Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO CONCLUSÕES FACTOR DE BONIFICAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 10/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I- Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto não cabe, legalmente, convite ao aperfeiçoamento das conclusões no recurso de apelação. II- O Recorrente que impugna a matéria de facto por blocos, não indicando em relação a cada um dos factos impugnados os concretos meios probatórios que imporiam uma solução diversa, não cumpre o ónus previsto no artigo 640.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil. III- A aplicação oficiosa do factor de bonificação 1.5 estabelecido na alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI, sendo questão de direito, cabe na previsão do artigo 74.º do Código de Processo de Trabalho. IV- A idade de 39 anos do sinistrado, o elevado grau da culpa exclusiva do empregador na ocorrência do acidente de trabalho e a gravidade das sequelas - IPP de 38,35% com IPATH e medicação analgésica permanente - são factores que justificam o valor de € 40 000,00 a título de danos não patrimoniais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4015/15.6T8MTS.P1.S1 Origem: Tribunal da Relação do Porto Recurso de revista Relator: Conselheiro Domingos Morais Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado Conselheiro Júlio Gomes Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. – Relatório 1. - AA intentou ação emergente de acidente de trabalho contra Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A; e Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., alegando, em resumo, que no exercício da sua atividade profissional, de lavador de veículos, para a primeira ré, sofreu um acidente, o qual ocorreu quando, em cumprimento de ordens do seu superior hierárquico, se deslocou à cobertura da oficina onde trabalha, para realizar a limpeza das caleiras e colocar um fio sinalizador para afastar as gaivotas. A cobertura é constituída por telhas de fibrocimento e telhas translúcidas de material plástico. Depois de ter realizado a limpeza das caleiras, quando tentava colocar o fio sinalizador para afastar as gaivotas, escorregou e caiu sobre uma placa translúcida da cobertura, de material plástico, que se partiu, tendo caído para o interior da oficina, numa altura de cerca de 8 metros, embatendo no chão de cimento. A tarefa de que o autor foi incumbido, não se enquadrava nas funções habituais por ele exercidas, sendo pontual – cerca de uma vez por ano. Apesar de ser na cobertura da oficina, a uma altura de cerca de 8 metros, a entidade empregadora não providenciou por qualquer formação, nem por qualquer meio de segurança, designadamente, não colocou plataformas/passadiços, de modo que a circulação não fosse feita diretamente sobre as telhas, nem forneceu arnês de segurança anti queda, fixado a linha de vida devidamente amarrada. Defende que o acidente se ficou a dever à violação culposa de observância das regras de segurança por parte da empregadora, devendo esta ser responsabilizada nos termos do artigo 18.º da LAT. Refere, ainda, que ficou limitado para a sua normal vida pessoal e social, incluindo ter ficado impossibilitado de praticar deportos – correr, andar de bicicleta, jogar futebol, voleibol e surf – bem como deixou de andar de mota. Terminou, pedindo a condenação das rés nos seguintes termos: 1) A condenação da 1ª ré (empregadora) no pagamento: a) da quantia de €4.851,41 de diferenças salariais de responsabilidade agravada no período de ITA de 21/8/2014 a 17/5/2016, acrescida de juros de mora desde a data de alta clínica e até efetivo e integral pagamento; b) da pensão agravada anual e vitalícia de €3.714,00 acrescida de juros desde 18/5/2016; c) da quantia de €26,95 de despesas de deslocação ao tribunal, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo pagamento; d) da quantia de €50.000,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento; 2) A condenação da 2ª ré (seguradora) no pagamento: a) da quantia de €852,05 de diferenças salariais de responsabilidade agravada no período de ITA de 21/8/2014 a 17/5/2016, acrescida de juros de mora desde a data de alta clínica e até efetivo e integral pagamento; b) da pensão anual e vitalícia de €2.599,80 acrescida de juros desde 18/5/2016. 2. - As rés contestaram a ação: 2.1. - A ré empregadora admitiu que, pontualmente, uma vez por ano, o sinistrado teria de proceder à limpeza das caleiras, tendo para o efeito de subir à cobertura da oficina, mas alega ser falso que esta seja composta unicamente por telhas de fibrocimento e placas translúcidas de plástico, já que nas extremidades - precisamente onde estão as caleiras - existe uma plataforma reforçada e também existem vigas sob as telhas de fibrocimento em determinadas zonas. Afirma desconhecer como ocorreu o acidente concretamente. Alega que existia uma prática definida e um conjunto de cuidados, gizados pela prática decorrente da execução destas tarefas, designadamente, a obrigação de os trabalhadores circularem exclusivamente no percurso delimitado nas caleiras que estão devidamente reforçadas – a cimento – para o efeito, e nunca realizarem as tarefas isoladamente. O sinistrado não cumpriu com estes dois deveres de cuidado, pese embora os soubesse e deles estivesse bem ciente. Foi o desrespeito grave das regras em vigor na entidade patronal que esteve na origem do acidente. O sinistrado saiu do percurso de segurança, apoiando-se sobre uma placa translúcida, que não é adequada para caminhar. A tarefa em causa já foi realizada no passado, por várias vezes e sempre sem acidentes. Defende que nos termos do disposto no art.º 14º da LAT, a conduta do sinistrado impõe a descaracterização do acidente e afasta a obrigação da entidade patronal reparar os danos decorrentes do acidente. Impugnou os demais factos alegados. Concluiu, pedindo a sua absolvição dos pedidos. 2.2. – A ré seguradora alegou que o trabalho que o sinistrado desempenhava aquando do acidente nada tinha a ver com as funções para efeitos da celebração do contrato de seguro, antes exercia actividade de todo em todo estranha ao objecto social da ré empregadora e, muito especialmente, às funções de um lavador de automóveis. Ademais, uma actividade altamente arriscada, de limpeza e conservação de cobertura industrial. Nunca tal lhe foi comunicado, sendo que as taxas comerciais a aplicar a contratos de seguro em que se cubra o risco de profissionais da área de serviços como a de venda e reparação de automóveis são muito inferiores às de actividades físicas como as da construção civil ou de trabalhadores em altura. Assim, porque a tarefa a que se dedicava o sinistrado aquando do acidente não se enquadra minimamente na actividade cujo risco era garantido pela apólice contratada, sendo mesmo muito mais perigosa, está a mesma excluída de tais garantias, devendo a contestante ser absolvida de todos os pedidos formulados. Em qualquer caso, defende assistir razão ao autor nas suas pretensões de ver o caso dos autos subsumido às previsões dos artigos 18.º n.º 1 e 79.º n.º 3 da Lei 98/2009. Efectivamente, o acidente decorreu apenas da absoluta falta de condições de segurança criadas pela ré empregadora para a execução dos trabalhos em altura em curso. Conjuntamente com a contestação requereu que o autor fosse submetido a exame por junta médica, apresentando quesitos para o efeito. Conclui, pedindo que seja declarado que o acidente decorreu da violação de regras de segurança pela ré empregadora, declarando-se a sua responsabilidade pelas prestações agravadas previstas no artigo 18.