na verdade não é afirmado no texto, em parte alguma, que a aquisição dos imóveis foi efetuada com dinheiro subtraído à cooperativa, sendo, aliás, referido que os quatro imóveis figuram na declaração sobre o património e rendimento dos titulares de cargos públicos entregue pelo autor no Tribunal Constitucional, em 2009. Ou seja, a afirmação é suportada em elemento documental que o jornalista consultou.” (pág. 119 do acórdão).


Contudo, diz o TRL, a págs. 179 e 180 do acórdão, que resultou infirmado que a aquisição dos imóveis de que o casal é titular tenha sido efectuada com valores da cooperativa, porquanto estará demonstrado que o foi com recurso a crédito bancário.


 “(…) o réu não imputa aos autores, de forma contundente e positiva, a prática das apontadas irregularidades, enunciando antes uma série de situações dúbias, que suscitam suspeita sobre a gestão da cooperativa, o que justificou o seu interesse na investigação e, mais do que isso, o interesse na publicação.” (pág. 128 do acórdão).


Porém, a págs. 178 do acórdão, refere o TRL que “Aquilo que sobreleva em tais notícias é, precisamente, a atribuição aos autores de condutas ilegais, de irregularidades na contabilidade para não proceder ao pagamento dos impostos devidos, uma série de comportamentos que revelam uma utilização indevida dos subsídios atribuídos e dos rendimentos auferidos (…)”.


“(…) é certo que não se apuraram factos que permitam concluir que foi precisamente para afectar aquele candidato ou a própria participação do autor nessa campanha, que foi escolhido o momento da publicação do primeiro artigo e dos subsequentes ou que isso o determinasse a impor um prazo tão curto para a resposta ao questionário.” (pág. 142 do acórdão)



No entanto, a págs. 177 do acórdão, em sede de fundamentação de Direito, sempre adianta o TRL que “(…) não se pode escamotear a circunstância de tal publicação ter ocorrido nas quatro semanas que antecederam esse evento e, mais do que isso, que o jornalista sabia e tinha consciência de que o autor BB era não só apoiante de um dos candidatos a essas eleições, mas também apresentado como possível … da cultura, caso esse candidato vencesse. Serve isto para dizer que a publicação das peças jornalísticas não pode ser desenquadrada desse específico contexto e que, na sua essência, estas contêm imputações de factos aos visados (…).”.


Terminam, referindo que, nos segmentos supra apontados, o acórdão recorrido padecede desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos de direito inculcarem um sentido decisório diverso e oposto ao proferido a final quanto ao julgamento da impugnação da matéria de facto, o que é gerador da nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alª c) do Código de Processo Civil.


A parte contrária respondeu, referindo que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, devendo improceder a invocada nulidade.


Por acórdão proferido em Conferência de 11.07. 2019, a Relação julgou improcedente a arguida nulidade.


Cumpre decidir.

Importa conhecer da aventada nulidade do acórdão, tal como expresso nas conclusões dos recorrentes.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3…”.


Dispõe o artigo 615° n°1 na alínea c) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando:

c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


A nulidade da alínea c) - contradição entre a decisão recorrida contida no acórdão e a sua fundamentação - ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente[4].

Tende por vezes a confundir-se com o erro de julgamento.


Anselmo de Castro[5] considera que a alínea c) nem tem autonomia em relação à alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito).

E em relação à alínea sublinha que só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação.

Não faltando em absoluto, haverá fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade.


Esta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.


Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[6], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.

Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artº 668º do CPC, (hoje artigo 615º do NCPC) são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito[7].


Ora, no caso dos autos, a verdade é que os recorrentes invocam abusivamente esta nulidade a propósito da sua discordância quanto ao erro de julgamento, ou seja, quanto à apreciação pelo tribunal da ofensa do direito ao bom nome dos autores, ora recorridos.

É que basta ler o acórdão para concluir imediatamente que os fundamentos (neles se incluindo, como é óbvio, os excertos acima transcritos) apontam no sentido da decisão proferida, pelo que não padece do apontado vício, sendo totalmente descabida tal afirmação, pois que o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à procedência da apelação, não existindo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois o inverso é que conduziria a eventual nulidade.

Coisa diversa é os recorrentes discordarem da decisão.

Conclui-se, pois que o acórdão não padece do apontado vício.


INCONSTITUCIONALIDADE


Argumentam os recorrentes que está ferida de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 37º e 38º da C.R.P., a norma aplicada pelo acórdão da Relação e que resulta da conjugação dos artigos 484º e 483º nº 1 do Código Civil e 14º nº 1, alíneas a), e) e f) do Estatuto do Jornalista, interpretados no sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de negligência ou culpa abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom nome, por violação dos artigos 37º e 38º da C.R.P.


Os recorridos, ora autores, pugnam pela improcedência da arguida inconstitucionalidade, pois as normas em causa não contrariam os preceitos constitucionais dos artigos 37º ou 38º da Constituição da República Portuguesa.


Cumpre decidir.



O artigo 484º do Código Civil (ofensa do crédito ou do bom nome) preceitua o seguinte:

“ Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.


Em matéria de direitos de personalidade, dispõe o artigo 26° n°1, da Constituição, que a todos são reconhecidos os direitos ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

Na mesma lei fundamental e com igual dignidade, o artigo 37º nº 1 tutela-se a liberdade de expressão, ao preceituar que todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.