º da Lei 98/2009, bem como o direito de regresso da contestante relativamente às prestações que satisfez e vier a satisfazer e que seriam sempre devidas, não havendo actuação culposa. 3. - O autor respondeu às contestações das rés. A ré seguradora respondeu à contestação da ré empregadora. 4. - O Tribunal de 1.ª Instância decidiu: «Nestes termos, e face ao exposto: a) absolvo a ré Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A. do pedido contra si formulado nos autos; e b) condeno a ré Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A. no pagamento ao autor AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias: - €4.851,41 a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária; - na pensão anual, devida em 18/5/2016, no montante de €6.231,06, a qual ascende ao montante de €6.262,22 a partir de 1/1/2017; ao montante de €6.374,94 a partir de 1/1/2018; e ao montante de €6.476,94 a partir de 1/1/2019; - €4.510,25 a título de subsídio de elevada incapacidade; - €25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; quantia esta que vence juros de mora desde a citação ocorrida a 22/3/2017, à taxa de 4% até efetivo pagamento. Fixo em €130.214,06 o valor da presente acção (art. 120º do Código de Processo de Trabalho). Custas a cargo da ré Autovia, S.A. (..)». 5. – O autor e a ré empregadora apelaram, impugnando a matéria de facto e de direito, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido: “I. Recursos da Ré entidade empregadora a) Rejeita-se parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e, na parte admitida, julga-se parcialmente procedente; b) Julgar os recursos, na vertente da impugnação da decisão de direito, improcedentes, confirmando a sentença na parte recorrida. II. Recurso do sinistrado autor Julgar o recurso procedente, em consequência revogando-se a sentença na parte recorrida, que, em substituição, se altera como segue: a) Aplicando o factor de bonificação 1.5, previsto no n.º 5, das Instruções Gerais da TNI, passando a IPP de 38,35%, com IPATH, mercê dessa bonificação para uma IPP de 57,525%, com IPATH; b) Em consequência, altera-se o valor da pensão anual, devida desde 18/5/2016, para o valor de € 6 670,84 (seis mil seiscentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos), que mercê das actualizações previstas nas Portarias n.º 97/2017, n.º 22/2018 e n.º 23/2019, passa aos valores, respectivamente, de 6 704,19 €, a partir de 1/1/2017, de 6 824,87€, a partir de 1/1/2018 e, de €6.934,07 a partir de 1/1/2019, a qual será actualizável anualmente nos termos previstos na lei. c) Em consequência, altera-se o valor do subsídio por situação de elevada incapacidade, para o montante de € 4 828,71 (quatro mil oitocentos e vinte e oito euros e setenta e um cêntimos); d) Mais se altera o valor da indemnização por danos não patrimoniais, que se fixa em € 40 000,00 (quarenta mil euros). III. Quanto ao mais, inclusive na parte em que são fixados os juros de mora, mantém-se a sentença recorrida. Custas da acção e dos recursos a cargo da Ré Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC)”. 6. – A ré empregadora apresentou recurso de revista, concluindo, em síntese: 3. Não corresponde à realidade que a Recorrente não tenha demostrado que a impugnação pretendida relativamente aos pontos 32 da matéria de facto provada e 24, 25 e 26 dos quesitos constantes da base instrutória seria uma decorrência lógica da pretendida alteração ao art. 15.º. 4. A Recorrente impugnou o art. 15.º da matéria de facto dada como provada, no sentido de ser retirada a parte “não providenciou (como nunca o fez) por qualquer formação, nem por qualquer meio de segurança”, na medida em que, e em suma, da prova produzida e devidamente indicada pela Recorrente nas suas alegações de recurso, resultou que a Recorrente deu avisos expressos ao Recorrido sinistrado, tendo este sido igualmente alertado pelos colegas de trabalho, para que nunca se ausentasse do percurso de segurança (percurso em cimento), tendo o Tribunal a quo dado razão neste aspeto à Recorrente, ordenando a alteração do referido art. 15.º no sentido de ser retirado a parte “nem por qualquer meio de segurança”. 5. O facto provado 32.º da matéria de facto refere que o autor não tinha experiência em trabalhos em altura, sendo que os artigos 24.º, 25.º e 26.º dos quesitos constantes da base instrutória têm a seguinte redação: “- 24.º Na execução dessa tarefa, a ré empregadora impunha aos seus trabalhadores um conjunto de práticas de segurança, nomeadamente a obrigação de: c) Os trabalhadores circularem exclusivamente no percurso delimitado nas caleiras que estão devidamente reforçadas – a cimento – para o efeito; d) Nunca realizarem as tarefas isoladamente. - 25.º O que o autor não cumpriu e ignorou ainda os alertas dos colegas de trabalho que com ele executada a função. - 26.º O sinistrado ausentou-se do percurso de segurança, apoiando-se sobre uma placa translúcida.” 6. - Conforme se constata, todos estes pontos estão diretamente ligados ao ponto 15.º da matéria de facto dada como provada, existindo uma decorrência lógica daquele facto, 7. - Visto que, as ordens dadas pela Recorrente referentes às medidas de segurança, in caso, que o sinistrado circulasse pela parte em cimento, sempre acompanhado por outros colegas, e nunca sozinho, foram efectivamente dadas, conforme consta dos meios probatórios esmiuçados nas alegações de recurso e repetidas de seguida, 8. - Da mesma forma que todos meios de prova dirigidos à impugnação esses factos acabam por ser comuns a todos esses factos, nomeadamente: - o depoimento do próprio Autor - AA; o depoimento da testemunha BB; o depoimento da testemunha CC; o depoimento do administrador da Recorrente, DD. 9. Deste conjunto de passagens devidamente indicadas nas alegações de recurso resulta que as indicações dadas pela Recorrente eram claríssimas: os trabalhadores devem circular exclusivamente no percurso delimitado nas caleiras que estão devidamente reforçadas a cimento, para esse efeito, e irem sempre acompanhados, ou seja, não era permitido irem sozinhos ao telhado, deviam estar pelo menos dois trabalhadores. 10. Não faria sentido “partir” e repetir as passagens dos depoimentos para cada um daqueles factos impugnados, quando são exatamente os meios probatórios são exatamente os mesmos para esses factos, tendo em conta a relação e encadeamento entre eles 11. Por fim, a Recorrente pugnou pela alteração da matéria de facto relativo àqueles pontos: no caso do art. 32, ser considerado como não provado, e no caso dos arts. 24.º, 25.º e 26.º dos quesitos serem considerados como provados. 12. O mesmo aconteceu com a impugnação dos arts. 21, 22, 26, 27, 28 e 43 dos factos provados que dizem respeito a supostas limitações físicas do Recorrido após o acidente e as actividades que o Recorrido supostamente deixou de fazer. 13. O que a Recorrente logrou provar de forma a impugnar esses factos foi precisamente mostrar a prova produzida relativamente ao facto de, após ter alta, o Recorrido se manter cerca de um ano e um mês a laborar nas instalações da Recorrente, desempenhando exatamente nas mesmas funções que desempenhava antes do acidente, e no mesmo horário de trabalho, sem qualquer tipo de limitação física. 14. E é nesse sentido que faz referência ao Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível e ao Boletim da Alta emitido pela Companhia de Seguros Fidelidade, bem como o depoimento do próprio Recorrido em minutos 00:26:53 e do administrador da Recorrente em minutos 00:15:35 a 00:21:05, que referem, em suma, que o Recorrido continuou a lavar carros, tarefa que exige bastante esforço físico, que implica que o trabalhador se mantenha sempre de pé, carregando pesos, como máquinas de pressão, aguantando a pressão da água e a força que a mesma faz nos braços e restante corpo, e nunca revelou qualquer queixa à entidade patronal, executando as suas tarefas de igual forma que até então. Mais, nenhum dos superiores hierárquicos do Recorrido notou qualquer decréscimo na sua produtividade, nem tampouco na qualidade dos trabalhos efectuados. 15. Pois se se o Recorrido estava apto a trabalhar, continuando a exercer a sua actividade, nas funções descritas, não é possível que tenha deixado de praticar outro tipo de actividades menos duras e tenha ficado com as limitações físicas descritas naqueles pontos da matéria de facto, 16. Assim, a Recorrente cumpriu na íntegra cada um dos requisitos previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC: indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas. 17. A impugnação da matéria de facto feita pela Recorrente encontra-se perfeitamente perceptível e em cumprimento dos requisitos legais, não tendo ficado qualquer uma das outras partes com o seu direito de resposta dificuldade, até porque, como se viu, todas elas responderam às alegações da Recorrente em todos os pontos que a elas lhes era desfavorável, não tendo invocado qualquer limitação nesse aspecto. 18. Por outro lado, considera a Recorrente que a forma não deverá castrar a substância. 19. No entanto, e ainda que o tribunal a quo considerasse que a Recorrente não havia cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto nos termos do art. 640.º do CPC, tal como considerou, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, e não uma rejeição automática. 24. A falta de convite ao aperfeiçoamento, redunda numa clara violação do princípio da proibição da indefesa, previsto nos normativos legais supra referidos, bem como na violação do direito a um processo equitativo, que compreende em si mesmo o princípio da igualdade de armas que pressupõe o equilíbrio entre as partes quanto aos meios processuais de que dispõe na sua defesa. 25. Pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, por violação do disposto nos artigos 640.°, nº 1, alínea a), 639. °, nº 3 e 3.°, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, e ainda o artigo 20.° nº 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo os presentes autos baixar à 2.ª Instância, para cumprimento do devido convite, antes da prolação da decisão. 26. Quanto ao recurso do Autor sinistrado, o tribunal a quo julgou o recurso procedente, revogando a sentença na parte recorrida que, em substituição, ordenou a alteração no sentido de aplicar o factor de bonificação 1.5, previsto no n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, passando a IPATH de 38,35€, com IPATH para uma IPP de 57,525% com IPATH, e consequente alteração do valor da pensão anual, devida desde 18/05/2016, para o valor de €6.670,84 passando a 6.7.04,19€ a partir de 1/1/2017; €6.824,87 a partir de 1/1/2018 e de 6.934,07 a partir de 1/1/2019, e alteração do subsídio por situação de elevada incapacidade para o montante de €4.828,71. 27. Para o efeito referiu que, “inexplicavelmente, na decisão final não á qualquer referência à questão de saber se o facto de bonificação 1.5 deveria ou não ser aplicado.”. 28. Não foi de forma “inexplicável” que na sentença nada tivesse constado acerca do fator bonificação. 29. Tal como refere o Recorrido nas suas alegações, no exame realizado por junta médica em 30-11-2017 foi arbitrada uma incapacidade global de 38,35%. 30. O Recorrido, no apenso B dos presentes autos, solicitou que fosse ordenado aos Srs. Peritos a aplicação do factor de bonificação previsto na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho, ou resultante da fixação de IPATH. 31. O tribunal a quo determinou que aquela era uma questão de direito a ser pronunciada na decisão final do apenso, sendo-o em 19-3-2019, onde fixou a IPP em 38,35% com IPATH e perante tal decisão, o Recorrido dela não recorreu ou reclamou, dando-se assim como assente e consolidado tal facto. 32. Acresce que, para além de o Recorrido não ter peticionado pela aplicabilidade cumulativa do factor bonificação de 1.5 estabelecido na al. a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI na petição inicial, igualmente não peticionou pela ampliação do pedido, tempestivamente, faculdade prevista no art. 265.º, n.º 2 do CPC. 33. Ora, o Recorrido não pode, através das alegações de recurso, ampliar o pedido constante da petição inicial. Menos ainda pode o Tribunal aderir a tal pedido. 34. E foi isso que tentou (e pelos vistos conseguiu) fazer ao pugnar por decisão que aplique o factor bonificação de 1,5, e que o subsídio seja calculado com base numa IPP de 57,23%, no valor de € 4.828,66. 35. Nos termos do artigo 260.º do CPC, que consagra o princípio da estabilidade da instância, sendo apresentada a petição inicial, é dada a conhecer ao réu através da citação, e a partir desse momento a instância torna-se estável quanto às pessoas e quanto ao objeto. 36. O Recorrido ao suscitar novas questões, que em momento algum do processo, nomeadamente no apenso B, foram impugnadas e, consequentemente, contestadas e apreciadas, e por isso foram dadas como assentes, surpreendeu o tribunal a quo com novas questões. 37. Pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade quanto à pronúncia da aplicabilidade do fator de bonificação e consequente alteração da consequente alteração do valor da pensão anual, devida desde 18/05/2016, para o valor de €6.670,84, passando a 6.7.04,19€ a partir de 1/1/2017; €6.824,87 a partir de 1/1/2018 e de 6.934,07 a partir de 1/1/2019, e alteração do subsídio por situação de elevada incapacidade para o montante de €4.828,71, nulidade essa que expressamente se invoca, para os devidos e legais efeitos. 38. O tribunal a quo discordou com o tribunal de 1ª instância ao alterar o valor de indemnização por danos não patrimoniais de €25.000,00 para €40.000,00. 39. Para o efeito, refere que o tribunal de 1ª instância não valorizou os danos que vão para além das dores e sofrimento pelas lesões, internamentos, cirurgias e demais tratamentos, em concreto, os que se referem aos factos 21, 22, 25, 26, 27, 28, 40, 41, 42 e 43 dos factos provados. 40. Não pode a Recorrente concordar com tal interpretação feita pelo tribunal a quo, na medida em que, tal como se pode aferir da sentença, o tribunal de 1ª instância, para determinação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais, teve precisamente em conta todos aqueles pontos da matéria de facto dada como provada. 41. Tal como consta da sentença “nesta ponderação importa relevar as fortes dores e sofrimentos físicos e emocionais sofridos pelo autor no momento do acidente e posteriormente (decorrentes das lesões, de seu internamento superior a dois meses, das seis intervenções cirúrgicas e das limitações funcionais temporárias e permanentes que lhe advieram”, especificando ainda os concretos pontos de facto da matéria de facto provada que sustentam tal decisão “pontos 17 a 29, 39 a 43 dos factos provados”. 