E, bem assim, no n°2 do artigo 38°, a liberdade de imprensa, ao consagrar-se a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores.


Estabelecendo-se, no n°2 do artigo 18°, para a eventualidade de conflito entre direitos fundamentais, que as restrições legais a esses direitos se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.


As liberdades de informação e de comunicação social ocupam um lugar central num Estado de direito democrático. Isso mesmo é reconhecido no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo nº 1 preceitua que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (…)”.


Por outro lado, o artigo14º nº 1, alíneas a), e) e f) do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei 1/99, de 13 de Janeiro, na redacção da Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro preceitua o seguinte:

Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:

a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;

e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;

f) Identificar, como regra, as suas fontes de informação, e atribuir as opiniões recolhidas aos respectivos autores.


Alegam os réus, ora recorrentes, que o standard de comprovação da verdade terá de pressupor a boa fé e a diligência de quem informa. Mas, exigir para além disso, como o faz o acórdão da Relação - como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e comprovação exaustiva da sua veracidade - é exigir mais do que é permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional contida no artigo 37º, justamente pelo efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar.

Referem ainda os recorrentes o entendimento de que o preenchimento da responsabilidade civil decorrente dos artigos 483º e 484º do Código Civil, se basta com a negligência do agente, quando em causa o direito à informação, correctamente exercido em termos de fontes jornalísticas utilizadas e de cumprimento do dever de contraditório, e o crédito e bom-nome de pessoa colectiva e seus dirigentes, figuras públicas, viola o disposto no artigo 37º nº 1 e 38º nos 1 e 2) da C.R.P, por pôr em causa os núcleos essenciais de tais liberdades, violando, deste modo, também o princípio da salvaguarda do núcleo essencial consagrado no artigo 18º nº 3 da C.R.P.


Neste particular subscrevemos a argumentação dos autores, ora recorridos, quando referem que os réus não concretizam que limite é esse que a lei imporia.


O que a Constituição legitima é o exercício do direito de informar em conformidade com o objecto do direito de informação, o qual integra a obrigação de veracidade.

Não vemos que o acórdão da Relação o tenha posto em causa, não violando os princípios constitucionais previstos nos artigos 37º e 38º da Constituição (liberdade de expressão e informação e liberdade de imprensa), pois não sustenta um grau excessivo de exigência relativamente à verificação da verdade das notícias, nem exige qualquer rigor comparável a uma investigação judicial.


Assim, julga-se improcedente a arguida inconstitucionalidade.


A QUESTÃO DE DIREITO


A questão fulcral que importa apreciar no presente recurso consiste em saber como resolver o conflito que se verifica entre os direitos dos autores, ora recorridos, ao seu bom nome e reputação, e os direitos dos réus, ora recorrentes, à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social.


Assim, importa saber se a conduta dos réus, recorrentes, deve ser tida como ilícita, por atentar contra o crédito ou o bom nome dos recorridos, ou, pelo contrário, como defendem os recorrentes, a mesma se insere no âmbito da liberdade de expressão e informação e imprensa consagrada constitucionalmente.


A liberdade de expressão e de informação tem, como já se deixou dito, consagração constitucional, dispondo o artigo 37º nº 1, da Constituição da República Portuguesa que, “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”.


Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[8], o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideais e opiniões. Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento.

O direito de informar, por outro lado, integra, segundo os citados autores, três níveis: o direito “de informar”, o direito “de se informar”, e o direito “de ser informado”. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos (…). O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes, isto é, no direito de não ser impedido de se informar (…). Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação social (…).


Salienta Jónatas Machado[9], que: “A doutrina constitucional sublinha que o princípio democrático tem como sub princípio o princípio da democracia comunicativa, estruturado em torno das noções de opinião pública e comunicação cívica e política democrática”, mais afirmando que: “Pretende-se, por esta via, sublinhar o facto de que a existência no seio da comunidade política de uma opinião pública autónoma funciona como garantia substantiva da democracia”.


E o mesmo autor sublinha[10]: “A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos.

É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.

Os juízos de valor negativos, ainda que proferidos com a intenção denunciatória (“naming and shaming”), devem ser prima facie considerados inteiramente legítimos numa sociedade democrática, desde que razoavelmente apoiados numa base factual satisfatória, na racionalidade lógica, na inferência probabilística e na protecção de interesses públicos relevantes, de acordo com os princípios basilares da deontologia jornalística, sendo certo que neles se joga também a credibilidade pública de quem os formula”.


Defendem, por outro lado, Gomes Canotilho e Vital Moreira[11], que: “do nº 3 do artigo 37º da CRP se pode concluir que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, cuja infracção pode conduzir a punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (cfr. artº 26º); a injúria e a difamação ou o incitamento ou instigação ao crime (que não se deve confundir com a defesa da descriminalização de certos factos) não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação”.


O direito ao bom nome e reputação mostra-se constitucionalmente consagrado no artigo 26º nº 1 da C.R.P. Aí se estatui que: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (…)”.


O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação.


Segundo Maria Paula G. Andrade[12], “a honra é um bem da personalidade, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português. E enquanto bem da personalidade, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”.


A honra em sentido amplo, segundo Rabindranath Capelo de Sousa[13], inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses de apreço social pelas qualidades determinantes de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.


Como ensina Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos[14] “ por bom nome poder-se-á entender o prestígio, a reputação, o bom conceito associado à pessoa no meio social onde vive ou exerce a sua actividade profissional (…). Em relação ao bom nome, está fundamentalmente em causa uma ideia global, formada a partir das convenções sociais vigentes em determinado momento, acerca do perfil ou posição social de uma pessoa.

Já no tocante à caracterização do crédito enquanto bem jurídico titulado no âmbito do artº 484º, impõe-se uma particular ligação da ideia de prestígio ao universo de negócios e da actividade empresarial, O prestígio tem como ponto de referência as relações entabuladas entre quem desenvolve uma actividade económica e os respectivos fornecedores, credores, clientes e outros terceiros. Pensamos que o legislador terá querido reportar-se basicamente à capacidade e à vontade do indivíduo para cumprir os seus compromissos obrigacionais. Revela-se então fundamental para a caracterização do crédito, levar em linha de conta a capacidade de iniciativa económico-negocial, basicamente consubstanciada na aptidão para tomar decisões económicas, fazer projecções, e granjear contactos negociais com os demais parceiros, assim como a seriedade e a correcção negocial”.


 No plano do Direito Civil, a protecção da pessoa humana tem consagração nos artigos 70º a 81º do Código Civil.

Os direitos de personalidade, incluindo-se nestes, os direitos à honra e ao bom nome, pertencem, pois, à categoria de direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm de respeitar.


Prescreve o nº 1 do artigo 70º do Código Civil que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, o que significa a assunção e um reconhecimento da existência de um direito geral da personalidade, onde se insere o direito ao bom nome e reputação.


E já no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, prescreve o artigo 484º do Código Civil que “ quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.


Como defende Jónatas Machado[15], “As normas sobre responsabilidade penal, civil, disciplinar e contra-ordenacional podem ter um efeito inibidor e de autocensura quando aplicadas aos jornalistas e às empresas de comunicação social, susceptível de gerar uma estrutura de incentivos fortemente restritiva da liberdade de expressão e de informação.

Impõe-se por isso romper definitivamente com um entendimento demasiado restritivo da liberdade de expressão e informação, incompatível com uma cultura verdadeiramente democrática em que a robustez do controlo público é um factor fundamental.

As normas de responsabilidade civil actualmente em vigor entre nós não favorecem esse desiderato, devendo por isso ser interpretadas em conformidade com a Constituição, sob pena de conduzirem a resultados erróneos e absurdos.

A sub-interpretação das liberdades de expressão e de informação dos direitos de personalidade, a uma compreensão alargada e especulativa dos danos morais e patrimoniais, a uma determinação simplista dos nexos de causalidade mediáticos e a uma leitura abrangente do direito de indemnização, constituem um “cocktail” explosivo para a centralidade que as liberdades de expressão, de imprensa e de informação assumem num Estado de direito democrático e para a preservação da esfera de discurso público.

Longe de representar o resultado de um processo de ponderação proporcional e concordância prática, essa combinação deve ser vista como violadora das liberdades de expressão, informação e comunicação social, tal como consagradas nos artigos 37º e 38º da Constituição e no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.


Na linha do que vem exposto, Manuel da Costa Andrade, escreveu[16]:

“ Constantemente chamado a tomar decisões políticas, o cidadão tem de estar completamente informado, conhecer as opiniões dos outros e estar em condições de as confrontar criticamente. Ora, é precisamente a imprensa que mantém esta permanente discussão em acção. Produz as informações, toma ela própria posição sobre as questões e actua, por isso, como força orientadora dos debates públicos. É nela que se articula a opinião pública e os argumentos se clarificam na dialéctica dos discursos e contra-discursos, ganhando contornos claros e facilitando o juízo e a decisão do cidadão. Por outro lado, a imprensa funciona como instância de ligação e controle entre o povo e os representantes eleitos, assegurando a transparência dos estados e movimentos da opinião pública, mediatizando, por isso, decisões políticas atentas às representações e aspirações colectivas”.


Como resulta com meridiana clareza das conclusões das alegações do recurso interposto pelos réus, a questão jurídica fundamental, a decidir prioritariamente para apurar da existência ou inexistência do pressuposto ilicitude, consiste em operar uma compatibilização ou concordância prática entre os valores fundamentais da defesa da honra, do crédito ou do bom nome e o exercício das liberdades de expressão, opinião e de imprensa.

Isso obriga a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas (o que já foi feito), mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo TEDH, órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação.

Sobre a difícil harmonização dos direitos concorrentes em confronto – direitos de personalidade e direito de livre expressão e informação – tem-se pronunciado, além da jurisprudência nacional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que vem apreciando questões relacionadas com a colisão de tais direitos à luz do estabelecido nos artigos 8º e 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), preceitos que salvaguardam o direito ao respeito pela vida privada e familiar e o direito à liberdade de expressão, respectivamente.


O direito à liberdade de expressão contemplado no artigo 10º compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras (nº 1).

Implicando o exercício da liberdade de expressão deveres e responsabilidades, pode o mesmo ser submetido a certas condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, necessárias numa sociedade democrática com vista, além do mais, à protecção da honra ou dos direitos de outrem (nº 2).


Para resolução do aludido conflito de direitos, ao nível da lei ordinária, tem sido frequente o recurso ao disposto no artigo 335º do Código Civil, que estipula que, caso sejam iguais os direitos em conflito ou da mesma espécie, deve cada um deles manter o seu núcleo principal, cedendo o estritamente necessário para que ambos produzam o seu efeito; se os direitos em questão forem desiguais ou de espécie diferente, deverá prevalecer aquele que for considerado superior.