42. Assim, o tribunal a quo mais que não fez do que, e uma vez mais, castrar aquele que foi o sentido da justificação, in casu, do tribunal de 1ªa instância, o que nem tão pouco se justifica, pois que os concretos pontos da matéria de facto provada que sustentaram a sua decisão estão expressamente referidos na sentença. 43. Não obstante, sempre se dirá que, tendo em conta a impugnação da matéria de facto provada relativa aos pontos 32, 22, 26, 27, 28 e 43, e dos factos controvertidos 21, 24, 25 e 26 feita pela Recorrente, que não foi apreciada pelo tribunal a quo, e do qual supra se recorreu, 44. E considerando que a decisão relativa ao valor indemnizatório por danos não patrimoniais se baseou em grande parte naqueles factos, aquela fica prejudicada por estes, 45. Igualmente nesta parte, e caso esse Venerando Tribunal decida pela descida dos autos à 2ª instância para apreciação ou convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto impugnada, o que se impõe, deverão os autos ser remetidos à 2ª instância, visto que a determinação do valor de indemnização por danos patrimoniais depende directamente dos factos 32, 21, 22, 26, 27, 28 e 43. 46. Acresce que, não obstante o supra exposto, entende o Recorrente que o valor da indemnização por danos patrimoniais determinada pelo tribunal a quo – 40.000,00€ - revela-se manifestamente despropositada, excessiva e desproporcional. 7. - O autor não apresentou contra-alegações. 8. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 9. – O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedentes as nulidades invocadas pela recorrente no recurso de revista. 10. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto 1. - Nas instâncias ficou assente a seguinte decisão sobre a matéria de facto: 1. O autor nasceu a .../.../1975. 2. O autor presta serviço para 1ª Ré, nas instalações da mesma em .... 3. Exerce as funções de lavador de veículos. 4. No dia 20.08.2014, pouco antes das 16H00, o autor subiu à cobertura da oficina onde trabalha, para realizar a limpeza das caleiras, e de onde caiu. 5. O autor caiu para o interior da oficina, numa altura de cerca de 8 metros, embatendo no chão de cimento. 6. Esta tarefa não se enquadra nas funções habituais exercidas pelo autor, sendo pontual – cerca de uma vez por ano. 7. O autor manteve-se de baixa médica até 17 de Maio de 2016. 8. Na data do acidente o autor auferia a remuneração anual de €7.645,00. 9. O autor recebeu da ré seguradora a quantia de €8.853,79 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária. 10. A ré empregadora é uma empresa que tem por objeto o comércio a retalho de veículos automóveis ligeiros e pesados, motociclos, bicicletas com e sem motor, reboques, semirreboques, acessórios e componentes, importação e exportação, oficina e stand e o exercício da atividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor. 11. A responsabilidade infortunística, emergente do trabalho subordinado dos colaboradores da ré empregadora, encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré Seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...47, e por referência ao vencimento anual do autor de €7.040,00. 12. O autor subiu à cobertura da oficina, conforme o referido em 4., no cumprimento de ordens dadas pelo seu superior hierárquico. 13. Essa cobertura é constituída por telhas de fibrocimento e telhas translúcidas de material plástico. 14. Já em cima da dita cobertura, quando tentava colocar o fio sinalizador para afastar as gaivotas, eis que escorregou e caiu sobre uma placa translúcida da cobertura, de material plástico, que se partiu. 15. Apesar de ser na cobertura da oficina, a uma altura de cerca de 8 metros, a entidade empregadora do autor, a ora 1ª Ré, não providenciou (como nunca o fez) por qualquer formação, nem por qualquer meio de segurança: - Não colocou plataformas/passadiços de modo que a circulação não fosse feita directamente sobre as telhas; - Não forneceu arnês de segurança anti queda, fixado a linha de vida devidamente amarrada. 16. Como consequência direta e necessária do acidente, o autor foi transportado para o Hospital ..., em ..., onde lhe foi diagnosticado traumatismo torácico, da coluna lombar, omoplata esquerda, da bacia e do cotovelo esquerdo. 17. Esteve internado nesse hospital durante dez dias, onde realizou uma intervenção cirúrgica ao cotovelo esquerdo e à bacia. 18. Após, passou a ser tratado nos serviços clínicos da 2.ª Ré, no Hospital ..., ..., onde deu entrada no dia 02.09.2014. 19. Neste hospital foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas ao cotovelo esquerdo e à bacia. 20. Ficou internado neste último hospital de 02.09.2014 a 07.11.2014, de 15.10.2015 a 19.10.2015 e de 17.11.2015 a 18.11.2015. 21. Apesar de clinicamente curado, o autor ficou a padecer: - Dificuldades em permanecer deitado, sentado e de pé durante períodos prolongados; - Não consegue correr nem saltar; - Dores na região ilíaca direita (região nadegueira) em relação com esforços e em decúbito; - Dor lombar em decúbito e com esforços, associada a formigueiros e cãibras na face posterior da perna direita; - Alteração da sensibilidade no pé direito; - Dor no cotovelo esquerdo com esforços e ao toque da face medial; - Parastesias no quinto dedo da mão esquerda, associada ao toque na face medial do cotovelo; - Parastesias no pé direito; - Dificuldades nas tarefas domésticas que exijam esforços físicos; - Dificuldade em erguer e transportar com a mão esquerda objectos com peso superior a 5 kg. 22. O autor deixou de correr, andar de bicicleta e de mota, jogar futebol, voleibol e praticar surf, atividades que praticava. 23. O autor fez sessões de fisioterapia. 24. As intervenções cirúrgicas e os tratamentos foram muito dolorosos. 25. Antes do acidente, era uma pessoa saudável, sem qualquer defeito físico e/ou limitação. 26. As sequelas do acidente deixaram o autor com uma sensação de insegurança e de diminuição física. 27. Passou a sentir dificuldades na realização das tarefas domésticas que exijam esforço físico, como transportar pesos (ex. compras de supermercado) com a mão esquerda superiores a 5kg, fazer pequenos trabalhos de bricolage, arrastar móveis para limpeza. 28. Tem dificuldades em estar ou deslocar-se a pé durante períodos prolongados e subir escadas. 29. Nas extremidades da cobertura - precisamente onde estão as caleiras - existe uma plataforma reforçada e também existem vigas sob as telhas de fibrocimento em determinadas zonas. 30. O autor sabia que as placas translúcidas não são adequadas para se caminhar, já que não suportam o peso de um homem adulto. 31. Tratava-se de um telhado já com mais de 10 anos de uso, cujas placas haviam sido sujeitas Verões e Invernos sucessivos. 32. O autor não tinha experiência de trabalhos em altura. 33. Não foi efetuado qualquer exame ao autor para saber se o mesmo sofria de vertigens, tonturas e se tinha ou não a robustez e capacidade física adequadas à realização de trabalhos em altura. 34. Para além do referido em 15. a 1ª ré não providenciou, também, pela colocação de redes anti queda por debaixo da zona em que o sinistrado e seu colega estavam a trabalhar. 35. O autor padeceu de um período de ITA desde 21/8/2014 a 17/5/2016 (636 dias). 36. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 17/5/2016. 37. Por força das sequelas o autor ficou afetado de uma IPP de 38,35%, com IPATH. 38. A título de indemnização por incapacidade temporária a ré seguradora pagou ao autor a quantia de €8.472,79. 39. O quantum doloris, relativo ao sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo autor na sequência das lesões sofridas, é fixável no grau 5 de uma escala de sete graus de gravidade crescente. 40. O autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixável em 28 pontos. 41. O dano estético que o autor sofreu, resultante das cicatrizes e deformidade da mão direita, é fixável no grau 2 de uma escala de sete graus de gravidade crescente. 42. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer (a que o autor se dedicava e referidas no ponto 76.) é fixável no grau 3 de uma escala de sete graus de gravidade crescente. 43. O autor necessitará de medicação analgésica permanente. 44. De acordo com a apólice que titula o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre as rés, este foi celebrado na modalidade de prémio variável, tendo por objeto o pessoal ao serviço do tomador do seguro e em relação à atividade de comércio de automóveis. * De resto não se provaram os factos constantes dos quesitos 12º, 23º (em relação aos trabalhos que o autor executava no telhado), 24º, segunda parte do quesito 28º e quesito 29º. III. – Fundamentação de direito. 1. – Do objeto do recurso de revista. - Das nulidades do acórdão recorrido. - Da rejeição parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. - Do convite ao aperfeiçoamento. - Da aplicação do factor de bonificação 1.5, previsto no n.º 5 das Instruções Gerais da TNI. - Da alteração do valor da indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 para € 40.000,00. 2. – Das nulidades do acórdão recorrido. 2.1. - A recorrente alegou que “a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade, por violação do disposto nos artigos 640.°, nº 1, alínea a), 639. °, nº 3 e 3.°, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, e ainda o artigo 20.° nº 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo os presentes autos baixar à 2.ª Instância, para cumprimento do devido convite, antes da prolação da decisão” e por excesso de pronúncia quanto à aplicabilidade do fator 1.5. Violou, assim, o Tribunal a quo o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, no dizer da recorrente. 2.2. - Em síntese, a recorrente entende que mesmo admitindo que não tenha cumprido o preceituado no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, deveria o Tribunal da Relação ter formulado convite de aperfeiçoamento sobre esse incumprimento. E que esse mesmo Tribunal incorreu em excesso de pronúncia ao aplicar o factor 1.5. 2.3. – Como bem considerou o Tribunal da Relação, no acórdão que apreciou as nulidades invocadas pela recorrente, “o que importa sublinhar é que este Tribunal deixou expressa e claramente afirmado na fundamentação que as conclusões cumpriam o que se entende suficiente. O que se apontou foi as alegações serem deficientes. Ora, com o devido respeito, contrariamente ao que afirma a recorrente, as alegações não são susceptíveis de serem objecto de convite ao aperfeiçoamento [cfr. art.º 639.º n.º 3, do CPC], não havendo fundamento legal para defender que “sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações”, pressuposto em que estriba a alegada violação do “princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 3.° do Código de Processo Civil [..]». Na verdade, o que a recorrente alegou na conclusão 19.ª é que “ainda que o tribunal a quo considerasse que a Recorrente não havia cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto nos termos do art. 640.º do CPC, tal como considerou, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, e não uma rejeição automática.”. (negrito nosso) O artigo 639.º - Ónus de alegar e formular conclusões - do CPC dispõe: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.”. (negritos nossos) Decorre do citado normativo que versando o recurso sobre matéria de direito, quando as conclusões – e não as alegações - sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas ..... o relator deve convidar o recorrente a completá-las. Mas quando o recurso versa sobre matéria de facto é aplicável o artigo 640.º do CPC, que determina: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (...)”. (negrito nosso). Neste particular, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127 e 128., escreve: “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. É verdade que, depois de no corpo do nº 1 se prever a “rejeição” do recurso se alude no nº 2, al, a), à “imediata rejeição”, o que poderia suscitar dúvidas sobre uma eventual duplicidade de situações que se pretenderam regular. Todavia, apesar da utilização de expressões não inteiramente coincidentes, as mesmas significam que o efeito de rejeição não é precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento. Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito.”. (sublinhado nosso) No sentido de que não cabe, legalmente, convite ao aperfeiçoamento das conclusões em sede de recurso da matéria de facto, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, nos acórdãos: de 07.07.2016, proc. n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1; de 14.07.2016, proc. n. ° 111/12.0TBAW. G1.S1; de 27.10.2016, processo n.° 3176/11.8TBBCLG1.S1; de 27.09.2018, proc. n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, todos in www.dgsi.pt, consignando este último: “Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento das conclusões, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto matéria de direito e já não quanto matéria de facto.”. [cf. ainda, no mesmo sentido: Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, p. 462; Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 3a ed., 2015, p. 820]. Inexiste, pois, a invocada nulidade processual por violação do princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. 2.4. - Sobre a alegada nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, o Tribunal da Relação considerou: “Cremos que a fundamentação do acórdão é bem clara ao explicar as razões que nos levaram a considerar cumprir a este Tribunal da Relação pronunciar-se quanto ao factor de bonificação 1.5. Note-se que a recorrente tão pouco traz qualquer argumento novo, nomeadamente, para pôr em causa o que se deixou afirmado no acórdão.”