No conflito entre o direito de liberdade de expressão e/ou informação e o direito à honra e ao bom nome, não obstante ambos merecerem dignidade constitucional, tem-se entendido que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles, devendo, neste caso, a informação veiculada se cingir à estrita verdade dos factos.


Também o artigo 10º da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem (CEDH garante o direito à liberdade de expressão, estatuindo que “toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão” que “compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência de autoridades públicas”.

Afirma-se, por conseguinte, no parágrafo 1º, como liberdade fundamental, a liberdade de expressão com um conteúdo próprio: compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e comunicar informações ou ideias.


Estabelece, todavia, o parágrafo 2º limitações, ao prever que o exercício do direito a exprimir-se livremente, o direito de opinião e de informação comporta deveres e responsabilidades e pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas na lei, que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática.


A liberdade de expressão, consagrada no citado artigo 10º do CEDH, tem sido densificada de forma muito relevante pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).


Tem aquele Tribunal considerado a liberdade de expressão, assente no pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas, como um direito essencial cuja protecção é condição para a existência de uma democracia pluralista necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade.

O direito de expressão consiste, portanto, no direito de manifestar e divulgar, livremente, o pensamento, enquanto o direito de informação tem um âmbito normativo mais extenso, englobando opiniões ideias, pontos de vista ou juízos de valor sobre qualquer assunto ou matéria, quaisquer que sejam as finalidades, não pressupondo um dever de verdade perante os factos.


Como refere Jónatas Machado[17], tem-se verificado uma nítida dessintonia entre o entendimento dos tribunais nacionais e o do TEDH, que tende a afirmar o seu direito de supervisão europeia e a reduzir a margem de apreciação dos Estados, apontando claramente para uma interpretação dos direitos de personalidade de uma forma restritiva, que não comprometa o papel central da liberdade de expressão, de informação e de imprensa numa sociedade democrática.


A estrita observância da jurisprudência do TEDH impôs a necessidade de proceder a uma profunda reflexão e inflexão na jurisprudência nacional, o que, aliás, tem vindo a suceder paulatinamente, já que sempre foi entendimento jurisprudencial dominante de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de informação


A título de exemplo, o acórdão do STJ de 26.04.94[18] decidiu que “ O direito ao bom nome e reputação sobrepõe-se ao direito de informação e crítica de imprensa”.



Também o acórdão de 08.03.2007[19] decidiu segundo a orientação tradicional, nos seguintes termos:

“ O conflito entre o direito de liberdade de imprensa e de informação e o direito de personalidade - de igual hierarquia constitucional - é resolvido, em regra, por via da prevalência do último em relação ao primeiro.

Ofende o crédito da pessoa colectiva a divulgação jornalística de facto susceptível de diminuir a confiança nela quanto ao cumprimento de obrigações, e o seu bom-nome se for susceptível de abalar o seu prestígio ou merecimento no respectivo meio social de integração”.


Apesar de o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação ser potencialmente conflituante com o direito ao bom nome e reputação de outrem, a verdade é que, quando está evidenciado um conflito de direitos, o TEDH dá particular relevo à liberdade de expressão, o que resulta do citado artigo 10º da CEDH, em detrimento do direito à honra. Daí as diversas condenações do Estado Português.


Mesmo sendo o visado por imputações de factos ou pela formulação de juízos de valor desonrosos, uma figura pública, e estando em causa uma questão de interesse público, o TEDH, ao aplicar o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem igualmente desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão[20].


A este propósito, enuncia Jónatas Machado[21], que no âmbito da responsabilidade civil por imputações prima facie difamatórias deve ser dada latitude suficiente para o exercício do direito à liberdade de informar, especialmente quando se esteja perante notícias de interesse público inegável ou a discussão de temas de grande relevância pública, incluindo não apenas titulares de cargos políticos, mas outras figuras de relevo económico, social, cultural, religioso, etc., dotadas de grande capacidade para influenciar o espaço público.


As opiniões manifestadas através de uma linguagem forte e exagerada são protegidas e o âmbito de protecção depende do contexto e do objectivo da crítica, sendo que, em questões de interesse público, num contexto de controvérsia pública sobre determinado assunto, as palavras contundentes poderão ser toleradas.


Tem sido defendido na jurisprudência do TEDH que as opiniões expressas sobre uma questão de interesse público ofensivas da honra, designadamente, de figuras públicas surgem com frequência revestidas de linguagem forte, violenta e exagerada, devendo considerar-se protegidas pela liberdade de expressão[22].


As opiniões manifestadas através de uma linguagem forte e exagerada são protegidas e o âmbito de protecção depende do contexto e do objectivo da crítica, sendo que, em questões de interesse público, num contexto de controvérsia pública sobre determinado assunto, as palavras contundentes poderão ser toleradas.


Importa, pois, tomar em consideração a jurisprudência do TEDH, não podendo os tribunais nacionais deixar de ponderar nas soluções jurisprudenciais decorrentes daquele Tribunal, já que a jurisprudência relativa à liberdade de expressão construída na interpretação e aplicação do artigo 10º do CEDH oferecem critérios de grande utilidade para os tribunais nacionais.