. No acórdão recorrido foi consignado: “Resulta do requerimento apresentado pelo sinistrado, bem como da resposta da entidade empregadora que a questão da aplicação do factor de bonificação 1.5 foi suscitada perante o tribunal a quo e tornou-se controvertida. A senhora Juíza, no despacho proferido imediatamente a seguir e acima transcrito, refere que “a junta médica que se constituiu é do parecer que o mesmo não é aplicável quando se considera ocorrer uma situação de IPATH, (..). No entanto, e de qualquer modo, tal questão é de direito e sobre a mesma este Tribunal pronunciar-se-á em decisão final do presente apenso”. Depreende-se daquela referência que os Senhores Peritos médicos que maioritariamente se pronunciaram pela IPATH, não fora terem aquele entendimento sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5, dito de outro modo, entenderem não ser aplicável cumulativamente com a atribuição de IPATH, teriam procedido à sua aplicação ao caso. Mas refere ainda a Senhora Juíza, e bem nesse ponto, “de qualquer modo, tal questão é de direito”, para deixar consignado que procederá à sua apreciação “em decisão final do presente apenso”. (…). Contudo, inexplicavelmente, na decisão final não há qualquer referência à questão de saber se o facto de bonificação 1.5, deveria ou não ser aplicado. (…). “A controvérsia que existiu na jurisprudência sobre a interpretação da al. a), nomeadamente quanto à questão de saber se era compatível a aplicação do factor de bonificação 1.5, nas situações de IPATH, levou à prolação do Acórdão do STJ, nº 10/2014, in DR, I Série, de 30-06-2014, uniformizando jurisprudência no sentido de «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente». (…). Assim, sendo ponto assente que o Tribunal a quo fixou ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 38,35% com IPATH, no nosso entender, por decorrência lógica, num passo seguinte, deveria ter procedido à aplicação do facto de bonificação 1.5. Como assim não procedeu, em consonância com o entendimento afirmado - e fazendo-se notar que a atribuição de IPATH não foi sequer objecto de recurso -, cabe reconhecer razão ao recorrente, procedendo esta Relação à sua aplicação com a consequente alteração da sentença nessa parte.”. Decorre do trecho transcrito que a questão da aplicação do factor de bonificação 1.5 é discutido nos autos após a notificação às partes do Auto de Exame por Junta Médica, face ao requerimento apresentado pelo autor no apenso para a fixação de incapacidade, como a recorrente reconhece nos pontos 30 e 31 das conclusões do recurso de revista. A partir daqui, a sua aplicação no acórdão recorrido poderá constituir um eventual erro de julgamento, mas não a invocada nulidade por excesso de pronuncia. Improcede a invocada nulidade do acórdão recorrido. 3. - Da rejeição parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 3.1. - No acórdão da Relação pode ler-se: “A impugnação cumpre os necessários ónus de impugnação na parte em que é dirigida aos factos 12 e 15, que se mostram individualmente impugnados, sendo indicados os meios de prova concretos, (…). Mas já assim não acontece quanto aos factos seguintes: - facto provado 32.º, que se pretende não provado; - factos controvertidos 24.º, 25.º e 26.º, que se querem provados; - factos provados 22, 24, 26, 27, 28 e 43, que se pretendem não provados; - facto controvertido 21.º, que se pretende seja “considerado expressamente não provado o facto 21.º”. (…). Não se encontra nas alegações a indicação de qualquer meio de prova dirigida à impugnação destes factos, nem tão pouco qualquer argumento para defender e demonstrar que a impugnação pretendida seria uma decorrência lógica da pretendida alteração à redacção do facto provado 15.º. Mas para além disso, nem tão pouco pode ser considerada essa possibilidade, posto que cada um destes factos consubstancia uma afirmação concreta e precisa, não sendo, nem podendo ser por razões lógicas, o reverso da parte do facto 15 que se quer alterada, logo, da eventual alteração a este facto provado não podendo de todo decorrer, como efeito necessário, a alteração daquele conjunto de factos. No que respeita aos factos provados 22, 24, 26, 27, 28 e 43, que a recorrente pretende passem a considerar-se não provados, a situação é nítida, em concreto, estamos perante uma impugnação em bloco. A recorrente indica meios de prova - Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, Boletim de Alta emitido pela Companhia de Seguros Fidelidade; declarações do sinistrado e do administrador da recorrente -, sendo que no caso dos depoimentos precisa onde se localizam e transcreve-os, mas vai discorrendo em termos gerais, sem especificar a que facto concreto daqueles se refere, qual a prova para esse facto e quais as razões, ou seja, sem proceder a uma impugnação individualizada relativamente a cada facto impugnado, (…); não há uma impugnação individualizada de cada um dos factos, suportada em meios de prova indicados para esse e justificada com uma apreciação crítica dessa prova, no sentido de justificar a sua posição e convencer quanto à sua pertinência. Pelo contrário, a recorrente impugna-os conjuntamente, com base nos mesmos meios de prova, usando uma argumentação genérica, para depois concluir que todo aquele conjunto de factos deve ser considerado não provado.”. A Recorrente alega nas conclusões do recurso de revista que cumpriu na íntegra cada um dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 640.º do CPC. 3.2. - Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”. Em comentário ao citado artigo, António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129, escreve que “(…) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); (…), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos regras muito precisas (…)”, acrescentado ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”. No que reporta, em particular, quanto ao ónus de especificação previsto na alínea b), deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, ou seja, impõe tal normativo que o impugnante, devidamente, evidencie a justificação e bondade da impugnação a que procede, enunciando os concretos meios de prova que permitam concluir nesse sentido, quanto a cada ponto da matéria de facto impugnado. E sobre a obrigatoriedade da individualização dos meios probatórios a cada um dos factos impugnados, com a inerente indicação exacta das passagens da gravação, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em vários Acórdãos, como por exemplo: O Acórdão de 05.09.2018, proc. n.º 15787/15.8PRT.P1.S2: “A alínea b), do n.º 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos de matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto em blocos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos impugnados”. O Acórdão de 20.02.2019, proc.1338/15.8T8PNF.PI.S1: “O artigo 640.°, n.°1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.”. O Acórdão de 29.01.2020, proc. n.º 5653/16.5T8BRG.G1.S1: “Não cumpre os ónus previstos no artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil o Recorrente que impugna a matéria de facto por blocos, não indicando em relação a cada um dos factos impugnados nem a redação alternativa que propõe, nem tão-pouco os concretos meios probatórios que imporiam uma solução diversa.”. O Acórdão de 24.06.2020, Proc. n.º 6745/17.9T8VNF.G1.S1: “Não cumpre o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a recorrente, que pretendendo impugnar a decisão relativa à matéria de facto, apenas no plano documental, não especificou nas suas alegações, os concretos meios de prova, por referência a cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados, que imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância.”. O Acórdão de 25.11.2020, proc. n.º 950/18.8T8VIS.C2.S1: “A Recorrente, na apelação, não concretizou, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, limitando-se a proceder a uma indicação genérica e em bloco para um conjunto de factos, sem indicar os concretos meios de prova - documentos e as passagens de cada um dos depoimentos que discrimina - que impunham a pretendida alteração; não se mostra assim cumprido, pela apelante, o ónus exigido pelo artigo 640.º n.º1, al. b), do CPC.”, todos in www.dgsi.pt. E mais, recentemente, o Acórdão do STJ de 21.09.2022, proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1: “(…), impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”. 3.3. – No iten “B. Motivação. Da matéria de facto incorrectamente julgada e da prova produzida a) Da descaracterização do acidente de trabalho por desrespeito pelo Recorrido das ordens e regras de segurança impostas pela Entidade Patronal:” das alegações do recurso de apelação, a Ré recorrente escreveu: “E o facto 32 constante da sentença ser considerado como não provado. Bem como devem ser considerados como provados os factos 24.º, 25.º e 26.º dos quesitos constantes da base instrutória, nomeadamente que: “24.º Na execução dessa tarefa, a ré empregadora impunha aos seus trabalhadores um conjunto de práticas de segurança, nomeadamente a obrigação de: a) os trabalhadores circularem exclusivamente no percurso delimitado nas caleiras que estão devidamente reforçadas – a cimento – para o efeito; b) nunca realizarem as tarefas isoladamente. 25.º O autor não cumpriu e ignorou ainda os alertas do colega de trabalho que com ele executava a função. 26.º O sinistrado ausentou-se do percurso de segurança, apoiando-se sobre uma placa translucida.”. No entanto, não indicou qualquer meio probatório dirigido à impugnação de cada um destes factos, passando de imediato para alínea b) do iten B das alegações: “b) Da condenação da Recorrente ao pagamento de indemnização ao Recorrido pela sua incapacidade permanente e pelos danos não patrimoniais:”, escrevendo: “Resulta dos factos provados que: “O autor deixou de correr, andar de bicicleta e de mota, jogar futebol, voleibol e praticar surf, atividades que praticava” – facto provado 22; “As sequelas do acidente deixaram o autor com uma sensação de insegurança e de diminuição física” – facto provado 26; “Passou a sentir dificuldades na realização das tarefas domésticas que exigiam esforço físico, como transportar pesos (…), fazer pequenos trabalhos de bricolage, arrastar móveis para limpeza” – facto provado 27. “Tem dificuldades em estar ou deslocar-se a pé durante períodos prolongados e subir escadas” – facto provado 28. Ora, salvo o devido respeito, mal esteve o tribunal a quo ao considerar estes factos como provados, como se verá de seguida.”. E depois de ter mencionado elementos de prova documentais e testemunhais (com excerto de transcrições) no geral, sem a indicação concreta de tais elementos de prova a cada um desses factos, concluiu: “Assim, não deveriam ter sido considerados provados os factos 22, 24, 26, 27, 28 e 43 constantes da douta sentença, devendo os mesmos passar a constar como factos não provados. Bem como deverá ser considerado expressamente não provado o facto 21.º da base instrutória, acerca da necessidade de esforços suplementares no exercício da sua profissão (lavar e aspirar carros e colocar matrículas).”. Ou seja, ao bloco inicial – 22.º, 26.º, 27.º, 28.º – acrescentou agora os 24.º, 43.º e 21.º também sem discriminar os concretos meios probatórios relevantes e as passagens exatas da gravação para cada um desses factos. Além disso, o bloco dos factos 21.º, 22.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º e 43.º não constitui matéria interligada, já que, por exemplo, no facto 21.º estão descritas as sequelas de que o autor padece em consequência do acidente de trabalho sofrido; o ponto 24.º faz menção às dores sofridas pelo autor durante as operações cirúrgicas e tratamentos e o ponto 43.º perspectiva a necessidade de medicação analgésica permanente. Confirma-se, nesta parte, o acórdão recorrido. 4. - Do convite ao aperfeiçoamento. 4.1. - A recorrente alegou: “ainda que o tribunal a quo considerasse que a Recorrente não havia cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto nos termos do art. 640.0 do CPC, tal como considerou, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento das alegações, e não uma rejeição automática.”, caso contrário, “entende ter sido violado o princípio do contraditório e o princípio da proibição da indefesa, previstos no art. 3.° do CPC e no art. 20.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade por violação do disposto nos artigos 640.°, n.° 1, alínea a), 639.°, n.° 3 e 3.°, n.°s 1, 2 e 3 do CPC e ainda o art. 20o, n.°4 da CRP.”. Damos aqui por reproduzida a fundamentação supra exposta, no sentido de que não cabe, legalmente, convite ao aperfeiçoamento das conclusões em sede de recurso de impugnação da matéria de facto. A propósito da alegada inconstitucionalidade, importa dizer que é corolário do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Daí que, o artigo 20.º, n.º 5 da Constituição da República determina que «Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». No entanto, temos de distinguir as situações: de uma parte o direito de acesso aos meios judiciários com vista à salvaguarda e definição do direito para o caso concreto; e de outra, o procedimento definido pelo legislador ordinário quanto ao modo do exercício daquele direito. Nesta questão da conformação constitucional, a recorrente suscita a questão de saber se as normas ínsitas no artigo 640.º, n.º 1, coarctam inadequada e irrazoavelmente o direito ao recurso sobre a decisão da matéria de facto. Mas não tem razão. Na verdade, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância. Assim, sem necessidade de mais considerações, concluímos que a posição da Relação de não tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto por incumprimento dos ónus legais não viola o princípio do acesso ao direito invocado pela recorrente. Improcede, também nesta parte, a pretensão da recorrente. 5. - Da aplicação do factor de bonificação 1.5. Como decorre do teor dos pontos 26 a 37 das conclusões do recurso de revista, a recorrente limitou-se a uma impugnação processual sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5 – “perante tal decisão no apenso de fixação de incapacidade, o Recorrido dela não recorreu ou reclamou, dando-se assim como assente e consolidado tal facto”; “o Recorrido não peticionou pela aplicabilidade cumulativa do factor bonificação de 1.5 na petição inicial, e não peticionou pela ampliação do pedido” – semelhante, aliás, à impugnação apresentada no recurso de apelação, como resulta da leitura do Acórdão recorrido e do Acórdão Conferência que apreciou a invocada nulidade por excesso de pronuncia. Para além do exposto no ponto 2.4. sobre a inexistência da invocada nulidade do Acórdão recorrido por excesso de pronúncia, importa ainda dizer que nada há a objectar quanto ao consignado nesse mesmo Acórdão sobre as duas situações processuais invocadas pela recorrente. Na verdade, como bem consta do Acórdão da Relação, “A [primeira] situação enquadra-se, pois, inequivocamente no preceituado no n.º 2, do art.º 140.º, do CPT, dele decorrendo com clareza que a decisão final proferida naquele apenso só pode ser impugnada neste recurso que foi interposto da sentença final. No que respeita ao segundo ponto, sustenta a recorrida que o autor na petição inicial não pediu a aplicação do factor de bonificação de 1.5 estabelecido na al. a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI, nem subsequentemente pediu a ampliação do pedido, nos termos previstos no art.º 265.º, n.