No acórdão do STJ de 30.06.2011[23]infere-seque, de acordo com o artigo 10º do CEDH, o intérprete terá de seguir o caminho consistente, não a partir da tutela do direito à honra e considerar os casos de eventuais ressalvas, mas a partir do direito à livre expressão, e averiguar se têm lugar algumas das excepções do nº2 do citado artigo 10º do CEDH, caminho que saí reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, no seu artigo 11º, igualmente consagra a liberdade de expressão e de informação.


A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça passou a afinar pelo mesmo diapasão, de que são exemplos, o acórdão de 06.09.2016[24]:

“A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstracta.

De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objeto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.

Tendo sido veiculada informação jornalística que, no essencial, assenta em factos verdadeiros e que incidiu sobre temática com relevância pública, não pode concluir-se, apesar do dano daí advindo para outrem em termos de reputação e bom nome, pelo exercício ilícito do direito à liberdade de expressão e de informação.


Isto não deixa de ser válido pela circunstância dos factos aparecerem misturados com opiniões grosseiras e desprimorosas, quando se trata de informação veiculada por um jornal cujo estatuto editorial aponta expressamente para o uso da irreverência, sarcasmo, caricatura e hipérbole, bem como para o propósito de consciencialização cívica”.


O acórdão de 13.07.2017[25] estabeleceu que:

“Ocorrendo conflito entre os direitos fundamentais individuais – à honra, ao bom nome e reputação - e a liberdade de imprensa, não deve conferir-se aprioristicamente e em abstracto precedência a qualquer deles, impondo-se a formulação de um juízo de concordância prática que valore adequadamente as circunstâncias do caso e pondere a interpretação feita, de modo qualificado, acerca da norma do artº 10º da CEDH pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português - e tendo ainda necessariamente em conta a dimensão objectiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa, em que o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido se reporta, em última análise, à formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correcto funcionamento da democracia.

Não podem considerar-se ilícitos os artigos de opinião que – embora redigidos de forma mordaz, contundente e desprimorosa, se situam- no cerne do debate e crítica à acção política e governativa, traduzindo essencialmente juízos valorativos profundamente negativos sobre a capacidade e idoneidade política do visado - podendo este escrutínio público envolver a formulação de juízos valorativos claramente críticos e negativos e, consequentemente, implicar prejuízo à imagem do político visado como homem de Estado junto dos eleitores, sem que tal configure ilícita violação de direitos de personalidade.

As peças jornalísticas, situadas no âmbito da chamada imprensa cor de rosa, que referenciam e comentam aspectos da vida pessoal e relacionamentos do visado, situadas fora do perímetro da sua actividade política, não envolvem violação do direito à reserva da vida privada quando – como decorre da matéria de facto – o A. sempre tornou públicos aspectos da sua vida privada e familiar, participando abertamente em eventos sociais, concedendo entrevistas, participando em iniciativas e autorizando a publicação de imagens em revistas ditas cor de rosa.

Não geram ilicitude, traduzida em violação ilegítima dos direitos de personalidade, geradora de responsabilidade civil, as notícias, enquadradas em crónica social, em que se referem aspectos factuais que se apurou serem inverídicos ou inexactos – e envolvendo, nessa medida, violação de regras deontológicas do jornalismo - num caso em que, pela natureza dos factos em questão, tal divulgação não é objectivamente susceptível  de afrontar o direito à honra e consideração pessoal do visado”.


Finalmente, o acórdão de 31.01.2017[26]:

“ A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.

O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.

Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, como acontece em casos como o dos autos, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos.

Em sede de ponderação dos interesses em causa e seguindo-se uma metodologia de balanceamento adaptada à especificidade do caso, é de concluir ser a liberdade de expressão que, no caso concreto, carece de maior protecção.

Sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra dos recorrentes”.


**

A licitude da conduta dos réus


Perante o enquadramento jurídico que se deixou exposto, vejamos o caso concreto.

Importa saber se os factos provados conduzem a um juízo de exclusão da ilicitude da conduta dos réus, pois actuaram somente no âmbito do direito de liberdade de expressão e de informação e imprensa, estando subjacentes aos escritos que foram dados à estampa um manifesto interesse público.


Como vem exposto no acórdão do STJ de 6.9.2016, “a liberdade de expressão deverá ser vista como constituindo um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do pluralismo assente na tolerância, sendo que a liberdade de expressão e opinião vale também para as informações ou ideias que “melindram, chocam ou inquietam”. E assim, se a afirmação ou difusão de factos falsos deve ser havida como proibida e pura e simplesmente banida e responsabilizada penal e civilmente, já quanto aos factos verdadeiros a sua divulgação poderá ser admitida, desde que tal se efectue para assegurar um direito próprio ou um interesse público legítimo. É, no essencial, o que se passa no caso vertente.

Acrescente-se que, como também se apontou acima, o dever que incide sobre o jornalista de relatar com verdade e rigor não tem por que se cumprir sempre ou necessariamente mediante uma comprovação absoluta dos factos (o que a mais das vezes seria até impossível de concretizar), senão que a informação há-de possuir uma base factual objectiva razoavelmente credível, não sendo de excluir que o próprio jornalista extraia as suas conclusões ou ilações e as apresente como quase-factos. O que não é tolerável é o uso de factos fabricados, equívocos, levianos ou que traduzam meras suspeitas subjectivas ou boatos. Não é esta última, manifestamente, a situação vertente, e aqui divergimos por completo do entendimento da recorrente quando aduz que os réus se limitaram a fazer uso da mentira”.