º 2 do CPC, por isso não podendo agora no recurso ampliar o pedido constante da petição inicial. Esta construção assenta num erro, qual seja o de partir do pressuposto de que o Tribunal a quo só poderia aplicar o factor de bonificação 1.5, previsto no n.º 5, n.º 1, al. a), das Instruções Gerais da TNI, desde que o autor tivesse formulado pedido nesse sentido. Conforme estabelece o n.º 2, do artigo 608.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se de outras, salvo se a lei lhe possibilitar ou impor o seu conhecimento oficioso. Ora, importa ter presente que o artigo 74.º do CPT, com a epígrafe “Condenação extra vel ultra petitum” dispõe o seguinte: -“O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”. O direito às prestações reparatórias e outras garantias previstas na Lei 98/2009, de 4 de Setembro, enquadram-se no campo dos direitos indisponíveis, ou seja, respeitam a matéria subtraída à disponibilidades das partes (cfr. art.º 12.º da Lei 98/2009). As prestações reparatórias previstas em termos gerais no art.º 23.º da Lei 98/2009, são fixadas e atribuídas em função da incapacidade, cuja determinação “(..) é efectuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais (..)”, conforme dimana do art.º 20.º da mesma lei. Assim, da aplicação desses princípios resulta que a ponderação e eventual aplicação do factor 1.5 numa determinada situação em concreto, na medida em que respeita à aplicação de normas de direito inderrogáveis, não está dependente do pedido da parte, antes se impondo ao juiz da causa como dever de exercício vinculado, o mesmo acontecendo nos recursos, devendo então observar-se o contraditório, exceptuando em caso de manifesta desnecessidade (art.º 3.º, n.º 3, do CPC), como aqui acontece.”. Estando, pois, estas duas situações conexionadas com a argumentação da alegada nulidade do acórdão por excesso de pronuncia, e inexistindo tal nulidade, mais nada a acrescentar ao trecho transcrito do acórdão da Relação. 6. - Da alteração do valor da indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 para € 40 000,00. 6.1. - No acórdão recorrido pode ler-se: “Neste quadro [artigo 496.º do C. Civil], como decorre do que veio expondo, há um conjunto de danos que são merecedores da tutela do direito que não foram considerados pelo tribunal a quo, ou então se o foram não lhes fez menção expressa e clara na fundamentação, havendo apenas a remissão para os factos. Seja como for, se porventura o tribunal a quo também ponderou esses demais danos merecedores de tutela do direito, então consideramos que o valor que fixou na indemnização não é o adequado, tendo razão o sinistrado quando defende que é baixo. (…). Refere-se na sentença “que se desconhece qualquer situação específica da situação económica desta ré”. Contudo, diremos, pelo menos sabe-se o que consta dos factos 10 e 44, nomeadamente, o seguinte: [10] A ré empregadora é uma empresa que tem por objeto o comércio a retalho de veículos automóveis ligeiros e pesados, motociclos, bicicletas com e sem motor, reboques, semirreboques, acessórios e componentes, importação e exportação, oficina e stand e o exercício da atividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor. [44] De acordo com a apólice que titula o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre as rés, este foi celebrado na modalidade de prémio variável, tendo por objeto o pessoal ao serviço do tomador do seguro e em relação à atividade de comércio de automóveis. Acresce que fazem parte do processo, como é próprio nas acções emergentes de acidente de trabalho, os elementos relativos ao seguro, nomeadamente as folhas de férias para efeitos de determinação do prémio, de onde se extrai que em Julho de 2014, ou seja, o mês imediatamente anterior ao do acidente de trabalho, a entidade empregadora declarou à seguradora os nomes e retribuições de 35 trabalhadores. (…). Ponderando tudo o que se veio expondo, cremos ser adequado e justificado fixar a indemnização por danos não patrimoniais no valor que o sinistrado autor aponta, ou seja, de € 40. 000,00.”. 6.2. - Nas conclusões 38 a 52, a recorrente sustenta a sua tese, essencialmente, na circunstância de “tendo em conta a impugnação da matéria de facto provada relativa aos pontos 32, 22, 26, 27, 28 e 43, e dos factos controvertidos 21, 24, 25 e 26 feita pela Recorrente, que não foi apreciada pelo tribunal a quo, e do qual supra se recorreu, e considerando que a decisão relativa ao valor indemnizatório por danos não patrimoniais se baseou em grande parte naqueles factos, aquela fica prejudicada por estes”. 6.3. – Confirmado o acórdão da Relação na parte da rejeição parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantem-se toda a factualidade invocada no acórdão para fundamentar a fixada indemnização de € 40 000,00 a título de danos não patrimoniais. A questão que se coloca é a de saber se esse valor é adequado, justo e equitativo no contexto dos presentes autos. Considerando todos os elementos aduzidos pelo Tribunal da Relação que fundamentaram o seu juízo de equidade e atenta a gravidade dos danos sofridos pelo autor na sequência do acidente de trabalho sofrido ao serviço da recorrente, da sua exclusiva responsabilidade - “o grau de culpa da entidade empregadora é muito elevado” -, somos a concordar com o valor indemnizatório fixado no acórdão recorrido. Para além das cinco intervenções cirúrgicas a que foi submetido, dos tratamentos muito dolorosos e dos períodos de internamento hospitalar, o autor ficou a padecer das sequelas descritas no facto 21.º, que o impedem de correr, andar de bicicleta e de mota, jogar futebol, voleibol e praticar surf, atividades que praticava como pessoa saudável que era, sem qualquer defeito físico e/ou limitação; passou a sentir dificuldades na realização das tarefas domésticas que exijam esforço físico, como transportar pesos (ex. compras de supermercado) com a mão esquerda superiores a 5kg, fazer pequenos trabalhos de bricolage, arrastar móveis para limpeza; tem dificuldades em estar ou deslocar-se a pé durante períodos prolongados e subir escadas; o quantum doloris, relativo ao sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo autor na sequência das lesões sofridas, é fixável no grau 5 de uma escala de sete graus de gravidade crescente, ao ponto de necessitar de medicação analgésica permanente. Uma dependência de medicação para a vida! Tudo isto agravado pelo facto de o autor ter 39 anos de idade à data do acidente, ocorrido por exclusiva responsabilidade da recorrente que, como escrito no acórdão, “não cuidou, como era sua obrigação, de cumprir quaisquer dos deveres a que estava vinculada para garantir ao autor o direito à execução do trabalho cuja execução lhe determinou em condições de segurança. A Ré simplesmente quis salvaguardar os seus interesses, determinando ao trabalhador que realizasse a tarefa de subir à cobertura da oficina para a limpar, inclusive impondo-lhe a realização de uma função marginal em relação à actividade contratada e normalmente desempenhada, ou seja, de lavador de veículos automóveis, que não tem qualquer conexão com a subida à cobertura do edifício, a 8 metros de altura, para proceder à sua limpeza”. Improcede, também nesta parte, a revista. IV. - Decisão Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem a Secção Social: 1. - Julgar a revista improcedente e manter o acórdão recorrido. Custas a cargo da ré recorrente. Lisboa 2022.10.12 Domingos José de Morais (Relator) Mário Belo Morgado Júlio Teixeira Gomes |