Vejamos então se se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual geradores da peticionada indemnização decorrente da alegada ofensa ao bom nome dos autores, tomando como padrão de referência a jurisprudência do TEDH.


A responsabilidade civil por facto ilícito depende da verificação simultânea dos seguintes pressupostos: facto voluntário do agente, ilicitude do facto, nexo de imputação do facto ao agente, existência de dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano (artº 483º do CC).


Como bem refere a sentença da primeira instância, estão fundamentalmente em causa as reportagens publicadas nos dias 5, 12, e 19 de Setembro de 2013, em grande parte transcritas nos factos provados, respectivamente nos factos provados 26º e ss, 53º e ss e 63º e ss.


As reportagens abordam essencialmente a má situação financeira da cooperativa 1ª autora, detentora do KK, procurando encontrar as suas causas, relacionando-as com as suspeitas existentes sobre a actuação dos AA e CC enquanto dirigentes da cooperativa. Alude-se à divulgação de um currículo do 2º autor com menções académicas que não corresponderiam à verdade. Nessas reportagens constam algumas fotografias dos 2ºs AA, mas a fotografia contra a qual os AA se insurgem é a do seu retrato colocada de forma manipulada na imagem do cartaz do KK logo na 1ª reportagem.

Nessas reportagens utilizam-se, entre outras, expressões como “KK O THRILLER …”, “BB e CC suspeitos de alegadas ilegalidades no KK”, “O Instituto do Cinema e Audiovisual remeteu para as Finanças e a Inspecção-Geral das Actividades Culturais uma denúncia de supostas ilegalidades relacionadas com o KK e a cooperativa AA. A JJ seguiu o rasto das suspeitas. Descobriu uma realidade paralela, onde o certame de maior prestígio internacional se assemelha a um filme de série B, com guião de BB e CV”.

Na prática, aquilo sempre foi uma holding do BB e da CC. A cara do festival é ele, mas ela sempre se comportou como o Iznogoud, a personagem da BD, que quer ser califa no lugar do califa», assegura PP. «O KK sempre deu dinheiro para tudo e mais alguma coisa. É o quintal deles».

Aludindo a viagens a …, aquando do respectivo Festival de Cinema, “O grosso da equipa partilhava apartamentos ou águas-furtadas de meter medo ao susto longe do bulício reluzente do certame, mas nem por isso a preços módicos. BB e CC, porém, tinham os seus privilégios: na quinzena mais importante do cinema europeu, nunca prescindiam de um quarto com varanda, no glamoroso Hotel ,,,, virado para a marina e os iates das estrelas”. “A diária do …, no período do festival, não é para todos: oscila entre 440 e 550 euros”. “Nesses dias, e segundo testemunhos de vários membros da comitiva, BB e CC assistiam a poucos filmes, mas iam às recepções. Viam e eram vistos. No resto do tempo, BB dava corda ao cartão de crédito da cooperativa em jantares, compras e visitas ao mercado de antiguidades”. (art. 43º da p.i.).

O cartão de crédito atribuído a BB sempre fez furor. E deixou em sobressaltos secretárias da AA, na hora de tentar justificar despesas (…).

Após fazer referência a que, numa festa de aniversário dos cinquenta anos do A. BB que decorreu no Grande Hotel …, este teria sido “desafiado a vestir uma Tshirt com os dizeres I’ m a lesbian in a man´s body” e da passada militância em organizações maoistas, pode ler-se “confusões ideológicas e de género à parte, a factura do jantar, 2 900 euros, foi paga pela AA”.

“BB O ‘Relvas’ …?”, em letras destacadas e caracteres espessos, escreve o 1º réu: “«Tem o curso de … da New York Film School, de Comunicação Social da Escola de Jornalismo da UDL e de … da ESMAP» Até há pouco tempo, assim começava o currículo oficial de BB. Mas, se hoje acedermos à página oficial do Município …, damos pela falta destes canudos”.

Haverá sangue. Em circunstâncias normais este, seria o início de um artigo sobre mais uma edição do KK. Mas o Festival ameaça tornar-se agora o filme de terror da cooperativa AA, tendo o casal CC e BB como protagonistas. Depois das Finanças e da Inspecção Geral das Actividades Culturais, também o Ministério Público (MP) vai investigar as alegadas irregularidades e ilegalidades alegadamente cometidas no KK e na AA. A CASES (Cooperativa … para a Economia Social) entidade que fiscaliza o funcionamento do sector cooperativo, recebeu uma outra denúncia anónima na qual, ao que apurámos, são repetidas várias das suspeitas também chegadas ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), noticiadas pela JJ. A gravidade da suspeita levou igualmente a CASES a agir: no dia 29 de Agosto, remeteu à Procuradoria Distrital … o conteúdo do documento”.

Fuga ao fisco, contabilidade paralela, dupla facturação, falsificação do número de espectadores do KK e de documentos, apropriação dos bens da cooperativa para fins pessoais são algumas das suspeitas que pendem sobre a direcção de CC e BB. Neste momento, a cooperativa que organiza o Festival Internacional de Cinema … é visada em três inquéritos – um dos quais judicial – arriscando-se mesmo a perder, no próximo ano, o estatuto legal que lhe permite ter acesso a benefícios fiscais”.

“XX, ex-funcionária da AA, incluída no despedimento colectivo ocorrido em Março, assumiu igualmente que «a generalidade do artigo da JJ, naquilo que é do meu conhecimento corresponde à verdade». (art. 57º da p.i.).

 “Por fim, PP, antigo colaborador do KK e envolvido na organização do primeiro Baile dos Vampiros considera que a reacção de CC e BB só pode dever-se a «um problema de memória ou de abstracção da realidade, ou até mesmo de capacidade de gestão ou de interesse sobre o futuro do festival». Sem querer perder tempo «com minudências folclóricas que qualquer futuro e prometido escrutínio trará», PP questiona: «Como é que o KK chegou a esta situação e onde estão os recursos que foram gerados em décadas de existência? E, no que me diz respeito directo, como é possível que um evento que gerava anualmente quase 250 mil euros de apoios privados (apenas patrocínios e publicidade) cerca de dez anos depois está nesta situação e os perdeu todos?”[27].


No caso sub judice, o primeiro réu resolveu investigar a situação financeira da 1ª autora e do KK, na sequência de um notícia do jornal "MM", datada de … de Abril de 2013, assinada pela jornalista OO, que despertou o seu interesse, onde se dá conta de que a Cooperativa Autora iniciou um processo de despedimento colectivo, e que o BB referiu “Pode ser um pré-fim do KK mas fizemos isto para evitar o pior, «uma insolvência»”.


As críticas feitas nos relatos jornalísticos ora em destaque, designadamente nas reportagens de 5, 12 e 19 de Setembro, são mordazes e contundentes, não se podendo classificar as mesmas como sensacionalistas ou que infrinjam deveres deontológicos previstos no Estatuto do Jornalista[28].

Por outro lado e como bem se observa na sentença da primeira instância, “Como se não bastasse, dois dos 3 inquéritos terminaram com arquivamento sim, porém, um deles com dispensa de pena, porque efectivamente foram detectadas irregularidades, por exemplo, incongruências entre os fluxos de entrada na conta e os registos contabilísticos dos rendimentos da cooperativa, impossibilidade de associar diversos gastos suportados com o cartão de crédito ao objecto social da cooperativa, algumas dessas despesas referentes a viagens, etc., e que segundo o despacho final consubstanciavam crime de fraude fiscal, porém envolvendo valores não elevados, tendo os 2ºs AA regularizado a situação tributária no âmbito da inspecção levada a cabo pela AT, daí a dispensa de pena proposta.

Acresce que, como os próprios AA enfatizam na p.i tratavam-se de figuras públicas com exposição mediática, particularmente o 2º Autor, até então com uma boa relação com os media, não se escusando a fotografias e entrevistas. Como figuras públicas que eram gerindo também recursos públicos, posto que as subvenções públicas ao KK eram assinaláveis, ainda que não cobrindo a totalidade dos encargos com o festival, tendo os respectivos valores sido apurados nos autos de modo muito próximo ao que foi noticiado”.

E continua: “, os factos provados demonstram que o 1º réu fez uma investigação séria partindo de uma notícia divulgada noutro jornal. Era-lhe inteiramente legítimo tentar compreender quais as razões que levavam a que a 1ª autora e o seu festival, tão reputado e mobilizador, com patrocínios públicos e privados de elevada monta, tivesse chegado a uma situação de “pré-insolvência”. Para o efeito, o 1º réu consultou diversas entidades que apoiavam o festival, tomou conhecimento das denúncias, reuniu depoimentos de pessoas que faziam ou tinham feito parte da Cooperativa, incluindo dos seus órgãos sociais, algumas com largos anos de ligação ao festival.

Face aos elementos que foi recolhendo, entendemos que o 1º réu tinha fortes razões para acreditar, como acreditou, nas notícias que relatou (…)”.


E ainda: “Pela sua índole, os factos relatados, mesmo a mera suspeita (suficiente para dar dado azo a três processos de inquérito criminal), não obrigavam o 1º réu a adoptar um tom neutro, meramente descritivo, era-lhe lícito emitir juízos valorativos, uma opinião, como acabou por fazer ao falar em “filme de terror” ou de “série B”, e usar expressões como “tenha medo”, etc.. Isto não significa que estivesse imbuído de qualquer animosidade pessoal contra os AA ou visasse abalar a campanha e candidatura de LL, e muito menos estivesse conluiado com alguém neste propósito, não obstante a coincidência com o período eleitoral autárquico, e o facto de 1º réu saber, como era público, que o 2º autor era apoiante daquele candidato, para quem, objectivamente, as reportagens não eram favoráveis dadas as funções de vereador ocupadas pelo 2º autor”.

Para terminar, como bem salientou a primeira instância e com acerto, “As peças jornalísticas em causa não chegam ao patamar de violência e agressividade com que o TEDH já foi confrontado e considerou aceitável. Mesmo as expressões caricaturais usadas como “thriller …”, “Sei o que fizeste no KK passado…”, e “pesadelo no KK”, não são excessivas, revelando-se proporcionais aos factos descritos, mormente, às dúvidas sobre as reais causas do declínio financeiro da Cooperativa e à gestão empreendida pelos 2ºs AA. O declínio financeiro foi assumido pela 1ª autora quando procedeu ao despedimento colectivo (apesar de imputar as perdas de receitas ocorridas desde 2014 às peças do 1º Réu). O escrutínio da gestão de uma cooperativa como a 1ª Autora enquanto detentora do festival KK (um dos maiores, senão o maior, festival de … em Portugal, sobejamente conhecido do público), beneficiando de relevantes subvenções públicas tem óbvio interesse público e não apenas do público, por mais que os 2ºs AA se tenham sentido devassados na sua vida pessoal e profissional, para cuja confusão também contribuíram.

Em suma, as peças não traduziram um ataque gratuito e infundado dos AA como estes defendem na p.i., pelo que não vemos que haja violação de normas constitucionais, designadamente, desproporcional afectação do direito à honra e bom nome dos visados, quando no seu grosso as reportagens relatam factos que ocorreram, ou chegaram de modo credível ao conhecimento do 1º Réu, depoimentos prestados por pessoas directamente envolvidas na cooperativa com indicação dos respectivos nomes, e não confundem a suspeita de factos (como notícia em si mesma) com a ocorrência efectiva desses factos.

Conclui-se assim que o 1º Réu ainda actuou no âmbito da liberdade de informação e imprensa, a qual pode em determinada medida (a nosso ver não ultrapassada) comprimir direitos de personalidade como a honra das pessoas singulares e a boa reputação das pessoas colectivas, visadas pelas investigações jornalísticas, pelo que, não pode ser imputado ao 1º Réu e muito menos aos demais Réus qualquer actuação ilícita (e culposa), isto é, os artigos e peças jornalísticas publicados na revista JJ em Setembro de 2013 e Outubro de 2014 não podem qualificar-se como civilmente ilícitos”.


Ora, percorrendo o elenco factual em causa, não vemos que a publicitação de tais notícias seja, pela natureza dos factos em questão, susceptível de afrontar o direito à honra e consideração pessoal dos visados, ora autores e recorridos.


Haverá, assim, que concluir que, no caso dos autos, prevalecem os direitos dos recorrentes à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa e meios de comunicação social.


Concluindo, diremos ainda que a exclusão da ilicitude que se verifica no caso em apreço, obsta à análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil, porque prejudicada, o que acarreta a procedência do recurso de revista interposto pelos réus.


Procedem, assim, as conclusões dos réus, ora recorrentes.

SUMÁRIO[29]

I - A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstracta.

II - A isenção do jornalista não pode significar a narração acrítica e asséptica dos factos, desprovida de uma valoração crítica do seu significado político, social e moral, particularmente quando se trata da conduta de titulares de cargos públicos.

III - É hoje pacífico que os jornalistas não têm apenas uma ampla latitude na formulação de juízos de valor sobre os políticos, como também na escolha do código linguístico empregado. Admite-se que possam recorrer a uma linguagem forte, dura, veemente, provocatória, polémica, metafórica, irónica, cáustica, sarcástica, imoderada e desagradável.

IV - De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.

V - Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.

VI - A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.

VII - O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.

VIII - A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.


III - DECISÃO


Atento o exposto, concede-se provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido, por forma a prevalecer a sentença da primeira instância que julgou a acção improcedente.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 10 de Dezembro de 2019



Ilídio Sacarrão Martins (Relator)


Nuno Manuel Pinto Oliveira


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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[1]Nova redacção dada pelo acórdão recorrido – Cfr pág 151 e fls1418 do processo (Volume 6º)
[2]Nova redacção dada pelo acórdão recorrido – Cfr pág 151 e 152 e fls1418 e vº do processo (Volume 6º).
[3]Nova redacção dada pelo acórdão recorrido – Cfr pág 152 e fls1418 vº do processo (Volume 6º).

[4] Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, vol, V, pág 142 e A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671.
[5]Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág 141 e 142.
[6]Proc. nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/jstj
[7]Ac. RC de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
[8]Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, 2007, 572 e 573
[9]Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, 74
[10]A Glória, a Honra e o Poder – Observações sobre a liberdade de imprensa em democracia, RLJ, Ano 143º, nº 3984, 2014, pág. 179.
[11]Ob cit pág 575.
[12]Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome, Contributo para o Estudo do artigo 484º do Código Civil, Tempus Editores, 1996, 97.
[13]O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, 303-305.
[14]Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Almedina, 2011, págs 115 a 120.
[15]A Glória, a Honra e o Poder – Observações sobre a liberdade de imprensa em democracia, RLJ, Ano 143º, nº 3984, 2014, pág. 189.

[16]Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, pág. 52.
[17]Liberdade de Expressão, +Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, 80.
[18]In CJ STJ, II/94 pg. 54.
[19]Procº 07B566, in www.dgsi.pt/jstj
[20]Iolanda Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, pág. 17.
[21]Ob cit na nota de rodapé nº 9, pág 93.
[22]Vide casos enumerados por Iolanda S. Rodrigues de Brito, ob. cit., 165, nota 297
[23]Procº 1272/04.7TBBCL-G1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[24]Procº nº 60/09. 9TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[25]Procº nº 1405/07. 1TCSNT.L1.S1, in www.dgsi.pt
[26]Procº nº 1459/09. 5TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[27]Cfr Factos provados nºs 26º a 70º.
[28]Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, com a alteração da Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro, com a Declaração de Rectificação nº 114/2007, in DR 1ª Série nº 245, de 20 de Dezembro de 2007.
[29]Da responsabilidade do relator, nos termos do nº 7 do artigo 663º, ex vi artigo 679º do CPC.